JORNAL DO COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO JULHO 2016 | Nº 44
ACADEMIA FICA MAIS PERTO DO RIO
Foto: Regina Lima
Primeira edição do Simpósio da Bacia do Rio São Francisco foi concluída em Juazeiro (BA) com o mérito de aproximar os setores acadêmicos do Velho Chico em busca de soluções para os problemas da bacia.
Comunidade participa do licenciamento da hidrelétrica de Xingó Página 6 Grupo de Trabalho estuda reservatórios do Velho Chico Página 7
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EDITORIAL UNIÃO ACADÊMICA
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primeira edição do Simpósio da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, realizada no mês de junho, em Juazeiro (BA), nas dependências da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), alcançou os seus principais objetivos. O encontro inédito marcou o início de um relacionamento com a Academia, que o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, promotor do evento em parceria com a Univasf, espera que seja frutífero e duradouro. A ideia é fomentar a pesquisa nas universidades localizadas na extensão da bacia e promover o intercâmbio de tal maneira que a circulação de informações seja capaz de auxiliar os gestores no incremento de medidas a favor do São Francisco, seus recursos naturais e sua gente. Um dos principais compromissos firmados entre os professores e pesquisadores presentes ao encontro foi quanto à formação de um banco de dados reunindo as pesquisas propostas e em andamento, tendo o Velho Chico como alvo. Um avanço na tentativa de disseminar conhecimentos que possam frear ou reduzir os fortes processos de degradação que assolam o maior curso d'água brasileiro, resultado da exploração incessante de seus recursos hídricos. Esse e outros resultados do Simpósio constituem as principais matérias desta edição do Notícias do São Francisco, que também informa sobre as ações promovidas por ocasião da Campanha Nacional em Defesa do Velho Chico, incluindo a barqueata realizada no trecho do rio que divide as cidades de Petrolina, em Pernambuco, e Juazeiro, na Bahia. A matéria exibe os bons números obtidos pela campanha nas mídias digitais, por força dos vídeos criados a partir do mote “Eu Viro Carranca para Defender o Velho Chico”. O jornal ainda traz uma entrevista com a professora Andrea Fontes, coordenadora acadêmica do I Simpósio da Bacia do Rio São Francisco, avaliando os resultados do encontro, e uma matéria sobre o processo de renovação da licença ambiental da Hidrelétrica de Xingó.
As duas plenárias acontecerão num mesmo dia, na capital baiana
PLENÁRIAS EXTRAORDINÁRIAS NA PAUTA DO CBHSF
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Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) promoverá duas plenárias extraordinárias no dia 8 de julho, no auditório do hotel Portobello Ondina, em Salvador (BA). A convocação especial se deve a duas deliberações que precisam ser apreciadas antes da próxima reunião ordinária do colegiado, prevista para o mês de setembro. De acordo com o Regimento Interno do CBHSF, cada convocação extraordinária só pode conter um item em pauta. A XVII Plenária Extraordinária, a ser realizada no período da manhã, terá a função de debater a alteração na redação dos artigos 26 e 48 do Regimento Interno, que versa sobre a ampliação do mandato dos membros do colegiado para quatro anos. A mudança entra em consonância com o que se pratica nos demais comitês
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de âmbito federal. Atualmente, o mandato em vigor no CBHSF é de três anos. No período vespertino, acontece a XVIII Plenária Extraordinária, tendo como pauta a deliberação sobre o relatório final da Câmara Técnica Institucional e Legal (CTIL) que analisou o procedimento de conflito de uso da Adutora Zabumbão, localizada em território baiano. Durante os eventos, também serão fornecidas informações sobre o trabalho de atualização do Plano de Recursos Hídricos da Bacia do São Francisco, que se encontra em fase de conclusão, com relatórios apreciados pelas câmaras técnicas do CBHSF. Outros assuntos da pauta são: projetos de recuperação hidroambiental executados com recursos da cobrança pelo uso das águas do São Francisco e novos planos municipais de saneamento básico. Coordenação geral: Malu Follador Projeto gráfico e diagramação: Yayá Comunicação Integrada Edição: Antônio Moreno Textos: Ricardo Follador, André Santana, Delane Barros, Antônio Moreno e Wilton Mercês Revisão: Rita Canário Este jornal é um produto do Programa de Comunicação do CBHSF Contrato nº 07/2012 — Contrato de Gestão nº 014/ANA/2010— Ato Convocatório nº 043/2011. Direitos Reservados. Permitido o uso das informações, desde que citada a fonte.
