Revista Chico Nº 5 - Maio / 2019

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Revista do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco • Maio 2019

Especial Brumadinho: o passo de uma tragédia 1


Expediente PRESIDENTE: ANIVALDO DE MIRANDA PINTO VICE-PRESIDENTE: JOSÉ MACIEL NUNES OLIVEIRA SECRETÁRIO: LESSANDRO GABRIEL DA COSTA PRODUZIDO PELA ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO CBHSF TANTO EXPRESSO COMUNICAÇÃO E MOBILIZAÇÃO SOCIAL COORDENAÇÃO GERAL: PAULO VILELA, PEDRO VILELA, RODRIGO DE ANGELIS EDIÇÃO: KARLA MONTEIRO TEXTOS: ANIVALDO MIRANDA, ANDREA CASTELLO BRANCO, DELANE BARROS, KARLA MONTEIRO, ÍSIS MEDEIROS, LUIZA BAGGIO, MARIANA MARTINS PROJETO GRÁFICO: MÁRCIO BARBALHO DIAGRAMAÇÃO: RAFAEL BERGO FOTOS: ANDREA CASTELLO BRANCO, ARTHUR NICOLATO, BIANCA AUN, DOUGLAS MAGNO, ÍSIS MEDEIROS, LÉO BOI, LEONARDO RAMOS, LUIZ MAIA, LUIZA BAGGIO, MICHELLE PARRON E OHANA PADILHA ILUSTRAÇÕES: CLERMONT CINTRA REVISÃO: ISIS PINTO E LUIZA BAGGIO FOTO CAPA: ROBSON OLIVEIRA IMPRESSÃO: ARW GRÁFICA E EDITORA TIRAGEM: 5000 EXEMPLARES DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DIREITOS RESERVADOS. PERMITIDO O USO DAS INFORMAÇÕES DESDE QUE CITADA A FONTE. SECRETARIA DO COMITÊ: RUA CARIJÓS, 166, 5º ANDAR, CENTRO BELO HORIZONTE - MG CEP: 30120-060 - (31) 3207-8500 secretaria@cbhsaofrancisco.org.br ATENDIMENTO AOS USUÁRIOS DE RECURSOS HÍDRICOS NA BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO: 0800-031-1607

Páginas Verdes Winston Caetano de Souza

Linha do Tempo Da lama ao caos

ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO: comunicacao@cbhsaofrancisco.org.br

www.cbhsaofrancisco.org.br

Depoimento Sebastião Gomes

Entrevista Paulo Rodrigues

Entrevista Andressa de Oliveira Lanchotti

Depoimento Maria Aparecida dos Santos

Entrevista Maria Teresa Viana

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SUMÁRIO 26

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Entrevista

Atenção

Dever

Júlio César Dutra Grilo

Espada de Dâmocles sobre o Velho Chico

A jornada de um bombeiro

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Entrevista

Entrevista

Denúncia

Germano Luiz Gomes Vieira

Marcus Vinícius Polignano

Perigo à vista

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Balanço

Cultura

Últimas notícias do front

Oitenta por cento de ferro na alma

Ensaio fotográfico 3


Editorial

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O futuro depende de nós Que lições podemos tirar da tragédia de Brumadinho? Aliás, tragédia é a palavra? Ou crime descreveria com mais precisão o que se passou na mina do Córrego do Feijão, operada pela Vale? Diante de quase 300 vidas ceifadas e do dano ambiental incalculável, a Revista CHICO decidiu dedicar a edição a reportagens e entrevistas pingue-pongue que informam e analisam o cenário devastador. Na reportagem principal desta edição, o Rio São Francisco e a espada no pescoço. Ao longo da bacia, são 342 barragens, sendo 235 de rejeitos de minério. Destas, 15 apresentam categoria de risco alta e outras 56 de alto dano potencial associado. O risco de morte do Velho Chico é, trocando em miúdos, o risco de morte do Brasil. A vida no interior do país, de Minas a Alagoas, depende dele – e dele dependem inúmeras atividades, da produção de energia elétrica ao agronegócio. Quantos rios estamos dispostos a matar em nome do capital? Na entrevista das Páginas Verdes, Winston Caetano de Souza, o Tito, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba (CBH Paraopeba), fala da dor e luta para salvar o agonizante afluente do São Francisco, contaminado pela avalanche tóxica. Em entrevistas pinguepongue, ouvimos os especialistas, que trazem dados, pesquisas, considerações jurídicas, ambientais – e, sobretudo, alertas. Procuramos também entrevistar um representante da Vale. Por meio da assessoria de imprensa da empresa, porém, fomos informados de que todas as providências referentes ao caso de Brumadinho estão sendo divulgadas diariamente pelo site www.vale.com. Não podemos garantir que a leitura das próximas páginas será prazerosa. Mas podemos assegurar que o conhecimento é a única arma de luta contra a barbárie. A situação pede o engajamento de todos para que juntos possamos encontrar os mecanismos para a coexistência da atividade mineral e do meio ambiente. Que as 270 vidas perdidas em Brumadinho não sejam em vão!

A última atualização desta publicação foi feita no dia 26 de abril de 2019.

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A Palavra do Presidente

Respeitem os rios! O rompimento da barragem da empresa Vale em Brumadinho configura um crime ambiental de enorme repercussão e inumeráveis implicações, além de expor as mazelas de um sistema de monitoramento e fiscalização das atividades minerárias e de recursos hídricos que é flagrantemente falho e completamente inadequado para a escala de atividades e potenciais de risco e dano que tem por obrigação acompanhar. Depois dos eventos dramáticos que impactaram mortalmente os Rios Doce (MG) e Barcarena (PA), a tragédia que agora atinge em cheio o Rio Paraopeba (MG) chega às raias do intolerável dadas as perdas irreparáveis em novas vidas humanas ceifadas, perdas patrimoniais elevadíssimas e impactos ambientais de grande e perturbadora escala, sobretudo para a biodiversidade. Espera-se agora que, de todos os lados, as autoridades encarregadas da apuração dos fatos, fixação das responsabilidades, 6

estabelecimento das ações para compensação das perdas (sobretudo individuais), recuperação das áreas degradadas, da fauna e da flora, descontaminação dos rios e monitoramento efetivo e prolongado da qualidade das águas, brindem o país com uma atuação absolutamente rigorosa e exemplar, único antídoto efetivo para virar a página do tratamento condescendente que o país continua a exibir em relação aos crimes ambientais. Chegamos seguramente a um momento histórico – pelo menos é essa a expectativa da opinião pública – onde não é mais admissível que a cada ano o Brasil comprometa rios de dimensões continentais por falta de empenho e valorização devida à correta gestão ambiental e de riscos, e vivencie desastres que, além de subtrair vidas, comprometem a imagem nacional e abalam a rotina de setores produtivos importantes para o desempenho da economia.


Foto: Michelle Parron

Confira o podcast com a fala do Presidente: Acesse https://goo.gl/cRCvJj ou escaneie o QR CODE ao lado.

E a necessidade de explicitar uma atitude firme para impedir a repetição de novas tragédias como essas, fabricadas, no terreno da negligência e do descumprimento da lei, apresenta-se de forma ainda mais aguda no contexto da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, visto que a partir de alguns de seus mais caudalosos afluentes poderemos ter a infelicidade de amargar aquela que seria a tragédia de todas as tragédias, ou seja, o rompimento de mais uma barragem capaz de ameaçar diretamente o leito do Velho Chico, o “Rio da Integração Nacional,” provocando o que seria uma verdadeira catástrofe nacional, dado que suas águas representam 70% da disponibilidade hídrica da Região Nordeste, ademais de atender o Norte de Minas Gerais. Pensando nessa possibilidade, não tão improvável como se pensa, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) vai se empenhar junto ao poder público, em seus

diversos níveis correspondentes, para colocar na pauta da política pública de segurança de barragens, como prioridade máxima, a identificação de todos os focos de real ameaça ao Velho Chico, bem como a implementação imediata das medidas, obras e ações preventivas que nos deem a garantia de que o São Francisco jamais terá o mesmo destino enlameado que contaminou o Paraopeba e o Doce porque, como reza a sabedoria popular, tal hipótese simplesmente quebraria o Brasil ao meio.

Anivaldo Miranda Presidente do CBHSF

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Páginas Verdes

“Não, o Rio Paraopeba não está morto” Naquele começo de tarde da fatídica sextafeira, 25 de janeiro, Winston Caetano de Souza, o Tito, estava no trabalho, uma mineração de pedra ardósia, no município de Paraopeba (MG), quando soube do rompimento da barragem 1 da Mina do Feijão. “Só me passaram pela cabeça as imagens do rompimento da barragem da Samarco/Vale, em Mariana, e a devastação do Rio Doce”, disse ele. Tito é presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba. Ao ouvir a notícia da tragédia, sua primeira providência foi soar o alarme: “Entrei em contato com as prefeituras dos municípios mineiros de Paraopeba, Pará de Minas, Caetanópolis, Papagaios e região, emitindo os alertas”. Por Mariana Martins Foto: Ohana Padilha e Luiz Maia 8

Nascido às margens do Doce, conta que a sua vinculação com as causas ambientais vem do útero da mãe, que o ofereceu a São Francisco, pedindo que o protegesse. Mais tarde, já vivendo em Paraopeba e observando a mortandade de peixes nos ribeirões da região, percebeu que teria que ir à luta. As soluções não viriam do setor industrial e nem do poder público. Quando se formou em técnico em Meio Ambiente, em 2008, fundou a Associação Ambiental Veredas e Cerrados. Em 2010, tornou-se conselheiro do CBH Paraopeba. Em 2013, elegeu-se vice-presidente e, em 2018, assumiu a presidência do colegiado.


O que você estava fazendo na hora em que soube do rompimento? Eu estava no trabalho, uma mineração de pedras Ardósia, localizada a cerca de seis quilômetros da calha do Rio Paraopeba. Lá o sinal de celular é muito ruim e quase sempre temos que nos deslocar para conseguir conectar. Passava da uma da tarde quando recebi uma ligação da minha filha. O senhor logo soube a extensão da tragédia? Havia boatos de que a lama chegaria no baixo Paraopeba já na madrugada de sábado. Na manhã de domingo, às 07h da manhã, já estávamos na captação da Copasa, na calha do rio, em Paraopeba. Só mais tarde, através dos noticiários, foi que percebi que os rejeitos eram bem mais sólidos que os da barragem da Samarco, em Mariana. Imagino que tenham sido dias de aflição. No domingo, dia 27 de janeiro, lembro-me de ter recebido ligações de Anivaldo Miranda, presidente do CBHSF, e de Marcus Vinicius Polignano, presidente do CBH Rio das Velhas, em solidariedade e colocando os Comitês do São Francisco e Velhas à disposição do CBH Paraopeba, inclusive com aporte de recursos financeiros da cobrança do Comitê do Rio São Francisco, o que contribuiu muito para minha estadia em Belo Horizonte no decorrer da semana seguinte. Agradeço especialmente à essa iniciativa do Anivaldo Miranda. Somente na terça-feira (29/01) é que fui à Brumadinho, na companhia da diretora do Instituto Mineiro de Gestão das Águas [IGAM], Marília Melo, e do biólogo Ângelo Lima, do Observatório Nacional das Águas. Foi então que senti, de fato, as proporções da tragédia. Parecia mais um campo de batalha, de tanto movimento na faculdade ASA, ponto onde estava concentrada a imprensa, em Brumadinho. Da lama mesmo só me aproximei na quartafeira (30/01) quando fizemos uma visita técnica ao local. Lá, eu fiquei muito mal, parecia sentir o peso da lama, foi muito triste.

Winston Caetano de Souza

Confira o vídeo e a cobertura completa da visita técnica à barragem de Retiro Baixo. Acesse http://bit.ly/retirobaixo ou escaneie o QR Code ao lado.

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Que medidas o CBH Paraopeba, “guardião” da bacia do Paraopeba, está tomando em relação à devastação causada pelo rompimento da barragem? No primeiro momento, alertamos as populações ribeirinhas, comunidades e cidades a jusante sobre o rompimento da barragem e suas consequências. Desde então, estamos acompanhando a evolução da pluma de rejeitos e os parâmetros das análises que estão sendo realizadas ao longo da calha do rio. Tomamos também medidas institucionais para inserção do Comitê nas tomadas de decisão para amenizar os impactos ambientais. Estamos participando de várias reuniões e encontros relacionados ao rompimento da barragem e buscando a inserção do CBH Paraopeba no TAP (Termo de Ajuste Preliminar) para atuar nas tomadas de decisão das ações de recuperação da bacia.

Moradores da comunidade Córrego do Feijão tentam recomeçar do zero

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Nesse caso, até onde o Comitê pode avançar? Qual é o papel do Comitê? Os Comitês de Bacias, e isso é importante frisar, ainda não são devidamente conhecidos pela sociedade em geral, e dentro de suas atribuições, no seu campo de atuação, ainda sofrem um descaso dos órgãos governamentais em todas as esferas. Atualmente, parece que somos entraves e não soluções. Isso é um desabafo pessoal e é um fato observado também nas reuniões dos fóruns de CBHs e que dificulta o avanço de nossas propostas como verdadeiros guardiões das águas. Mas estamos na busca de encontrar as melhores soluções de recuperação para toda a bacia. Lembrando que nessa missão é fundamental o envolvimento de todos, sociedade e poderes constituídos.


Em outras entrevistas, logo após a tragédia do rompimento da barragem, o senhor solicitava aos governos federal e estadual que dessem voz ao Comitê, de maneira que pudesse participar ativamente das decisões e do monitoramento da qualidade da água, entre outros. O pedido foi atendido?

Quais os principais desafios para a implementação efetiva do Plano?

Até o momento não. O Comitê ainda segue por fora, trabalhando por amor à causa, graças à boa vontade de alguns conselheiros, principalmente dos membros do segmento da sociedade civil que têm se desdobrado nessa tarefa, aos quais aproveito aqui para agradecer. O estado, por meio da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, está cumprindo bem o seu papel e tem nos passado as informações, principalmente em relação aos monitoramentos da qualidade da água e avanço da pluma. Mas continuamos em busca pela inserção efetiva do CBH Paraopeba nas tomadas de decisões relativas às ações de recuperação a serem implementadas.

Quais são os passos após a aprovação do novo plano até a implantação da cobrança pelo uso da água?

