travessia Notícias do São Francisco
JORNAL DO COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO / MARÇO 2019 | Nº 23
Rio São Francisco em estado de alerta:
lama de rejeitos da Vale pode chegar à represa de Três Marias Vapor Benjamim Guimarães se deteriora em Pirapora por falta de manutenção
CBH Entorno da Represa de Três Marias se mobiliza em prol do Rio Paraopeba
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Editorial
CCR Alto São Francisco elege nova coordenação e secretaria
O rompimento da barragem de rejeitos de minérios da empresa Vale, no município de Brumadinho, em Minas Gerais, já reacendeu diversas vertentes de conflitos e debates que irão ocupar a opinião pública durante muito tempo. Tempo mais longo ainda será requerido pelas ações judiciais e administrativas envolvidas naquilo que reputo como mais um assombroso descalabro nacional. Não fosse por outras razões fortes como é o caso óbvio das numerosas vítimas fatais, o fato exige uma adjetivação veemente porque nossa negligente percepção espacial ofusca algo que precisa ser urgentemente desnudado. Refiro-me ao golpe mortal sofrido pelo rio Paraopeba, um dos grandes afluentes do rio São Francisco, além de berçário de espécies de vida aquática de primeira grandeza. Devido ao gigantismo do território brasileiro e por algum mecanismo sutil do nosso inconsciente, quando algum crime ambiental, que normalmente para o conjunto de países do mundo inteiro seria considerado de grandes proporções, aqui no Brasil costuma parecer significativamente menor porque somos sempre traídos por essa confusão de escalas acerca da real proporção daquilo que ocorre em nosso imenso e generoso território. Tivesse acontecido no Uruguai, na Áustria ou na África do Sul, por exemplo, o mar de lama que a Vale despejou no Paraopeba e em seus córregos afluentes, ganharia dimensões de grave impacto nacional. Todavia, aqui entre nós, no Brasil, daqui a pouco tempo já será tratado apenas como notícia requentada e problema enganosamente absorvido pelo cotidiano de nossa convivência alienada com os erros e mazelas que se repetem e acumulam no contexto do “jeitinho brasileiro” de enfrentar os seus desafios e a impunidade reinante. A morte do rio Paraopeba é um crime terrível. Para além das lágrimas e do sangue humano vertidos, as perdas patrimoniais das populações ribeirinhas e sobretudo os golpes irreversíveis desferidos contra a biodiversidade são inaceitáveis, sobretudo para um país que é signatário de diversas convenções internacionais que versam sobre a qualidade do ambiente terrestre. E essa gravidade extrema do que ocorreu com o rio Paraopeba ressalta ainda mais, já com contornos de absurdo total, o crime que tingiu com a mesma lama o Rio Doce, também em Minas Gerais, e os rejeitos químicos que emporcalharam e contaminaram a região de Barcarena, no Pará, levando-nos a nos perguntar se adentramos um tempo sombrio onde a cada ano o Brasil se dará ao luxo de detonar rios de importância planetária apenas porque temos o quinto território em extensão do mundo.
Texto e fotos: Luiza Baggio
QUANDO A GRANDEZA NOS CONFUNDE
Anivaldo de Miranda Pinto Presidente do CBHSF 2
Os membros da Câmara Consultiva Regional (CCR) Alto São Francisco, do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), elegeram nova coordenação e secretaria durante a reunião extraordinária realizada no dia 25 de fevereiro, em Belo Horizonte (MG). O coordenador eleito foi Adson Roberto Ribeiro, da Associação da Bacia do São Pedro, e o secretário, Altino Rodrigues Neto, do Instituto Opará. “Agradeço pela confiança dos membros da CCR Alto São Francisco. Vamos trabalhar com a participação de todos, somando e unindo forças para buscar as melhorias que são necessárias e uma boa gestão para o Rio São Francisco”, disse o coordenador eleito Adson. O novo secretário da CCR Alto São Francisco, Altino Rodrigues Neto, também agradeceu a confiança dos membros na eleição. “Agradeço o voto de confiança. Todos da CCR Alto querem trabalhar e fazer o Adson Ribeiro e Altino Rodrigues são os novos coordenador e secretário, respectivamente, da CCR Alto SF
melhor pelo São Francisco. Com o Adson na coordenação vamos ajudar a Câmara Consultiva a ter um novo protagonismo dentro do CBHSF”, afirmou. A eleição do novo coordenador e secretário será aprovada na próxima Plenária do Comitê, que será realizada nos dias 16 e 17 de maio, em Brasília (DF). Durante a reunião os membros da CCR Alto São Francisco também discutiram a proposta de deliberação que dispõe sobre regimento interno do CBHSF e sobre a Deliberação que dispõe sobre as Câmaras Consultivas Regionais (CCRs). Na ocasião, Altino Rodrigues Neto, apresentou a situação do viveiro de mudas de Patos de Minas. Ele disse que conversou com o diretor-geral do Instituto Estadual de Florestas (IEF), em conjunto com a diretora-geral da Agência Peixe Vivo, Célia Fróes, e que o Instituto ficou de fazer uma nova proposta ao Comitê sobre a parceria firmada. Márcio Pedrosa, membro da CCR Alto, e Célia Fróes, diretora-geral da APV