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NOTÍCIAS DO SÃO FRANCISCO
CARRANCASVITORIOSAS BONS RESULTADOS EM VISIBILIDADE E ADESÃO MARCARAM O TERCEIRO ANO DA CAMPANHA NACIONAL EM DEFESA DO VELHO CHICO. COM O SLOGAN “EU VIRO CARRANCA PARA DEFENDER O VELHO CHICO” MANTIDO, A CAMPANHA INCLUIU BARQUEATA PELAS ÁGUAS DO RIO, AÇÕES EM MÍDIAS SOCIAIS E A PRIMEIRA EDIÇÃO DE UM AMPLO SIMPÓSIO QUE LANÇOU O OLHAR CIENTÍFICO SOBRE A REALIDADE DA BACIA.
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Campanha Nacional em Defesa do Velho Chico, mais uma vez, ganhou o apoio da população brasileira na luta pela tão esperada revitalização do rio São Francisco. Pelo terceiro ano consecutivo, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) realizou uma programação especial para marcar a iniciativa. A ação mais simbólica ocorreu no dia 3 de junho, com uma barqueata que mobilizou a comunidade no trecho do rio que separa as cidades de Juazeiro, na Bahia, e Petrolina, em Pernambuco. O objetivo foi chamar a atenção para os graves problemas da região. De dentro das embarcações, estudantes, professores, pesquisadores e ambientalistas puderam conferir de perto os dramas vivenciados pelo rio, que abastece mais de 15 milhões de pessoas em seu curso por sete unidades da federação. “Esta é uma região estratégica para se perceber o impacto da ‘seca de gestão’ na bacia do São Francisco, que tem sofrido com a diminuição de sua vazão, destruição de sua vegetação, ocupação de suas áreas de mata nativa e, principalmente, com o despejo de esgo-
Ato simbólico de devolução de água ao São Francisco marcou a campanha deste ano
to em suas águas, como fazem as cidades de Juazeiro e Petrolina”, denunciou Almacks Luiz, membro do CBHSF e que esteve presente ao ato. Durante a viagem, os barcos fizeram ainda uma parada na Ilha do Fogo, para uma ação de peixamento de espécies nativas e a devolução simbólica da água limpa ao rio. A segunda ação no contexto da campanha foi a realização do Simpósio da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, que aconteceu de 5 a 9 de junho, no campus da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), reunindo professores e pesquisadores das universidades sediadas na bacia para uma jornada de debates e estudos sobre o rio e sua problemática. O simpósio, iniciativa inédita, deverá voltar a acontecer em 2018, dando continuidade ao seu objetivo de promover o diálogo entre os gestores da bacia do São Francisco e a Academia.
que este ano aconteceu no dia 1º de junho, no Hotel Hilton Garden, em Belo Horizonte, contou com a participação do presidente e do secretário do colegiado, respectivamente Anivaldo Miranda e Maciel Oliveira, entre outros membros da entidade. Cerca de 20 veículos de imprensa dos estados que fazem parte da bacia participaram da campanha. Na ocasião, o presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, contextualizou o atual cenário de degradação da bacia, que clama por uma revitalização efetiva, após contínuos processos de degradação ambiental, e anunciou a intenção do colegiado realizar em 2017 o projeto ‘Esgoto Zero’, na tentativa de estimular as prefeituras a garantirem a implantação de sistemas de saneamento básico, que atualmente só beneficia cerca de 30% dos municípios são-franciscanos.
