Revista Chico Nº 6 - Dezembro / 2019

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Revista do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco • Dezembro 2019

# Eu viro carranca para defender o Velho Chico: seis fotógrafos eternizam a luta O Canal do Sertão, obra que se arrasta por três décadas As manchas negras – e o suspense na foz É verão na Serra da Canastra 1


Expediente PRESIDENTE: ANIVALDO DE MIRANDA PINTO VICE-PRESIDENTE: JOSÉ MACIEL NUNES OLIVEIRA SECRETÁRIO: LESSANDRO GABRIEL DA COSTA PRODUZIDO PELA ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO CBHSF TANTO EXPRESSO COMUNICAÇÃO E MOBILIZAÇÃO SOCIAL COORDENAÇÃO-GERAL: PAULO VILELA, PEDRO VILELA, RODRIGO DE ANGELIS EDIÇÃO: KARLA MONTEIRO TEXTOS: ALTINO FILHO, ANIVALDO MIRANDA, ANDRÉIA VITÓRIO, KARLA MONTEIRO, LUIZA BAGGIO, MARIANA MARTINS E OHANA PADILHA PROJETO GRÁFICO: MÁRCIO BARBALHO DIAGRAMAÇÃO: RAFAEL BERGO FOTOS: ACERVO JOÃO GILBERTO, ALLAN RODRIGO, AZAEL GÓIS, BIANCA AUN, DIVULGAÇÃO PAC, EDSON OLIVEIRA, GREENPEACE, HIGOR SOARES, LÉO BOI, MARCELO ANDRÊ, MARCIZO VENTURA E STHEL BRAGA ILUSTRAÇÕES: CLERMONT CINTRA REVISÃO: ISIS PINTO E LUIZA BAGGIO FOTO CAPA: AZAEL GÓIS IMPRESSÃO: ARW GRÁFICA E EDITORA TIRAGEM: 5000 EXEMPLARES DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DIREITOS RESERVADOS. PERMITIDO O USO DAS INFORMAÇÕES DESDE QUE CITADA A FONTE. SECRETARIA DO COMITÊ: RUA CARIJÓS, 166, 5º ANDAR, CENTRO BELO HORIZONTE - MG CEP: 30120-060 - (31) 3207-8500 secretaria@cbhsaofrancisco.org.br ATENDIMENTO AOS USUÁRIOS DE RECURSOS HÍDRICOS NA BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO: 0800-031-1607

Páginas Verdes Professor Evandro Moraes da Gama

Mudanças Climáticas O que é o que é...

ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO: comunicacao@cbhsaofrancisco.org.br

www.cbhsaofrancisco.org.br

Tragédia Ambiental É fogo

Descaso O Velho Chico está sendo soterrado

Crime Ambiental A dois passos da tragédia

Fauna Os habitantes do Velho Chico

Economia O fim do sem fim

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SUMÁRIO 34

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Publicação

Instituição

Gastronomia

Transpondo problemas

Prestação de contas

Que marravilha

43 Cultura Saudade que não chega

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Turismo

Ensaio

Um lugar chamado Canastra

Poesia da luta

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Editorial

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O ano que não terminou Ao pensarmos a pauta desta edição da CHICO, a última de 2019, vimo-nos diante de um dilema: como fazer uma revista saborosa diante do cenário de tragédias ambientais? As queimadas na Amazônia. O derramamento de petróleo que manchou o país de negro, chegando à foz do Rio São Francisco. O aquecimento do debate sobre as mudanças climáticas, comprometido por posições ideológicas antagônicas e polarização política. E... Sobretudo, a agonia do Velho Chico, sofrendo as consequências do descaso com o meio ambiente. Nossa saída para a questão foi trazer para o leitor informação de qualidade, em reportagens que mesclam as dores e as delícias de percorrer a extensão do mais importante e lendário rio do Brasil. Aliás, os temas vão além de suas margens, mas permeiam o urgente e inadiável debate sobre os rumos do

planeta. A tarefa de cuidar do Velho Chico não é local, pontual, desconectada do resto do mundo. Pelo contrário. Para termos êxito, faz-se necessária a compreensão de que não existe fora: a terra é redonda – e tudo na natureza se conecta. Não seria exagero afirmar: o ano de 2019 não terminou. As consequências dos desastres ambientais que o marcaram serão infinitas, como você verá nestas páginas. Porém, o tempo não para, já dizia o poeta: é verão. Ao terminar a leitura deste número da CHICO, você também terá conhecido mais um pouco da beleza e da cultura que brota - e insiste em não morrer – à beira do São Francisco. Boa leitura!

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Anivaldo Miranda Foto: Bianca Aun 6


A Palavra do Presidente

Uma jornada de intenso trabalho Antes que o presente ano chegue ao fim, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco entregará, em sua reunião plenária do segundo semestre, um balanço positivo e digno de nota, sobretudo porque os problemas da atual conjuntura, recheada de desafios que a gestão ambiental e dos recursos hídricos atravessa, não foram capazes de alterar o ritmo crescente das suas atividades, fortalecimento de seu papel institucional e avanço no cumprimento de suas metas. Nem mesmo a camisa de força dos 7,5 % (sete e meio por cento) que a Lei 9.433/97 impôs como limite às despesas de custeio da agência delegatária, que funciona como braço executivo do Comitê, dificultando sua plena capacidade de resposta, funcionou como obstáculo intransponível para que o CBHSF tenha continuado a replicar suas linhas de projetos com aprovação de resultados já comprovados, bem como não foi impeditivo para que adentrasse em cenários novos que ampliam ou irão ampliar sua presença e capilaridade na bacia hidrográfica e até mesmo fora dela, como, por exemplo, é o caso da aproximação e interação entre o CBHSF, os Comitês de seus rios afluentes e os Comitês das bacias receptoras do projeto da transposição, localizados na Paraíba, no Ceará e Rio Grande do Norte. No transcurso deste ano de 2019, o CBHSF fez uma análise abrangente, através de suas diversas instâncias, dos seus projetos de recuperação hidroambiental já executados e deu início a uma nova família de projetos similares que têm sua porta de entrada nas quatro Câmaras Consultivas Regionais do Alto, Médio, Submédio e Baixo São Francisco. Esses projetos seguem um ritual de processamento que em breve redundará na execução planejada de cada um deles, todos voltados para a melhoria da qualidade e quantidade das águas na bacia, promoção do abastecimento de água para comunidades ribeirinhas, recuperação de lagoas marginais e de sua biodiversidade, revegetação de áreas de recarga, proteção de nascentes, recomposição de matas ciliares, arranjos produtivos associados à recomposição de vegetação ciliar e um sem número de outros objetivos convergentes. Também durante o transcurso de 2019 o CBHSF continuou fazendo jus ao seu papel de maior investidor na elaboração de Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSBs) em toda a Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, realizando um trabalho em conjunto ao Ministério Público em vários municípios que receberam seus planos das mãos do Comitê para que adotem medidas concretas no sentido de transformar esses planos

em leis municipais e para que mobilizem as representações parlamentares de seus respectivos estados com vistas a obter do governo federal os recursos para execução das sonhadas obras de saneamento básico, sobretudo dos sistemas de coleta e tratamento de efluentes que livrem o São Francisco e seus rios afluentes do terrível impacto dos esgotos domésticos. Em parceria com um amplo arco de órgãos e agências de fiscalização e monitoramento da gestão ambiental e dos recursos hídricos nos estados que compõem sua bacia hidrográfica, o CBHSF continuou dando apoio decisivo ao Programa de Fiscalização Integrada, que agora ganhará versões mais eficazes, sobretudo do ponto de vista da interação do seu papel coercitivo com sua missão pedagógica e informativa, conforme a riquíssima troca de experiências que, sob a coordenação do CBHSF e do Ministério Público – federal e dos estados, ocorreu em memorável oficina de trabalho recentemente realizada em Maceió, Alagoas. Além de alguns projetos de maior escala, como o recadastramento dos usuários das águas do Velho Chico em toda a sua extensão, o monitoramento da qualidade das águas no Baixo São Francisco, em parceria com a Agência Nacional de Águas, a construção do Sistema de Informações da Bacia e a pretendida parceria, apesar dos entraves burocráticos, que o CBHSF quer fazer com órgãos da cooperação internacional para capacitar grande número de irrigantes no uso racional das águas, o Comitê não descuidou de seu intenso papel como articulador institucional, a exemplo de sua ação cooperativa com os órgãos até agora envolvidos no monitoramento do impacto das manchas de óleo na Foz do Velho Chico e a organização e realização exitosa e extremamente gratificante do I Encontro dos Pescadores Artesanais da Bacia Hidrográfica, na cidade de Penedo. Apresentar esse balanço de atividades não tem apenas sentido administrativo. Tem também um sentido emblemático do ponto de vista do emocional coletivo de todos que se preocupam com a gestão das águas do Velho Chico e daqueles que, objetivamente, com pequenas ou grandes ações, contribuem positivamente para essa gestão. Todas essas pessoas merecem saber que nosso esforço comum, apesar do momento tão mesquinho e adverso, não tem sido em vão. Ao contrário, está produzindo e irá produzir resultados ainda mais gratificantes.

Anivaldo Miranda Presidente do CBHSF

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Páginas Verdes

Evandro Moraes da Gama Em 1985, o professor Evandro Moraes da Gama, do departamento de Engenharia de Minas da Universidade Federal de Minas Gerais, começou a se preocupar com o futuro da água no estado. De lá para cá, capitaneou o projeto de desenvolvimento de uma tecnologia que pode contribuir para solucionar o grande problema da mineração: o “rejeito” – ou fração estéril produzida pelo beneficiamento de minério, armazenado em barragens que se transformaram em bombas-relógio, sobretudo após o rompimento de duas delas, em Mariana e Brumadinho.

Com a nova tecnologia, em vez de armazenado em reservatório d’água, o rejeito poderá ser reaproveitado, transformando-se em uma espécie de cimento – pozolana, que serve como base para vários outros materiais, tais como concreto, argamassa e pelotas de minério, utilizadas na pavimentação de estradas, construção civil, agricultura e até piscicultura. A técnica também recupera ferro para fabricação de aço. Em entrevista à CHICO, o professor Evandro – literalmente – apontou o caminho das pedras.

Por Mariana Martins Foto: Bianca Aun e Léo Boi

Como surgiu e há quanto tempo essa tecnologia vem sendo desenvolvida? Em 1985, o então departamento de Engenharia de Minas da UFMG já começava a enxergar o problema da água em Minas Gerais. Fizemos um projeto alertando e propondo soluções e enviamos para a Finep (Financiadora de Inovação e Pesquisa). Nesse projeto, incluímos o uso dos resíduos de mineração para outra cadeia produtiva. Nessa época, tínhamos um minério que era muito rico, não sobrava tanto rejeito e as barragens eram bem menores. Com o passar do tempo, esse minério “puro” foi acabando, a China começou a comprar nosso minério e, com isso, começamos a entrar na rocha que é o nosso aquífero, o itabirito. Da preocupação com isso é que surgiu o projeto. E aí, o aumento da demanda de ferro e o lucro que a atividade trazia propiciou o crescimento desenfreado da mineração. Como foi esse crescimento tão rápido e “desenfreado” da atividade mineradora? O que impulsionou isso? Com o aumento da demanda, as empresas começaram a desenvolver técnicas com a utilização de água e amido. Com essa técnica, formase uma bolha que capta o ferro (flotação convencional), a bolha sobe, solta o ferro e a sílica desce. Isso começou com cerca de 10 toneladas/hora. De repente começamos a produzir 100 toneladas/ hora. E com isso, foi aumentando o tamanho da cava, a quantidade de equipamento, o tamanho de caminhões numa velocidade que a própria tecnologia da ecologia não entendia. Era uma ignorância, e não uma maldade. O fato é que o crescimento do consumo e o 8

fenômeno da globalização aconteceram de forma tão rápida que a gente entrou num módulo de continuar minerando, retirando. A velocidade com que a mineração se expandiu e a necessidade de se produzir minério cada vez mais rápido e em escalas cada vez maiores fez com que a ganância pelo dinheiro rápido superasse a inteligência da engenharia. A mineração começou a ser feita a toque de caixa. As barragens foram recebendo rejeito numa quantidade muito superior ao que elas aguentavam. Barragens com concepção de 1950, recebendo rejeito de tecnologias de 2010, 2015. Uma tecnologia de altíssima velocidade sem a preparação do alicerce. E já estamos sofrendo as consequências disso. O rompimento das barragens da Samarco (em Mariana/MG) e da Vale (em Brumadinho/MG), fizeram estragos irreversíveis, não só no meio ambiente, como acarretaram a morte de centenas de pessoas. Como podemos impedir que isso ocorra novamente? Chegamos num disparate: um celular que pesa cerca de 250 gramas, gera 1.500 quilos de rejeito, e não se sabe o que fazer com isso. O mundo vai numa situação que esse consumo direto nos obriga a conviver com um inimigo que é muito feroz, que é a vontade de ter, sem saber o que se quer ter. Isso é um problema do ser humano. Se não houver uma educação voltada para o querer coletivo, a gente vai voltar à Idade da Pedra. Estamos prejudicando a água que a gente bebe, o que é de uma ignorância, de uma falta de visão coletiva. A natureza aqui no Brasil é tão abundante que a gente joga comida fora tendo gente pobre. Essa abundância nos leva a um sentimento de que a natureza aceita qualquer desaforo.