Como você vê a questão da impunidade, especialmente dos principais causadores deste desastre de proporções catastróficas, e também a falta de vontade política de se mudar as normas ambientais? Essas questões estão sendo e serão muito discutidas na sociedade. É preciso agora o envolvimento de todos, como eu já disse, para avançarmos sempre numa perspectiva real de um desenvolvimento sustentável. Do “jeitinho” que vem sendo conduzida a questão dos licenciamentos do setor minerário, estamos caminhando para o caos. A bacia do Paraopeba tem uma população de cerca 1,3 milhão de habitantes que, em sua maioria, dependia do rio para beber, comer, plantar, manter suas indústrias, enfim... o que se pode esperar para essas pessoas? Isso é uma questão no momento imensurável devido aos múltiplos usos da água na bacia e requer um estudo especializado, precioso. A meu ver, a principal preocupação no momento deve ser o abastecimento da grande BH, que possui captações na calha ou em afluentes dos Rios Paraopeba e Velhas. Existem barragens de rejeitos que, em caso de rompimento, podem atingir essas captações. Isso merece atenção porque, acredito eu, a maioria das pessoas não tem essas informações. O Plano Diretor do CBH Paraopeba já estava praticamente concluído. E agora, com todo o estrago causado pela Vale, como é que fica? O plano terá que ser refeito? Sim. O Prognóstico com as ações necessárias a serem implementadas na bacia já seria apresentado pela empresa no dia 30 de janeiro, cinco dias após o rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, e estavam programadas para março as últimas rodadas das consultas públicas. Agora muda muita coisa. É claro que nem todo trabalho se perdeu, pois o rompimento atingiu a calha na parte média do rio. Uma solução que está sendo avaliada é a Cobrape, empresa contratada, fazer a revisão do Plano, com foco principalmente nas áreas impactadas pelo rompimento da barragem. O Comitê, por sua vez, está requerendo do IGAM o enquadramento das águas da bacia que não estava previsto no Plano, nos melhores moldes hoje existentes e financiado pela Vale, o que trará ganhos para toda a bacia. E, é claro, no que já é de obrigação da empresa, fazer a recuperação ambiental em toda área impactada pelo rompimento.

Aprovado o Plano, o desafio principal é captar os recursos financeiros e as melhores tecnologias para sua implementação.

Um outro desafio, e inovador, seria implantar a cobrança diferenciada por oferta de vazão e potencial poluidor por subbacias, ou seja, um empreendimento numa região onde há maior oferta de água disponível pagaria um valor menor do que um empreendimento em uma área com pouca disponibilidade de água, por exemplo. Acredito que isso ajudaria na melhor distribuição dos empreendimentos ao longo da bacia. Outro exemplo seria um agricultor pagar menos do que um empreendimento de potencial poluidor e assim por diante. Nos moldes da cobrança implantada pelo CBHSF. Como a execução do Plano pode impactar as populações dos 48 municípios que integram a Bacia? Positivamente, sem dúvidas, trazendo melhor qualidade e maior quantidade de água. Se assim não for, o Plano não deve e nem pode ser aprovado. Como podemos descrever o Rio Paraopeba antes e depois da tragédia? Em muitas regiões, principalmente no Alto e Médio Paraopeba, o Plano já apontava criticidade em relação às demandas de vazão, isso pela falta de controle e critérios dos órgãos outorgantes, e também em relação ao estado crítico de conservação das APPs [Áreas de Preservação Permanente] e áreas de recargas hídricas, tanto na calha principal do rio como nos seus afluentes, devido à falta de fiscalização e, algumas vezes, falta de critérios dos órgãos fiscalizadores. E, por agora, desde onde os rejeitos atingiram a calha até onde caminha a pluma. O Rio Paraopeba está morto? Não, o Rio Paraopeba não está morto. Muito adoentado pela carga recebida. Morto não! Merece cuidados especiais, com uma política pública específica que se inicie com monitoramento sistemático e contínuo das micro e macro floras e faunas, além da saúde humana. Os resultados, após analisados e avaliados, subsidiarão decisões acerca de medidas regeneradoras e saneadoras, com a participação efetiva de instituições deste território, começando por Brumadinho. A empresa criminosa (Vale), o Estado (executivo) e o poder judiciário (promotorias e defensorias, estadual e federal) devem nos ouvir para chegar a consensos apropriados. Os custos da recuperação do Paraopeba devem ser assumidos pela Vale. Caso não sejamos atendidos, ainda assim o Rio Paraopeba não estará morto. Continuará vivo, porém se manterá como um difusor e irradiador de doenças, em curto, médio e longo prazos. Temos que fazer o que tem que ser feito, em respeito à vida dos que ficaram e à morte dos que foram repentinamente retirados de nossa convivência, por um crime sem dimensões, fruto da usura e da avareza. E daqui para frente, o que podemos esperar? Muito trabalho. E que São Francisco de Assis nos dê forças e nos ilumine na busca por melhores soluções para a recuperação desse grande e lindo manancial: rio de águas rasas e correntes, o Rio Paraopeba. 11


Linha do Tempo

Rompimento de barragem em Brumadinho destruiu 269 hectares de mata e a maior parte da área devastada era vegetação nativa de Mata Atlântica

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Da lama ao caos Por Karla Monteiro Fotos: Ă?sis Medeiros, Luiz Maia 13


Passava pouco do meio dia, de 25 de janeiro, quando a barragem 1 da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte, cuspiu 12 milhões de metros cúbicos de lama. Uma avalanche de rejeitos, com as paredes de contenção se dissolvendo na língua vermelha que desceu a encosta. Segundo o Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, foram menos de 30 minutos até o tsunami atingir o bairro Parque da Cachoeira, o último ponto onde pode ter feito vítimas, antes de encontrar o Rio Paraopeba.

25 jan 12:29 hs

1:30 minuto

4:00 minutos

24:00 minutos

A barragem 1 da Mina Córrego do Feijão se rompe. Uma nuvem de poeira preenche o céu, prenunciando o dilúvio de lama: 12 milhões de metros cúbicos. Em 2015, a barragem de Fundão, no município de Mariana, despejara 55 milhões de metros cúbicos de rejeitos. Ambas são controladas pela Vale. Em Brumadinho, diretamente. Em Mariana, a partir da Samarco, jointventure com a anglo-australiana BHP Billiton.

A lama vaza a uma velocidade de 21,3 metros cúbicos por segundo, pouco mais de 76 quilômetros por hora. Em segundos, atinge a área operacional. E, após um minuto e meio, devasta a área administrativa. A sirene não toca. Pelo menos 300 pessoas encontram-se no refeitório. Cerca de 600 pessoas, entre funcionários da Vale e terceirizados, haviam entrado na Mina do Feijão na manhã de 25 de janeiro.

São cerca de 4 minutos até a lama atingir a Pousada Nova Estância, a cerca três quilômetros da barragem, no povoado de Córrego do Feijão. Pelo menos 30 pessoas morreram ali, entre funcionários e hóspedes.

Vinte e quatro minutos depois, era a vez do Parque da Cachoeira ser atingido. O bairro rural de Brumadinho fica a nove quilômetros da barragem que se rompeu. A lama atinge, então, o Rio Paraopeba.

Confira o vídeo e a cobertura completa da visita técnica à Brumadinho. Acesse https://goo.gl/uqzRJG ou escaneie o QR Code ao lado.

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18 de março

19 de março

26 de abril

Em 18 de março, a Vale iniciou o pagamento do auxílio emergencial aos moradores da área atingida pelo rompimento da barragem. O valor mensal será de 998 reais (um salário mínimo) por adulto, 499 reais (meio salário mínimo) por adolescente e 249 reais (um quarto de salário mínimo) por criança. Os valores são retroativos a 25 de janeiro.

Em 19 de março, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais iniciou os trabalhos da CPI que vai investigar o rompimento da barragem 1 da Mina Córrego do Feijão. O presidente da mineradora, Fábio Schwartzman, encontra-se afastado do cargo.

Até o dia 26 de abril, data do fechamento desta edição, 33 pessoas continuavam desaparecidas. O número de mortos confirmados eram 233, totalizando 270 vítimas. Percorrendo os anais das tragédias brasileiras, a única que dizimou mais moradores de uma única localidade foi o deslizamento de um morro que soterrou grande parte de Caraguatatuba, litoral de São Paulo, em 1967: 436 mortos.

De acordo com a Agência Nacional de Mineração (AMN), a barragem 1 da Mina do Feijão era classificada como estrutura de “baixo risco”. Há três anos, encontrava-se inativa, em processo de “descomissionamento”. A ampliação das atividades da Vale na Mina do Feijão foi favorecida pela mudança em uma regra do governo de Minas, em dezembro de 2017. A Deliberação Normativa 217/2017 alterou parâmetros de risco que fizeram o projeto expansionista da Vale passar do mais alto grau de potencial de degradação, o de classe 6, para um menor, o de classe 4. Emitido apenas cinco meses antes da tragédia, o laudo técnico da empresa alemã Tüv Süd atestou a segurança da barragem 1 da Mina do Feijão pelo período de um ano, embora tenha apontado erosão e problemas de drenagem, o que podem ter provocado o rompimento. O Ministério Público do Estado de Minas Gerais investiga se o laudo foi manipulado. A Vale iniciou o pagamento do auxílio emergencial aos moradores da área atingida pelo rompimento da barragem.

O acordo para o pagamento de auxílio emergencial envolve moradores que vivem às margens, até um quilômetro de cada lado, do leito do Rio Paraopeba. Esse acordo se estende até a cidade de Pompéu onde o rio atinge o reservatório da hidrelétrica de Três Marias. A Vale vai manter o pagamento de dois terços dos salários de todos os empregados próprios e terceirizados que morreram na tragédia, até que seja fechado o acordo de indenização. A mineradora sofreu um bloqueio judicial de R$ 1 bilhão, teve parte de suas atividades suspensas pela Agência Nacional de Mineração e recebeu uma multa de R$ 250 milhões do IBAMA. Três funcionários da Vale e dois da Tüv Süd foram presos no dia 27 de janeiro e soltos no dia 5 de fevereiro. Outros oito funcionários da Vale – quatro técnicos e quatro gerentes – foram presos em 15 de fevereiro e soltos no dia 27. O relaxamento das prisões aconteceu por decisão do Superior Tribunal de Justiça.

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Depoimento

Uma segunda chance A incrível história do operador de saneamento da Vale, Sebastião Gomes, que escapou da morte por um triz. Formado em engenharia ambiental tardiamente, graças ao programa Educação de Jovens e Adultos (EJA), ele diz que nunca mais quer trabalhar em uma mina. Por Andréa Castello Branco / Foto: Leonardo Ramos “Escutei um estrondo e logo depois um barulho ensurdecedor, eram os vagões tombando. Comecei a correr, cheguei a cair, mas graças a Deus tive forças para levantar e entrar na caminhonete”, contou Sebastião Gomes, 54 anos, ainda muito emocionado, um mês depois da tragédia de Brumadinho, ocorrida no dia 25 de janeiro. “A lama veio descendo e fazendo um círculo, abraçando a gente, até que nos alcançou e levantou a caminhonete. Eu acredito que foi a mão de Deus que nos jogou para cima. Foi a salvação”. Ele era o homem atrás do volante, na imagem que correu o mundo. No momento exato do rompimento da barragem 1 da Mina Córrego do Feijão, quando o tsunami de lama descia a encosta, uma caminhonete ziguezagueava, tentando escapar da avalanche. Ao relembrar a cena chora, evocando o desespero que lhe tomou todos os sentidos naquele minuto de vida ou morte. Operador de saneamento, estava acompanhado de um colega de trabalho, Elias Jesus Nunes. Quem assiste o vídeo captado pelas câmeras de segurança da Vale, não acredita que Sebastião saiu vivo. Do primeiro estouro até a lama chegar até onde ele estava levou 1 minuto e 28 segundos. “Por baixo era uma gelatina, comecei a afundar, cheguei a ficar com as duas pernas presas. A gente tropeçava em corpos. Até que conseguimos chegar até o trator onde estava o Leandro”, disse, relatando os minutos que se sucederam após a caminhonete parar de ser arrastada e ele conseguir escapar por uma janela. “Tivemos que cavar com as mãos para tirar o Leandro, ele já não conseguia respirar, estava quase morto pela pressão da lama”. A espera pelos bombeiros foi, para Sebastião, uma eternidade – e a sensação de alívio por ter sobrevivido durou pouco. Quando ainda aguardava o socorro, de pé em cima do trator, viu uma mancha de umidade na parede de outra barragem, a B6, percebendo que esta também poderia estourar a qualquer momento. “Aí eu entrei em desespero. Pensei, toda essa a luta para sobreviver vai ser em vão”. Fora ele quem alertou o Corpo de Bombeiros para o risco de rompimento da barragem de água da mina, muito maior que a de rejeito, com capacidade de quatro milhões de metros cúbicos, abastecida dia e noite por seis poços que drenam o lençol freático para permitir a escavação. Na manhã de sábado a Vale anunciou que iria esvaziá-la. Na madrugada de domingo, soou o alarme de risco iminente de rompimento da B6 e vários bairros de Brumadinho foram evacuados. 16

A travessia da dor Quando o helicóptero dos bombeiros que o resgatou levantou voo, Sebastião percebeu a dimensão da devastação. Como operador de saneamento, sua função era monitorar a qualidade da água do Córrego do Feijão. “Eu sempre digo que sou privilegiado por trabalhar fazendo uma coisa que eu acredito, que é proteger o meio ambiente. Mas em uma empresa tão grande, nem tudo está ao nosso alcance”, lamentou. Ao menor sinal de mudança na qualidade da água, parava o que estivesse fazendo para ir até a margem do ribeirão. Há anos dedica-se a proteger os recursos naturais ao redor da mina e era o responsável pelo tratamento de todo efluente gerado. “Tanto trabalho para manter o rio limpo e acontece isso. É uma dor”, disse. Desde o rompimento da barragem, Sebastião está em tratamento psiquiátrico. Ficou quatro dias sem conseguir dormir. Só conseguiu ter a primeira noite de sono com a ajuda de remédios. “Mas durante o dia vinham os pensamentos na minha cabeça de novo: meus amigos da oficina mecânica onde eu conhecia todo mundo, as meninas do restaurante, morreu todo mundo. Ainda tenho o pesadelo como se estivesse acontecendo o desastre: eu lá em cima da barragem vendo alguma coisa errada e tentando avisar meus colegas. Agora toda semana vou ao psicólogo para ver se isso passa”. A carreira na Vale começou há nove anos, como mecânico de máquinas pesadas. Vindo de Frei Gaspar, no Vale do Mucuri, aos 18 anos, para trabalhar de vigilante, aprendeu a profissão de mecânico num curso por correspondência. O sonho, porém, era fazer faculdade. O emprego na mineradora ajudou e, depois de 36 anos, voltou a estudar - completou o ensino básico, fez o curso de Educação de Jovens e Adultos (EJA), prestou quatro vezes o ENEM, até entrar para o curso de Engenharia Ambiental. Em março recebeu o tão esperado diploma. Com conhecimento de causa, Sebastião diz que não é possível mais explorar os recursos naturais dessa forma. “A ciência caminha em prol da comunidade, não em prol da destruição. Nós temos várias tecnologias. Quantas vidas se perderam ali? A destruição da fauna, da flora, os ribeirinhos e o povo indígena que sobrevive da pesca... É uma tristeza você pensar que poderia ter sido evitado e não foi”. A Vale ainda não definiu o destino dos trabalhadores que sobreviveram ao crime ambiental, mas Sebastião, agora engenheiro, não gostaria de voltar a trabalhar em minerações. “Eu não tenho vontade de voltar a trabalhar em mina. São muitas recordações”, concluiu.