COLETIVA À IMPRENSA
FOCO NAS REDES SOCIAIS
Mais uma vez, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco reuniu jornalistas de todo o País para dar informações detalhadas sobre a Campanha Nacional em Defesa do Velho Chico. O encontro,
As mídias sociais foram os principais veículos de divulgação da campanha deste ano. A inclusão de vídeos temáticos sobre a realidade do Velho Chico reforçou os 15 dias de ações promovidas
pelo CBHSF nas redes sociais (Facebook, Instagram, Youtube, Hotsite), alavancando o número de seguidores em mais de 100%. “Só para ter uma ideia, 15 dias antes da campanha, o número de ‘curtidas’ no Facebook era 41.766. Um dia após a campanha, em 4 de junho, esse número chegou a 83.862, o que representou um crescimento de 100,5%”, avalia Malu Follador, coordenadora do programa de Comunicação do CBHSF. Malu Follador destaca que a inclusão de vídeos mostrando a importância do rio São Francisco para o povo da bacia foi peça fundamental para o sucesso do trabalho. “Juntamos a criatividade de artistas profissionais com o cotidiano de pessoas que vivem e se preocupam com o São Francisco, ou seja, o grafiteiro, que pouco ouvia falar sobre os problemas do rio, entendeu o sentimento passado pelo ribeirinho, assim como o tatuador se sensibilizou pela luta dos quilombolas. Ambos refletiram esse afeto em arte. A inspiração tinha como elemento vital o Velho Chico”, ressalta. Foram produzidos 14 vídeos, com alcance médio de 250 mil visualizações por postagem.
Fotos: Regina Lima
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Anivaldo Miranda destacou a união de inteligências em prol do rio São Francisco
PESQUISAS A FAVOR DO VELHO CHICO O I SIMPÓSIO DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO, REALIZADO DE 5 A 9 DE JUNHO, NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO VALE DO SÃO FRANCISCO, CAMPUS DE JUAZEIRO (BA), FOI UM MARCO NA CONSTRUÇÃO DE RELAÇÕES DE PARCERIA ENTRE AS UNIVERSIDADES SEDIADAS NA BACIA DO VELHO CHICO E OS ORGANISMOS RESPONSÁVEIS PELA GESTÃO DO MAIOR RIO GENUINAMENTE BRASILEIRO, POSSIBILITANDO DEBATES QUE LEVEM A CENÁRIOS MAIS ANIMADORES.
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criação de um banco de estudos permanente e atualizado, envolvendo diferentes campos da pesquisa, foi um dos compromissos firmados pelas mais de 50 universidades presentes ao I Simpósio da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, realizado no mês de junho, em Juazeiro (BA), na Universidade Federal do Vale do São Francisco, às margens do Velho Chico. O intercâmbio inédito entre instituições de ensino superior do Brasil e de outros países representou um dos principais resultados do encontro e um avanço na tentativa de frear os fortes processos de degradação que assolam o maior curso d'água brasileiro, decorrentes
da exploração em massa de seus recursos hídricos. A aproximação dos pesquisadores foi uma iniciativa do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, no intuito de garantir uma vida ecologicamente mais sustentável ao Velho Chico. "Estamos unindo as inteligências, as pesquisas científicas e as experiências de gestão em busca de soluções para os desafios da bacia do São Francisco, que são enormes e não serão vencidos por nenhum ente sozinho", afirmou o presidente do CBSHF, Anivaldo Miranda, em uma das sessões do evento, destacando o papel articulador como missão primordial do colegiado. Durante os debates, os estudio-
sos se empenharam para identificar o denominado "estado da arte" do rio São Francisco, na perspectiva de cinco eixos temáticos: qualidade e quantidade da água; saúde dos moradores da bacia – estima-se uma população de 15 milhões; dimensões da vida social de povos e comunidades tradicionais; governança; conservação e recuperação hidroambiental.
NOVAS CONEXÕES "O Simpósio foi o resultado de um grande esforço para desvendar o estado da arte dos estudos científicos sobre o rio São Francisco", destacou Renato Garcia, coordenador-geral do evento e professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf). "Esta universidade, que é nova, já nasce com o nome do rio cravado em seu próprio nome, assume o compromisso de se unir à luta em defesa desta bacia", lembrou Garcia. A Univasf foi criada em 2002, após decreto do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva.
Foram 235 estudantes e pesquisadores inscritos, 77 trabalhos apresentados, dentre os quais, 33 painéis e 41 orais. "Além do compromisso de criar um banco de produções, tivemos também a promessa de promover a parceria entre o CBHSF e as fundações de apoio à pesquisa dos estados que compõem a bacia do São Francisco, com o objetivo de angariar investimentos em estudos que esmiúcem a sua problemática", avaliou Andréa Fontes, coordenadora científica do Simpósio e professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). A professora Andréa ressaltou ainda como potencial resultado do encontro a conexão com o Plano de Recursos Hídricos da Bacia do São Francisco, que chega a sua etapa final se relacionando positivamente com as pesquisas sobre o Velho Chico. "Foi um momento de grande articulação. Saímos daqui com vários parceiros. Não voltaremos para casa sem identificar o que pode ser feito; vamos identificar e produzir", garantiu.