Professor Evandro Moraes da Gama

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Barragem Maravilhas II, localizada em Itabirito (MG), possui um volume de 94 milhões de m³ de rejeitos de mineração

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A partir de 1997, começamos a entender que algo precisava ser feito. Eu fui pra França, onde fiquei por nove anos. A França, antes da I Guerra Mundial e no período entre guerras, era uma grande produtora de carvão. Hoje, todas as minas de carvão estão fechadas. Mas o lugar morreu? Não. Criou-se uma economia paralela. Hoje a França constrói estradas com rejeitos a um terço do custo do Brasil, o museu George Pompidou é em parte construído com material reciclado. Baratear a construção civil, proporcionar um cuidado maior com a natureza, proporcionar o crescimento da agricultura familiar, ou de uma agricultura menos infestada de inseticida, nos proporciona uma melhor condição de vida. Então, esse foi o raciocínio que eu levei para o departamento de Engenharia de Minas da UFMG. E foi a partir daí que a tecnologia de reutilização do rejeito de minério começou a ser desenvolvida? Sim. A partir do raciocínio de que a gente tem que tentar fazer uma mineração que aproveite tudo. Isso cria uma economia para a gente não ficar refém da indústria de mineração. Vamos ter que sair da economia do ferro e entrar numa economia ligada à infraestrutura, porque os materiais que estão junto com o ferro servem muito para a construção civil e para a infraestrutura. Eles substituem parte do calcário e toda a areia de rio, por exemplo. O cimento é produzido basicamente da calcinação do calcário gerando milhões de toneladas de gás carbônico para o meio ambiente. Se usarmos a pozolana produzida com resíduos de mineração faremos o cimento mais resistente, sustentável e preservaremos as formações calcáreas, onde sempre temos grutas e vestígios de outras civilizações. Tudo o que estiver nas barragens de minério pode virar produto. A proposta é termos um sistema sustentável completo na cadeia da mineração. Isso é técnica e economicamente viável. Em que os rejeitos podem ser transformados? Tijolos, lajotas de pisos e blocos, além do produto-base, a pozolana - um pó semelhante ao cimento convencional, mas que tem a vantagem de ser colorido, de acordo com a característica do minério: vermelho, rosa, ocre e marrom. Esse pó substitui o calcário, fazendo com que o cimento fique mais maleável, um pouco mais plástico, não agride a mão do operário e cola de forma melhor, e consegue ter uma resistência melhor ao tempo. Com esse material é possível construir casas, pavimentar estradas e ainda pode ser utilizado na agricultura e na piscicultura. Como é a utilização na agricultura e na piscicultura? A partir do resíduo que está na barragem são feitas pelotas quase esféricas. Fizemos vários testes na Escola de Veterinária da UFMG. Colocamos camadas de uma esfera cascuda (pelotas) no solo, que além de aumentar a umidade, faz com que a água drene melhor – você cria uma granulometria para que a planta cresça. Fizemos também uma camada de pelotas suspensas e colocamos em cima salsinha, cebolinha, hortelã e embaixo, tilápia. A tilápia se desenvolveu normalmente e o sabor ficou um pouco mais adocicado por causa do ferro. As fezes do peixe subiram para a superfície servindo de adubo para as plantas. Foi um experimento que deu muito certo. É possível desenvolver hidroponia em larga escala utilizando esse material. E qual o custo disso? Que impacto traria para a indústria da construção civil? Por exemplo, uma casa de 42 m² que nós construímos [essa casa está em Pedro Leopoldo, no Centro de Desenvolvimento Sustentável], custou 60% do valor se construída com materiais convencionais, do

telhado à base. Uma tonelada de cimento puro, sem colocar rejeitos, está em torno de R$ 72,00 (custo). Quando entra a pozolana, ele cai para cerca de R$ 54,00. A areia de rio custa em torno de R$ 60,00 a tonelada. A nossa areia sai a R$ 24,00 a tonelada. Aí existe também a necessidade de se ter uma visão econômica mais ampla. Você não pode introduzir no mercado um produto que vai fazer com que o preço do cimento caia de uma forma que leve as empresas de cimento à falência. A entrada tem que ser paulatina. Qual o impacto que a geração de produtos a partir de rejeitos poderia ter no volume de material hoje colocado em barragens? Fizemos algumas projeções. Num cenário de curto-prazo, até 2021, a gente teria absorção de 8% de rejeito de 15 bilhões de toneladas, o que já é muita coisa. A barragem que estourou de Brumadinho poderia fazer todo o recapeamento de Montes Claros. Em um cenário de longo prazo, em 2039, teríamos já 61% do rejeito aproveitado. Aí, ficaríamos iguais à China, que para 2039 está aproveitando 75% de seu rejeito, fabricando de porcelanato a dormente para estrada. Nós compramos porcelanato da China, feito com o nosso rejeito. Então, vai entender! Como é que as mineradoras fornecem esse rejeito? Há uma parceria? Foi criado um modelo de negócios com a Codemig (Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais), que abraçou essa causa agora. O estado de Minas Gerais está pretendendo fomentar por meio de parcerias uma ou mais usinas. Funciona da seguinte forma: a mineradora negocia com a empresa interessada em tratar os resíduos com a nossa tecnologia, uma área, dentro daquela área que ela está, que já foi licenciada ambientalmente, com uma saída direta para a rodovia, de forma que se tenha a liberdade de vender o material produzido. A empresa poderá receber por ano, cerca de 150 mil toneladas de rejeito. A partir daí, produzir pozolana, cimento. Isso vai para a construção civil, para construções habitacionais e industriais, para a área de pavimentação. Para cada 10 km de estrada, vamos poder colocar 32 mil toneladas de rejeito na base e sub-base da estrada. Para você ter ideia, a barragem de Mariana, se fosse possível fazer a estrada Fernão Dias de novo, tinha acabado com a barragem. A estrada teria consumido tudo. Como você enxerga o futuro da mineração? Há ecologistas que querem parar a produção de minério. Eu não sou dessa linha. Sou da opinião de que a mineração tem que funcionar, mas tem que funcionar no cabresto, com a fiscalização da população de forma semanal. Tem que prestar contas do que faz. Tem gente que quer virar a economia do estado para um estado totalmente turístico. Mas Minas Gerais, como o próprio nome diz, é um estado minerário. Tivemos o ciclo do ouro, do diamante, e agora estamos no ciclo do ferro. Mas estamos também no ciclo da água. Então, a queda de braço é essa: água sim, minério de ferro, até que ponto? Um estado ou um país aquífero teria muito mais lucro explorando água. Mais fácil tirar, menos poluente, e água mineral de exportação é caríssima. Vide uma Perrier da vida. O modelo econômico da indústria extrativista e do minério de ferro precisa passar por uma reformulação. Tem que ser lei, além de estadual, federal. Tem que se enxergar isso como economia circular de mercado, regional, com leis pertinentes a esse mercado. A lei Kandir, feita na época de Fernando Henrique Cardoso, tira o imposto ICMS para favorecer a exportação de minério de ferro. Agora, coloca imposto para ver se vai exportar tanto. Não vai. Então é melhor transformar aqui dentro para gerar economia interna. Então, essa visão de Brasil que me pintou agora. 11


Mudanças Climáticas

O que é o que é... Muito se houve falar sobre mudanças climáticas e aquecimento global. Mas o que significam? Como o aumento da temperatura na Terra pode afetar as nossas vidas? A culpa é do homem? Ou trata-se de fenômeno natural? O Velho Chico pode morrer? Por Ohana Padilha / Foto: Higor Soares Em fins de setembro não se falou de outra coisa, tanto aqui como lá fora: a mudança climática e suas implicações no futuro da humanidade. Os ecos partiram de Nova York, onde, em dois eventos paralelos, a Cúpula do Clima e a Assembleia Geral da ONU, discursaram líderes mundiais. Na Cúpula do Clima, a jovem ativista sueca Greta Thunberg abriu os trabalhos conclamando pelo fim da “guerra contra a natureza”: “Precisamos agir, senão será tarde demais. Não esperemos mais, vamos fazer isso agora”. Já na abertura do encontro anual das Nações Unidas, o 74º desde que o brasileiro Oswaldo Aranha inaugurou a tradição, em 1947, o presidente Jair Bolsonaro proferiu um polêmico discurso na direção oposta. Ao mesmo tempo em que afirmou que o governo brasileiro tem “um compromisso solene com a preservação do meio ambiente’, criticou o “ambientalismo radical” e o “indigenismo atrasado”, afirmando que o Brasil não vai aumentar a extensão das terras demarcadas: “Acabou o monopólio do senhor Raoni”. Mas o que exatamente são as mudanças climáticas de que tanto se fala? E por que, apesar das evidências de que o planeta pede socorro, o assunto ainda provoca tanta polêmica? Nos pólos do amplo e variado espectro de atores que debatem e vivem a questão estão, de um lado, os partidários de um modelo de desenvolvimento sustentável que gritam pela redução de CO2 na atmosfera, o que significa redefinir padrões atuais de produção e consumo dos bens materiais usando as novas tecnologias e mudanças de comportamento para promover o equilíbrio entre economia, bem-estar e preservação das condições básicas da vida no planeta. Do outro lado da bancada, os desenvolvimentistas, que ainda concebem o crescimento econômico como um processo ilimitado e preferem tratar a urgente questão ambiental como histeria em vez de ouvir a ciência. De acordo com a definição da própria ONU, a anfitriã do debate, a mudança climática é, sim, um dos maiores desafios do nosso tempo, afetando desde a produção de alimentos até o aumento do nível do mar. “Quando falamos em mudança climática, estamos falando de uma alteração no regime normal do clima. É a chuva completamente fora do esperado. É a temperatura que vem aumentando a cada ano. São alterações que extrapolam o esperado”, comentou Diana Marinho, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Rodando o globo, os problemas estão por toda parte: do derretimento das calotas polares às secas prolongadas. Das enchentes catastróficas aos incêndios florestais. No Brasil, de acordo com o Painel Brasileiro de Mudanças 12

Climáticas, nas grandes metrópoles, como Rio de Janeiro e São Paulo, verifica-se um aumento de eventos extremos de chuva associados a enchentes e inundações, o que vêm demandando análise dos cenários de risco e das condições de vulnerabilidade. A culpa é do homem Para o WWF (World Wide Fund for Nature), o controverso aquecimento global pode ser traduzido. Em suma, trata-se do aumento da temperatura média dos oceanos e da camada de ar próxima à superfície da Terra, provocado pelo famoso efeito estufa. O que é isto? Nada mais do que o acúmulo de gases, tais como gás carbônico, metano e óxido nitroso, na atmosfera, formando uma película no entorno do globo. Como essa camada vem se tornando cada vez mais espessa, acaba por reter mais e mais calor, ocasionando a fúria da natureza: furacões, tornados, tsunamis, tempestades tropicais. Nos próximos anos, caso nada seja feito para frear o processo, assistiremos o galope das tragédias ambientais. A culpa é do homem? Ou são fenômenos naturais? Geólogos do mundo inteiro estão levantando a tese: a terra mudou de época geológica. O planeta deixou para trás o Holoceno para entrar no Antropoceno. Ou seja: os humanos substituíram a natureza como força dominante. O Antropoceno é um conceito novo, proposto pela primeira vez pelo químico holandês Paul Crutzen. Especialista em química atmosférica, ganhador do Nobel de 1995 pelos estudos acerca da camada de ozônio, Crutzen atentou para a forma intensa e devastadora como a atividade humana vem mudando a composição atmosférica, provocando a subida dos termômetros até agora em um grau. Conforme seus estudos, o nível do mar já subiu 20 centímetros. Não se sabe ainda quanto tempo vai demorar para a catástrofe, mas a previsão é que os mares avancem até sete metros. Entre as principais atividades humanas que acarretam o aquecimento global e consequentemente as mudanças climáticas, estão a queima de combustíveis fósseis (derivados do petróleo, carvão mineral e gás natural) para geração de energia, atividades industriais e transportes; conversão do uso do solo; agropecuária; descarte de resíduos sólidos e desmatamento. Todas essas atividades emitem grande quantidade de CO2 e de gases formadores do efeito estufa.


Guerra no twitter Comentários contra Greta Donald J. Trump,

Comentários a favor de Greta Barack Obama,

@BarackObama

Apenas 16, @GretaThunberg já é um dos maiores advogados do nosso planeta. Reconhecendo que sua geração suportará o impacto da mudança climática, ela não tem medo de pressionar por uma ação real. Ela encarna nossa visão no @ObamaFoundation: Um futuro moldado por jovens líderes como ela.

@realDonaldTrump

Ela parece uma garota jovem e muito feliz que espera um futuro brilhante e maravilhoso. Tão bonito de ver! Marina Silva,

Eduardo Jorge,

@EduardoJorge

Reações apressadas… e raivosas. Para mim a paixão é muito mais transformada do que a raiva. A ação de Greta tem sido extraordinária mas não se deve exigir dela que seja um oráculo infalível, seja na forma ou seja no conteúdo. Todos nós somos humanos.

A jovem ativista @GretaThunberg tem feito um trabalho memorável em defesa da vida do planeta. É grotesca a montagem mentirosa forjada para atacá-la. Essa não é uma postura digna e compatível com quem postula o cargo pra ser embaixador do Brasil nos EUA. #DesculpaGreta

U2,

Dinesh D’Souza,

@DineshDSouza

Crianças - principalmente meninas brancas nórdicas com tranças e bochechas vermelhas - eram frequentemente usadas na propaganda nazista. Uma velha técnica de Goebbels! Parece que a esquerda progressiva de hoje ainda está aprendendo seu jogo com uma esquerda anterior na década de 1930.

Eduardo Bolsonaro,

@BolsonaroSP

@MarinaSilva

@U2

Nós estamos com você @GretaThunberg #ClimateStrike 3shoolstrike4climate #motherearth #EleNão #forasalles

Jane Seymour Fonda,

@JaneFonda

Eu estou inspirada por @GretaThunberg e os jovens que apareceram em números sem precedentes se comportando como os adultos maduros na sala. Greta nos chamou para sair de nossas zonas de conforto, parar os negócios como de costume e começar a nos comportar como se estivéssemos em uma crise.

“ Vocês roubaram minha infância…” disse a garota financiada pela Open Society de George Soros.

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Quero água de beber Para demonstrar na prática o que é o Antropoceno, Paul Crutzen apontou um fato: nas últimas décadas, no mundo todo, foram construídas mais de 40 mil barragens, mudando o curso dos rios e, por consequência, alterando fisicamente a perfeita batida da natureza. Outro exemplo visível dessa interferência nefasta são as cidades: asfalto, luzes, arranha-céus. Aliás, cidades como Nova Orleans, Amsterdã, Xangai e Veneza já estão afundando. Segundo Carlos Nobre, presidente da Capes e único brasileiro envolvido no grupo de pesquisa do Antropoceno, o Brasil, apesar de todas as riquezas naturais e de figurar entre os países com risco moderado, está pouco preparado para o por vir. Com 12% da água doce do planeta, o país ainda não atentou para a preciosidade deste manancial. Alguns estudos têm sido realizados para a identificação de tendências em diferentes regiões e bacias hidrográficas brasileiras, considerando as variações naturais e os possíveis efeitos climáticos, conforme destaca o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. 14

Ainda de acordo com as informações do estudo, as precipitações e as vazões fluviais na região do Nordeste brasileiro, por exemplo, indicam uma variabilidade nas escalas interanual e inter-década mais importantes do que tendências de aumento ou redução, podendo estas estar associadas a padrões de variação do clima em grande escala. Além disso, o aumento global da temperatura tem efeito significativo no aumento da evaporação, que pode prejudicar a eficiência de armazenamento de água nos lagos. A mudança do clima também poderá afetar as taxas de recarga de águas subterrâneas. Sobre isso, a Agência Nacional das Águas (ANA) reforça que o ciclo da água está diretamente ligado ao clima. Assim, alterações climáticas que modifiquem o regime de chuvas podem provocar o aumento da ocorrência de eventos hidrológicos extremos, como inundações e longos períodos de seca. Esses eventos afetam a oferta de água, ameaçando o suprimento de recursos hídricos para todos.