SebastiĂŁo Gomes

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Entrevista

“Não podemos deixar nas mãos do mercado o destino do nosso patrimônio mineral” “Temos duas opções na região do quadrilátero ferrífero: ou mantemos os nossos aquíferos ou permitimos a mineração de ferro”, comentou o geólogo Paulo Rodrigues, pesquisador e professor do programa de pós-graduação do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), em Belo Horizonte. Para ele, a escolha é simples. Paralelamente ao trabalho no centro de pesquisa, vinculado à Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), assumiu a militância pelo meio ambiente como causa central. Por Luiza Baggio / Fotos: Luiza Baggio e Arthur Nicolato Hoje, atua em várias frentes: Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela, Movimento pelas Águas e Serras de Minas Gerais, SOS Serra da Piedade, e também em parceria com o Projeto Manuelzão. E, após o rompimento da bacia de rejeitos da Vale, em Brumadinho, vem atuando no grupo técnico do Gabinete de Crise – Sociedade Civil. Em entrevista à Revista CHICO, o especialista demonstrou como a mineração, um dos argumentos centrais do modelo de desenvolvimento brasileiro, tem colocado em risco dois patrimônios do país: os recursos minerais e os recursos hídricos. 18

Paulo Rodrigues


Quais as consequências do Brasil e de Minas Gerais, particularmente, assumirem a mineração como um dos pilares do desenvolvimento econômico? É importante lembrar que todo o minério brasileiro é propriedade da União, ou seja, é do povo brasileiro. Por isso, o mercado de minério não poderia ser regido somente pela economia de mercado, uma vez que as mineradoras, ao participarem da atividade de commodities, fazem parte de um mercado especulativo internacional. Além disso, por serem empresas, elas têm um interesse apenas comercial na extração de minério. Então, esse é um modelo econômico que tem de ser repensado; não podemos deixar nas mãos do mercado o destino do nosso patrimônio. Temos que questionar também que modelo econômico é esse que afirma que a sociedade não pode mais viver sem a extração de minério. Ou seja: o país não está ganhando, está perdendo? Não podemos chamar de “desenvolvimento” os moldes como a mineração é praticada no Brasil, porque os estudos estatísticos demonstram que a incidência de pobreza – medida pelo IBGE –, especialmente para a RMBH, é maior nos municípios que mineram ferro; ou seja, há uma coincidência entre a pobreza e os municípios que mais recolhem a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM). A Lei Kandir diz que todo produto exportado está dispensado do recolhimento ICMS, ou seja, a mineração não contribui para o imposto estadual mais importante para a redistribuição financeira municipal. A Lei não está errada, pois seu objetivo era fomentar a exportação de bens industrializados. O problema é que a mineração sempre pegou carona nesse viés da indústria para se beneficiar. Não se trata de um desenvolvimento, mas de um subdesenvolvimento, de um modelo colonial que nos domina há mais de 500 anos.

Uma infeliz coincidência. Sim, muito infeliz. Essa camada de ferro, juntamente com uma camada chamada canga, forma o que chamamos de geossistema hidro-ferruginoso. A canga é uma camada superficial acima da camada de ferro e sem grandes valores econômicos, porém oferece um serviço ambiental importante, porque, por ela ser muito porosa, assegura a rápida infiltração da chuva. Como sabemos, o aquífero só tem água se chover. Assim, é preciso que a cada período de chuva essa água penetre no solo e reabasteça o aquífero. Como há essa infeliz coincidência, quando se extrai o minério de ferro, ao mesmo tempo se destrói esse geossistema. Fazendo isso eventualmente, não haveria um impacto tão grande, mas o problema é que hoje, com exceção da Serra do Gandarela, quase todo o território do Quadrilátero já foi impactado pela mineração de ferro. Como resolver esta situação? A atividade de extração de minério, ao destruir a camada onde a água é armazenada, também destrói o aquífero, e isso gera um longo efeito de comprometimento das nascentes, dos rios e do lençol freático. Então temos, dentro desse cenário, um grande conflito de interesses entre a saúde hídrica do abastecimento público e o comércio de minério de ferro, que visa só o lucro das mineradoras. Isso já seria suficiente para fazermos uma revisão das leis e dos mecanismos de licenciamento ambiental das mineradoras no Quadrilátero.

Mineração na Serra do Curral

Na sua opinião, por que estamos tendo tantos problemas com barragens? Em princípio, pelo volume e pela idade das barragens, bem como pela falta de monitoramento efetivo. Mas, para uma barragem se romper existe uma série de questões. Eu classifico as barragens como verdadeiras “bombas-relógio”. Essas estruturas são vulneráveis porque recebem influências de vários fatores. Um deles é a frequência de abalos sísmicos de pequenas magnitudes, como o que atingiu Mariana, no dia em que a barragem Fundão se rompeu. Quando uma barragem está para romper qualquer tremor causa uma tragédia. E os pequenos tremores são recorrentes no Quadrilátero Ferrífero. Outro fator é a forma como as barragens são construídas. As mineradoras sempre montam a estrutura mais barata, que é também a mais suscetível. De que modo a extração de minério de ferro impacta os aquíferos e as bacias hidrográficas em Minas Gerais? No Quadrilátero Ferrífero, temos os chamados aquíferos de circulação hídrica profunda, que armazenam água subterrânea e são responsáveis pela manutenção das nascentes, poços e rios. São quatro aquíferos. Desses, somente o aquífero Cauê responde por 80% da água subterrânea do conjunto. Infelizmente, aí existe uma coincidência geológica muito ruim, de que o horizonte geológico do Cauê é também onde está o minério de ferro.

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Entrevista

“Enquanto prevalecer o discurso da flexibilização das leis ambientais, tratando o meio ambiente como entrave ao desenvolvimento, estaremos na contramão” A promotora de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais, Andressa de Oliveira Lanchotti, é a mulher à frente da árdua missão: coordenar a força-tarefa que investiga as causas da tragédia de Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Naquele dia 25 de janeiro, quando a barragem 1 da Mina Córrego do Feijão se rompeu, ela recebeu a notícia quando retornava do almoço para o trabalho, por volta das 13h30. Antes das 15h já se encontrava na cena do crime. Por Mariana Martins / Foto: Bianca Aun A primeira parada foi a Associação Comunitária do Feijão, onde estavam reunidos autoridades, o Corpo de Bombeiros e outras pessoas que se organizavam para a prestação de suporte aos atingidos. De lá mesmo, em contato com os colegas de Belo Horizonte, iniciou a elaboração de uma ação civil emergencial, que foi proposta às 18h do mesmo dia, bloqueando R$ 5 bilhões da Vale para ações emergenciais ambientais. Os colegas do eixo socioeconômico do MP conseguiram o bloqueio de outros R$ 5 bilhões para as questões de reparação aos atingidos. Desde então, uma série de medidas vêm sendo tomadas para impedir novas tragédias. Para Lanchotti, “enquanto houver discurso em prol da flexibilização, no sentido de que o meio ambiente é um entrave ao desenvolvimento, nós estaremos na contramão. Novos eventos com perdas de vidas e danos ambientais gravíssimos poderão ocorrer”. Há três anos o distrito de Mariana, Bento Rodrigues, foi devastado pelo rompimento da barragem de rejeitos de minério da Samarco. Foram mais de 60 milhões de m³ liberados no meio ambiente, 19 vítimas fatais, milhares de desabrigados, 35 cidades afetadas. No dia 25 de janeiro, esse filme de terror se repete, deixando um rastro inestimável de mortes e destruição. Afinal, de quem é a responsabilidade pela fiscalização das barragens? Como a senhora avalia o monitoramento dessas barragens? 20

A disposição de rejeitos em barragem é uma atividade de risco e atividades de risco devem ser controladas e fiscalizadas pelo poder de polícia do Estado. Infelizmente, a fiscalização estatal sobre as barragens de rejeitos não é efetiva e nem suficiente. Uma prova disso é o escasso número de fiscais à disposição da Agência Nacional de Mineração (ANM). Em Minas Gerais, a informação divulgada pela imprensa é de que apenas três fiscais são responsáveis por fiscalizar mais de 200 barragens no estado. Quanto ao monitoramento, na minha opinião, não está funcionando, a prova disso são dois desastres em pouco mais de três anos, envolvendo a mesma empresa. Podemos ainda listar aqui os desastres da mineradora Rio Verde, em 2001, no distrito de São Sebastião das Águas Claras, em Nova Lima (MG), e da mineradora Herculano, em 2014, em Itabirito (MG). A Vale vem sendo acusada de, senão falsear, induzir laudos que a favoreçam. Isso é verdade? O caso do rompimento da barragem de Brumadinho e suas repercussões penais demonstraram a existência de conflitos de interesses entre as empresas certificadoras e as empresas mineradoras. Isso está especificado na recomendação expedida por quatro instituições públicas (MPMG, MPF, PCMG e PF) para o afastamento do presidente e de diretores da Vale. Esse conflito é justificado pelo fato de que uma mesma empresa pode ser contratada para certificar estabilidade de barragens e ser contratada pela empresa mineradora para outros projetos, como por exemplo, para o desenvolvimento de projetos de descomissionamento, descaracterização. Então, a empresa fica numa posição de interesses contrapostos, porque se ela certifica a situação real, ela pode perder um contrato. Isso é uma fragilidade do sistema. O automonitoramento é importante, desde que seja independente, de fato, e que haja o controle superior do poder público. Como o Ministério Público de Minas Gerais tem atuado? Nossa atuação se dá em três eixos: socioambiental, socioeconômico e criminal. Fui designada para ser a coordenadora da força-tarefa que investiga as causas da tragédia e busca a responsabilização civil e criminal dos culpados. A partir daí, começamos a tomar várias iniciativas. No eixo socioeconômico fizemos um Termo de Acordo Preliminar (TAP) que garantiu o pagamento emergencial de um salário mínimo aos atingidos de Brumadinho. O pagamento foi estendido aos residentes no raio de 1 km da calha do Rio Paraopeba até Pompéu, que era onde os rejeitos tinham chegado até então. Para estes, garantimos entre um ou meio salário mínimo. Agora, o nosso objetivo é a reparação integral de todos os atingidos. No eixo socioambiental, uma atuação que considero muito importante, foi o acionamento de uma auditoria externa independente. No dia 25 de janeiro, Brumadinho chegou a ser de novo evacuada, havia um risco de rompimento da barragem B6. Eu estava lá quando isso aconteceu. Houve acionamento de nível 2 de emergência com sirene. Se rompesse a B6, o desastre ambiental seria ainda maior. A empresa de auditoria fez um planejamento e, no dia seguinte, já havia equipes, inclusive internacionais, em campo. Posteriormente, nós fizemos um acordo com a Vale, extrajudicial, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), no qual ela se compromete a custear esse trabalho de auditoria do MP até a recuperação integral de todos os danos provocados à bacia do Rio Paraopeba.


O primeiro relatório apresentou as medidas de contenção que já foram tomadas e o planejamento de curto, médio e longo prazos tanto da contenção de rejeitos quanto das estruturas geotécnicas remanescentes e das que serão construídas também, para garantir a estabilidade do complexo até o próximo período chuvoso. Nossa preocupação é que essas obras sejam concluídas até o dia 30 de setembro, para que não tenha mais carreamento de rejeitos com o avanço do período chuvoso. No eixo criminal, no mesmo dia da tragédia, ingressamos com pedidos judiciais de prisão temporária, que foram já deferidos na terça-feira seguinte. Com isso, conseguimos em dois dias úteis que essas prisões fossem efetivadas para acautelamento e coleta de provas.

O que ainda pode ser ampliado na legislação para eliminar a ocorrência de desastres?

E em relação à fauna e ao patrimônio cultural da região atingida?

O que temos de indicação é que não vai chegar no São Francisco, porque a capacidade de reserva da Usina de Três Marias é infinitamente superior ao volume de rejeitos que vazaram, então, toda a expectativa é de que a onda chegaria, no pior dos cenários, até à Usina de Três Marias.

Desde o primeiro dia, o MPMG tomou medidas de proteção e resgate do patrimônio cultural atingido e de resgate da fauna na área atingida. Temos reports diários até hoje das medidas de resgate da fauna. Recomendamos ao Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) o monitoramento da qualidade da água do Rio Paraopeba e seus afluentes, com vistas a combater a sede dos animais e prevenir novas infrações contra a fauna. Recomendamos a coibição da piora da qualidade da água do Paraopeba, com vistas a combater a mortandade de peixes, e também a elaboração de um plano de ação preventivo de resgate e proteção ao patrimônio histórico e cultural.

Uma parte do problema começou a ser resolvida com a melhora da regulação, mas nós precisamos ainda ter uma melhora na fiscalização e na gestão das barragens. No geral, é preciso aprimorar o sistema brasileiro de gestão ambiental. Enquanto se tiver o discurso em prol da flexibilização das leis ambientais, tratando o meio ambiente como entrave ao desenvolvimento, estaremos na contramão. Novos eventos com perdas de vidas e danos ambientais gravíssimos poderão ocorrer. A lama vai chegar ao Rio São Francisco?

A Política Estadual de Segurança de Barragens entrou em vigor no dia 26 de fevereiro, com a publicação da Lei 23.291. O que muda com essa nova legislação? Um primeiro passo dado foi a aprovação. São várias inovações e aprimoramentos. Um exemplo é a exigência das melhores tecnologias disponíveis antes de se optar por barragem. A lei exige que o empreendedor demonstre porque outras tecnologias de menor risco não foram adotadas. Sabemos que há tecnologias mais seguras de disposição de rejeitos que utilizam, em regra, o desaguamento. O empilhamento do rejeito arenoso e o espessamento do rejeito lamoso são tecnologias já utilizadas em outros projetos no Brasil. Além disso, a Política Estadual de Segurança de Barragens veda a construção ou alteamento de barragens a montante. Esse método é tido por especialistas como obsoleto e está relacionado a vários desastres ocorridos com barragens no mundo. Quais são os aprimoramentos para a disposição de rejeitos de mineração que a nova lei traz? O cerne da questão é a proibição da construção de barragens em local com moradias na zona de autosalvamento. Muitas vidas poderiam ter sido poupadas se essa lei já estivesse em vigor. Pelos vídeos de Brumadinho, podemos ver que, em menos de um minuto, as pessoas foram atingidas. Essa lei é fruto de construção coletiva de órgãos públicos. O projeto foi enviado para a Assembleia Legislativa de Minas Gerais em junho de 2016, com mais de 60 mil assinaturas e agora foi finalmente aprovado.