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NOTÍCIAS DO SÃO FRANCISCO
DIVERSIDADE SÃO-FRANCISCANA Uma vasta e distinta exposição de estudos simbolizou a importância que o rio São Francisco tem para o desenvolvimento do País, especialmente para a Região Nordeste, onde 70% do abastecimento depende do São Francisco. A pesquisa intitulada “Patrimônio Intangível do Baixo São Francisco: políticas públicas, sustentabilidade e geração de renda”, enfatiza a importância do Velho Chico para o Brasil, bem como a sua diversidade. Apresentada pela coordenadora do Laboratório da Cidade e do Contemporâneo da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Raquel Rocha de Almeida, a pesquisa sugere a criação de um inventário do patrimônio intangível do São Francisco, tendo como base o conhecimento sobre a cooperativa Art-Ilha, que reúne mulheres artesãs da Ilha do Ferro, no município alagoano de Pão de Açúcar. “Das cerca de 400 pessoas que habitam a ilha, mais de 100 são bordadeiras. É um lugar de muitas “manualidades”, pois, além da renda, há outros ofícios com valor cultural e artístico, como a fabricação de barcos, confecção de redes de pesca e os trabalhadores da madeira. Trata-se de um rico patrimônio imaterial da bacia do São Francisco. É preciso fazer um inventário do patrimônio intangível das práticas e saberes de que as comunidades são detentoras, auxiliando-as na proteção comercial, para que sejam revertidos em benefício do próprio povo da bacia”, defendeu. Nesta mesma linha da dimensão social, o pesquisador Juracy Marques justificou o seu trabalho apresentando a rica diversidade das comunidades tradicionais, como os remanescentes de quilombos, povos indígenas, pescadores tradicionais, fundos de pasto, remeiros, ciganos, entre outros importantes defensores do rio São Francisco. "Esta é a bacia hidrográfica que reúne o maior número de comunidades remanescentes de quilombos do País. É um rio negro", declarou o estudioso, que
abordou ainda os conflitos que ocorrem pelo desrespeito a esses povos. "Houve uma denúncia à comunidade internacional, por meio das Nações Unidas, das violações sofridas pelas comunidades indígenas da bacia", frisou. A preocupação diante das mudanças climáticas foi outro dos temas de maior reação na programação do Simpósio. A informação do especialista Lincoln Muniz, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), de que o rio São Francisco deve sofrer nos próximos anos um forte processo de degradação e desertificação das suas áreas territoriais, perturbou técnicos presentes à palestra. "Estudos mostram que as intensas ações antrópicas – alterações do homem sobre o meio ambiente – estão contribuindo seriamente para o avanço da seca. As mudanças climáticas estão aí e já podem ser sentidas claramente nas bacias hidrográficas", apontou ele, referindo-se a dois pontos críticos decorrentes da variabilidade climática: "O avanço da cunha salina na região da foz e as alterações no regime de vazões, que comprometem o armazenamento de águas nos principais reservatórios do rio, responsáveis pela regulação das águas voltadas para o abastecimento da população ribeirinha", esclareceu. Já Almir Cirilo, secretário de Recursos Hídricos e Energéticos de Pernambuco, alertou para a possibilidade de uma onda de resfriamento afetar em breve as águas do rio São Francisco, por meio do fenômeno La Niña. Para ele, o cenário se tornará “preocupante” porque distúrbios climáticos, como secas e enchentes, passariam a ocorrer de modo acentuado. A anomalia atua em condições reversas ao El Niño, que se associa ao aquecimento das águas superficiais. Cirilo lembrou que esse novo fator climático, apesar de contribuir para a chegada de chuvas no Nordeste, poderá reforçar ainda mais o clima de estiagem que perdura na bacia, numa realidade em que “a demanda ultrapassa a oferta de água”.