Vulnerabilidade e Velho Chico Quase a metade das cidades plantadas na Caatinga e banhadas pelo Rio São Francisco apresentam alto risco de sofrer com as mudanças climáticas nos próximos 20 anos: a conclusão é de um estudo realizado por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que mapeou a vulnerabilidade de 84 municípios. A gravidade das alterações climáticas previstas para a região foi um dos fatores que levaram os pesquisadores a realizar o estudo. “Essa será uma das áreas mais afetadas pelas mudanças do clima. Além disso, o bioma da Caatinga é muito peculiar e característico do nosso país. É importante preservá-lo”, afirmou a pesquisadora Martha Barata, coordenadora-geral do projeto. A propósito, de acordo com dados do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), vinculado à Universidade Federal de Alagoas (Ufal), o processo de desertificação já atinge 13% do Semiárido brasileiro e ameaça a conservação do bioma. Outra estimativa usada pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas aponta o seguinte: cerca de 50% do território ocupado pela Caatinga já sofre alguma forma de degradação, inclusive a desertificação.

Deu no jornal

Atualmente, as principais causas de desmatamento na Caatinga estão associadas à extração de mata nativa para a produção de lenha e carvão vegetal. “A vulnerabilidade da população depende do município pesquisado. Por exemplo, Paulo Afonso é um município que apresenta uma menor vulnerabilidade, e quando olhamos para o local observamos que tem mais estrutura, empregos e oportunidades de estudo, enfim é uma localidade que proporciona uma melhor condição para a população”, comentou a pesquisadora Diana Marinho, da Fiocruz. “Já outros municípios menores são mais vulneráveis, e assim possuem um maior número de doenças, de pobreza e falta de assistência. São uma gama de informações que temos que analisar para cada município”, aponta a pesquisadora. Diana Marinho explica que a pesquisa traz um alerta para a população se preparar, já que os estudos mostram que a tendência é de que o Seminário fique cada vez mais seco: “Se hoje a população já tem uma vulnerabilidade alta, o que acontecerá se a temperatura aumentar ou se a precipitação diminuir? Essas mudanças podem provocar alguns tipos de desastres na população, e como ela suportará esses eventos se hoje ela já tem uma vulnerabilidade alta? Fica muito mais difícil imaginar o quanto essa população irá aguentar”.

“Acidificação dos oceanos afeta

“Ministro do Meio Ambiente diz que seca e

praticamente toda a vida marinha,

calor ampliam queimadas”

alerta relatório”

Agência Brasil, 21 agosto 2019

O Globo, 23 de outubro de 2017

“A perda de gelo na Antártida (...) triplicou “Aumento do nível do mar acelerou e já é com relação à década anterior; na incontrolável, advertem especialistas da ONU” El País, 25 de setembro de 2019.

Groenlândia, duplicou”. “Com 3°C, a Europa Meridional viverá

El País, 25 de setembro de 2019.

uma seca permanente” “mais 400 milhões de pessoas sofrerão

A Terra Inabitável – Uma História do Futuro.

“o aquecimento global pode favorecer a

com a escassez de água”

proliferação e a abundância de mosquitos

A Terra Inabitável – Uma História do Futuro.

ao redor do mundo” “A seca média na América Central duraria

Ciência e clima, 02 de outubro de 2019

dezenove meses a mais e, no Caribe, 21 meses “Onda de calor mata na Espanha e

a mais. No Norte da África, a quantidade é

“Aquecimento global é o principal fator do

Itália e bate recorde na França”

sessenta meses a mais – cinco anos”

declínio das abelhas, diz estudo”

Estado de Minas, 28 de junho de 2019.

A Terra Inabitável – Uma História do Futuro.

Época, 09 de julho de 2015.

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TragĂŠdia Ambiental

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É fogo Este foi o ano em que o Brasil, literalmente, pegou fogo. As queimadas provocadas pelo homem deixaram rastros de destruição na Amazônia, no Cerrado, no Pantanal e na Mata Atlântica, em Minas Gerais. “Essas ações humanas de uso de fogo, sem dúvida, estão presentes em áreas associadas ao desmatamento. Foi a constatação que tivemos sobre o caso dos fogos recentes na Amazônia. São grandes os prejuízos para a biodiversidade, em especial para a fauna que não tem nenhuma adaptação ao fogo, mas há também perdas econômicas”, diz Júlio Cesar Sampaio da Silva, gerente do Programa Cerrado e Pantanal do WWF (World Wide Fund for Nature).

De acordo com o sistema Deter, que traz um levantamento rápido de alertas de evidências de alteração da cobertura florestal na Amazônia, feito pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o desmatamento na Amazônia cresceu 50% em 2019. Julho foi o pior mês, até o fechamento desta edição, com 2.254 quilômetros quadrados de alertas, um salto de 278% em comparação a julho de 2018. Para dimensionar as perdas acumuladas em 2019, especialistas que atuam na linha de frente da conservação florestal no Brasil mostram a seguir que os impactos vão além dos limites dos biomas – afetando diretamente a vida de todos os brasileiros, por mais longe que se esteja dessa realidade.

Por Andréia Vitório / Fotos: Greenpeace

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Queimadas em 2019 devastaram a Amazônia e se tornaram preocupação mundial, com a perda de 43.753 km2 18


Na Amazônia “É preciso entender que a Amazônia não é um bando de árvores juntas, mas sim nosso maior bem, e que sem ela não há chuva no resto do Brasil, comprometendo assim nossa produção agrícola e a geração de energia”, destaca Erika Berenguer, pesquisadora sênior nas Universidades de Oxford e Lancaster (Reino Unido), especializada em florestas tropicais e integrante da Rede Amazônia Sustentável (RAS). Ela explica que o desmatamento e os incêndios andam lado a lado, pois o incêndio é a única forma de se livrar daquela vegetação que ficou ali depois que a área foi desmatada, e deixa claro: não existe fogo natural na Amazônia, como existe no Cerrado, e lá queimadas só acontecem por ação humana, uma vez que se trata de uma floresta de chuva e muito úmida, ambiente desfavorável para o fogo se propagar e durar. Segundo Erika Berenguer, engana-se quem pensa que a mortalidade só acontece durante o incêndio. Tem árvore morrendo até cinco anos depois do fogo e os prejuízos extrapolam os limites da floresta: quando se desmata uma área e depois a queima, todo o carbono que foi acumulado durante centenas de anos é imediatamente solto na atmosfera, o que contribui para acelerar as mudanças climáticas. No Cerrado e Pantanal Já no Cerrado até existe incêndio natural e, por isso, o bioma está mais adaptado ao fogo, mais resistente. As árvores têm uma casca grossa que protege seu cerne das altas temperaturas e, assim, não morrem facilmente. Já na Amazônia, a casca é mais fina, não se criou essa resistência. Além disso, o Cerrado tem sistema de rebrota e estratégias que são comuns em todos os ecossistemas que evoluíram com o fogo. O especialista do WWF, Júlio Cesar Sampaio da Silva, conta que apesar de existir uma relação ecológica entre esses ambientes e o fogo natural, quando a intensidade e a frequência desse fogo fogem a essas características naturais de ocorrência, essa relação passa a ser maléfica. Ou seja, fogo demais o Cerrado não aguenta e padece. Dados do Programa de Queimadas do INPE sinalizam que o Cerrado brasileiro registrou alta de 44% em focos de incêndios de 1º de janeiro a 10 de setembro se comparado com o mesmo período do ano passado. Foram 35.547 focos em 2019 e 24.625 em 2018. Entre os estados mais impactados está o Mato Grosso do Sul, que só em setembro teve 3.115 focos de incêndio. A perda foi tão grande que no dia 11 daquele mês o estado decretou situação de emergência após 1 milhão de hectares de vegetação terem virado cinza. A situação fica mais crítica quando nos deparamos com a concentração de queimadas no Pantanal, um dos ecossistemas mais exuberantes do Brasil. Só na região, foram 5.937 focos em 2019, até 28 de setembro, contra 1.388 no mesmo período do ano passado. 19


Mata Atlântica A Mata Atlântica em Minas Gerais também virou pó. A situação por lá chamou a atenção pela seca e pelo aumento de novos focos de incêndio que destruíram fragmentos preciosos do bioma. A população também sofreu com os efeitos da fumaça e a alta dos termômetros. Segundo informações da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (AMDA), somente no município de Rio Manso, cujo manancial de mesmo nome abastece grande parte da região metropolitana de Belo Horizonte, estima-se que 300 hectares de florestas em estado avançado de regeneração tenham sido destruídos. Em Ouro Preto, Congonhas, Sabará, Itabira, Moeda, Brumadinho, Barão de Cocais e Santa Bárbara, interior de Minas Gerais, o fogo também saiu do controle e fez estragos. Dalce Ricas, superintendente executiva e uma das fundadoras da AMDA, destaca que incêndios também aconteceram nas Bacias dos Rios das Velhas e Paraopeba, afluentes do Rio São Francisco. “Teve o impacto na fauna, com animais que não conseguiram fugir e ficaram carbonizados, dano à vegetação, e toneladas de dióxido de carbono que foram lançadas na atmosfera, contribuindo para as mudanças climáticas. Apesar disso, infelizmente, o que aconteceu aqui e em outros lugares não é tratado como calamidade pública”, lamenta. É culpa do homem? Entre os anos de 1985 e 2018, o Brasil perdeu 89 milhões de hectares de vegetação natural, o que equivale a quase o estado de Mato Grosso, o terceiro maior do País em extensão. Só na Amazônia, a perda foi de 47 milhões de hectares. A afirmação é da Coleção 4.0 do MapBiomas, Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo do Brasil, produzido por uma rede colaborativa de co-criadores formada por ONGs, universidades e empresas de tecnologia organizadas por biomas e temas transversais. É verdade que na Amazônia tem queimada e desmatamento todo ano, só que em 2019 o desmatamento foi bem maior e grande parte das queimadas – 95% dos alertas de desmatamento que foram estudados – não tinham licença. Quem revela é a diretora de pesquisa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e referência internacional sobre pesquisa envolvendo fogo e mudanças climáticas na Amazônia, Ane Alencar. Sobre o que pode ter motivado esse crescimento, desabafa: “ninguém ouve mais falar da política de comando e controle, que é o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento, que estruturou toda a estratégia de combate ao desmatamento. Teve também o corte dos recursos do Ibama, redução do número de operação, ataques ao INPE e ao Fundo Amazônia. Tudo isso acabou passando uma imagem de que esse governo não está muito preocupado com a questão ambiental, o que incentiva as pessoas a derrubarem, desmatarem, grilarem terras.” Ane Alencar conta que no Cerrado o problema de grilagem é menor do que na Amazônia, pois uma grande parte do Cerrado já está destinada, ocupada por propriedades privadas. “O Cerrado é mais fácil de ter governança sobre esse desmatamento, porque a gente praticamente sabe onde está ocorrendo e se foi em propriedade privada ou não. É uma área mais consolidada. No Cerrado você pode desmatar mais, por lei. E aí isso também gera mais fogo, mais desmatamento”, diz. Na Amazônia, 31% dos focos de queimadas registrados até agosto deste ano localizavam-se em áreas que eram floresta até julho de 2018. A conclusão é de uma análise feita pela equipe do WWF-Brasil, sobre focos de queimadas no bioma, com base em séries históricas de imagens de satélite e em dados do INPE. 20

Esse resultado revela que aproximadamente um em cada três focos de queimadas registrados em 2019 não teve relação com a limpeza de pastagens, mas sim com queimadas que sucederam o corte de áreas de floresta, no ciclo tradicional de corte e queima. Júlio Cesar Sampaio da Silva, gerente do Programa Cerrado e Pantanal do WWF, reitera que o fogo descontrolado, que geralmente acontece nos períodos mais secos do ano, é provocado pela ação do homem, seja para manejar áreas de produção, ou de forma criminosa. Nota divulgada pelo WWF sinaliza que ao longo de 2019 – até setembro – a área total da Amazônia destruída por incêndios foi estimada em cerca de 43.753 km2. Em 2018, no mesmo período, foram queimados 17.553 km2, o que significa um aumento de quase 150%. Floresta em pé vale mais Secretário geral da SOS Amazônia, Miguel Scarcello, chama a atenção para a ausência de investimento em ações contínuas que fortaleçam a agricultura sustentável, a partir de produtos que são extraídos de cultivos de árvores, como sistemas agroflorestais, aproveitando-se a potencialidade da floresta em pé. Para ele, é preciso fortalecer a bioeconomia florestal, com fármacos e produtos químicos de forma alinhada à comunidade local, detentora de saberes únicos. E mais: frisa que há um mercado consumidor enorme por produtos florestais, como óleos a base de cosméticos, que seriam uma grande alternativa econômica. No Pará, conta, há indústria de óleo vegetal com produtos como cacau silvestre, buriti, manteiga de murumuru, entre outros, operando essa cadeia de negócios. “Eu só vi a coisa evoluir com o recurso do Fundo Amazônia, que bancou muitas iniciativas assim. E há muita demanda de mercado, dá para dar escala. Tem muita coisa implantada, a exemplo de cooperativas e associações que estruturaram uma cadeia de negócios importante para aquelas comunidades, mas muitas ainda precisam de acompanhamento para evoluir”, reforça. E, como a floresta também é feita de gente, ele lembra que é importante respeitar a identidade, as tradições e a cultura das comunidades tradicionais. Para além desse ponto, há ainda a questão da saúde, que fica fragilizada com os efeitos das queimadas. Problemas respiratórios são os mais comuns: “no caso das populações locais, tem estudos que mostram que em anos com muito fogo o número de atendimentos hospitalares de crianças de menos de 5 anos com problemas respiratórios aumenta em 200%, por causa da fumaça, que é carregada de agentes cancerígenos”, diz a pesquisadora Erika Berenguer. Com ar poluído e árvore no chão, a população local vai resistindo. A floresta, extremamente degradada e com uma quantidade significativamente menor de espécies de fauna, flora e de estoque de carbono, também. Mas, até quando?

"Entre os anos de 1985 e 2018, o Brasil perdeu 89 milhões de hectares de vegetação natural, o que equivale a quase o estado de Mato Grosso, o terceiro maior do país em extensão. Só na Amazônia, a perda foi de 47 milhões de hectares".