Andressa de Oliveira Lanchotti

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Depoimento

Perdas e danos Ela escapou com vida, mas perdeu tudo, da casa aos objetos pessoais. Trabalhadora rural, Maria Aparecida dos Santos diz, porém, que a maior perda foi a “dignidade”, por ter assistido impotente pessoas morrerem sufocadas pela avalanche de lama que escapou da barragem 1 da Mina Córrego do Feijão. Por Andréa Castello Branco Fotos: Andréa Castello Branco e Luiz Maia Foi logo depois de almoçar que Maria Aparecida dos Santos, 44 anos, viu pela janela de sua casa uma cortina de poeira escurecer o dia. No início não entendeu o que estava acontecendo, pensou que pudesse ser a chuva chegando, apesar do dia ensolarado. Ao ouvir os gritos de que a barragem 1 da Mina Córrego do Feijão havia rompido, só teve tempo de pegar no colo a filha Ana Clara, de 9 anos, e correr morro acima. “Corria, corria e quando olhava para trás via tudo passando... Aquele monte de gente sendo arrastada pela lama, casas, ônibus, pedras, árvores, tudo. Nem Vale, nem dinheiro nenhum na Terra vai conseguir apagar isso da minha mente”. Depois de subir uma ribanceira junto com outras pessoas da fazenda onde vivia e trabalhava, conseguiu alcançar o alto de um morro e avisar o patrão do desastre. “Falei com ele, acabou tudo: a casa da fazenda, a fábrica, pontilhão, estou só com a roupa do corpo”. Sentada na varanda de uma pousada para onde foi levada após ser resgatada pelos bombeiros, próxima à ponte derrubada pela onda de rejeitos, ela oscila entre o choro incontrolável e a determinação de reconstruir a vida a partir do zero. Aparecida, como gosta de ser chamada, conseguiu sobreviver, mas perdeu tudo: a casa, as roupas, os objetos, a horta que já estava produzindo jiló e quiabo, os animais de estimação, não sobrou nada do que construíra nos últimos 13 anos, quando se mudou para Brumadinho, para trabalhar na fazenda. “Foi tudo embora com a lama. Minhas coisinhas que comprei com tanto esforço. Até meu chinelo ficou lá, um na lama e o outro na mata”, contou. 22

Lama de rejeitos de barragem de Brumadinho destruiu tudo por onde passou


Maria Aparecida dos Santos

Começar de novo Além da casa, a trabalhadora rural também perdeu o emprego na pequena fábrica de alimentos que existia dentro da fazenda onde morava e ajudava a produzir fubá, canjiquinha e farelo de milho. Apesar da enorme perda material e da instabilidade financeira provocadas pelo crime ambiental, Aparecida diz que tudo isso é menor quando comparado ao impacto emocional. “Eu não sou mais a mesma pessoa. Nunca mais vou esquecer o que vivi. Naquela hora, jurei que daquele dia até a hora que Deus me levar eu vou caminhar para fazer justiça por todos aqueles que se foram”, comentou, ressaltando que sua maior dor é não ter conseguido ajudar as pessoas que viu sendo arrastadas pela avalanche de lama. “Só a luta por justiça vai devolver a minha dignidade. Estou me sentindo um fracasso por ver aquelas pessoas descendo sem eu fazer nada. Eles tiraram a minha dignidade”. Assim como os mais de 100 desabrigados pelo rompimento da barragem, Aparecida só pensa em reconstruir sua vida ali mesmo, em Brumadinho, onde acredita ter mais oportunidade de emprego. “Eu quero minha vida de volta, procurar outro serviço, arrumar um outro cantinho para colocar minha filha. Como se diz, levantar para pegar serviço às sete e voltar pra casa no fim do dia, é isso que eu quero. A minha vida”, disse. Apesar da determinação, tem consciência de que será difícil ter a mesma vida pacata que levava antes do desastre. “Igual não vai ser, né? Eu fui criada na roça, eu adoro viver no meio do mato, capinar, mexer numa horta. Lá eu trabalhava até as cinco, chegava em casa e ia cuidar da horta, plantar minhas mudinhas, é disso que eu gosto, mas agora não posso escolher emprego”. Mesmo com todo trauma, Aparecida não pensa em sair de Brumadinho. Sua maior preocupação hoje é manter a educação da filha caçula. “Tenho que dar estudo para a Ana Clara, na roça é mais difícil”, disse. Quanto à reparação dos danos causados pela mineradora, não pede muito. “Quero minha casinha confortável para colocar minha família, só isso. Não estou pedindo luxo nem riqueza nenhuma, quero o básico para viver. Você luta a vida toda, com os próprios braços para conseguir as coisas e ver tudo indo embora assim é muito triste”, desabafou. 23


Entrevista

“Eles escolheram de forma muito consciente não fazer o que tem que ser feito” No dia 18 de dezembro de 2018, a ambientalista Maria Teresa Viana de Freitas Corujo disse não ao projeto de ampliação das atividades de mineração na região do Rio Paraopeba. Foi o único voto contra entre os integrantes da Câmara de Atividades Minerárias, órgão do Conselho Estadual de Política Ambiental de Minas Gerais (COPAM). Pouco mais de um mês depois, como um déjà vu da tragédia de Mariana, ocorrida em novembro de 2015, a barragem do Córrego Feijão se rompeu. Por Luiza Baggio / Foto: Bianca Aun

“Não estou surpresa, pois conhecemos o modo de operar da Vale. A gente tem uma longa trajetória trabalhando nisso e sabe da irresponsabilidade nesses licenciamentos”, comentou ela, em entrevista à Revista CHICO. Diante do assombroso crime ambiental, que ceifou 270 vidas – até o fechamento desta reportagem, 233 corpos haviam sido encontrados e 33 pessoas continuavam desaparecidas, Maria Teresa se emocionou ao lembrar a sessão do COPAM em que saiu derrotada. Para ela, as mineradoras “escolheram” não aprender as lições da tragédia da Samarco, em Mariana (MG). Maria Teresa Corujo, mais conhecida como Teca, é angolana de nascimento, mas vive em Belo Horizonte desde 1997. Há quase duas décadas, atua na defesa de comunidades afetadas pela atividade mineral no estado e participa do Movimento pelas Serras e Águas de Minas. No dia 11 de dezembro de 2018, a senhora foi a única integrante do COPAM a votar contra a ampliação das atividades minerárias na Mina Córrego do Feijão. Como você se sentiu sendo o único voto contrário? Foi uma sensação de muita violência e dor. Aquilo era uma insanidade. Nós tentamos de tudo para que aquela autorização não saísse. Tem uma história anterior àquela reunião. Ainda em novembro, nós tentamos retirar esse pedido da pauta, mas não conseguimos. Nós sabíamos dos riscos em função da ampliação das atividades ali. Cheguei a enviar uma correspondência à Secretaria Estadual de Meio Ambiente pedindo que o processo não fosse votado pelo conselho, mas nosso pedido não foi acatado. Eu me senti muito indignada e chorei muito. A senhora acredita em cartas marcadas? Na Câmara de Atividades Minerárias (CMI) do Conselho Estadual de Política Mineral (COPAM), as decisões sempre são “cartas marcadas” a favor da mineração. Sua composição é para isso mesmo. É só ver as 13 entidades que a compõem [o órgão possui cinco representantes do governo de Minas Gerais, dois do governo Federal, três de entidades ligadas ao setor produtivo – Instituto Brasileiro de Mineração, Sindicato da Indústria Mineral do Estado de Minas Gerais, Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Estado de Minas Gerais – e outros três divididos entre Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas, Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais e Conselho Regional de Engenharia e Agronomia]. Em 40 reuniões da CMI/COPAM, desde que foi criada, em fevereiro de 2017, só um de mais de 100 processos de licenciamento foi negado. Desde o rompimento da barragem em Brumadinho, a pergunta que muitos se fazem é: como não aprendemos as lições deixadas pela tragédia da Samarco em Mariana? Qual a sua resposta para essa questão? Quem não aprendeu as lições não fomos nós, cidadãos de Minas Gerais, e nem as milhares de vítimas, mas sim aqueles agentes públicos e políticos que têm o dever de atuar em defesa da coletividade e continuam a serviço do interesse do setor da mineração, que só visa altos lucros.

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No caso da Samarco, houve impunidade? Essa impunidade reflete no que aconteceu em Brumadinho?

Maria Teresa Viana de Freitas Corujo, a Teca

Claro. Após mais de três anos, nenhum dos indiciados foi preso. Nada aconteceu: multas ambientais não foram pagas. A nova Bento Rodrigues ainda não está inaugurada. Existem milhares de pessoas sem indenização. A recuperação do Rio Doce mal começou. A Assembleia Legislativa de Minas Gerais não instaurou na época uma CPI porque o então governador de Minas, Fernando Pimentel (PT), manteve o desmantelamento de flexibilização de nosso arcabouço legal e do Sistema Estadual de Meio Ambiente (SISEMA). Depois de Brumadinho, aprovaram um projeto importante. Sim. Por causa da pressão popular. Se a pressão social não tivesse sido grande, os deputados e o governador atual não teriam concretizado, em fevereiro deste ano, o Projeto de Lei de Iniciativa Popular “Mar de Lama Nunca Mais”, sobre segurança de barragens, entregue à ALMG em 05/07/2016, com mais de 56.000 assinaturas. A senhora afirmou que não houve aprendizado com a tragédia de Mariana. Não mudou nada? Não é sequer uma questão de ter aprendido ou não. Eles escolheram de forma muito consciente não fazer o que tem que ser feito. Inclusive, ignoram que no direito ambiental existe o princípio da precaução que diz o seguinte: se você não tem certeza absoluta de que não vai ter nenhum problema, então não faça. Aquelas pessoas que estão soterradas em Brumadinho, provavelmente, nem sabiam que corriam risco. Ali, havia trabalhadores que jamais imaginariam que aquela barragem estava sob algum tipo de risco. Isso é monstruoso! Na sua avaliação, a Samarco e a Vale fizeram uma escolha consciente de correr o risco de matar? Sem dúvida que assumiram. Está mais do que comprovado que essas empresas sabiam das situações que poderiam levar ao rompimento e nada fizeram. Muito pelo contrário! Insistiram no aumento da produção. No caso da Samarco, com consequente aumento de fluxo de rejeitos na barragem. No da Vale, a empresa não realizou o descomissionamento de imediato porque queria reaproveitar o rejeito. Isso sem fazer o devido controle ambiental ou omitindo a verdade sobre os dados. Afinal, ambas as barragens estavam com “estabilidade garantida” pelos auditores e romperam. Tudo uma “falácia”, irresponsável e criminosa. Ao leigo, parece inacreditável que uma empresa do tamanho e com a experiência da Vale tenha corrido tal risco consciente. Essas empresas não fazem o cálculo do pior cenário, trabalhando sempre na perspectiva de continuar produzindo muito para aumentar o lucro. Não trabalham na perspectiva de que atuam com uma atividade econômica de altíssimo risco. Do contrário, me diga: qual o sentido de ter um refeitório abaixo de uma barragem de rejeitos? Tanto o presidente Jair Bolsonaro (PSL) quanto o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), foram eleitos defendendo flexibilizações na legislação ambiental. Você acha que a tragédia da Vale, em Brumadinho, pode mudar esse discurso? Gostaria de dizer que sim, mas não posso. Tudo o que temos visto por parte desses governantes eleitos é que nada mais importa. A missão deles é atender os interesses de grandes corporações, do agronegócio e do mercado financeiro. 25


Entrevista

Em dezembro de 2018, em reunião extraordinária da Câmara de Atividades Minerárias, Grillo alertara: as barragens de rejeitos em Brumadinho, entre elas a da Mina do Feijão, explorada pela Vale, que romperia em 25 de janeiro, não ofereciam risco zero e poderiam estourar a qualquer momento. A discussão acabou com a aprovação, de forma acelerada, da licença para a continuidade das operações das minas Jangada e Córrego do Feijão. Para Grillo é necessário fazer o descomissionamento – esse processo significa deixa de ser barragem, quando são esvaziadas ou integradas ao meio ambiente – das barragens de rejeitos de minério, dando prioridade para aquelas que oferecem mais risco. “A engenharia de barragens daqui é a pior que existe. Escolhem esse tipo de operação porque é a mais barata que tem. Não mudou nada desde Fundão, o que se tem são só cortinas de fumaça”. Qual o maior risco das barragens de rejeito? O processo construtivo de uma barragem não é seguro, apresenta alto potencial de dano. Não se pode dizer que o risco é pequeno porque nunca é. Todas as obras de contenção para depósito de rejeito de minérios oferecem perigo, por isso mesmo é implantado um sistema de gestão de risco onde a empresa monitora a barragem 24 horas por dia, 365 dias por ano. Não existe garantia de sustentabilidade, e se houver alguma negligência, o risco aumenta.

“Todas as barragens de rejeito são perigosas” “Minas Gerais tem um rompimento de barragem de rejeitos a cada dois anos, em média. Se no mundo são registrados dois rompimentos de barragem por ano, isso significa que o estado brasileiro responde por 25% dos desastres deste tipo”, afirmou Júlio César Dutra Grillo, que era superintendente do IBAMA, na época do rompimento da barragem Mina do Feijão e foi exonerado do cargo pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, um mês depois da tragédia em Brumadinho. Por Luiza Baggio / Foto: Luiza Baggio 26

Qual o tipo de barragem é mais perigosa? Todas as barragens de rejeito são perigosas. As estatísticas do Comitê Internacional de Barragens de Grande Porte mostram que as de montante causam 37% dos rompimentos; as a jusante, 11,5%; de centro, 4,7%. Outros 46,8% são por causas indeterminadas. Como solucionar esse problema? A solução é descomissionar todas elas. Na reunião do COPAM que aconteceu em 11 de dezembro de 2018, houve uma acalorada discussão com a participação de dezenas de moradores que se manifestaram contra as licenças por causa de possíveis abalos hídricos na região. Mas o resultado foi pela aprovação, com folga, das licenças: 8 votos contra 1, com 1 abstenção que foi sua. Por que o senhor se absteve nessa votação? Foi apresentado um pacote único para votação, que juntava o descomissionamento da barragem que se rompeu, da Mina Córrego do Feijão, e, ao mesmo tempo, a aprovação do aumento do licenciamento para exploração na região, que, se aprovado, alcançaria o lençol freático, prejudicando o abastecimento de água. Eu era favorável ao descomissionamento. Mas esse descomissionamento estava atrelado à continuidade de produção de outras minas, e era justamente isso que colocava em risco a região. Optei pela abstenção, mas fiz questão de registrar os dois lados. Na ocasião, ressaltei que o projeto trazia algumas novidades positivas, como a eliminação da barragem, mas que a região de Casa Branca tem algumas barragens sem risco zero e que os moradores tinham razão em se preocupar. Eu disse que qualquer negligência de quem está à frente de um sistema de gestão de risco, a barragem romperia. Em relação aos votos do IBAMA, quando há decisões no Conselho Estadual de Política Ambiental, o IBAMA é sempre voto vencido.