CURTAS PLANO DE BACIA I Um rico debate entre três reconhecidos consultores de recursos hídricos movimentou a programação do Simpósio. A mesa sobre a atualização do Plano de Bacia do São Francisco reuniu Pedro Bettencourt, Rodolpho Ramina e Pedro Molina, mediados pelo presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda. Entre diálogos e divergências, algo de consenso: a complexidade dos desafios enfrentados pelo Velho Chico. “Não existe ‘bala de prata’ para salvar o rio São Francisco. Nenhuma solução será fácil para enfrentar os complexos problemas que o rio vem passando ao longo dos anos”, afirmou o engenheiro Rodolpho Ramina.
PLANO DE BACIA II Entre as propostas apresentadas por Pedro Betencourt, da Nemus, empresa responsável pela atualização do Plano de Bacia do São Francisco, encontra-se o estudo de medidas complementares para reduzir a demanda por água e possibilitar o uso sustentável do manancial. “A situação não está confortável hoje e estará ainda menos no futuro”, destacou.
ESTUDANTES PRESENTES O Simpósio foi uma oportunidade para que estudantes universitários tivessem acesso aos estudos e metodologias de pesquisas sobre temas como recursos hídricos e meio ambiente. “Assistir a essas palestras é importante porque elas nos mostram a situação atual do rio, as pesquisas nos dão parâmetros para nossas ações, seja como pesquisadores, seja como cidadãos preocupados com o meio ambiente”, destacou Elianderson Gomes, 21 anos, estudante de Biologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), instituição que sediou o Simpósio.
GOVERNANÇA EM DEBATE A atuação da comunidade científica dentro do gerenciamento de recursos hídricos no Brasil norteou a discussão sobre governança na bacia do rio São Francisco durante o Simpósio. Para os especialistas, será preciso uma maior integração e articulação entre os diversos interesses conflitantes, “para que se faça a efetiva governança”, como disse Yvonilde Medeiros, professora da Universidade Federal da Bahia. A acadêmica lembrou que o avanço da área científica se deu especialmente a partir da criação de fundações de fomento à pesquisa e do marco legal no campo da ciência e tecnologia, “permitindo uma relação mais estruturada entre instituições de pesquisa, pesquisadores e setores públicos e privados”.
PRÓXIMO EVENTO A cidade de Aracaju (SE) sediará a segunda edição do Simpósio da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, em 2018. A Universidade Federal de Sergipe (UFS) justificou a candidatura dizendo que a capital sergipana é abastecida por mais de 50% das águas do Velho Chico. "Temos muito a acrescentar nas discussões", defendeu o professor Inajá Francisco de Sousa. As datas do evento ainda serão definidas pelos organizadores, mas a ideia é que coincidam com as comemorações do Dia Nacional em Defesa do Rio São Francisco, que é 3 de junho.
Foto: Delane Barros
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LICENCIAMENTO DE XINGÓ É DISCUTIDO COM A COMUNIDADE E O COMITÊ REUNIÕES REALIZADAS PELO IBAMA ENVOLVEM A COMUNIDADE NO PROCESSO DE LICENCIAMENTO DA USINA HIDRELÉTRICA DE XINGÓ, INSTALADA ENTRE OS ESTADOS DE ALAGOAS E SERGIPE, NA BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO. O COMITÊ DO SÃO FRANCISCO PARTICIPOU DO DEBATE.
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processo de licenciamento da usina hidrelétrica de Xingó, instalada na bacia do rio São Francisco, entre os estados de Alagoas e Sergipe, passou por uma discussão com a comunidade ribeirinha, juntamente com o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF). Durante três dias, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) promoveu reuniões públicas para discutir o tema e ouvir as demandas relacionadas ao empreendimento nos municípios de Canindé do São Francisco e Propriá, em Sergipe, e Penedo, em Alagoas. O secretário do Comitê, Maciel Oliveira, participou de toda a programação. “Promover esses encontros é
uma iniciativa importante do Ibama, na medida em que é uma oportunidade de ouvir a comunidade. O Comitê tem cobrado sempre ações mais efetivas por parte do Ibama, não apenas nesse processo de licenciamento ambiental, mas também nas demais questões relacionadas ao órgão federal”, resumiu. Maciel aproveitou a oportunidade para requerer que todas as ações referentes à pesca sejam feitas em conjunto com as federações dos pescadores, por se tratar do segmento mais prejudicado com a construção da hidrelétrica. “Várias espécies de peixes nativos da região estão desaparecendo e até agora não foram apresentadas medidas compensatórias e satisfatórias para os pescado-
Representantes do Ibama e do Comitê participaram dos debates
res, que enfrentam a cada dia uma situação pior para a garantia de sua sobrevivência”, completou o secretário do CBHSF. O presidente do Comitê, Anivaldo Miranda, participou da reunião no município de Penedo. Na oportunidade, ele alertou para o cenário de crise hídrica, que volta a se apresentar para a bacia do Velho Chico, ao contrário do que se pensava no início do ano, devido ao registro das chuvas na cabeceira do rio. Ele defendeu o acompanhamento permanente dos impactos causados na região do Baixo São Francisco, a partir do funcionamento da hidrelétrica. Diante de tal perspectiva, Miranda defende a preservação das lagoas marginais do São Francisco. “A preocupação do Comitê é com a quantidade, mas é também, e principalmente, com a qualidade da água”, destacou.