Membros da CCR Alto, em reunião em Belo Horizonte (MG)
Planos de saneamento básico são discutidos em reunião entre CBHSF e Agência Nacional de Águas Encontro teve a participação da presidenta da ANA e de representantes do IICA
Texto: Iara Vidal / Fotos: Gabriel Jabur
Retomar o diálogo entre a diretoria do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) e a Agência Nacional de Águas (ANA) foi o propósito do encontro realizado no dia 12 de fevereiro, em Brasília (DF). Em pauta, o alinhamento de ações do Plano da Bacia – Elaboração do Plano Plurianual (PAP) e do contrato de gestão Ana/ Agência Peixe Vivo e recomendações do Tribunal de Contas da União, entre outros. Participaram da reunião, pelo CBHSF, o presidente, Anivaldo Miranda, o vice-presidente, José Maciel Oliveira, o secretário, Lessandro Gabriel da Costa, os coordenadores das Câmaras Consultivas Regionais (CCR) do Submédio, Julianeli Tolentino, do Médio, Ednaldo Campos, e do Baixo, Honey Gama. Participaram também a representante do Alto São Francisco, Silvia Freedman e os membros da Câmara Técnica Institucional e Legal (CTIL), Roberto Farias e Renato Scalco. Também estiveram presentes no encontro, pela ANA, a presidente Christianne Dias, o diretor de gestão, Ricardo Andrade, e o superintendente de Apoio ao Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SAS), Humberto Gonçalves, entre outros. O presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, avaliou como muito produtiva a reunião e destacou o alinhamento de questões que precisavam de melhor entendimento e articulação, como, por exemplo, as normas para que o Comitê, por meio da agência delegatária (Agência Peixe Vivo), possa estabelecer
parcerias com organizações sem fins lucrativos e fundações de universidades públicas. “Foram dados passos importantes para se chegar a um ordenamento que será estabelecido pela própria ANA, comum a todos os Comitês, mas que atenda a esse antigo desejo do Comitê do São Francisco: diversificar as formas de cooperação e de parceria com outras instituições visando a aceleração da aplicação dos recursos da cobrança pela água”, comentou Miranda. O primeiro projeto que poderá sair do papel com a conclusão do ordenamento das parcerias do CBHSF será com o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) para dar início à capacitação de irrigantes da bacia do São Francisco. O projeto foi discutido com a equipe do IICA da área de Agricultura, Gestão Sustentável dos Recursos Naturais e Adaptação às Mudanças Climáticas, representados pelo coordenador Gertan Beekman, e pela assessora técnica Kilmara Ramos, durante o encontro. Também houve avanço para aprovação conjunta de um termo de referência que servirá de base para contratação dos serviços para estabelecer um programa de monitoramento da qualidade das águas no rio São Francisco. A iniciativa começará na região do Baixo e do Submédio. “É uma coisa que nós estamos perseguindo há algum tempo, que é criar uma rede de cooperação entre os órgãos de meio ambiente, as empresas de abastecimento de
água e as hidrelétricas, todas aquelas com responsabilidade com a qualidade da água. Acreditamos que a definição do termo de referência ocorra ainda neste primeiro semestre”, estima Miranda. Esgoto Zero O encontro entre Miranda e a presidenta da ANA, Christianne Dias também foi produtivo. A dirigente aceitou o convite para participar da próxima plenária do CBHSF, prevista para maio. Ela também se mostrou disposta a colaborar com a articulação de um encontro entre representantes de prefeituras de municípios da bacia do São Francisco contemplados por plano municipal de saneamento elaborados pelo Comitê e o governo federal. “A ideia é promover, no segundo semestre, um encontro entre esses prefeitos e representantes dos ministérios diretamente ligados às questões dos recursos hídricos, meio ambiente e saneamento básico para abrir perspectivas para que esses planos se transformem em projetos e finalmente em recursos para execução das obras de saneamento. Porque um dos eixos mais importantes da atuação do CBHSF é cuidar da qualidade das águas no rio São Francisco. Só descansaremos quando tivermos cumprido o projeto Esgoto Zero na calha do Velho Chico”, finaliza Miranda.