Júlio César Dutra Grillo

Quais medidas o Ibama tomou contra a Vale após o rompimento da barragem em Brumadinho?

Por que o Brasil tem tratado a segurança de barragens com tanto descaso?

O IBAMA aplicou uma multa de 250 milhões de reais à mineradora Vale, por conta da “catástrofe socioambiental”. Os danos ao meio ambiente decorrentes do rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão resultaram até o momento em cinco autos de infração no valor de R$ 50 milhões cada, o máximo previsto na Lei de Crimes Ambientais.

As leis são permissivas. E isso não pode persistir. Há um problema de influência no processo de licenciamento. A barragem de Brumadinho não rompeu só porque era a montante. A sociedade brasileira vê com naturalidade o risco e aceitou o que aconteceu em Mariana. Hoje quem atesta a estabilidade das barragens são empresas contratadas pelas mineradoras, o que talvez venha a ser um processo duvidoso.

Na sua opinião, qual barragem na Bacia do Rio São Francisco é a mais perigosa? Existem muitas barragens perigosas. Mas, a de rejeito de ouro em Paracatu, da canadense Kinross Gold Corporation, tem 475 milhões de metros cúbicos de rejeito com arsênio, cianeto e mercúrio. Se formos comparar, a barragem Fundão, em Mariana, vazou 43,7 milhões de m³ de rejeito de ferro não tóxico e, Brumadinho, cerca de 12 milhões m³. Se a barragem de Paracatu romper acaba com o Rio São Francisco por um século. O arsênio não se decompõe na natureza. Vai matar a vida até a foz. Não podemos considerar normal perder o São Francisco como já perdemos o Rio Doce e agora o Paraopeba. Serão perdidas vidas humanas, a água, a agricultura, a pecuária, a geração de energia, todo o meio ambiente e a transposição.

O que é preciso para mudar essa realidade? Precisamos de uma legislação mais rigorosa sobre barragens, tanto ativas quanto inativas. Existem projetos de leis nesse sentido. No centro da questão não estão apenas barragens a montante, isso é cortina de fumaça. Todas são perigosas. O senhor esperava ser exonerado? Fui informado sobre a decisão da exoneração quando participava de uma reunião na Câmara Municipal de Belo Horizonte para tratar dos impactos do rompimento da barragem em Brumadinho para o Rio Paraopeba. A decisão era esperada. O ministro do Meio Ambiente já tinha se manifestado algumas vezes dizendo que era intenção deles exonerar todos os superintendentes e encaminhar militares reformados para o lugar. 27


Atenção

Espada de Dâmocles sobre o Velho Chico Com 235 barragens de rejeito de minério ao longo da bacia, 15 delas apresentando alto risco de rompimento, a situação do Velho Chico lembra a lenda surgida há mais de dois mil anos, na Grécia, que se tornou uma metáfora para o perigo. Assim como Dâmocles na corte do rei Dionísio, a vida do Rio São Francisco está por um fio Por Luiza Baggio / Foto: Bianca Aun

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Confira o vĂ­deo sobre as barragens no Alto SF. acesse http://bit.ly/mineracaoaltosf ou escaneie o QR Code ao lado.

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Em três anos, dois rios eliminados por tragédias ocasionadas pelo rompimento de barragens de rejeito de minério. Em Mariana, no dia 5 de novembro de 2015, a barragem de Fundão cuspiu 55 milhões de metros cúbicos de lama no Rio Doce. Até hoje o nível de contaminação ainda é desconhecido e a pesca segue proibida. Em Brumadinho, no dia 25 de janeiro de 2019, a história se repetiu. A barragem da Mina do Feijão derramou no Rio Paraopeba, afluente do São Francisco, 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos. Segundo primeira análise da Fundação SOS Mata Atlântica, o Paraopeba está praticamente morto. A qualidade da água varia do nível péssimo ao ruim, imprópria para o consumo humano ou animal. Diante dessa realidade a pergunta que não cala é: o Velho Chico está sob ameaça? Existem hoje 342 barragens, sendo 235 de rejeitos de minério, espalhadas pela Bacia do Rio São Francisco, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens (SNIB), da Agência Nacional de Águas (ANA). Destas, 15 apresentam categoria de risco alto e 56 são de alto dano potencial associado. “É difícil imaginar, mas não improvável, que o São Francisco sofra uma tragédia como as que aconteceram nos Rios Doce e Paraopeba. Porém, caso venha a ocorrer a contaminação do Velho Chico, o Brasil quebra ao meio, pois o rio não tem um plano B. Cerca de 70% da disponibilidade hídrica do Nordeste, vem do São Francisco, que abastece milhões de pessoas”, comentou Anivaldo 30

Miranda, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF). “O Velho Chico desempenha um importante papel na segurança hídrica de uma enorme população desde a sua nascente, no norte de Minas, até a foz, no Atlântico, entre Alagoas e Sergipe, além dos estados que são beneficiados com a transposição do São Francico. Além disso, é um rio com alto grau de vulnerabilidade”. Para Anivaldo Miranda os danos de tragédias como as de Brumadinho e Mariana, são irreparáveis. “O Brasil não pode aceitar que desastres com barragens de mineração aconteçam com tanta frequência. Os danos humanos e socioambientais são enormes e apontam para uma urgência evidente. É preciso repensar os modelos de desenvolvimento que desconsideram a natureza e os parâmetros de sustentabilidade. Não podemos deixar de falar que a gestão dos recursos hídricos no Brasil está sucateada e que é preciso mudar a lógica de segurança de barragens, com maior atuação do poder público, sociedade civil, iniciativa privada e envolvimento dos Comitês de Bacia nas discussões”. A conta não fecha Cada dia que passa o mundo consome mais. E, quanto mais se consome, dependemos ainda mais da exploração de minério de ferro. No caso do Brasil, a mineração representa 4% do Produto


Mineração na Serra do Curral, o pico mais alto da RMBH

Interno Bruto (PIB) e contribui com 25% do saldo comercial brasileiro, segundo o Ministério de Minas e Energia. Foram exportados US$ 46,4 bilhões em 2017, com um superávit de US$ 23,4 bilhões. Para manter esse ritmo, torna-se imperativa a ampliação do setor minerário. Em Minas Gerais, a exploração não está mais restrita ao Quadrilátero Ferrífero e já se estende para o Norte do estado. A expansão tem acontecido em toda a Bacia do São Francisco, em áreas que até então não tinham tradição nessa atividade, como no Norte da Bahia. A mineração é uma das atividades antrópicas que mais causa impactos socioeconômicos e ambientais negativos. “Eles já estão chegando a regiões que têm certa escassez de água, trazendo prejuízos para biomas como o Cerrado e a Caatinga, que são ecossistemas perfeitos”, explicou a ambientalista e educadora ambiental, Maria Teresa Viana de Freitas Corujo. Para Paulo Rodrigues, geólogo e pesquisador do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN) e membro do Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela, “o modelo econômico que a mineração de ferro tem seguido no Quadrilátero Ferrífero está em vigor há muito tempo no país e tem nos levado a esses holocaustos socioambientais. Estamos perdendo os nossos recursos minerais e, junto, os aquíferos, locais armazenadores de recursos hídricos, por um modelo ultrapassado que nos domina há mais de 500 anos”.

O que o Velho Chico tem A Bacia do Rio São Francisco é a mais importante bacia fluvial genuinamente brasileira, pois se encontra totalmente dentro do nosso território. Ela se estende pelos estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe e, ainda, pelo Distrito Federal. Sua área é de 631.133 km2 (mais de 7% do território brasileiro). O Velho Chico nasce na serra da Canastra, em Minas Gerais, e corre na direção Norte-Nordeste, atravessando toda a Bahia. É a fronteira natural entre a Bahia e Pernambuco, Bahia e Alagoas e Alagoas e Sergipe. A bacia conta com uma variedade de ambientes naturais com a presença dos biomas Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica e, na sua área de foz, no oceano Atlântico, há a presença da Floresta Tropical. Sendo um rio típico de planalto, possui barragens e cachoeiras bem aproveitadas na produção de eletricidade. As usinas de Paulo Afonso e Sobradinho, na Bahia, a de Três Marias, em Minas Gerais, a de Xingó, na divisa de Alagoas e Sergipe, a de Itaparica, em Pernambuco, e a de Moxotó, em Alagoas, são suas principais hidrelétricas. A importância vai além da produção de energia. A exemplo da fruticultura irrigada no Vale do São Francisco, entre as regiões de Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), onde há a maior produção de frutas como manga e uva voltadas para a exportação. 31


Paracatu

Nova Lima

Itatiaiuรงu

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Rio Acima Itabirito Ouro Preto


Estrutura inicial. Comum aos 3 métodos de barragens É feito um dique para segurar a lama gerada no processo de beneficiamento do minério. À medida que o reservatório vai enchendo, novas camadas são construídas (alteamento).

Dique de partida

Rejeitos

235

Barragens de rejeitos de mineração na Bacia do Rio São Francisco

15

barragens de alto risco

3%

Somente do total de barragens cadastradas na ANA foram vistoriadas pelos órgãos fiscalizadores

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Métodos de construção 1. Montante Cresce por meio de degraus feitos com o próprio rejeito sobre o dique inicial. É o método mais barato. Alteamentos

barragens de alto dano potencial associado

Dique de partida

Barragens que preocupam o Rio São Francisco EMPRESA

NOME

MUNICÍPIO

2. Jusante

Mundo Mineração

Sistema de captação de rejeito

Rio Acima (MG)

A barragem cresce apenas sobre ela mesma, na direção da corrente

Minar Mineração Aredes

Barragem minar

Itabirito (MG)

dos resíduos, o que melhora a estabilidade da estrutura.

Dique 2 Minérios Nacional S.A

Barragem auxiliar B2

Alteamentos Rio Acima (MG)

Barragem B2 Barragem ecológica 1 Barragem ecológica 2 Vale S.A

Barragem Maravilhas 2

Itabirito (MG)

Barragem Maravilhas 3 B3/B4

Nova Lima (MG)

Vargem Grande Forquilha 1

Ouro Preto (MG)

Forquilha 2

Dique de partida

3. Linha de centro Degraus são feitos exatamente um sobre os outros, mantendo constante o eixo de simetria. É considerado um método intermediário. Alteamentos

Forquilha 3 Grupo ArcelorMittal

Mina de Serra Azul

Itatiaiuçu (MG)

Kinross

Mina Morro do Ouro

Paracatu (MG) Dique de partida

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SUBMÉDIO

BAIXO

MÉDIO

ALTO

34 34


Vale do São Francisco - Cidades como Petrolina, Pernambuco e Juazeiro, na Bahia, experimentaram maior crescimento e progresso devido à agricultura irrigada. Essa região apresenta-se atualmente como a maior produtora de frutas tropicais do país, recebendo atenção especial, também, a produção de vinho, em uma das poucas regiões do mundo que obtêm duas safras anuais de uvas. Comunidades Tradicionais - Algumas comunidades se tornaram tradicionais na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. Os vazanteiros, quilombolas, as comunidades dos Fundos e Fechos de Pasto, os povos indígenas e pescadores são alguns desses povos que não só vivem na região, como sobrevivem do rio. Transposição do Rio São Francisco - Prevê o desvio de 1% a 3% das suas águas para abastecer rios temporários e açudes que secam durante o período de estiagem. Para isso, conta com a construção de mais de 700 quilômetros de canais que fazem o desvio do volume. A obra divide-se em dois grandes eixos: o Norte que leva água de Cabrobó (PE) para o sertão de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte e o Leste que capta água em Floresta (PE) e beneficia os estados de Pernambuco e Paraíba.

Turismo - Os canyons do São Francisco, que deixam os visitantes encantados por seus imensos paredões rochosos e águas verdes, onde se localiza a represa de Xingó. Outro destino de destaque é Penedo, primeiro povoado de Alagoas (fundada no século 16) e que hoje é uma das cidadezinhas mais belas do estado, guarda um preservado centro histórico tomado por museus e igrejas dos séculos 17 e 18. Foz do São Francisco - A Foz do Rio São Francisco em Alagoas fica precisamente no município de Piaçabuçu, a 140km de Maceió. O lugar parece cenário de filme e emociona por sua beleza e simplicidade.

Agroindústrias - De conserva para exportação e um conjunto de períneos irrigados de porte também integram a região do Médio São Francisco. Além da produção frutífera, destacam-se ainda as culturas tradicionais, como cana-deaçúcar, mandioca, milho, feijão e arroz, além da pecuária, possibilitada através da manutenção dos pastos. Produção de energia - O Rio São Francisco possui usinas hidrelétricas que além da função de geração de energia elétrica, são a principal fonte de regularização dos recursos hídricos da região. São elas: Três Marias (MG); complexo Hidrelétrico de Paulo Afonso (BA), formado pelas usinas de Paulo Afonso I, II, III, IV e Apolônio Sales (Moxotó); Sobradinho (BA); Itaparica (PE); conhecida como Luiz Gonzaga e Xingó, localizada entre Alagoas e Sergipe.

Nascentes do São Francisco - A Serra da Canastra, em Minas Gerais, abriga a nascente do São Francisco em um parque de natureza preservada em um vale a 1.300 metros de altitude. A criação do parque foi uma iniciativa para proteger a fonte, que pode ser vista do alto de uma ponte de madeira. No local, há uma estátua de São Francisco, que deu nome ao rio. Abastecimento de água da RMBH - A mineração disparou o alarme de riscos hídricos com a devastação do Rio Paraopeba após o rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho. O abastecimento de água da RMBH foi comprometido, visto que a captação no Paraopeba foi interrompido. Outros empreendimentos sem garantias de segurança têm ameaçado o abastecimento de água da RMBH. Projeto Jaíba - Jaíba, no Norte de Minas Gerais, tornou-se um polo de produção de frutas. Está entre os maiores do país no suprimento de banana e é o número um na produção de sementes de hortaliças. O Jaíba é o maior projeto de irrigação da América Latina. Culinária - A culinária do Alto São Francisco, sem dúvida, é uma das mais representativas do Brasil. Quem nunca repetiu uma porção de feijão tropeiro, de pão de queijo, de doce de abóbora ou de galinha caipira? Todos esses são pratos deliciosos, típicos e muito apreciados pela maioria das pessoas. Psicultura - A psicultura chegou no reservatório de Três Marias em 2001, por incentivo da Codevasf que implantou no município de Morada Nova de Minas a primeira unidade demonstrativa de produção de tilápia em tanques-rede. Essa iniciativa incentivou a organização dos produtores em pequenas associações e, já em 2005, foram produzidas 240 toneladas.