REUNIÕES POSITIVAS O superintendente do Ibama da
Bahia, Célio Costa Pinto, avaliou as reuniões públicas como positivas. Segundo ele, enquanto manteve contato direto com as comunidades envolvidas no processo de licenciamento da hidrelétrica, também houve contribuição para a construção do termo de referência que irá provocar a elaboração dos estudos de impacto ambiental para as possíveis reduções de vazão do rio. Costa Pinto adiantou que no documento final, elaborado a partir das reuniões e que será encaminhado à direção nacional do órgão, em Brasília (DF), devem ser apresentadas condicionantes que atendam à demanda dos pescadores. “Além disso, essas reuniões estimularam a equipe técnica do Ibama a promover algumas recomendações no parecer final”, observou o superintendente do instituto federal, sem adiantar quais seriam. Ele justificou que não integra o grupo de trabalho responsável por essa sintetização.
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NOTÍCIAS DO SÃO FRANCISCO
FLUVIAIS
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Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) apresentou, no mês de junho, em Brasília, uma lista de recomendações ao Grupo de Trabalho do São Francisco (GTSF), criado este ano pela Agência Nacional de Águas (ANA) para definir novas regras operativas dos empreendimentos hidrelétricos instalados na extensão da bacia. Os reservatórios – oito no total - sofrem com os fantasmas da crise hídrica desde 2013, quando se iniciou o processo de restrição das vazões mínimas, resultando na diminuição da água que é liberada para o abastecimento de populações ribeirinhas e setores econômicos. Hoje, a grande crítica de técnicos é de que a água alocada nas represas são estritamente usadas na geração hidroelétrica, sem que leve em conta os vários outros usos existentes na bacia. Preocupado com esse déficit hídrico, que compromete ainda a qualidade da água, o Comitê sugeriu diretrizes que poderão auxiliar nas tomadas de decisões das instituições responsáveis pela gestão dessas usinas, sob a responsabilidade do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Agência Nacional de Águas (ANA) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
HIDROGRAMA
Foto: Ricardo Follador
Entre as recomendações está a prática de um hidrograma ambiental para a gestão das hidrelétricas. Isto significa que será necessário reservar uma parcela da água armazenada para o meio ambiente, como se fosse um usuário. Outra proposta foi o estabelecimento de mecanismo
que quantifique as vazões no rio São Francisco, publicitando regulamente a quantidade de água que é retirada da bacia, um dado até então desconhecido pela grande maioria dos especialistas. "Se quisermos levar em consideração o meio ambiente, temos que primeiro identificar o que é o ecossistema, quais são as suas demandas e necessidades. No momento em que estamos discutindo alocação da água é preciso analisar também alocação para esse ente invisível", avaliou Yvonilde Medeiros, hidróloga e professora da Universidade Federal da Bahia (Ufba). O presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, disse que será preciso estabelecer regras que criem, em época de escassez, a harmonia entre os variados usos múltiplos, caso contrário, as atuais metodologias continuarão obsoletas. "Há muito tempo insistimos na necessidade de construção de uma agenda a médio e longo prazo, no sentido de encontrar um consenso na operação desses reservatórios. Em situação de risco, o risco tem que ser compartilhado entre todos os usuários”, afirmou Miranda. Novos encontros estão previstos na capital federal, para que se crie a resolução que norteará as futuras regras de operação dos reservatórios. A ideia é que até o final do ano esse documento esteja regulamentado pela ANA. Além do CBHSF e da agência reguladora federal, participam do grupo técnico representantes dos estados que integram o território são-franciscano, como Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe.