Aumento dos focos de queimadas*

2018

Variação

2019

2018

Área

Número de queimadas por bioma* Fonte: Inpe

2019

36.509

Amazônia 93.760

Brasil

53.023

51%

142.248

24.098

Cerrado Biomo Bioma Amazônia

46.288

66.020

42%

Amazônia Legal

63.927

96.148

50%

Cerrado

31.033

50.367

62%

Pantanal

1.388

5.937

327%

7.542

Mata Atlântica

10.434 3.201

Caatinga

3.883 914

Pantanal

2906

Pampa

Dados por áreas e biomas entre janeiro Fonte: Inpe

e 28 de setembro de 2018 e de 2019.

34.839

Queimadas

636

Dados são referentes ao período

1054

de 1º janeiro a 9 de setembro.

Rastro da destruição Não se sabe ainda o real impacto das queimadas deste ano, mas alguns números coletados até o fechamento desta edição dão pistas do tamanho do estrago

BRASIL

60.807

73.950

44.030

64.031

136.880

160.745

182.388

175.330

120.107

187.311

79.866

59.038

173.982

66.428

115.139

52.820

82.059

81.742

100.995

96.479

74.939

108.931

CERRADO

25.601

24.611

15.378

23.099

39.679

41.257

47.685

36.675

29.399

76.175

25.183

17.675

77.246

32.812

54.877

22.007

33.992

31.132

36.109

32.962

24.625

35.547

AMAZÔNIA

31.631

36.754

23.002

30.995

75.114

87.344

110.773

111.467

67.083

87.298

38.836

25.566

74.125

18.837

39.636

20.154

35.983

38.083

46.815

48.207

37.789

54.282

Focos de incêndio de 1º de janeiro a 10 de setembro

Fonte: Inpe

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Descaso

O Velho Chico está sendo soterrado

Segundo estudo, o Rio São Francisco recebe por ano 23 milhões de toneladas de sedimentos. Na prática, é como se a cada ano um milhão de carretas de detritos fossem lançadas nas águas Por Luiza Baggio / Foto: Marcelo Andrê 22 22


Bancos de areia no encontro do SĂŁo Francisco com o Rio Cariranha em frente Ă cidade baiana de Malhada

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Quando o navegador Américo Vespúcio chegou à foz daquele imenso e caudaloso rio, em 4 de outubro do ano de 1501, os índios chamavamno de Opará, em tupi. Ou rio-mar. Batizado de São Francisco, talvez possa se dizer: começava aí a sua lenta e gradual destruição. Em 2019, exatos 518 anos depois, o Velho Chico registrou o mais baixo volume de água de sua história. Literalmente, está sendo soterrado. Ao todo, são 2.900 km de leito em uma bacia hidrográfica que irriga uma área quase igual à da França, abastecendo 13 milhões de pessoas. O leito minguou, sendo sugado de um lado, aterrado de outro, poluído por todos. No rio da integração nacional, em certos trechos, não se navega mais. Os números desse assassinato progressivo e contínuo saltam de um estudo inédito realizado pelo Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados Unidos e pela Companhia do Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf). Entre outros, o trabalho revela um dado assombroso: o leito do rio recebe por ano nada menos que 23 milhões de toneladas de sedimentos, da nascente na Serra da Canastra, em Minas, à foz no Oceano Atlântico, entre Alagoas e Sergipe. Na prática, é como se a cada ano um milhão de carretas de detritos fossem lançadas na água. A revista CHICO teve acesso ao diagnóstico, fruto de um ano de levantamentos, que apontam que o soterramento do Velho Chico tem como uma das principais causas a ação humana, especialmente o desmatamento, que desencadeia uma série de outras consequências, em efeito cascata. “A taxa de erosão de cada uma das fontes sedimentar tem sido impactada pelas modificações humanas da paisagem, que levaram a um aumento geral na produção de sedimentos”, diz um dos trechos do relatório. De acordo com a Codevasf, o objetivo foi verificar a origem do maior aporte de sedimentos no sistema. “O resultado mostrou que o assoreamento é proveniente da área produtiva, e não das margens”, revela a entidade. O levantamento foi feito com base em um modelo matemático que leva em consideração diferentes fatores, entre eles a formação de ilhas e depósitos de areia no leito. “São vários os fatores que produzem o assoreamento de um rio, dentre eles a diminuição de suas vazões, processos erosivos em suas margens, a devastação de suas matas ciliares, o declínio de seus rios afluentes, a superexploração dos aquíferos que garantem o seu escoamento de base nos períodos secos e assim por diante”, explicou Anivaldo Miranda, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF). “E todos esses fatores estão hoje presentes e se agravaram no São Francisco. Além disso, quando as chuvas finalmente chegam, ainda carregam excesso de sedimentos, fenômeno típico de qualquer bacia hidrográfica degradada”. Segundo Anivaldo Miranda, o processo de assoreamento da calha agravou-se bastante em função da falta de chuva. “A estiagem que se prolonga desde 2013 forçou a diminuição controlada da defluência dos reservatórios hidrelétricos, notadamente do Reservatório de Sobradinho”. Soluções polêmicas Pesquisadores e técnicos que fizeram o estudo propõem intervenções para conter o assoreamento e aumentar o volume do leito, visando também garantir condições de navegação. No caso, a bacia do São Francisco – que é “doadora de águas” em um projeto de transposição para o Nordeste – passaria a receber recursos hídricos de outros rios. Os projetos incluem o desvio de água do Rio São Marcos para o Rio Paracatu (por túnel), do Rio Paranaíba para o Paracatu e do Rio Grande (saindo do vertedouro da Usina de Furnas) diretamente para o Velho Chico. O estudo também registra um quarto projeto que foi cogitado pela Codevasf “para desviar água da Bacia do Tocantins para a Bacia do São Francisco”, que “não foi considerado” no relatório 24

final. O trabalho apresenta ainda a proposta de construção de cinco barragens em cursos d’água da bacia: três barramentos no Rio Paracatu, um no Rio das Velhas (município de Santo Hipólito, Região Central) e outro no Urucuia, como forma de aumentar a capacidade de armazenamento e de normalização do curso. Mas, se transposição e barragens são apontados no estudo como possíveis saídas para o rio, para ambientalistas e professores o mesmo tipo de obra de engenharia agravou os problemas do manancial e ainda pode ser fatal para a bacia. Um dos estudiosos do Cerrado no Brasil, Altair Sales Barbosa, professor aposentado da PUC de Goiás, destaca que a transposição do São Francisco tende a acelerar o processo de assoreamento. “As consequências da transposição serão danosas e, em curto espaço de tempo, levarão à morte a maioria dos afluentes do São Francisco, incluindo o próprio rio. Isso acontecerá porque a dinâmica das águas será alterada e o transporte de sedimentos arenosos aumentará de forma assustadora. Um dos resultados será o assoreamento, já que a maioria dos afluentes do São Francisco corre por áreas cuja característica principal é a ocorrência de um arenito frouxo”, alerta. O presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, também desaconselha projetos de transposição na bacia do Velho Chico. “A Bacia do Rio São Francisco precisa é de um projeto de revitalização e recursos. Outros projetos de transposição, além do que já existe no Nordeste Setentrional, não são uma solução para esse momento”, comentou. Um deserto a caminho Outro grande problema que a Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco enfrenta é o combate ao desmatamento que, inclusive, é uma das principais metas do Plano de Recursos Hídricos do São Francisco (PRHSF). De acordo com o diagnóstico que sustenta o plano, nada menos que 47% da vegetação de toda a extensão da bacia – o equivalente a 8% do território nacional – foi cortada. O quadro é ainda mais crítico em algumas áreas, como o trecho mineiro do Alto Médio São Francisco, onde a retirada da cobertura vegetal chega a 59%. O estudo alerta ainda para os riscos da desertificação, ampliados pela agricultura irrigada, que provoca salinização dos solos em áreas de drenabilidade deficiente ou nula. De acordo com dados do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens e Satélites (LAPIS), vinculado à Universidade Federal de Alagoas (UFAL), 12,85% do Semiárido brasileiro enfrenta o processo de desertificação. A estiagem prolongada também potencializa o processo da desertificação. A falta de chuvas, que se intensificou no ano de 2013, quando foi registrada a pior seca dos últimos 50 anos, aliada a outros fatores, deixa a paisagem ainda mais cinza, o chão rachado e um aspecto desértico, acarretando uma série de problemas sociais. O professor Humberto Barbosa, coordenador do LAPIS, afirma que o processo de reversão da desertificação é possível, mas que representa um custo muito alto. "As áreas degradadas não têm mais vida, são desertas, e já correspondem a uma área considerável do Semiárido de Alagoas. Eu diria que entre 15% e 20% do solo já estão comprometidos. As chuvas podem ajudar a melhorar a situação, mas é preciso que o desmatamento e a exploração excessiva dos recursos naturais cessem", enfatiza o professor. O membro do CBHSF e especialista em Direito Ambiental, Marcelo Silva Ribeiro, esclarece, ainda, sobre as ações do CBHSF para combater o processo de desertificação na bacia. “O Comitê vem atuando fortemente em projetos voltados ao uso sustentável dos recursos hídricos. O CBHSF incorporou a filosofia de que é impossível combater a seca. O que se pretende é o convívio sustentável com as inevitáveis secas, de tal forma que os impactos provocados pela falta de chuvas regulares sejam mitigados mediante o uso racional da água”, diz.


Socorro ao rio Confira o diagnóstico da Bacia do Rio São Francisco

Total de investimentos necessários para a revitalização até 2025

R$ 30,8 bilhões

Para onde devem ir os recursos: Tratamento de esgoto e destinação correta de lixo: R$ 19,3 bilhões (63% do total)

Melhoria do abastecimento de água: R$ 7,7 bilhões (25% do total)

Recuperação de áreas degradadas, matas ciliares e nascentes: R$ 2,6 bilhões (9% do total)

Dos 30,8 bilhões, entre 40% e 50% de R$ 12,3 bilhões a R$ 15,4 bilhões, deverão ser aplicados na área da Bacia do Rio São Francisco situada na região do Semiárido brasileiro.

Investir pelo menos 80% de todos os recursos financeiros previstos para a preservação da bacia até 2025.

Garantir abastecimento de água a 93% de todos os domicílios, e redes de esgoto em 76% dos domicílios da bacia até 2023.

Criar planos de saneamento básico para todos os municípios da bacia e implantar plano integrado de investimento em controle e prevenção das águas subterrâneas e superficiais até 2025.

Principais metas Reduzir as taxas de desmatamento na bacia em Minas dos atuais 0,70% por ano para 0,50% em 2020 e 0,35% anuais entre 2021 e 2025.

Fonte: Plano de Recursos Hídricos da Bacia do Rio São Francisco

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Crime Ambiental

A dois passos da tragédia O petróleo cru, de origem não identificada, que manchou mais de dois mil quilômetros da costa nordestina, beirou a foz do do Rio São Francisco. E, em Piaçabuçu, extremo sul de Alagoas, seguiram-se dias de suspense Por Karla Monteiro / Foto: Piaçabuçu News Na manhã de nove de outubro, Maciel Oliveira, vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, aportou na praia do Pontal do Peba, em Piaçabuçu, extremo sul de Alagoas. Naqueles tristes dias, a população local assistia, atônita, a chegada das manchas negras que, há pelo menos um mês, alastravam-se pelo litoral nordestino. Até então mais de 200 localidades haviam sido atingidas. Ali, porém, o petróleo cru, de origem não identificada, ameaçava adentrar o Velho Chico. Eram enormes as placas pretas, oleosas, compactas, que cobriam a praia situada a apenas 20 quilômetros da foz, já dentro da Área de Proteção Ambiental (APA). Ao relembrar o instante em que pôs os olhos no triste cenário, uma palavra resume o sentimento de Maciel: angústia. “Foi horrível ver a praia do Pontal do Peba toda coberta pelas manchas de óleo. Um lugar tão lindo, a destruição de um patrimônio das futuras gerações”, comentou o vice-presidente do CBHSF, morador de Penedo, no Baixo São Francisco. “Meu sentimento foi de tristeza e impotência. A gente não sabia de onde estava vindo, como podia fazer para conter. A palavra que define é angústia. Não saber como ia ser o dia de amanhã”. Seguiram-se semanas de suspense – e, por sorte, o óleo não avançou São Francisco adentro, porém, atingiu um santuário: o terceiro maior banco de camarão do país, resultado, aliás, do abundante encontro do rio da integração nacional com o mar. Segundo Maciel, a primeira providência do CBHSF foi reunir uma comissão, formada por representantes da Universidade Federal do Alagoas, Marinha do Brasil, IBAMA, Instituto de Meio Ambiente e prefeitura de Piaçabuçu. A partir daí, deu-se início ao exaustivo trabalho de pesquisa e monitoramento da situação. “Estamos monitorando as áreas de manguezais e a contaminação da fauna. Um peixe contaminado que entra no São Francisco pode contaminar outras espécies”, comentou Maciel. “Não houve evolução com relação ao avanço do óleo no rio. No começo de novembro, uma equipe da FPI navegou o Velho Chico para confirmar se havia óleo e não encontrou”. À frente da força tarefa encarregada do trabalho de pesquisa e monitoramento das praias alagoanas, o professor Emerson Carlos Soares, da UFAL, só lamenta: são muito poucas as certezas – e sobram perguntas. Até o fechamento desta CHICO, o óleo continuava chegando ao Pontal do Peba, agora de forma fragmentada, em 26

pequenas porções. “A situação na foz segue sendo de atenção. Além do banco de camarões, os corais foram atingidos”, disse o professor. Segundo ele, uma pesquisa da UFAL apontou a origem do vazamento como sendo um navio fantasma, navegando com os aparelhos de rastreamento via satélite desligados, o que contraria a hipótese do petroleiro grego aventada pelo Planalto. Outra grande dificuldade tem sido acompanhar o trajeto do petróleo derramado no mar, que, por ser um material pesado, viaja submerso, só sendo visto ao desembarcar no litoral. “Estamos acompanhando a situação com atenção e cuidado para tomar as medidas necessárias junto aos órgãos de controle ambiental. Este óleo tem propriedades altamente contaminantes, que acarreta danos à pele, ao sistema respiratório e ao sistema digestivo”, comentou Soares, sobre a necessidade de interditar ou não as praias do litoral alagoano. Até o fechamento da CHICO, o petróleo cru já manchara de negro 409 praias do Nordeste - ou 2,2 mil quilômetros da costa brasileira, tendo alcançado também o Espírito Santo. De acordo com reportagem do jornal Folha de Paulo, o passo a passo do manual elaborado para determinar se o Plano Nacional de Contingência de Incidentes com Óleo (PNC) deve ou não ser acionado demonstrou que o Ministério do Meio Ambiente demorou para agir. O primeiro vestígio de óleo foi oficialmente identificado em 30 de agosto, no município de Conde, na Paraíba. Só em 11 de outubro, o ministro Ricardo Salles designou um coordenador operacional para monitorar a tragédia. A primeira menção de Salles ao vazamento de óleo se dera em 5 de outubro. Ou seja: 45 dias após o leite derramado. Para o presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, o momento é de alerta. Comandada pelo professor Emerson Soares e com o aporte do CBHSF, foi organizada a Expedição São Francisco, com 60 pesquisadores embarcados, com o objetivo de descer o rio até Piranhas para uma avaliação mais profunda dos possíveis danos ao Velho Chico: “Não sabemos se chegará mais manchas. A situação é preocupante, visto que a foz do São Francisco e sua região estuarina configuram um ecossistema de alto valor para a reprodução das espécies fluviais e marinhas. A região tem um banco de camarão importantíssimo, além de ser área de desova de tartarugas e de ter uma coleção de manguezais”.