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Dever

A jornada do bombeiro Comandante da Companhia de Desastres do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, o capitão Leonard Farah relata o dia a dia à frente do trabalho de resgate em Brumadinho. E afirma: não vai parar até devolver às famílias os seus mortos. Por Andréa Castello Branco Foto: Douglas Magno “Tudo de novo”, pensou o capitão Leonard Farah, do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, ao avistar o cenário de horror. Em 2015, ele fora um dos primeiros a chegar em Bento Rodrigues, município de Mariana, devastado pelo rompimento da barragem de Fundão. Agora, três anos depois, também se encontrava entre os primeiros a botar os olhos na tragédia ocasionada pelo rompimento da barragem 1 da Mina Córrego do Feijão. Poeira no ar, árvores derrubadas, casas destruídas: “Veio um filme na minha cabeça”. Ele estava de férias, a caminho do clube com a mulher e os filhos, quando viu a notícia no grupo do aplicativo WhatsApp dos bombeiros. No primeiro momento, achou que não era grave. Dali a duas horas, enfrentaria a maior missão da sua carreira, que começou aos 19 anos, quando abandonou o curso de Medicina e decidiu salvar vidas de outra maneira. “Vou precisar que você vá para lá agora”, disse-lhe o chefe no telefonema que recebeu assim que chegou ao clube. Segundo Farah, foi o tempo de fazer a barba das férias e pegar a mochila de emergência do Batalhão de Desastres, composta por uma muda de roupa, capacete, bota, cadeirinha de altura, luva e barraca. O carro teve de ser trocado pelo helicóptero no meio do caminho, só era possível chegar ao local do desastre por via aérea. A informação inicial era de que 100 pessoas teriam sido atingidas. Seguiram-se dezenas de sobrevoos na menor altitude possível para encontrar sobreviventes em meio ao lamaçal. Corria-se contra o tempo. Cada minuto fazia diferença entre a vida e a morte de alguém. Após um saldo de três resgates, Farah recebeu uma estranha orientação: voltar à base de comando, instalada na faculdade ASA, em Brumadinho. Naquele momento, ele se tornava uma figura essencial em outra parte do trabalho: o planejamento 36

da maior operação de salvamento já feita no Brasil. Mestre em Engenharia Geotécnica, com especialização em barragens no Japão e pós-graduação em desastres naturais, ficou as próximas 24 horas sem dormir, analisando mapas: da região, da mancha de inundação, das edificações e tentando projetar quantas pessoas poderiam estar desaparecidas, o que tinha sido atingido, onde estaria o restaurante, quantas pessoas estavam lá dentro. “Ninguém imaginava 277 pessoas. Em Mariana tínhamos um numero inicial de 54 vítimas fatais, ao longo do dia, esse número foi diminuindo até atingir 19”, comentou Farah. “Aqui em Brumadinho foi o contrário. O número só aumentava e isso criou uma agonia muito grande, foi um fator bem complicador para gente”. A recompensa Na tarde de sábado, segundo dia de buscas, os bombeiros haviam resgatado 192 sobreviventes. Uma vitória, graças aos mapas que Farah traçara para direcionar as buscas. Já no terceiro dia, domingo, não existia mais vida naquele lamaçal. O objetivo mudou: encontrar os corpos para que as famílias pudessem, pelo menos, enterrar os mortos: ““Era o que a gente podia dar”. O capitão só retornou à sua casa 10 dias depois. Conforme relatou, só aí vislumbrou a dimensão do trabalho que vinha realizando. O ônibus da corporação o deixou perto de casa. Exausto, sentouse numa calçada para aguardar os familiares que estavam a caminho para lhe buscar. “Chegou um senhor e me perguntou se eu estava em Brumadinho, eu disse que sim. Ele pediu para me dar um abraço, daí outro homem saiu do supermercado, me agradeceu e disse que tinha comprado um suco para mim. Ainda não tinha caído a ficha”, contou.


Capitão Leonard Farah

Até colocar a cabeça no travesseiro, Farah não tinha parado para pensar ou analisar os detalhes das investigações transcorridas naquelas duas primeiras semanas sobre a causa do rompimento da barragem. Para ele, uma nova tragédia já eram favas contadas. Em sua pesquisa para a conclusão do curso de especialização no Japão, analisou o histórico de acidentes com barragens em Minas Gerais e previu, no mínimo, mais dois desastres nos próximos 10 anos. Só não esperava que fosse acontecer tão rápido - e com tal impacto humanitário e ambiental. Crítico à forma como o país lida com a segurança, afirma que se um desastre é previsível ele é evitável. “Empresas ainda constroem área administrativa numa zona de risco potencial enorme, chega a ser óbvio. Talvez o excesso de confiança, a certeza absoluta de que não vai acontecer, leve a essa prepotência. Quando se convive muito com o risco, ele vira paisagem. A pessoa não consegue enxergar o problema”. A prova estava a poucos metros dali, onde o oficial concedera essa entrevista. Foram poucos dias de descanso ao lado da mulher, Renata, e dos filhos, David e Téo. “Minha esposa é quase uma especialista em desastre. Ela é meu alicerce”, comentou. O filho mais velho já se acostumou à rotina caótica do pai, mas, com apenas seis anos, ainda procura explicações para a ausência

por tantos dias. “Téo me perguntou o significado da palavra ‘desastre’. Fui evasivo, falei que é uma coisa muito ruim que acontece sem a gente querer, muita gente fica desaparecida. O que ele sabe é que ‘desastre’ é o que faz o pai dele ficar longe. Espero que um dia compreenda”. Para o capitão, o saldo pessoal não é fácil de ser mensurado: “Não consigo pontuar porque é um crescimento geral, como homem, como pai, como ser humano, como colega de trabalho, como líder. Está sendo uma escola”. Ele está à frente de 150 homens e não cogita interromper os trabalhos enquanto não devolver às famílias os seus mortos. “Não trabalho com a possibilidade de não encontrar. Vamos fazer a varredura em todo trajeto da lama priorizando o que a gente chama de ZAP, a Zona de Alta Probabilidade. Não vamos embora antes disso”. Aos 34 anos, 15 deles no Corpo de Bombeiros, Farah, não lembra em nada o jovem estudante de Medicina que não tinha o sonho de ser bombeiro e sequer conhecia as patentes militares. “Sou apaixonado pelo que faço, me encontrei. No início foi difícil, mas não me arrependo da escolha”.

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Entrevista

“Desburocratizar não significa flexibilizar normas” O rompimento da Barragem 1 da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, deverá ser um divisor de águas na história da mineração no Brasil. E, principalmente, na questão da segurança. Para o secretário de estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais, Germano Luiz Gomes Vieira, é preciso rever conceitos de engenharia das estruturas de contenção de rejeitos de minério e adotar mais rigor quanto aos atestados de estabilidade apresentados pelos empreendedores. Por: Luiza Baggio / Foto: Ohana Padilha Servidor de carreira, Germano é mestre em direito público, especialista em educação ambiental e autor de diversos artigos e livros na área ambiental. Antes de assumir a secretaria, já ocupava o posto de secretário-adjunto, desde maio de 2016, e foi o único secretário da gestão de Fernando Pimentel (PT) mantido pelo governador Romeu Zema (Novo). Em 2017, a Semad (Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais) alterou as regras de licenciamento ambiental com a Deliberação Normativa nº 217. Especula-se que a Vale tenha se beneficiado desta medida para reduzir o grau de risco de barragens. Como o senhor explica a alteração que supostamente beneficiou as mineradoras? A Deliberação Normativa 217/2017, que rege as regras do licenciamento ambiental em Minas, foi decidida perante o COPAM [Conselho Estadual de Política Ambiental], um órgão que possui 20 integrantes, dentre eles representantes da sociedade civil, do poder público, da academia, das entidades de classe, do setor econômico e Ministério Público, que discutiram a mesma nos últimos oito anos. 38

Germano Luiz Gomes Vieira


A DN 217 não alterou a análise do licenciamento ambiental das atividades minerárias em questão, sem dispensa de estudos, ou ainda, flexibilização de medidas mitigadoras. Pelo contrário, permite uma análise individualizada dos empreendimentos, com tecnologia, garantindo a eficiência na aplicação de fatores locacionais para o licenciamento ambiental, sem perder de vista a proteção ambiental garantida constitucionalmente. Acabou, ainda, com regras anteriores que eram reinvindicação da sociedade: Autorizações Provisórias para Operar, Autorizações Ambientais de Funcionamento (AAFs), e licenças ad referendum, ou seja, o secretário não pode dar licenças no lugar do COPAM. Ao assumir a Semad, na gestão do então governador Fernando Pimentel, o senhor afirmou que uma das intenções da pasta era a de desburocratizar o licenciamento ambiental em Minas Gerais. O senhor ainda pensa assim? A Semad não tem poder para conceder licenças ambientais “na canetada”. O processo de licenciamento ambiental em Minas é analisado por equipe técnica multidisciplinar, formada por profissionais independentes e que devem seguir a legislação. O licenciamento ambiental de empreendimentos significativos, como é o caso de barragens de mineração, é julgado pelo COPAM. Todos os processos passam por análises de equipes técnicas multidisciplinares e apenas se concluem quando os analistas consideram aptos e presentes os requisitos necessários. De fato, a burocracia impera não só nos órgãos ambientais como em diversos órgão públicos e é objeto de reclamação de diversos cidadãos. Desburocratizar não significa flexibilizar normas. Existem barragens em Minas Gerais que estão abandonadas, como por exemplo, duas barragens, em Rio Acima, da Mundo Novo Mineração. Nesse caso, como acontece a fiscalização? De quem é a responsabilidade por essas barragens? Foram realizadas 10 vistorias pelo Núcleo de Emergência Ambiental (NEA) da Semad, entre janeiro de 2016 e dezembro de 2018, na área de mineração de ouro desativada e abandonada pela empresa Mundo Novo Mineração, no município de Rio Acima. As fiscalizações identificaram um galpão contendo produtos químicos perigosos que foram removidos pelos fabricantes. A Semad também determinou que fossem tomadas medidas quanto à segurança do local e das barragens B1 e B2, como o crescimento desordenado de vegetação nos taludes que poderia provocar erosões. Essas duas barragens serão descomissionadas pela Companhia de Saneamento do Estado de Minas Gerais (Copasa), que fará um processo de licitação. E quem pagará essa conta? O estado não conseguiu sequer fazer a citação da empresa, pois a mesma não deixou representantes no Brasil. Quem pagará essa conta novamente será a sociedade. Isso é uma inversão completa do princípio do poluidor e pagador. Aquele que polui tem que arcar com os custos da poluição. Sugerimos ao Ministério Público que, via Interpol, acione os representantes legais da Mundo Novo Mineração para que as medidas legais sejam tomadas. Como a Semad tem conciliado a preservação do meio ambiente à exploração econômica pela mineração? Buscando dar eficiência às suas compensações ambientais, seja de Mata Atlântica, Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc), Áreas de Preservação Permanentes (APPs) e minerárias, de modo que saiam efetivamente do papel. Além disso, criamos recentemente dois novos parques com mais de 40

mil hectares de preservação. Soma-se a isso a transparência e a busca por tecnologia na prestação de todos seus serviços, o que tem trazido conhecimento prévio das regras pelos empreendedores por meio da Infraestrutura de Dados Espaciais (IDE-Sisema), e ajuste de expectativas na hora de empreender, o que tem levado a processos mais aptos para serem avaliados pelos técnicos. A Semad tem trabalhado intensamente na redução do desmatamento. No último ano foi a menor taxa em mais de 30 anos. Em 2019, focaremos no uso sustentável dos recursos hídricos, por meio de novas políticas e leis, construídas com os Comitês de Bacias. Além disso, tiraremos neste ano da irregularidade diversos usuários de recursos hídricos que têm buscado intensamente a regularização, porém regras burocráticas estavam impedindo. Quase um mês após a tragédia da Vale em Brumadinho, o que já foi feito pela Semad e quais medidas ainda serão tomadas em relação aos danos ambientais? Entre as medidas emergenciais, a Secretaria ordenou a suspensão imediata de todas as atividades da mineradora no local, ressalvadas as ações emergenciais. Além disso, determinou abertura imediata de um canal onde houve acúmulo de sedimentos que interrompem o fluxo natural do curso d’água. Também foi determinado o rebaixamento do nível do reservatório da barragem 6. Para manter o abastecimento de água, o governo do estado de Minas Gerais estabeleceu que a Vale fornecesse água potável para as comunidades afetadas. Os detentores dos direitos de captação afetados também puderam solicitar junto ao IGAM [Instituto Mineiro de Gestão das Águas] autorização prévia para intervenção emergencial, em corpo hídrico, de nova captação, em alternativa à intervenção regularizada impactada. Desde o primeiro dia da tragédia a equipe da Semad foi a campo, em conjunto com o IGAM. Intensificamos o monitoramento na Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba, em conjunto com a Copasa, a Agência Nacional de Águas (ANA) e a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM). A Vale já foi multada? A SEMAD lavrou, no dia 25 de janeiro, o primeiro auto de fiscalização relativo ao rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, na RMBH. O valor da punição, baseada no Decreto 47.383/2018, código 116, artigo 80, é de R$ 99.139.167,77. Após o término dos trabalhos de identificação e quantificação dos danos, a Semad poderá aplicar outras penalidades específicas com relação à fauna, flora, ictiofauna, recursos hídricos e outros afetados que poderão ser identificados ao longo das investigações. E o que vai acontecer com as barragens que ameaçam a vida dos mineiros? No dia 30 de janeiro, determinamos o descomisionamento de todas as barragens de contenção de rejeitos de mineração, alteadas pelo método a montante. A implantação da destinação com nova tecnologia deverá ser executada no prazo máximo de 2 anos. Também foram suspensas as análises de processos de regularização ambiental em curso que sejam relativos à atividade de disposição de rejeitos em barragens, independentemente do método construtivo. A medida vale até que novas regras normativas sejam publicadas pelos órgãos competentes.