Foto: divulgação/ANA
RESERVATÓRIOSDOSÃO FRANCISCOEMDEBATE
ÁGUA EM JOGO Com o objetivo de buscar formas de conscientização da sociedade acerca dos impactos da ação humana sobre os recursos hídricos, a Agência Nacional de Águas disponibiliza em seu site (www2.ana.gov.br) o game “Água em Jogo”. Na competição, os participantes devem pensar em estratégias de gestão sustentável de recursos hídricos em uma bacia hidrográfica, a fim de garantir os usos múltiplos e respeitar o meio ambiente. Além de jogar, os internautas recebem dicas de educação ambiental e de como tomar decisões para melhor gerenciar a água. O jogo é fruto de um projeto da ANA em convênio com a Fundação Parque Tecnológico Itaipu e recebe apoio da Itaipu Binacional.
ABRAÇO NO GRANDE Um abraço simbólico no rio Grande, um dos principais afluentes do São Francisco, foi uma das ações que centenas de moradores de Barreiras, na região oeste da Bahia, utilizaram como protesto contra a poluição do meio ambiente, o uso irracional dos recursos hídricos e do solo e o baixo nível das águas do rio, na primeira semana de junho, quando se celebrou o Dia Mundial do Meio Ambiente. A manifestação, que contou com palestras e apresentações culturais, foi realizada em parceria com instituições socioambientais, acadêmicas e culturais, além do poder público municipal. Uma carta de intenções foi elaborada para firmar compromissos envolvendo todos os usuários dos rios
EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA No dia 21 de junho foi aberta a exposição “Da abundância à escassez”, que reúne o trabalho de 12 fotógrafos mostrando as belezas hídricas do Brasil e os problemas a elas associados. A mostra faz parte do seminário “Crise hídrica no Brasil: ontem, hoje e amanhã”, ocorrido em junho, e ficará em cartaz até o final de julho, na Galeria do Tempo – Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro.
NO BALANÇO DAS ÁGUAS No Dia Nacional em Defesa do São Francisco, 3 de junho, o barco-museu no Balanço das Águas completou seis anos de resgate da cultura e memória do Velho Chico com ações sociais e a promoção do trabalho de artesãos ligados à bacia. Idealizado por artistas plásticos como Maria Amélia Vieira e Dalton Costa, de Maceió (AL), o barco já promoveu diversas atividades artísticas, beneficiando cerca de três mil ribeirinhos da região do Baixo São Francisco em localidades como Ilha do Ferro, Piranhas e Mato da Onça, em Alagoas; e Ilha do Ouro e Porto da Folha, em Sergipe.
ENTREVISTA
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ANDRÉA FONTES
Foto: Regina Lima
INTEGRANDO CONHECIMENTO
A REALIZAÇÃO DO I SIMPÓSIO DA BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO, DE 5 A 9 DE JUNHO, EM JUAZEIRO (BA), ABRIU PORTAS PARA O DIÁLOGO ENTRE AS INÚMERAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO QUE SE DEDICAM A ESTUDAR O VELHO CHICO SOB DIFERENTES ASPECTOS. NESTA ENTREVISTA, A PROFESSORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA (URFRB) E COORDENADORA ACADÊMICA DO EVENTO, ANDRÉA FONTES, FAZ UM RESUMO DOS TRABALHOS APRESENTADOS E APONTA OS FUTUROS DESAFIOS PARA A CLASSE ACADÊMICA.