Praia do Pontal do Peba Piaรงabuรงu (AL)

27


Fauna

10

8

9

os Habitantes do

5

7

6

velho chico 4

3

1

28 28

2


1

PIAU-VERDADEIRO (Leporinus obtusidens)

De corpo prateado, nadadeiras douradas, com duas manchas negras arredondadas nos flancos e várias faixas escuras no dorso, o PiauVerdadeiro ocorre nas Bacias dos Rios São Francisco e do Paraná. Possui focinho um tanto proeminente e boca sub-inferior. Pode atingir porte acima de 8 kg de peso corporal, sendo o peixe de maior tamanho dentre as espécies de Piaus da Bacia do São Francisco. Alimenta-se de frutos, caramujos, grãos e ramos vegetais. No período reprodutivo, os machos emitem sons (roncos) para atrair as fêmeas.

2

PIRANHA (Pygocentrus piraya)

Nativa da Bacia do Rio São Francisco, a Piranha possui corpo romboide e comprimido, focinho curto, arredondado, mandíbula saliente e dentes afiados. Possui um espinho pré-dorsal e quilha ventral dotada de espinhos. É uniformemente colorida. Pode pesar até 6 kg. Alimenta-se de peixes. É famosa por suas mordidas. Tal façanha é possível em razão da disposição de seus dentes tricúspides (com três bordas cortantes), que são capazes de arrancar pedaços de suas presas.

3

DOURADO (Salminus brasiliensis)

O Dourado é um peixe apreciado por seu sabor, sendo conhecido como o “Rei do rio”. Muito apreciado pelos pescadores esportivos, é lendário pela bravura uma vez fisgado. Cada escama tem um pequeno risco preto no meio, formando linhas longitudinais da cabeça à cauda. Possui uma coloração dourada por todo o corpo, com reflexos avermelhados. Tem cabeça grande e boca de caninos cônicos. Existem relatos de espécimes capturados com 130 cm de comprimento e peso de mais de 30 quilos.

4

MATRINXÃ (Brycon orthotaenia)

O Matrinxã é um peixe de escamas. Possui corpo alongado, alto e comprimido. Sua coloração é prateada, com as nadadeiras alaranjadas, sendo a nadadeira caudal escura. Apresenta uma mancha arredondada escura na região umeral. Os dentes são fortes, multicuspidados, dispostos em várias fileiras na maxila superior. Pode chegar aos 80 cm de comprimento e 7 Kg de peso. É um peixe onívoro, alimentando-se de frutos, sementes, flores, insetos e, ocasionalmente, de pequenos peixes (inclusive da própria espécie).

5

TRAÍRA (Hoplias malabaricus)

A Traíra habita águas paradas de lagos, represas, brejos, remansos e rios, tendo preferência por barrancos com vegetação, onde espreitam e emboscam suas presas. É um peixe carnívoro, alimentando-se de pequenos peixes, rãs e insetos. Espera a presa imóvel, junto ao fundo de lama ou em locas de pedras, desferindo um bote rápido e fatal. Possui corpo cilíndrico, boca e olhos grandes e nadadeiras arredondadas. Sua coloração é marrom ou preta manchada de cinza. Possui dentes poderosos e afiadíssimos. Pode atingir 60 cm de comprimento e 4kg de peso.

6

CASCUDO-PRETO (Rhinelepis aspera)

O Cascudo-preto possui uma couraça recobrindo o seu corpo, formada por pequenas placas ósseas adaptadas à maneira de escamas, que percorrem o corpo em várias fileiras (de três a quatro), o que confere ao Cascudo visual e sensação tátil de lixa. Em coloração parda e manchas escuras, prefere locais de fundo de pedras e de correnteza. Pode atingir mais de 4kg de peso. Sua carne é firme, saborosa e sem espinhos. Ainda é capturado em grande número nos Rios Paracatu e Preto, pertencentes à Bacia do Rio São Francisco.

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PIRÁ (Conorhynchos conirostris)

O Pirá destaca-se por sua cor azul brilhante, focinho cônico que lembra o do Tamanduá. Pode alcançar um metro de comprimento e 13 quilos. Peixe símbolo da bacia hidrográfica, o Pirá está praticamente extinto na região do Baixo São Francisco. Por realizar a reprodução no período da piracema, necessita realizar grandes migrações como estímulo natural à ovulação. Porém, devido aos barramentos ao longo do Rio São Francisco, essas migrações não são mais possíveis.

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SURUBIM (Pseudoplatystoma corruscans)

Conhecido como pintado, surubim-caparari, caparari, brutelo, loango e moleque, habita as calhas dos Rios das Bacias do São Francisco, Paraná e Prata. Tem o hábito noturno. O macho alcança até 180 cm de longitude e um peso máximo de 86 kg. Sua característica mais importante são os múltiplos pontos pretos desenhados em sua pele, que é acinzentada no dorso e esbranquiçada no ventre. As barbatanas mostram um tom avermelhado. Apresenta longos barbilhões.

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CURIMATÃ-PIOA (Prochilodus costatus)

O Curimatã-pioa é endêmico do Rio São Francisco. Geralmente é menor do que o seu similar, o curimatã-pacu. É menos abundante no Médio São Francisco e no Rio Pandeiros, mas apresenta maior quantidade na cabeceira do Velho Chico e no Rio Cipó. Na década de 1980, 20% de todo o pescado capturado no Brasil eram de peixes dessa família. Os curimatãs têm lábios grossos e bastante móveis, providos de dentículos (quase imperceptíveis à vista desarmada) que servem para raspar o rio.

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MANDI-AMARELO (Pimelodus maculatus)

O Mandi habita remansos das margens dos rios, locais com areia e cascalho no fundo. É um peixe de couro. Suas nadadeiras possuem manchas negras e pequenas, com esporões farpados (com muco tóxico) nas nadadeiras peitorais e dorsal. Tem o corpo alongado. Sua cabeça é cônica com os olhos laterais. Os barbilhões maxilares ultrapassam a metade do corpo. É uma espécie de porte médio, chegando a alcançar 40 cm de comprimento e peso de até 3 Kg.

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Economia

O fim do sem fim

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Um raio-x do Canal do Sertão Alagoano, uma obra que já dura quase três décadas. A obra avançou 115 quilômetros. Faltam outros 135. Ou seja: mais da metade Por Andréia Vitório / Foto: Divulgação PAC Corria o ano de 1992. Para matar a sede do interior de Alagoas, deuse início à construção de uma obra que já se estende por 27 anos: o chamado Canal do Sertão Alagoano, a segunda maior obra hídrica do Nordeste, atrás apenas da transposição do Rio São Francisco. Aliás, tanto num como noutro projeto, fiam-se nas águas do Velho Chico. Desde a aurora do faraônico projeto, acumulam-se polêmicas: é eficiente? Ou apenas dinheiro jogado fora? Nesta longa estrada, o que de fato funciona? Existe horizonte para a conclusão da obra? Na verdade, a construção segue a passos lentos. No final de setembro, a empresa responsável, a gigante Odebrecht, que após os escândalos de corrupção vem definhando, demitiu funcionários. Ao certo, ninguém pode prever o fim desta história. “O Canal não tem um modelo de gestão nem um modelo de terras que serão irrigadas. A obra foi se estendendo e ninguém paga por aquela água, que tem um valor econômico”, enfatizou Anivaldo Miranda, o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF). Para ele, um modelo eficiente de gestão da água teria que ser considerado antes de mais nada – principalmente antes de se pensar no prosseguimento da obra: “A falta de projeto para usos múltiplos das águas prejudica o empreendimento e as populações que dependem dele. Mas o que é exatamente esse Canal do Sertão Alagoano? O projeto contempla 250 quilômetros de extensão, iniciando em Delmiro Gouveia e se estendendo até a região de Arapiraca, Agreste de Alagoas. A ideia é beneficiar 46 municípios; 17 deles, diretamente, a partir do São Francisco. Os trechos I (km 00 ao km 45), II (km 45 ao km 64,7) e III (km 64,7 ao km 92,93) estão concluídos, e o trecho IV (km 92,93 ao km 123,4) está em 80% de execução, na altura dos municípios de Senador Rui Palmeira e São José da Tapera. Para que seja possível avançar no trecho IV, o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) pagou, no dia 20 de setembro, R$ 16 milhões ao governo de Alagoas. “Apesar da severa restrição financeira, o Ministério priorizou esse aporte de recursos às obras do Canal do Sertão com o objetivo de assegurar a manutenção dos empregos e a continuidade de um empreendimento hídrico tão importante para a região”, declarou o ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto. De acordo com o MDR, atualmente, mais de 200 mil moradores de municípios do Alto Sertão alagoano estão sendo beneficiados a partir dos trechos já em operação. 31


Devagar, devagarinho

Onde tem água, tem fruto

Ao que tudo indica, o repasse não passou de uma gota no oceano de contas a pagar para que a coisa vá adiante. Entre os meses de agosto e setembro, a Odebrecht demitiu 200 trabalhadores. Segundo a empresa, a demissão se dera em função da insuficiência dos recursos provenientes do Ministério do Desenvolvimento Regional. E mais: caso o governo não libere mais dinheiro, ninguém pode prever o futuro, podendo ocorrer paralização total da obra. De acordo com a Secretaria de Estado da Infraestrutura (Seinfra/AL), órgão que faz parte do comitê gestor do Canal, a verba, de fato, foi um paliativo, adiando uma morte anunciada. Fazendo as contas, já escoram R$ 2, 2 bilhões. “A previsão de gastos até a conclusão do trecho V (que vai até o km 150), incluindo os projetos associados, é da ordem de 3 bilhões de reais” explicou Alexandre Barros da Silva, Superintendente de Infraestrutura Hídrica da (Seinfra/AL). “Porém, quanto aos trechos seguintes (do km 150 ao km 250), não há previsão de valores, visto que foram projetados enquanto projeto básico, sendo necessária a elaboração do respectivo projeto executivo”.

Com a água que jorra do Velho Chico correndo no Canal, Cláudia Gonzaga, 43 anos, tem irrigado seus cultivos. Integrante do projeto Ser-tão Mulher, iniciativa do Instituto Terra Viva, ela se tornou protagonista da própria história. “Agora ficou mais fácil plantar. Já são várias coisas plantadas e temos maracujá, acerola, morango, milho e coentro, além de mudas para a venda”, comentou Cláudia. “A retirada da água do Canal ficou melhor, pois sabemos como usar e tudo fica irrigado. Quero ver minha unidade cada vez mais produtiva”. O Ser-tão Mulher é o único projeto de viés socioambiental que está em curso de forma regular no âmbito do Canal do Sertão Alagoano, segundo o Diretor do Instituto Terra Viva, o engenheiro agrônomo Ricardo Ramalho, que também é supervisor do projeto e membro da Comissão Executiva da ASA Alagoas. A iniciativa começou em 2018, quando foi selecionada por uma chamada pública, e envolve mais de 200 famílias – sempre com a mulher à frente dos negócios – nos municípios de Inhapi, Pariconha, Água Branca e Delmiro Gouveia. Todas elas, garante Ramalho, foram capacitadas por meio de uma oficina para melhor utilizar a água em modelos de SAFs definidos. “Sou totalmente a favor do Canal. Tem potencial, uma coisa grandiosa, mas foi criada sem um plano de utilização e promoção. Teria que se tornar um vetor de desenvolvimento agrícola da região, beneficiando o abastecimento humano e, principalmente, a agricultura, mas falta governança”, finalizou Ramalho.

O ovo ou a galinha O professor Valmir Pedrosa, titular da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), concorda com a posição de Anivaldo Miranda, presidente do CBHSF. Sobretudo, seria preciso desenvolver um plano eficiente de gestão das águas. O Canal do Sertão Alagoano precisa de governança: “Um arranjo institucional que garanta sua continuidade e sustentabilidade financeira, estrutural e organizacional, assim como a transposição, só que neste caso é mais difícil, pois envolve quatro estados (CE, PB, PE e RN), ao contrário do Canal, que só abarca Alagoas”. Conforme ressaltou Pedrosa, “até hoje, ninguém pagou um centavo pela água”. E os problemas são infindáveis: desde a falta de fiscalização, que devia contar com a atuação dos usuários, até a falta de horizonte para a conclusão das obras. Segundo o professor, há cerca de 980 pequenos irrigantes ao longo do Canal, que fazem uso da água para irrigação, feita por gotejamento. “Esses agricultores tiveram uma melhoria efetiva na vida deles e de suas famílias. Imagina ter essa água na porta de casa? Para produzir com mais qualidade, eles querem mais acesso ao crédito e à capacitação.” comentou. Para Pedrosa, no entanto, o Canal do Sertão é uma iniciativa positiva e um milagre da engenharia: “O Canal encontrou um ponto, em Delmiro Gouveia, que eleva a água do São Francisco a apenas 40 metros e de lá leva a água até Arapiraca sem usar uma bomba, só pela gravidade. Isso é uma vantagem magnífica”. Apesar disso, reconhece que o empreendimento poderia ser melhor aproveitado: “Previa perímetros públicos de irrigação que não foram construídos. Água tem!” Segundo a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), responsável por realizar as ações de desenvolvimento regional ao longo do Canal, inicialmente, foram previstos para os primeiros trechos quatro projetos públicos de irrigação: Delmiro Gouveia (área total de 6.200 ha); Pariconha (área total de 6.500 ha); Inhapi (área total de 4.990 ha) e Carneiro/Tapera (área total de 13.000 ha). A Companhia não diz quando estarão funcionando a todo vapor, mas afirma que “quando estiverem concluídos deverão gerar, em média, quatro empregos diretos na fruticultura para cada hectare irrigado”. Sobre o status, o chefe de gabinete da Codevasf em Penedo, Ricardo Lisboa, destaca: “os projetos públicos de irrigação de Delmiro Gouveia e Pariconha estão com os projetos executivos concluídos, aptos à contratação da execução. Os demais estão em fase de elaboração de projeto.”