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Entrevista

“Terrorismo de barragem” O presidente do Fórum Mineiro de Comitês de Bacias Hidrográficas, Marcus Vinícius Polignano, disse que o rompimento da barragem da mineradora Vale, em Brumadinho (MG), não deve ser classificado como tragédia, mas como um dos maiores crimes ambientais já registrados no estado. “O rompimento da barragem de Brumadinho é de responsabilidade da empresa, do Estado e do poder político. Depois de três anos [desde o rompimento de outra barragem, em Mariana], estamos aqui falando o mesmo do mesmo, ouvindo quase que as mesmas declarações, para dizer de uma situação em que estamos enterrando rios e pessoas. É inadmissível que continuemos a fazer esse tipo de política pública.” Por Luiza Baggio / Foto: Michelle Parron Marcus Vinicius Polignano é presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) e coordenadorgeral do Projeto Manuelzão, um projeto de extensão da UFMG que luta pela revitalização de cursos d´água. Além disso, é professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal (UFMG). Para o docente, o desastre de Mariana, na região Central de Minas, em 2015, não deixou lições e afirma que as mineradoras estão promovendo um “terrorismo de barragens” com as remoções de pessoas por conta da falta de segurança das estruturas. 40

O tema das barragens tem ocupado a agenda pública nacional. Mas o que, de fato, se sabe sobre a situação das barragens de Minas Gerais? Até janeiro deste ano, antes do rompimento da barragem de Córrego do Feijão, em Brumadinho, órgãos públicos e mineradoras garantiam a estabilidade das barragens de rejeitos em Minas Gerais. Porém, após o rompimento, de repente, várias destas barragens estão sendo classificadas em situação de risco. O que mudou foi a postura de empresas, que não se arriscam mais a assinar laudos de estabilidade. O resultado é o terrorismo de barragens. O alerta sonoro de mineradoras já foi ouvido em pelo menos quatro cidades mineiras: Barão de Cocais, Itatiaiuçu, Nova Lima e Ouro Preto. Por que os moradores desses municípios estão sendo retirados de suas casas? Em Barão de Cocais, foram retirados os moradores das comunidades rurais que ficam próximas à barragem Sul Superior, da Mina Gongo Soco, explorada pela Vale. Em Itatiaiuçu, saíram as pessoas que viviam próximas à Mina de Serra Azul, da ArcelorMittal. Em ambos os casos, a justificativa foi o aumento do risco de rompimento das barragens. O mesmo aconteceu em Macacos, distrito de Nova Lima. Outro motivo para a evacuação das chamadas zonas de autosalvamento, é a aceleração do processo de descomissionamento. Esse é o caso de bairros de Ouro Preto e Nova Lima, vizinhos às barragens Vargem Grande, Forquilha 1, Forquilha 2, Forquilha 3 e Grupo, todas da Vale. Além disso, regiões de Itabirito também estão ameaçadas por barragens da mineradora Vale, e seriam atingidas entre 1h27 e 5h16, dependendo da localização, em caso de rompimento. Por isso, a empresa foi obrigada a criar rotas de fuga e fazer simulados com a população.


Passados pouco mais de três anos do desastre em Mariana, o que o crime da Vale em Brumadinho tem de diferente em relação ao episódio de Mariana?

Marcus Vinicius Polignano

Uma coisa é consequência da outra. Vivemos o mesmo do mesmo, repetindo erros. Nenhum dos atores envolvidos, Estado, União e mineradores, tomaram as providencias para evitar novos rompimentos. Foi preciso acontecer o que aconteceu em Brumadinho para a aprovação do Projeto de Lei “Mar de Lama Nunca Mais”. Ambos os crimes aconteceram em barragens a montante, que tinham atestados de segurança. As barragens ameaçam o abastecimento de água? Sem dúvida! Principalmente o Alto Rio das Velhas, que é uma região importante de produção de água para a Bacia do Rio São Francisco. O Rio das Velhas é também uma das principais fontes de abastecimento de água para a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Quais são as barragens que representam mais risco para o Rio das Velhas? Segundo o relatório mais recente publicado pela Agência Nacional de Mineração (ANM), 63,1% do total de barragens de rejeitos de minério com alto risco de acidentes no Brasil ficam em Minas Gerais. Isso significa que das 19 barragens em alto risco, 12 estão no estado, sendo dez delas com alto potencial de dano. Um documento divulgado pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) constatou que pelo menos oito estruturas de retenção de rejeito da Vale apresentam risco de rompimento. Conforme o relatório da própria mineradora, as barragens em risco são: Capitão do Mato e Dique B, em Nova Lima; Menezes 2, em Brumadinho; Laranjeiras, em Barão de Cocais; Taquaras, no distrito de São Sebastião das Águas Claras (também conhecido como Macacos, em Nova Lima); e Forquilha 1, 2 e 3,em Ouro Preto. Acrescento ainda a essa lista a barragem da Mundo Mineração, em Rio Acima, que está abandonada e contém rejeitos altamente tóxicos e Maravilhas 2 que é um empreendimento gigantesco em Itabirito. É possível que o Paraopeba volte a ser o que era antes da tragédia? E o Rio Doce? Temos um problema para uma centena de anos. Porque a solução não é apenas retirar os rejeitos do leito do rio. A natureza, na maioria das vezes, se adapta, mas a viscosidade foi comprometida e a biodiversidade também. Tragédias como as que o Doce e o Paraopeba enfrentaram têm uma extensão absurda! E a cada chuva as águas do rios são revolvidas e realimenta o sistema. E, para ter peixe, precisa ter microorganismo. O senhor acredita que a lama de rejeitos chegará ao Rio São Francisco? A lama chegou até a hidrelétrica de Retiro Baixo. De lá perdeu força pela sua alta densidade. Chegará na hidrelétrica de Três Marias, na bacia do São Francisco, mas a tendência é que fique armazenada por lá, uma vez que o reservatório desta usina é imenso.

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Denúncia

Perigo à vista Segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), mais de meia centena de barragens de rejeitos de minério estão interditadas por apresentar risco de rompimento Por Luiza Baggio / Foto: Léo Boi

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Barragens da mineradora de ouro AngloGold Ashanti, em Nova Lima

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O número é assustador: 56 barragens de rejeitos de minério foram interditadas pela Agência Nacional de Mineração (ANM). Desse total, 39 por falta de documentação e 17 devido à falta de estabilidade comprovada por laudos. Minas Gerais é o estado que abriga a maioria dessas estruturas, que se tornaram uma ameaça, uma bomba-relógio prestes a explodir uma bomba relógio prestes a explodir. A decisão foi tomada no dia 1º de abril de 2019. As demais barragens interditadas por problemas na documentação estão localizadas em São Paulo (6), no Mato Grosso (4), no Rio Grande do Sul (2), em Goiás (2), no Pará (1) e no Amapá (1). As barragens interditadas porque as informações apontaram falta de estabilidade estão localizadas no Pará (2) e no Paraná (1). A decisão foi tomada atendendo ao que é determinado na Declaração de Condição de Estabilidade, cujas informações devem ser encaminhadas anualmente. Em fevereiro, após o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, a agência reguladora estabeleceu um prazo de 30 dias para o encaminhamento das informações sobre as barragens do tipo a montante. A interdição ocorreu após a Vale ter divulgado informações atualizadas sobre as declarações de estabilidade de barragens utilizadas em suas operações. De acordo com a mineradora, foram renovadas as declarações de 80 estruturas que tinham validade até 31 de março. Por outro lado, não houve renovação para outras 17. Segundo a Vale, não foram obtidas novas declarações de estabilidade para as barragens Sul Superior, da Mina de Gongo

Maravilhas 2 faz parte do complexo Vargem Grande, uma das estruturas da Vale que não obteve declaraçao de estabilidade

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Soco; B3/B4, da Mina de Mar Azul; Vargem Grande, do Complexo de Vargem Grande; e Forquilha 1, Forquilha 2, Forquilha 3 e Grupo, do complexo de Fábrica, cujas DCEs venceram em 31 de março. No comunicado enviado à Revista CHICO, a mineradora informou ainda que outras 10 estruturas, com estudos complementares e obras de reforço já em andamento, também não obtiveram as Declarações de Condição de Estabilidade. São elas: Dique Auxiliar da barragem 5, da Mina de Águas Claras; Dique B e barragem Capitão do Mato, da Mina de Capitão do Mato; barragem Maravilhas 2, do complexo de Vargem Grande; dique Taquaras, da Mina de Mar Azul; barragem Marés 2, do complexo de Fábrica; barragem Campo Grande, da Mina de Alegria; barragem Doutor, da Mina de Timbopeba; Dique 2 do sistema de barragens de Pontal, do complexo de Itabira; e barragem 4, da Mina do Córrego de Feijão. A declaração de estabilidade é emitida por uma empresa auditora que deve ser contratada pela mineradora. A confiabilidade do documento, porém, passou a ser questionada a partir da tragédia de Brumadinho (MG), ocorrida em 25 de janeiro. A estrutura tinha uma declaração válida, emitida pela empresa alemã Tüv Süd, em setembro de 2018. “A ideia de a empresa ter mecanismos para fazer a própria checagem e reportar aos órgãos públicos contribui para a gestão da segurança do trabalho, é uma ferramenta a mais. Mas não deve ser a única. O poder público tem que exercer efetivamente a sua função de fiscalizador”, afirmou o presidente do Fórum Mineiro de Comitês de Bacias Hidrográficas (FMCBH) e presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, Marcus Vinícius Polignano.


Fim das barragens a montante Por recomendação da ANM, o Ministério de Minas e Energia (MME) definiu uma série de medidas de prevenção de acidentes nas cerca de mil barragens existentes no país, começando neste ano e prosseguindo até 2021. A resolução está publicada, na seção 1, página 58, no Diário Oficial da União. “Essa resolução estabelece medidas regulatórias cautelares, objetivando assegurar a estabilidade de barragens de mineração, notadamente aquelas construídas ou alteadas pelo método denominado “a montante” ou por método declarado como desconhecido”, diz o texto. De acordo com o texto publicado, as barragens a montante ou método desconhecido que estão desativadas deverão ser eliminadas até 15 de agosto de 2021 e as que estão em funcionamento, até 15 de agosto de 2023. De forma geral, a resolução determina a desativação de todas as barragens a montante até 2021. E proíbe definitivamente a construção de barragens de mineração nesse método, já que em 2016 foi proibida a construção de novas barragens nesse método. Há 84 barragens no modelo denominado a montante em funcionamento no país, das quais 43 são classificadas de “alto dano potencial”: quando há risco de rompimento com ameaça a vidas e prejuízos econômicos e ambientais. Porém, no total são 218 barragens classificadas como de “alto dano potencial associado”.

Segundo a ANM, o modelo a montante era o mais comum nas décadas de 1970, 1980 e 1990, por ser um método mais barato. “Contudo, constata-se que o método não pode mais ser tolerado na atualidade, uma vez que crescem os registros de acidentes relacionados a esse método construtivo, bem como se observa que várias destas estruturas já ultrapassam algumas dezenas de anos de vida útil, além de terem sido alteadas ao longo dos anos, o que aumentou paulatinamente a carga de rejeitos em suas bacias”, afirmou a agência em nota. Até que todas as barragens a montante sejam extintas ou adaptadas para modelos a jusante ou de linha de centro, os empreendimentos desse tipo que estiverem ativos deverão ter monitoramento constante. Desde 2016, logo após o acidente em Mariana (MG) pela Samarco (joint venture entre Vale e BHP Billiton), o governo não autoriza a construção de barragens a montante, mas aquelas construídas em anos anteriores foram mantidas. Após a tragédia de Brumadinho, a Vale anunciou um plano para acelerar o descomissionamento das barragens a montante que a empresa ainda possui. A mineradora já eliminou nove barragens a montante e ainda vai descomissionar 10 estruturas construídas pelo método a montante. Segundo a Vale, elas estão nas cidades de Ouro Preto, Belo Vale, Congonhas, Brumadinho e Nova Lima, todas em Minas Gerais, nas unidades de Abóboras, Vargem Grande, Capitão do Mato e Tamanduá, no complexo Vargem Grande, e de Jangada, Fábrica, Segredo, João Pereira e Alto Bandeira, no complexo Paraopeba.

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Balanço

Últimas notícias do front Em reunião organizada pela ANA, a mineradora Vale conclui que o Rio São Francisco não será contaminado pela onda de lama que continua descendo o Rio Paraopeba, após o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho Por Delane Barros / Foto: Léo Boi 46

Ponte em Três Marias sobre o Rio São Francisco


A sala de crise do Rio São Francisco, mantida pela Agência Nacional de Águas (ANA) para acompanhar as condições hidrológicas do Velho Chico, realizou reunião extraordinária em 16 de abril, por videoconferência. Na oportunidade, reuniu os diversos atores designados para acompanhar as ações empregadas após o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, operada pela Vale, em Brumadinho (MG). O ponto mais importante da reunião foi a atualização das informações quanto às ações empregadas para conter os estragos. A mineradora apresentou seu plano de recuperação ambiental para a Bacia do Rio Paraopeba, afluente do São Francisco, os estudos de transporte de sedimentos na calha do Paraopeba; e os estudos de deposição de sedimentos nos reservatórios das hidrelétricas de Retiro Baixo e de Três Marias. De acordo com a Vale, logo após o rompimento, foram realizados serviços de contenção de sedimentos e estabilização da calha fluvial; redução dos níveis de turbidez; e remoção dos rejeitos com restauração da calha fluvial, numa área de aproximadamente 6,72 hectares. A empresa conclui que 77% do rejeito ficará depositado no reservatório da usina hidrelétrica de Retiro Baixo, e o restante, no reservatório da hidrelétrica de Três Marias, não chegando nenhum material ao São Francisco. Em nome da empresa Vale, Guilherme Alves disse que acompanha a qualidade da água e segue todas as metodologias, com laboratório certificado. Segundo ele, foram instalados 44 pontos de monitoramento no Paraopeba até final de janeiro e, atualmente, são 65. De acordo com os relatos, a qualidade da água é monitorada diariamente; a qualidade dos sedimentos, semanalmente; e a turbidez, a cada 24 horas. Aponta, ainda, uma baixa concentração de metais dissolvidos nas amostras de água superficial, se comparados aos teores totais para a maioria dos parâmetros analisados. “Por sua vez, estão sendo verificadas concentrações elevadas de metais totais nessas mesmas amostras. Essa

diferença indica que as concentrações elevadas de metais totais estão relacionadas com os metais presentes nos sólidos associados (suspensos e sedimentáveis) e não com o material dissolvido na água”, informa o estudo da Vale. Ainda durante a apresentação, a equipe da mineradora informou que os dados de qualidade de água demonstram maiores concentrações de metais totais, sendo identificados poucos valores acima dos limites para metais dissolvidos, com tendência a reduzir a biodisponibilidade dos compostos para o meio. A empresa informou que a pluma de rejeitos está distante cerca de 45 quilômetros de Três Marias. “Em lenta movimentação e sem alteração significativa na qualidade da água do local”, conforme dados apresentados pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM). O Instituto Chico Mendes (ICMBio) também participou da videoconferência. O biólogo e analista ambiental do órgão, Wellington Moreira Peres, fez uma apresentação, na qual apontou que o rompimento da barragem do Feijão impactou diretamente a biota, devido ao assoreamento e destruição de habitats, entre outros. Apesar disso, considera que os dados de turbidez e concentrações de metais ao longo do trecho impactado do Paraopeba e o tempo de residência da água nos reservatórios de Retiro Baixo e de Três Marias indicam ser pouco provável que a pluma de rejeitos de mineração cause danos à estação ecológica de Pirapitinga, situada em Três Marias. O diretor da ANA, Ney Maranhão, exibiu um quadro geral sobre a área em que estava a barragem. Ele informou que a agência faz o acompanhamento em 61 pontos de monitoramento, sendo 46 no São Francisco à jusante de Três Marias. A reunião atendeu a uma demanda apresentada pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), para ampliar os canais de informação para a população atingida.