Que balanço a senhora faz desses três dias de debates? As discussões resultaram em avanços que foram além do conteúdo. Na verdade, como já dizia o tema do Simpósio, “Integrando Conhecimento em Defesa do Velho Chico”, estabeleceu-se uma enorme junção de pensamentos. No nivelamento, que aconteceu no primeiro dia, as apresentações trouxeram contribuições da situação do rio e as pessoas presentes aprenderam e trocaram informações. No segundo dia, na apresentação dos trabalhos, comprovamos essa troca de experiências. Pudemos identificar o grande diferencial do evento: nós, pesquisadores, não trabalhamos apenas os recursos hídricos. Como engenheira, eu não estou trabalhando unicamente drenagem urbana ou qualidade da água. Estou trabalhando, juntamente com vários outros estudiosos, visões totalmente distintas a respeito de um rio... e conseguimos que um ouvisse o outro. Em outros eventos isso não é oportunizado. Para mim, foi um grande avanço. Aprendi sobre dimensão social, conservação e vegetação nativa da bacia. O primeiro avanço que conseguimos foi exatamente a integração de todos. E o segundo avanço? A outra questão foi a composição dos grupos de trabalho. No Simpósio foram apresentados os resultados dos estudos como um pontapé inicial para as discussões. Os compromissos do último dia nos fizeram perceber que valeu a pena realizar o encontro. Firmamos o compromisso de criar um banco de produções em parceria com o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. Tivemos também o compromisso de anunciar um segundo evento para 2018, em Aracaju (SE). Outro compromisso será a articulação com as fundações de apoio à pesquisa. Durante a programação do Simpósio, algumas representações de estados falaram sobre o assunto. Além disso, o encontro permitiu uma grande articulação com base no Plano de Recursos da Bacia, que está sendo concluído
pelo Comitê. Saímos daqui com vários parceiros. Não voltaremos para casa sem identificar o que pode ser feito. Vamos identificar e produzir. Existe a pretensão de cadastrar essas produções científicas? O próximo passo será a elaboração de um relatório, para que nós possamos viabilizar esse banco de produções e, dentro do Comitê do São Francisco, que é o promotor do evento, disponibilizarmos o cadastro de publicações, que é bastante dinâmico. Hoje, a produção é dinâmica. Não posso dizer que sabemos do estado da arte de todas as produções. Amanhã poderá ser publicado um novo trabalho, então, esse banco de dados vai ser dinâmico, atualizado a cada dia. Aqui também sensibilizamos os pesquisadores para colocarem seus estudos nesse banco de dados. Para um segundo evento, a gente espera que esse conjunto de pesquisas
NÃO ADIANTA EU ESTAR FAZENDO ESTUDOS SIMPLESMENTE PORQUE EU ACHO QUE AQUILO É IMPORTANTE. É FUNDAMENTAL QUE A GENTE FAÇA A PESQUISA PORQUE A SOCIEDADE QUER, PORQUE A BACIA ESTÁ PRECISANDO. ENTÃO, A DEMANDA QUE O COMITÊ TRAZ AO PESQUISADOR É ESSENCIAL. NA VERDADE, A CIÊNCIA ESTÁ AJUDANDO A SOCIEDADE.
seja ampliado e, assim, tenhamos uma fotografia melhor do que está sendo produzido. A conexão com o plano da bacia, que vem sendo atualizado pelo CBHSF, vai direcionar quais são as lacunas nos trabalhos. A Academia chega para ajudar. Neste Simpósio foram identificados os pontos de estudo prioritários para a resolução de problemas críticos da bacia? Para um diagnóstico mais preciso, ainda não foi possível chegar a tal conclusão. Mas vimos que a questão da qualidade da água foi um ponto bastante discutido e trabalhado, especialmente na região do Alto São Francisco, em Minas Gerais. Como estamos iniciando a investigação, ainda é bastante prematuro afirmar qual a prioridade da bacia. Conseguimos entender o que nós, na qualidade de pesquisadores, precisamos identificar como pontos mais urgentes. Como se dá a participação do Comitê do São Francisco junto às universidades? É essencial. A Academia realiza pesquisas que têm que retornar para a sociedade. E o CBHSF traz o que é necessário para a população do rio São Francisco. Não adianta eu estar fazendo estudos simplesmente porque eu acho que aquilo é importante. É fundamental que a gente faça a pesquisa porque a sociedade quer, porque a bacia está precisando. Então, a demanda que o Comitê traz ao pesquisador é essencial. Na verdade, a ciência está ajudando a sociedade. É a junção perfeita: o que se quer e o que a Academia pode ajudar a fazer. O Comitê acaba sendo uma espécie de demandante das pesquisas sobre o rio? Sim. Porque, hoje, quem mais sabe do que o rio São Francisco precisa, até em razão do diagnóstico que o plano da bacia apresenta, é o CBHSF. Então, ele sabe também quais são as demandas prioritárias. A gente agrega o conhecimento. A partir dessa articulação de conhecimentos, vamos avançar para efetivamente cuidar do rio.