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Outorga A outorga concedida pela Agência Nacional de Águas (ANA) vigente até 2020 para o Canal do Sertão Alagoano é a de nº 660/2010, que libera ao estado de Alagoas o direito de uso de recursos hídricos para captação de água no Reservatório Apolônio Salles/Moxotó, situado no Rio São Francisco, para irrigação, abastecimento rural e urbano e usos difusos ao longo do Canal do Sertão Alagoano, no município de Delmiro Gouveia, em Alagoas. A vazão máxima de captação é de 9.612,00 m3/h (2.670,00 L/s), durante 24 h/dia, 30 dias/mês, perfazendo um volume anual captado de 84.201.120 m3. O documento prevê, também, que no gerenciamento dos projetos de irrigação, desde a captação no Canal até a aplicação, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Semarh/AL) deverá buscar uma eficiência de uso da água mínima de 80%.


Canal

Atualmente, os Trechos I, II e III, que encontram-se concluídos, parte do Trecho IV já executado e a Integração com o Sistema de Abastecimento do Alto Sertão contemplam e beneficiam os seguintes municípios:

do Sertão PERNAMBUCO

Mata Grande e Piranhas (Distrito de Paiu)

Trechos concluídos

Canapi Pariconha

Água Branca

Inhapi

Trecho I

Trecho II

Trecho executado

Trecho III Trecho IV

Delmiro Gouveia

Trajeto previsto

Senador Rui Palmeira

Faixa diretamente beneficiada com o Canal

Olho d’Água do Casado São José da Tapera

ALAGOAS

Extensão total:

Extensão atual (41% hoje)

Sã oF ran cis

co

115 km

R io

Municípios já beneficiados:

10

Municípios beneficiados no total, no fim da obra:

46

Sendo beneficiados diretamente:

17

SERGIPE

Oce an oA tlâ

250 km

Arapiraca

ico t n

Sobre a engenharia: O Canal do Sertão Alagoano é constituído de segmentos em Canal Trapezoidal, Canal Retangular, Ponte Canal, Sifão e Túnel, cuja vazão total será de 32 m³/s. E, composto de uma única Estação Elevatória (concebida para 12 Conjuntos Moto Bombas, de 2.000 CV cada), no ponto de captação, onde em toda a extensão a adução acontecerá por gravidade, cuja declividade do canal trapezoidal consiste em 12 cm/km e a velocidade da água no canal será de 0,5 m/s a 1,5 m/s

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Publicação

Transpondo problemas Relatório do CBHSF aponta desperdícios e erros nas obras de transposição do Velho Chico. Após 12 anos e 12 milhões de reais, o faraônico projeto segue inacabado Por Luiza Baggio / Foto: Divulgação PAC O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) elaborou um relatório detalhado sobre o Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional (PISF). Conforme o estudo aponta, há falhas evidentes nas obras de transposição do Velho Chico. O documento apresenta possíveis dificuldades na distribuição de água e erros na execução do projeto, que, mesmo após 12 anos de seu início, segue inconcluso. No Eixo Norte, por exemplo, na zona rural de Salgueiro, no sertão pernambucano, o canal não foi construído e a água ainda passa por uma caminho de terra. Ali por perto, aliás, na mesma Salgueiro, em 2018, rompeu o paredão do reservatório de Negreiros, em decorrência de um vazamento. Mais de 30 famílias tiveram que deixar suas casas. Para realizar o relatório, o CBHSF contratou o engenheiro hídrico Pedro Antônio Molinas, que trabalhou com o acompanhamento de integrantes do Comitê analisando a evolução histórica e as operações propostas pela transposição da Bacia do Rio São Francisco. Segundo o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, ao contratar Molinas, a ideia é prover o próprio Comitê e todo o espectro de instituições no seu entorno de informações para que se possa enfrentar os desafios advindos da transposição. Afinal, já foram 12 bilhões em recursos públicos consumidos pela obra. “A partir do estudo do Dr. Pedro Molinas, poderemos contribuir para que finalmente os ambiciosos objetivos propostos possam ser atingidos”, comentou Anivaldo. Pedro Molinas esclarece que, de forma sucinta, pode-se dizer que o relatório chega a três principais conclusões: “A primeira conclusão a que chegamos refere-se às dimensões do projeto. O PISF foi concebido para poder aduzir vazões muito superiores às que escoarão normalmente por seus canais. A segunda diz respeito à capacidade dos estados receptores de usufruírem do projeto, pois o PISF foi concebido para ser operado e gerido seguindo uma rígida lógica de Gestão dos Recursos Hídricos, onde a prática de tarifas pelo uso dos mesmos deve refletir os custos reais da disponibilidade hídrica”. De acordo com o relatório, o projeto foi superdimensionado, feito para receber volumes de água muito superiores aos que devem escoar nos canais. O documento mostra que seria necessária a conjunção de uma cheia excepcional na bacia do São Francisco e de fortes estiagens nas bacias receptoras para que a estrutura fosse usada em sua totalidade. E a terceira conclusão que o relatório aponta diz respeito ao 34

relacionamento entre o poder público federal e os estados receptores. “O PISF é hoje uma obra inacabada tanto da perspectiva física como da perspectiva institucional. Infelizmente, o poder público age como se esta estivesse concluída, insistindo em implantar, ‘a toque de caixa’, o que denomina de ‘Operação Comercial’, condição que mal se sustenta para um único estado: Paraíba, que vem recebendo águas, ainda que com restrições, desde 2017, sendo atualmente inviável replicar essa situação nos outros estados receptores por diferentes razões”, afirmou Molinas. Dos quatro estados que devem ser beneficiados pela transposição, apenas o Ceará estaria preparado para receber e gerenciar a distribuição de água. “No entanto, mesmo bem preparado para receber as águas do PISF, o Ceará amarga atrasos reiterados na conclusão do Eixo Norte que mal conseguiria abastecer o estado, ainda que isso ocorra com restrições”. Por sua vez, Anivaldo Miranda esclarece que embora concordando, em princípio, com a necessidade de uso das águas franciscanas para atendimento ao abastecimento humano das populações do Semiárido, o Comitê foi um crítico da forma autoritária e nada cuidadosa ou participativa pela qual a transposição das águas do Rio São Francisco foi aprovada. “O processo atropelou o CBHSF bem como o ritual recomendável para o devido planejamento e a maturação técnica necessária para obras de tamanha escala e complexidade. Todavia, a partir do momento em que, a transposição começou a caminhar, o CBHSF, mesmo mantendo a coerência de suas convicções iniciais, decidiu não olhar pelo retrovisor da história. Ao ter sido incluıdo no Conselho Gestor do Projeto da transposição, o Comitê passou a contribuir propositivamente, ainda que de maneira totalmente transparente e crítica, com vistas ao melhor aproveitamento possível dos recursos que já foram e que precisarão ser investidos para que a transposição não se torne um ‘elefante branco’”. Nesse sentido, o presidente do CBHS finalizou dizendo que “o histórico, os diagnósticos, as análises, as projeções, as alternativas para os desafios existentes e as recomendações apresentadas por Molinas ajudarão no debate e amadurecimento que o CBHSF precisa fazer sobre o seu papel, como gestor das águas do Velho Chico, na interação saudável com as populações das bacias receptoras dessas águas”.


O PISF é um empreendimento do governo federal, sob a responsabilidade do Ministério da Integração Nacional (MI), que visa garantir a segurança hídrica e a promoção do desenvolvimento do agreste e do sertão dos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. A expectativa é levar água para mais de 12 milhões de pessoas. cbhsaofrancisco.org.br

CBHSF

COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO PEDRO ANTÔNIO MOLINAS

COLEÇÃO VELHO CHICO - VOLUME 1

GESTÃO E OPERAÇÃO DO PROJETO DE INTEGRAÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO COM BACIAS HIDROGRÁFICAS DO NORDESTE SETENTRIONAL

2019

O que é o PISF?

2019 CBHSF I PISF

“Aliás, disse Miranda, essa interação do CBHSF com os usuários dos canais do PISF (transposição) já começou há algum tempo, sobretudo quando integramos os Comitês das bacias receptoras da Paraíba, do Rio Grande do Norte e Ceará aos nossos encontros anuais com a comunidade dos Comitês de rios afluentes ao Rio São Francisco. Nesses encontros já adiantamos a ideia de que será preciso incluir de forma participativa os usuários das águas e populações adjacentes dos canais da transposição ao processo de gestão desses canais e governança de sua águas. Para tanto o CBHSF está disposto a apoiar fortemente essa ideia porque, isoladamente, o poder público dificilmente será capaz de mobilizar as forças e a enorme energia necessária para corrigir os gargalos do projeto e enfrentar seus desafios futuros.”

PEDRO ANTÔNIO MOLINAS

Leia o relatório na íntegra: Acesse bit.ly/relatorio-PISF ou escaneie o QR CODE ao lado.

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Instituição

O CBHSF vem desenvolvendo projetos ao longo da bacia que visam a melhoria da qualidade e quantidade de água do Rio São Francisco, tais como a construção de barraginhas e adequações de estradas vicinais 36


Prestação de contas Entre 2012 e 2019, o CBHSF investiu em inúmeros projetos, todos com o mesmo fim: melhorar a qualidade e a quantidade de água do São Francisco Por Luiza Baggio / Foto: Marcelo Andrê A palavra de ordem do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) é: revitalizar, investindo em projetos de recuperação ambiental, tais como proteção de nascentes, recarga de aquíferos, recomposição de vegetação, sobretudo ciliar, e combate a processos de erosão. Entre 2012, ano em que se iniciou a cobrança pelo uso da água, até 2019, foram investidos mais de R$ 42 milhões, com a contratação de 60 projetos hidroambientais. As reivindicações partiram da própria comunidade, motivadas pela degradação do Velho Chico. Além disso, o CBHSF investiu quase R$ 5 milhões com a execução de projetos ligados ao saneamento básico, entre os anos de 2017 e 2018. Entre os muitos exemplos, vale citar a implantação do sistema de abastecimento de água (SAA), na aldeia indígena Serrote dos Campos, do povo Pankará, em Itacuruba (PE), e adequação da estrada vicinal de acesso ao povoado de Resina, em Brejo Grande (PE). Outra importante ação que o CBHSF desenvolve é a elaboração dos Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSB) que são fundamentais para a saúde ambiental dos municípios brasileiros. Por decisão institucional, o colegiado resolveu auxiliar os municípios localizados na bacia no que diz respeito ao financiamento dos PMSB, reforçando, assim, o compromisso do Comitê em fortalecer as ações de preservação e manutenção dos afluentes inseridos na bacia, minimizando as cargas de poluição lançadas nos cursos d’água. Até o momento, o CBHSF contratou a elaboração de 63 PMSB e investiu pouco mais de R$ 10 milhões. O último chamamento do Comitê que está em curso contemplará mais 48 cidades da bacia hidrográfica do Velho Chico. Os municípios contemplados pelo PMSB do CBHSF foram selecionados de acordo com sua situação ambiental, quer seja pela necessidade de ampliação do sistema de abastecimento de água; a urgência de novos mananciais de abastecimento; o lançamento de esgoto sem tratamento à montante da captação; além da ocorrência de inundações ou alagamentos em áreas urbanas, entre outros critérios. Vale observar que, uma vez criado, a execução do plano de saneamento ficará a cargo das prefeituras ou por concessões privadas ou públicas. 37


CE

MA

RN

PB

42

PI

37 48

38 43

36

47

TO

46

39

56

PE

40

49

44 45 35 29

23 28

50

55

53 41

57 51 60 52 54

AL

58 59

SE

31 20

30

21 22

34

27

24

32

33 25

BA

26

19

17

GO

16

13

Status do PMSB 3

A Contratar (48)

10

2

1

4

Em Licitação (04) 12

Finalizado (63)

14 5

MG

15 6

7

11

18

ES

9 8

SP

38

RJ


Recuperação Hidroambiental

Status Planos Municipais de Saneamento Básico - PMSB

Alto São Francisco 01 - Sub-bacia do Rio Jatobá, Buritizeiro - MG / 2012 02 - Microbacia do Córrrego da Onça, Pirapora - MG / 2012 03 - Sub-bacia do Rio das Pedras e Córrego Buritis - Guaraciama, MG / 2012 04 - Sub-bacia do Rio São Pedro, Paracatú - MG / 2013 05 - Represa de Três Marias, Morada Nova de Minas - MG / 2012 06 - Sub-bacia do Ribeirão Canabrava, Pompéu - MG / 2012 07 - Microbacia do Rio Santana, Lagoa da Prata - MG / 2013 08 - Sub-bacia do Ribeirão Bananeiras, Conselheiro Lafaiete - MG / 2013 09 - Bacia do Rio Jacaré, Lagoa da Prata e Santo Antônio do Monte - MG / 2014 10 - Sub-bacia do Rio Guavinipan, Bocaiúva, Eng. Navarro e Francisco Dumont - MG / 2014 11 - Bacia do Rio Itapecerica, Divinópolis e adjacências - MG / 2014 12 - No entorno do Lago de Três Marias, Três Marias - MG / 2014 13 - Bacia do Córrego Pasto dos Bois, Uruana de Minas - MG / 2014 14 - Bacia do Ribeirão Extrema Grande, Felixlândia e Três Marias - MG / 2014 15 - Bacia do Córrego Confusão, São Gotardo - MG / 2016 16 - Bacia do Córrego Pasto dos Bois, Uruana de Minas - MG / 2016 17 - Bacia do Rio Pardo, Chapada Gaúcha - MG / 2016 18 - Bacia do Ribeirão São Pedro, São Sebastião do Oeste - MG / 2017

Abaeté/MG Bom Despacho/MG Lagoa da Prata/MG Moema/MG Papagaios/MG Pompéu/MG São Romão/MG Ponto Chique/MG Jaíba/MG Matias Cardoso/MG Piedade dos Gerais/MG Serra da Saudade/MG Piracema/MG Felixlândia/MG São José da Lapa/MG Moeda/MG Mamonas/MG Diamantina/MG

Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído A contratar A contratar A contratar

Verdelândia/MG Feira da Mata/BA Urandi/BA Caetanópolis/MG Martinho Campos/MG Bonito de Minas/MG Japaraíba/MG Bambuí/MG Itaguama/MG

A contratar A contratar A contratar A contratar A contratar A contratar A contratar A contratar A contratar

Angical/BA Catolândia/BA São Desidério/BA Barra do Mendes/BA Carinhanha/BA Barra/BA Bom Jesus da Lapa/BA Ibotirama/BA Jaborandi/BA Santa Maria da Vitória/BA São Félix do Coribe/BA Xique-Xique/BA Remanso/BA Itaguaçu da Bahia/BA Presidente Dutra/BA América Dourada/BA

Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído

Canarana/BA Lapão/BA Mulungu do Morro/BA Campo Alegre de Lourdes/BA Pilão Arcado/BA Morro do Chapéu/BA Iuiú/BA Boquira/BA João Dourado/BA Oliveira dos Brejinhos/BA São Gabriel/BA Sítio do Mato/BA Paratinga/BA Formosa do Rio Preto/BA Uibaí/BA

Concluído Concluído Concluído A contratar A contratar A contratar A contratar A contratar A contratar A contratar A contratar A contratar A contratar A contratar A contratar

Afogados da Ingazeira/PE Flores/PE Jacobina/BA Miguel Calmon/BA Mirangaba/BA Lagoa Grande/PE Abaré/BA Chorrochó/BA Macururé/BA Floresta/PE Tacaratu/PE Rodelas/BA Campo Formoso/BA Umburanas/BA

Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Em licitação Em licitação Em licitação A contratar A contratar

Água Branca/AL Afrânio/PE Santa Filomena/PE Ibimirim/PE Itacuruba/PE Jatobá/PE Ourolândia/BA Sobradinho/BA Santa Maria da Boa Vista/PE Dormentes/PE

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Glória/BA Belo Monte/AL Feira Grande/AL Igreja Nova/AL Ilha das Flores/SE Pesqueira/PE Propriá/SE Telha/SE Traipu/AL Feliz Deserto/AL Pacatuba/SE Penedo/AL Piaçabuçu/AL Santana do Ipanema/AL Major Isidoro/AL Jeremoabo/BA Paulo Afonso/BA

Em licitação Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído Concluído

Piranhas/AL Maravilha/AL Delmiro Gouveia/AL Canindé de São Francisco/SE Águas Belas/PE Santana do São Francisco/SE Senador Rui Palmeira/AL Olivença/AL Porto da Folha/SE Teotônio Vilela/AL Igaci/AL Itabi/SE Poço das Trincheiras/AL São José da Tapera/AL Palmeira dos Índios/AL Junqueiro/AL

Concluído Concluído Concluído Concluído A contratar A contratar A contratar A contratar A contratar A contratar A contratar A contratar A contratar A contratar A contratar A contratar

Médio São Francisco 19 - Sub-bacia do Rio Itaguari, Cocos - BA / 2012 20 - Rio Grande, sub-bacias do Rio das Fêmeas, São Desidério - BA / 2012 21 - Lagoa das Piranhas, Bom Jesus da Lapa - BA / 2013 22 - Barra do Rio Pituba, Serra do Ramalho - BA / 2013 23 - Sub-bacia do Rio Santo Onofre, Paratinga, BA / 2013 24 - Bacia do Riacho Brejão, Santa Maria da Vitória - BA / 2014 25 - Bacia do Rio das Rãs, Bom Jesus da Lapa - BA / 2014 26 - Área degradada na Comunidade Fortaleza, Bom Jesus da Lapa - BA / 2015 27 - Aumento da disponibilidade hídrica na Bacia do Riacho Caracol, Sítio do Mato - BA / 2015 28 - Bacia do Rio Boa Sorte, Catolândia - BA /2014 29 - Bacia do Rio Verde, Ibipeba - BA / 2014 30 - Bacia do Rio São Desidério, São Desidério - BA / 2014 31 - Bacia do Rio Branco, Barreiras - BA / 2016 32 - Bacia do Riacho Tingui, Macaúbas - BA / 2016 33 - Bacia do Riacho Caldeirão, Igaporã - BA / 2016 34 - Manejo do uso do solo na Bacia do Açude de Macaúbas, Macaúbas - BA / 2016

Submédio São Francisco 35 - Sub-bacia do Rio Salitre, Morro do Chapeu, BA / 2012 36 - Sub-bacia do Mocambo, Curaçá, BA / 2012 37 - Sub-bacia na nascente do Rio Pajeú, Brejinho, PE - Lote 1 / 2012 38 - Sub-bacia do Rio Pajeú, Afogados da Ingazeira, PE - Lote 2 / 2012 39 - Açude Poço da Cruz, sub-bacia do Rio Moxotó, Ibimirim, PE - Lote 1 / 2012 40 - Perímetro Irrigado, sub-bacia do Rio Moxotó, Ibimirim, PE - Lote 2 / 2012 41 - Bacia do Rio Salitre, Morro Do Chapéu - BA / 2014 42 - Nascente do Rio Pajeú, Brejinho - PE / 2016 43 - Bacia do Rio Moxotó, Ibimirim - PE / 2016 44 - Bacia do Rio Preto, Mirangaba - BA /2016 45 - Bacia do Rio Veredas da Caatinga, Jacobina - BA / 2016 46 - Sistema de Abastecimento de Água da Aldeia Tuxá, Rodelas - BA / 2017 47 - Bacia do Rio Salitre, Jacobina - BA / 2016 48 - Bacia do Rio Pajeú, Serra Talhada - PE / 2016

Baixo São Francisco 49 - Sub-bacia do Rio Jacaré, Propriá - SE / 2013 50 - Sub-bacia do Rio Piauí, Arapiraca - AL / 2013 51 - Sub-bacia dos Rios Batinga, Boacica, Campo Grande e Feira Grande - AL / 2013 52 - Entorno da Barragem Junqueiro (Bacia do Riacho Riachão), Junqueiro - AL / 2014 53 - Situação fundiária das ocupações na calha, afluentes e nascentes, Brejo Grande - SE / 2014 54 - Diagnóstico ambiental de nascentes na Bacia Hidrográfica do Rio Piauí, Coruripe - AL / 2014 55 - Recuperação hidroambiental das nascentes do Rio Piauí, Arapiraca - AL / 2014 56 - Bacia do Rio Curituba, Canindé do São Francisco - SE / 2016 57 - Bacia do Rio Boacica, Feira Grande - AL / 2017 58 - Bacia do Rio Perucaba, Penedo - AL / 2017 59 - Nascentes do Rio Betume, Pacatuba - SE / 2017 60 - Porções média e baixa da Bacia Hidrográfica do Rio Piauí, Coruripe e adjacências - AL / 2016

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Gastronomia

Que marravilha! Em viagem de moto pelo Rio São Francisco, o cozinheiro francês Claude Troisgros descobriu o Brasil que muitos brasileiros desconhecem Por Karla Monteiro / Foto: Divulgação Claude - Além da Cozinha

Ora provando os queijos da Fazenda Aroeira, na Serra do Mocambo, em Poço Verde, em Sergipe, ora adentando os sabores da Caatinga com o chef Timóteo Domingos, alagoano, radicado em Canindé do São Francisco, também em Sergipe, criador do Projeto Gastrotinga. De moto, o francês Claude Troisgros, badalado cozinheiro e chef- celebridade da TV, à frente do programa “Que marravilha”, do canal GNT, percorreu 2.147 quilômetros, quatro estados, Alagoas, Pernambuco, Bahia e Sergipe – tendo o Velho Chico como guia: “Era um sonho meu conhecer o São Francisco, essa lenda”. Sua jornada virou um documentário: “Claude – Além da Cozinha”. “O São Francisco alimenta a agricultura e economia de cinco estados brasileiro. O bem-estar da Caatinga e do Cerrado depende das suas águas. É a fonte de água potável de muitos nordestinos”, disse Troisgrois à CHICO. “O Rio São Francisco não pode morrer”. Na verdade, descobrir novos ingredientes nacionais sempre foi a praia de Claude Troisgrois. Em 1979, ele desembarcara no Rio de Janeiro. Vinha com a missão de comandar a cozinha de um hotel de luxo na cidade. Logo, porém, abriu o primeiro restaurante, o Roanne, revolucionando a culinária ao adicionar à sofisticação francesa produtos bem brasileiros, como mandioquinha, maracujá, jabuticaba. Como vai contando ao longo do documentário, um 40

filme on the road capitaneando pelos encontros com o sertão, a mistura, a princípio, recebeu muitas críticas. Afinal, quem iria a um restaurante francês comer jiló? Exatos 40 anos depois, Troisgrois é dono de sete restaurantes, entre Rio de Janeiro e São Paulo. Ao pegar a rota do Rio São Francisco, sua ideia era desbravar a culinária sertaneja: “A gastronomia local é forte. Conhecer a pegada da culinária da Caatinga é muito interessante para mim”, anunciou logo na largada. Decerto, ele não tem medo de experimentar. Na tela vemos o gringo de fala enrolada se aventurando numa buchada de bode, provando pela primeira vez um bom pitu, mastigando cascas de variados cactos, do mandacaru ao xique-xique. Além da comida, Troisgrois deslumbrou-se com a paisagem da costa do sertão, como os cânions do Parque Nacional do Catimbau, em Buíque, Pernambuco, e a foz do Velho Chico, em Pontal do Peba, Alagoas. “Eu sou motociclista desde os 17 anos de idade. Ando de moto todo dia, é minha paixão, não consigo andar de carro nem na cidade”, explicou Troisgrois, que todos os anos pega alguma estrada da América Latina. E ressaltando, que, diante da deslumbrante paisagem e as delícias do sertão: “Quase tudo que estava programado foi para o beleléu”.


Assista a um trecho do documentรกrio: Acesse bit.ly/claude-alem-cozinha ou escaneie o QR CODE ao lado.

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Cultura

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Estátua de João Gilberto que integra o visual da orla de Juazeiro (BA)

Saudade que não chega Morto em seis de julho de 2019, aos 78 anos, o baiano de Juazeiro, João Gilberto, começou a meteórica carreira debaixo do tamarineiro da Praça da Matriz. E foi lá, na velha cidade banhada pelo Velho Chico, escutando Seu Vadu tamborilar a caixinha de fósforo, que começou a inventar a famosa batida da Bossa Nova Por Altino Filho Fotos: Marcizo Ventura e acervo João Gilberto Corria o ano de 1977. Após uma noite de farra, quando o dia raiava na ensolarada Juazeiro, na Bahia, sua terra natal, João Gilberto, então já conhecido internacionalmente, fez uma revelação. Na verdade, a Bossa Nova brotara ali mesmo, à beira do Rio São Francisco. E não em Copacabana, como se alardeava por aí. “Lembro-me bem, estávamos vindo de uma noitada – o dia quase amanhecendo. No carro, eu, João Gilberto e o Valdo Macedo Filho, nosso amigo de muito tempo”, contaria Maurício Dias, hoje superintendente da Secretaria de Cultura local. Então, Dias era um dos poucos na cidade que mantinha estreita amizade com o artista que estourara com um disco que mudara a história da música brasileira: “Chega de Saudade”, LP lançado em março de 1959. Sobre aquela alvorada, afirmou: “Quando passamos perto da padaria Progresso, João gritou: ‘Pare o carro!’. Tinha avistado um senhor: ‘Mas não é possível. É o Vadu Corta Passe”. Sim, segundo João Gilberto revelara aos amigos, aquele sujeito diante deles era o mestre do minimalismo. Fora ouvindo Vadu Corta Passe com a sua caixinha de fósforo que descobrira o jeito miúdo de fazer música que depois aprimorara para a tão famosa batida da Bossa Nova. “Aí descemos do carro e ele foi direto chamando: ‘Seu Vadu!, Seu Vadu!’. O Vadu, que tinha visto João Gilberto havia mais de trinta anos, espantou-se e disse: ‘João, o que você está fazendo aqui?’, como se o tivesse visto na noite anterior. E aí João perguntou para ele: ‘Cadê o samba, Seu Vadu?’. Vadu respondeu que não tocava mais. Insistiu: ‘Só um pouquinho, Seu Vadu, para os meninos aqui escutarem você tocar a caixa de fósforos’. 43


À sombra do tamarineiro

A partida

Também conhecida como a capital do Baixo Médio São Francisco, Juazeiro é berço de gente famosa. Além de João Gilberto, Ivete Sangalo. Fundada no final do século XVII, a cidade fica do lá de cá da margem do Velho Chico, na Bahia, enquanto do outro lado, em Pernambuco, jaz Petrolina. Morto em 6 de julho, aos 78 anos, João Gilberto nasceu em dez de junho de 1931, filho de seu Juveniano, um próspero comerciante, e dona Martinha, dona de casa. Na infância, era conhecido como Joãozinho da Patu. Naquele tempo, o alto-falante pendurado num dos postes da rua do Apolo, conforme contaria o escritor Ruy Castro, no livro “Chega de Saudade”, uma biografia da Bossa Nova, ecoava pela cidade os maiores sucessos da música nacional e internacional, como “Naná”, com Orlando Silva, e “Caravan”, com Duke Ellington. “O homem não deve voltar ao lugar em que foi feliz”, dizia o velho João Gilberto aos amigos de Juazeiro, quando estes lhe cobravam presença. As ruas da cidade, ali onde eram calçadas irradiavam um calor que esmorecia os ânimos. Na época das chuvas, o Velho Chico costumava alagar tudo, poupando só a Praça da Matriz, onde seu Juveniano instalara a família, numa casa grande e térrea, sempre pintada de fresco. Em 1942, o pai mandou o filho Joãozinho até Aracaju, a capital de Sergipe, para um colégio interno. A Juazeiro, só voltava nas férias. Numa destas temporadas, ganhou o primeiro violão. Quando retornou de vez para casa, em 1945, sem a menor intenção de continuar os estudos, não só tocava bem como cantava como Francisco Alves, brindando a cidade com canções entoadas debaixo do tamarineiro da Praça da Matriz ou à beira do Velho Chico. Amiga de infância de João Gilberto, a jornalista e escritora Maria Isabel Muniz Figueiredo, conhecida como Bebela, de 90 anos, se lembra de quando o músico ganhou esse primeiro violão. “Aos 12 anos, e foi dona Patu, a mãe dele, quem deu. Ele ficava tocando para gente na beira do Rio São Francisco”, contou Bebela. Segundo recorda, João Gilberto era um garoto que gostava de estudar e buscava se relacionar com pessoas que pudessem acrescentar algo à sua vida: “Eu, ele e mais uma amiga vivíamos juntos, tínhamos uma proximidade muito grande, nós sempre fomos muito ligados à música e à arte de uma forma geral”.