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Cultura

Poeta Carlos Drumond de Andrade

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Oitenta por cento de ferro na alma Em prosa e verso, o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade dedicou-se, ao longo da vida, a combater com palavras o efeito devastador da mineração em sua cidade natal, Itabira (MG). Lançado ano passado, o livro “Maquinação do Mundo”, do ensaísta José Miguel Wisnik, esmiuça com maestria esta relação Por Karla Monteiro Fotos: Arquivo família Carlos Drumond 49


“Itabira é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói”, diz o poema “Confidência do Itabirano”, de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Quem chega à Itabira, a 110 quilômetros de Belo Horizonte, experimenta, logo à primeira vista, a profundidade literal do verso do poeta. Difícil saber se a mina fica dentro da cidade ou se a cidade fica dentro da mina. Envolvendo-a, a serra do Pico do Cauê, carcomida, esburacada, profanada. Não existe vista em Itabira que não seja para devastação. Aliás, o Pico do Cauê não existe mais. Outrora representara a bússola dos bandeirantes, com o brilho azulado pela concentração de minério e ouro. Hoje é uma cava que conta a história da mineração no estado. Fora em Itabira onde tudo começou. A funda relação da poesia de Carlos Drummond com os impactos da mineração em sua cidade natal está no livro “Maquinação do Mundo – Drummond e a Mineração”, do crítico e ensaísta José Miguel Wisnik, publicado pela Companhia das Letras, em meados de 2018. Quatro anos antes, em 2014, Wisnik, um dos mais importantes intelectuais do país, iniciara a longa pesquisa, instigada por seu próprio espanto ao por os olhos em Itabira. Chegara à cidade mineira para participar de um evento literário, “Inverno Cultural”. “A minha sensação imediata foi a de que a ‘máquina do mundo’ do poema famoso estava ali, não somente como entidade poética e metafísica, que também é, mas como um acontecimento histórico que se deu surdamente em câmera lenta ao longo do século 20, quando Itabira esteve no epicentro oculto da mineração brasileira”, disse o autor em entrevista ao jornal Folha de São Paulo. Assim como Drummond a Companhia Vale do Rio Doce, que após a privatização, em 1997, passara a se chamar apenas Vale, nasceu em Itabira, em 1942. O trajeto da mineração na cidade, porém, tivera início três décadas antes, em 1910, quando uma companhia inglesa, a Brazilian Hematite Syndicate, adquiriu ali a maior jazida de ferro do país: 76 milhões e oitocentos mil metros quadrados. Para explorar tamanho tesouro, surgira, no ano seguinte, em 1911, a Itabira Iron Co – e com ela um personagem que marcaria a trajetória da exploração mineral no Brasil: Percival Farquhar. O legendário empresário norte-americano traçou o plano de exportar 10 milhões de toneladas de minério de ferro por ano para os Estados Unidos. O projeto nunca se concretizaria. Em 1942, o presidente Getúlio Vargas nacionalizou a jazida e criou a estatal Companhia Vale do Rio Doce. Drummond contava, então, 40 anos, e vivia no Rio de Janeiro. O Pico do Cauê havia sido personagem do poema “Itabira”, sua estreia editorial, com o livro “Alguma Poesia”, em 1930: “Cada um de nós tem o seu pedaço no Pico do Cauê (...)”, dizia o verso. Já então o poeta olhava desconfiado para aquele frenesi de progresso, imortalizando em verso um comerciante da cidade, dono do armazém: “Na cidade toda de ferro, as ferraduras batem como sinos. Os meninos seguem para a escola. Os homens olham para o chão. Os ingleses compram a mina. Só, na porta da venda, Tutu Caramujo cisma na derrota incomparável”. Nos anos que se seguiram à estreia da hoje Vale, Drummond travou uma guerra de palavras, recusando-se a engolir calado a sabida “derrota incomparável” de Tutu Caramujo. Usando a sua coluna no jornal Correio da Manhã, o mais importante da imprensa da época, denunciou texto após texto a devastação em curso. Nas crônicas, segundo Wisnick, cobrava “instalação de siderurgia, participação dos empregados nos ganhos da empresa, critérios mais justos de participação municipal no preço do ferro e reversão do excedente em benefício da região”. Chegara a acusar sem subterfúgios: “indústria ladra”. Em novembro de 1970, a Vale, na arrogância do capital, revidou, estampando no O Globo uma peça publicitária usando um famoso verso do próprio poeta para atacá-lo: “Há uma pedra no caminho do desenvolvimento brasileiro”. 50


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Vestígios da vida A repórter-fotográfica Ísis Medeiros foi a primeira jornalista a registrar o interior dos escritórios da Vale que resistiram à avalanche de lama Por Ísis Medeiros Enfim, consegui. Após 20 dias de cobertura, desde o rompimento da barragem do Córrego do Feijão, fotografando e filmando incansavelmente cada comunidade afetada pela lama, pela falta de água e assistência da Vale, debatia na minha cabeça a importância de acessar a área de atividades da mineradora. A mídia de todo país e do mundo havia abandonado a área, após três semanas de cobertura. A oportunidade surgiu quando o tenente-coronel do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, Pedro Aihara, permitiu que eu acompanhasse as buscas no pavilhão de escritórios que resistiu de pé. “Seis horas da manhã esteja no ponto de apoio da corporação”, disse-me Aihara. Naquela manhã, mandaram-me acompanhar o tenente Warley, bombeiro há 11 anos, lotado no Batalhão de Emergências Ambientais e Resposta a Desastres (Bemad). Era com ele que deveria passar o dia e tirar qualquer dúvida sobre o trabalho realizado. Fui a primeira fotojornalista a entrar no ainda quase intocado escritório da Vale. Frio na espinha, foi a sensação que me dominou. Depois de andar por mais de uma hora dentro da estrutura da Instalação de Tratamento de Minério (ITM) e já dando por finalizado meu trabalho, avistei uma porta entreaberta e entrei para ver. Não posso esquecer o susto e a surpresa ao me deparar com aquele cenário, era uma sala de segurança da empresa coberta de rejeito. Não acreditava no que via. A informação de que não havia restado nenhuma estrutura da empresa de pé caiu por terra quando me deparei com aquelas 52

duas salas mortas, congeladas pela lama: as máquinas, os objetos, os livros, os aparelhos de telefone... Só ouvia as máquinas lá de fora que trabalhavam a todo vapor para limpar a área, revirar a lama já seca e encontrar mais corpos. Vários vestígios iam sendo encontrados e trazidos para a superfície, inúmeros corpos de quem contribuiu diariamente para construir uma riqueza chamada Vale. Vale o que? Da janela da sala era possível ver a barragem rompida, bem próxima. Imaginei logo se alguém ali teria fugido a tempo de se salvar ou se os poucos segundos de susto lhe calaram logo em seguida. A lama tóxica entrou violentamente pelas portas e janelas dos escritórios de segurança da empresa, arrastou metade das estruturas metálicas que faziam parte do corpo do galpão de tratamento de minério e de produção da mineradora. A imensa estrutura foi arrastada quase por inteiro, por 300 metros. A parte do prédio em que estávamos encontrou estabilidade. Segundo os engenheiros que acompanharam as buscas, porém, poderia ruir a qualquer momento. Nas salas de controle e segurança não foram encontrados funcionários, nem vivos, nem mortos. Ficaram vários resquícios do trabalho daquelas pessoas. Sobre as mesas, dentro de gavetas e preenchendo portas e prateleiras devidamente identificadas com etiquetas, encontrei inúmeros cartões de identificação de trabalho, manuais de segurança, agendas de compromissos, crachás e capacetes. História de vidas arrancadas.


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Comitê em Ação

Aconteceu Por Mariana Martins

Sob nova direção A Câmara Consultiva Regional do Alto São Francisco elegeu, em fevereiro deste ano, novo coordenador e secretário. Quem está à frente da CCR é o representante da Associação da Bacia do São Pedro, Adson Ribeiro. Assumiu o cargo de secretário, representando o Instituto Opará, Altino Rodrigues Filho. A eleição nada mais é do que o reflexo do trabalho que ambos vem desenvolvendo nesta CCR ao longo dos anos. Desejamos muito sucesso nessa jornada!

S.O.S Lagoa de Itaparica Assolada pela seca, a Lagoa de Itaparica ganhou status de desastre ambiental em 2017, quando mais de 50 milhões de peixes morreram por decorrência de sua seca total. Em busca de soluções viáveis para revitalizar a lagoa, o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, juntamente com o Núcleo de Defesa do Rio São Francisco (NUSF), do Ministério Público da Bahia, e outras entidades da sociedade civil e órgãos governamentais se articularam em prol de um plano de ação denominado “S.O.S Lagoa de Itaparica”, que prevê ações que possam mitigar os efeitos da degradação da lagoa conhecida outrora como “Mãe da Pobreza”. Para orientar o processo de revitalização foi elaborado um diagnóstico socioambiental da Lagoa, custeado pelo CBHSF. Para o coordenador da CCR Médio São Francisco, Ednaldo Campos, “o diagnóstico nos dará ciência da real situação e nos norteará, mas se não integrarmos esforços e trabalharmos em todas as frentes necessárias, ele será só um calhamaço de papel. A responsabilidade de garantir um futuro para a Lagoa de Itaparica deve ser assumida por todos nós”, afirmou.

Parceria garante a continuidade da FPI pelos próximos cinco anos em Sergipe O CBHSF assinou, em janeiro deste ano, o Termo de Cooperação Técnica da Fiscalização Preventiva Integrada (FPI) em Sergipe, no Ministério Público do Estado. A assinatura garante a continuidade das ações em municípios sergipanos banhados pelo rio durante os próximos cinco anos. A FPI protege o meio ambiente natural, cultural, do trabalho e construído da Bacia do Rio São Francisco através da ação de diversos órgãos municipais, estaduais e federais. Para o vice-presidente do CBHSF, Maciel Oliveira, a participação do colegiado no programa garante o prosseguimento e fortalecimento das ações. “O Comitê participa de uma forma bem estratégica da Fiscalização Preventiva Integrada. Nós apoiamos financeiramente, com rubrica do Plano de Aplicação Plurianual, garantindo a ida de policiais e técnicos a campo. Cada equipe tem mais de 150 profissionais envolvidos num grande trabalho que é feito antes, durante e depois”, disse.

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CBHSF tem representação na Comissão Nacional de Direito Ambiental O coordenador da Câmara Consultiva Regional do Baixo São Francisco e advogado, Honey Gama Oliveira, foi nomeado membro consultor da Comissão Nacional de Direito Ambiental, do Conselho Federal da OAB. O convite, feito pelo presidente do Conselho Federal, Felipe Santa Cruz, foi sem dúvida, consequência do trabalho realizado nas questões ambientais. Honey destaca que a nomeação “é uma oportunidade para representar o estado de Sergipe e, obviamente, os interesses do Comitê junto à OAB Nacional. Vamos trabalhar para efetivar a execução de políticas públicas propostas pelo CBHSF”, afirma. A comissão nacional é presidida pela advogada Marina Gadelha e possui mais 14 membros que debatem temas ambientais, participam de audiências públicas e compartilham as experiências enfrentadas em cada estado do país.

Água na torneira Algo que para muitos parece tão simples, para outros pode ser um sonho longínquo. É o caso dos indígenas Pankará, que vivem na Aldeia Serrote dos Campos, localizada no município de Itacuruba (PE). Apesar de morarem há apenas cerca de 6 km do Rio São Francisco, não tinham água encanada nem para beber, nem para o cultivo. Depois de 12 anos de muita luta e espera, a tribo foi contemplada, em janeiro deste ano, com o Sistema de Abastecimento de Água, obra totalmente custeada pelo CBHSF, que investiu aproximadamente R$ 3,8 milhões, com os recursos oriundos da cobrança pelo uso da água. Para a cacique Lucélia Cabral, “é uma ácão que diginifica a vida. Nossa expectativa agora, é que o projeto atenda a seu fim com a questão da durabilidade e nos traga a segurança de que foi bem executado”.

Planos Municipais de Saneamento Básico

Eu viro carranca para defender o Velho Chico

O CBHSF aprovou, no início deste ano, a elaboração de mais 40 Planos Municipais de Saneamento Básico. Por meio de Chamamento Público, os municípios da Bacia puderam se candidatar para receberem o plano sem custo, elaborado pelo Comitê. Ao todo, já foram entregues 59 PMSBs, e há ainda quatro em elaboração, que devem ser executados pelas prefeituras, garantindo aos cidadãos abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem e manejo de águas pluviais, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos. O meio ambiente e a saúde agradecem!

Com o mote SOU MAIS VELHO CHICO, a campanha Eu viro carranca para defender o Velho Chico será realizada este ano em quatro cidades ribeirinhas, abrangendo todas as regiões fisiográficas da bacia. São elas: Três Marias (MG), no Alto SF, Bom Jesus da Lapa (BA), no Médio SF, Juazeiro (BA), no Submédio SF e Pão de Açúcar (AL), na região do Baixo SF. O ápice da campanha é o dia 03 de junho, data em que se comemora o Dia Nacional em Defesa do Rio São Francisco, e as festividades serão realizadas simultaneamente nos quatro municípios.

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3 de Junho Dia Nacional em defesa do Velho Chico Poste uma foto no Instagram, use a #virecarranca e participe do nosso mural no site Acesse o QR Code através do seu celular

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