No começo dos anos 50, após curta temporada em Salvador, João Gilberto partiu para o Rio de Janeiro, levando o violão debaixo do braço. “Desceu sozinho a escadinha do DC-3, no Galeão, tomou um taxi e subiu ao sexto andar da Rádio Tupi, na avenida Venezuela. Nunca tinha ido ao Rio, mas a cidade não o assustou. Trazia o violão dentro da capa e estava chegando para vencer”, conforme Ruy Castro. Não seria tão fácil. O primeiro emprego fora no grupo “Garotos da Lua”. Chegara a gravar um disco, que naufragara. Na verdade, João Gilberto ainda não cantava como João Gilberto, mas imitando os vozeirões em voga, como Francisco Alves e Orlando Silva. Em janeiro de 1955, desistiu. Sem dinheiro, sem trabalho e quase sem amigos, foi morar em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Em seguida, passou um período em Diamantina, Minas Gerais. Só então, no início de 1956, retornou à capital da República. Desta vez, iria conquistar o Brasil. Foi Dorival Caymmi que o apresentou a André Midani, reconhecido como o mais importante nome da indústria fonográfica brasileira de todos os tempos e responsável pela apresentação ao público de um novo e cadenciado estilo de música que logo se convencionou chamar de Bossa Nova. Ao ouvir aquela batida de João Gilberto, o francês, então responsável pelo selo Capitol Records, da gravadora Odeon, reagiu: “É isso que o mundo quer ouvir!”. O resto da história, e a construção desse artista extraordinário que foi João Gilberto, são hoje amplamente conhecidos nos quatro cantos do planeta.

In memoriam “A Juazeiro mágica de João Gilberto não existe mais. Costumo dizer que só restou da Juazeiro de João o Rio São Francisco”, comentou o amigo Maurício Dias: “João Gilberto tinha um encantamento pelo São Francisco. Isso dele dizer que não devia voltar aonde foi feliz era a confirmação de que sua infância em Juazeiro tinha sido muito feliz. Aconteceu tocando violão no cais com os amigos, olhando a passagem dos vapores, respirando o que há de bonito na Bahia”. Como nunca foi realmente um letrista – registros indicam apenas quatro músicas com letras próprias, ele nunca escreveu ou gravou uma música para o Velho Chico. Mas se depender da Prefeitura Municipal de Juazeiro, sua memória permanecerá viva. Capitaneada por Maurício Dias, a Superintendência de Cultura da cidade está implantando o “Memorial Casa da Bossa Nova” para que as futuras gerações possam conhecer a obra do artista e de seus colegas, como Tom Jobim, Vinicius de Moraes e tantos outros. “A Juazeiro mal informada e inculta tentou destruir e apagar seu legado dizendo que João não gostava daqui, o que é uma mentira e uma grande maldade. Para mim, uma irresponsabilidade”, disse Dias. Acredito que nem todas Juazeiro entendeu ainda o tamanho da obra de João Gilberto. Com a morte dele, e a grande repercussão no Brasil e no exterior, os jovens estão sabendo finalmente de quem se trata”.

João Gilberto gravou 11 discos em estúdio e outros dez LPs foram gravados ao vivo. O icônico “Chega de Saudade” é o primeiro, registrado em 1959. O último ainda não foi lançado no Brasil: é mais um trabalho ao lado do saxofonista Stan Getz e gravado em um show realizado no Keystone Corner, em São Francisco, em 2016.

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Turismo

Um lugar chamado Canastra

A majestosa serra mineira, berço das águas do Rio São Francisco se mantém como um local de história, natureza e cultura para o turismo nacional. Por Mariana Martins Fotos: Fernando Piancastelli e Léo Boi 46


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Nasce como um filetezinho de água que se perde por entre a vegetação rasteira do cerrado, para depois formar um enorme poço de águas cristalinas que dá origem a uma queda de 200 metros de altura, a Cachoeira Casca d’Anta, um dos mais belos cartões postais do Brasil. Quem vê não pensa que ali começa o enorme Velho Chico, que atravessa seis estados e 505 municípios brasileiros. Por lá, a sensação que temos é a de que água brota de todos os lados. Pouco explorada e misteriosa, a região da Serra da Canastra guarda uma das mais deslumbrantes e desconhecidas paisagens do Brasil. Para proteger a nascente e o importante bioma que domina a região, o Cerrado, foi criado, nos anos 1970, o Parque Nacional da Serra da Canastra. Com uma área de 197.797 hectares, localiza-se no sudoeste do estado de Minas Gerais e abrange os municípios de Capitólio, Delfinópolis, Sacramento, São João Batista do Glória, São Roque de Minas e Vargem Bonita. O Parque Nacional da Serra da Canastra é um capítulo à parte na região. A falta de vegetação de maior porte, combinada com os contrastes de relevo, deixam abertas grandes vistas panorâmicas do Parque e da região além de seus limites. Cachoeiras de tirar o fôlego e espécies animais ameaçadas de extinção, como o tamanduá-bandeira, o lobo-guará e o veado-campeiro, que podem ser vistos facilmente com silêncio e paciência, são as grandes atrações. O melhor horário para avistar os bichos é de manhã cedo ou no final do dia, mas há locais estratégicos, onde os animais já foram avistados, que só os guias conhecem. Em 1819, o naturalista francês Saint-Hilaire visitou a Serra da Canastra. Ainda hoje, quase dois séculos depois, a descrição histórica de Saint-Hilaire continua sendo um retrato fiel da paisagem bem preservada da região. “... em toda a extensão

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do seu cume, a serra apresenta um vasto planalto irregular que os habitantes da região chamam de chapadão. Dali pude descortinar a mais vasta extensão de terras que os meus olhos já viram desde que nasci. Num lado, a serra de Piumhi limitava o horizonte, mas em todo o resto unicamente a fraqueza dos meus olhos restringia o meu campo de visão.” Algumas das principais atrações, como o cânion do Rio São Francisco, a parte alta da Cachoeira Casca D’Anta, o Retiro de Pedras (área da primeira fazenda instalada na região), a parte alta da Cachoeira dos Rolinhos, podem ser acessadas por uma estrada de 60 km que atravessa o parque por cima do chapadão. Lá, está localizada a primeira ponte sobre o Rio São Francisco e o marco de sua nascente: uma imagem de São Francisco de Assis segurando um livro. Diz o folclore da região que a imagem desce do pedestal em noites de lua cheia para curar os animais feridos. O parque é gerenciado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), na pessoa do biólogo Fernando Tizianel, que conta que, além das nascentes, “o parque protege uma fisionomia do Cerrado que é muito ameaçada fora de uma unidade de conservação, que é a formação de Campos, principalmente Campo Limpo. Mas também temos formações florestais, formações de Cerrado Rupestre. É uma rica variedade de formas do Cerrado que a gente encontra aqui”. O nome Serra da Canastra deve-se à semelhança apresentada pelo imenso chapadão, que se avista de longe, a uma canastra. Canastra é um antigo vocábulo de origem grega, assimilado pelos portugueses, utilizado para denominar um tipo de arca móvel, rústica, de formato retangular. A semelhança desse objeto com a forma da serra originou o nome.


Casca d’Anta, a primeira grande queda do Rio São Francisco 49 49


Assista ao vĂ­deo sobre o Parque Nacional Serra da Canastra: Acesse bit.ly/video-serradacanastra ou escaneie o QR CODE ao lado.

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O que fazer na Serra da Canastra Os mais aventureiros podem contar com diversas opções na Serra da Canastra: trilhas, motocross, canoagem, boia-cross, passeios de jeep, rapel, cachoeiras, lagoas, rios, caminhadas e muita atividade ao ar livre fazem parte da programação de quem quiser passar uns dias por lá. Por conta de a circulação no parque ser um pouco limitada para quem não tem um veículo apropriado, muitas pousadas e guias locais oferecem esses tipos de passeios. Um cafezinho e um queijinho Os cenários são belíssimos e os moradores da região, como bons mineiros, receptivos e fazem questão de atender bem os viajantes que passam por ali. Não há um lugar onde não se ofereça um café, e é claro, um queijo. Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro, o queijo canastra é a iguaria mais famosa da região. Ele só pode ser produzido na região da Serra da Canastra e ser fabricado conforme as tradições. Seu sabor é forte, encorpado, um pouquinho picante e denso. A venda do queijo é feita nas fazendas próximas à região, que realizam visitações para turistas onde é possível degustar queijos e doces e conferir de perto o processo de fabricação. Nascente Histórica X Nascente Geográfica Há uma polêmica em torno de qual é a real nascente do Velho Chico. Há cerca de 20 anos, foi realizado um estudo pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Paraíba (Codevasf), que concluiu que a nascente do Velho Chico fica, na realidade, no Rio Samburá. Desde então, o São Francisco passou a ter duas nascentes: a histórica e a geográfica. “O Rio São Francisco tem hoje duas nascentes: a nascente histórica, que é desde sempre chamada de Rio São Francisco, localizada no alto do Chapadão da Canastra e é reconhecida há muitos anos. E a nascente geográfica, que consiste na localização por critérios técnicos. Foi estabelecido que a nascente geográfica do São Francisco não está de fato no local onde se imaginava. No entanto, esse critério técnico não vem para desmerecer o que já está consolidado no conhecimento popular. São duas coisas importantes e complementares. Isso não tira o mérito e o simbolismo já alcançado pela nascente histórica”, diz o gerente do Parque Nacional da Serra da Canastra, Fernando Tizianel. Como chegar: O horário de visitação do parque é das 8h às 18h e paga-se uma taxa de R$10,00 de entrada. Existem quatro portarias: a principal é a de São Roque, que chega à parte alta do parque, onde ficam as nascentes do São Francisco, a cachoeira do Rolinho e as primeiras quedas d’água da Casca d’Anta, cartão postal da Canastra. A entrada para a parte baixa fica na cidade de Vargem Bonita. Existe uma trilha que liga a parte alta à parte baixa da cachoeira. A entrada via São João Batista é pouco frequentada, mas vale a pena visitar a cidade, pois ela esconde cachoeiras encantadoras. A entrada por Sacramento é mais utilizada por aqueles que vêm de Delfinópolis e pretendem fazer a travessia do parque de carro. São 95 km de estrada de terra que atravessam o parque de Sacramento até São Roque de Minas. Fique esperto, pois não existe restaurante ou lanchonete dentro da área do parque. O queijo da serra da Canastra é patrimônio cultural e imaterial brasileiro, tombado pelo Iphan 51


Ensaio

Poesia da luta Seis olhares sobre o mesmo tema: a luta pela preservação do Rio São Francisco. Neste ensaio, os fotógrafos Bianca Aun, Sthel Braga, Marcizo Ventura, Allan Rodrigo, Edson Oliveira e Azael Góis traduzem em imagens a magnitude da campanha “Eu viro carranca para defender o Velho Chico”, que, este ano, nos dias 2 e 3 de junho, aconteceu simultaneamente em quatro munícipio da bacia: Três Marias (MG), Bom Jesus da Lapa (BA), Juazeiro (BA) e Pão de Açúcar (SE). Desde 2014, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco realiza a campanha “Eu viro carranca pra defender o Velho Chico”, ocupando cidades ribeirinhas com oficinas e atividades de arte, cultura e esporte. Ao festejar os saberes dos que vivem ao longo do rio que alimenta o interior do Brasil, festeja-se a vida, acordando os que ainda não despertaram para a urgência de revitalizar e preservar o São Francisco. 52


Azael Gรณis Confira o site da campanha "Vire Carranca para defender o Velho Chico" Acesse virecarranca.com.br ou escaneie o QR CODE ao lado.

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Bianca Aun

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Sthel Braga

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Marcizo Ventura 56


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Comitê em Ação

Aconteceu Por Mariana Martins

Campanha Eu viro Carranca para defender o Velho Chico

V Encontro de CBHs Afluentes O V Encontro dos Comitês Afluentes do Rio São Francisco, realizado nos dias 21 e 22 de agosto, em Maceió (AL), teve o objetivo de aproximar e integrar ainda mais a gestão dos Comitês de afluentes do Velho Chico. O evento também contou com a participação daqueles que irão receber as águas franciscanas através da transposição, nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco.

A frase “Sou mais Velho Chico” foi o mote escolhido para a campanha que chegou à sua sexta edição e tem como grande objetivo chamar atenção para os sérios problemas enfrentados pelo rio. Este ano, a campanha, que abordou temas que vão desde educação ambiental à preservação da bacia hidrográfica, aconteceu simultaneamente em Três Marias (MG), Bom Jesus da Lapa (BA), Juazeiro (BA) e Pão de Açúcar (SE), nos dias 02 e 03 de junho - data instituída pelo CBHSF como o Dia Nacional em Defesa do Velho Chico.

Encontro das Carrancas O I Encontro das Carrancas foi realizado em Maceió, nos dias 30 de setembro e 1º de outubro, e teve como objetivo discutir as ações da Fiscalização Preventiva Integrada (FPI), que acontecem nos cinco estados da bacia do Velho Chico. O encontro surgiu de uma parceria entre o CBHSF e o Núcleo de Defesa da Bacia do São Francisco (Nusf) do Ministério Público da Bahia, e reuniu integrantes dos estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas.

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XXI Encontro Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas Este ano, o evento que é promovido pelo Fórum Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas (FNCBH), aconteceu em Foz do Iguaçu (PR), entre os dias 21 e 25 de outubro. O CBHSF montou um estande para apresentar aos visitantes as ações realizadas pelo colegiado em defesa da bacia do São Francisco. O encontro contou com um público de mais de 1,5 mil pessoas nos seminários, workshops, palestras e mesas-redondas e nas visitas aos estandes do Encob.

I Seminário de Pesca Artesanal da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco Pela primeira vez, o Comitê reuniu representantes dos pescadores artesanais da Bacia Hidrográfica do São Francisco para fazer um diagnóstico da situação atual da pesca artesanal e estabelecer algumas diretrizes de ação conjunta na defesa dos interesses desse segmento de usuários das águas. O evento, que aconteceu nos dias 30 e 31 de outubro, em Penedo (AL), contou com palestras de especialistas no assunto.

Eleições do Conselho Nacional de Recursos Hídricos O CBHSF, representado pelo presidente Anivaldo Miranda, foi eleito, no dia 6 de novembro, como titular do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) no segmento de Comitês de Bacias Hidrográficas em Rios de Domínio da União. O colegiado que representa o Velho Chico recebeu 4 dos 8 votos possíveis. Também foram escolhidos os Comitês de bacia para a 1a Suplência, CBH Piancó-Piranhas-Açu, e a 2a Suplência, CBH Grande. Miranda afirmou que atuará como representante de Comitês de bacia de todo o Brasil com uma pauta construída em conjunto com os demais membros do segmento, com destaque para questões como a Cobrança pelo Uso da Água para conferir autonomia aos Comitês.

Oficina de Sustentabilidade Hídrica no Semiárido Com o objetivo de discutir e apresentar experiências que contribuem para a sustentabilidade hídrica no Semiárido, região com pouca ocorrência de chuva e clima seco, o CBHSF promoveu em Petrolina (PE), nos dias 07 e 08 de novembro, a Oficina de Sustentabilidade Hídrica do Semiárido. O evento trouxe em sua programação diversas abordagens que exemplificam ações de convivência.

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