Membros da Direc do CBHSF em reunião com equipe da ANA e representantes do IICA. Ao lado, o presidente do Comitê, Anivaldo Miranda, e a presidente da ANA, Christianne Dias
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Usina Retiro Baixo, em Pompéu (MG)
Nível de contaminação da água do Paraopeba gera insegurança na população próxima à represa de Três Marias Texto: Michelle Parron e Iara Vidal / Fotos: Léo Boi, Luiz Maia e Michelle Parron
Anivaldo Miranda, presidente do CBHSF, e Winston Caetano, presidente do CBH Paraopeba, em visita técnica à Usina Retiro Baixo, em Minas Gerais
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Para conter a ansiedade dos moradores dos municípios no entorno do lago de Três Marias, que seguem preocupados com os impactos da chegada dos rejeitos da queda da barragem da Vale em Brumadinho (MG), o CBHSF organizou, no dia 4 de fevereiro, um encontro em Felixlândia (MG) com os prefeitos representando os municípios da região, piscicultores, pescadores, agricultores, comunidades tradicionais, ribeirinhos, empresas de abastecimento, usuários e a sociedade civil para que o poder público e a empresa Vale prestassem esclarecimentos à população. Na oportunidade, foi gerada a Carta de Felixlândia, que cobra da Vale ações imediatas de monitoramento e contenção dos contaminantes, com uso da melhor tecnologia nacional e internacional para impedir a pluma de rejeitos que se desloca pelo rio Paraopeba. Também solicita um plano alternativo como a construção de diques ou barreiras filtrantes a jusante da usina Retiro Baixo para evitar que o material contaminado chegue à represa de Três Marias. E o apoio do governo federal (ANA, Codevasf), do governo estadual (SEMAD, IGAM), do Ministério Público Federal, do Ministério Público Estadual, e pede a atenção dos poderes constituídos, para o recorrente problema com barragens e com a impunidade dos crimes ambientais.
“Hoje em Três Marias há uma grande preocupação. Só no lago, oito cidades dependem do turismo e da psicultura, sem contar com as atividades agrícolas. Essa gente está super preocupada. O que aconteceu em Mariana e Brumadinho pode se repetir e envolve a bacia do São Francisco. Olha quantas barragens nós temos no rio das Velhas, no rio Paraopeba e em Paracatu. Se algo como isso acontece em Paracatu, por exemplo, adeus São Francisco. Nossa responsabilidade é muito grande e pede ações de todas as frentes”, explica Altino Rodrigues Neto, integrante do CBHSF na região do Alto São Francisco. Para o presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, as leis precisam ser cumpridas e a empresa responsável pelo desastre precisa ser punida. “É preciso exigir, com a maior agilidade possível, que danos sejam reparados, pessoas abrigadas, que se dê assistência às famílias das vítimas e que se acelere, ao máximo, as medidas para conter o avanço dessa pluma no rio Paraopeba e no entorno. É preciso ouvir todos os usuários da água. Esse momento é de fazer as demandas imediatas. Ou seja, se ainda há tempo de colocar várias barreiras de filtragem no Paraopeba, vamos colocar. Se dá pra intensificar as análises de antes e de depois da água, vamos intensificar. Não vamos esperar o depois para tomar medidas do agora”, explica Anivaldo Miranda.
CBH Rio Paraopeba no centro das decisões Preocupados com as decisões tomadas em esfera pública com relação a recuperação do rio Paraopeba, afluente do rio São Francisco, os presidentes do CBH Rio Paraopeba, Winston Caetano, do CBH Rio das Velhas, Marcus Vinicius Polignano, e do CBHSF, elaboraram um ofício, ainda no dia 28 de janeiro, endereçado ao MPMG, ao governador de Minas Gerais, Romeu Zema, à Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad) e ao IGAM, solicitando que o CBH do Rio Paraopeba integrasse as discussões e decisões sobre revitalização da bacia. “Em um momento desses eu espero que a gente esteja na ponta das decisões e soluções a serem tomadas. Uma das nossas preocupações é agir para que não aconteça o que aconteceu com o comitê do Rio Doce com o rompimento da barragem da Samarco, em Mariana (MG). O comitê ficou praticamente fora das decisões tomadas. E um comitê, até mesmo pela sua lei de criação, deve ser o protagonista da bacia. Nossa preocupação é de estar inserido no processo desde o início”, explica Winston Caetano que se preocupa por ainda não ter recebido um retorno oficial dos órgãos em relação ao pedido contido no ofício. Monitoramento revela instabilidade dos rejeitos Responsável por realizar o monitoramento diário das condições da água do Paraopeba, seu nível de contaminação mineral e a velocidade com que o rejeito avança pelo curso d’água, todos os dias o IGAM publica em seu site a evolução dessas análises. Segundo Marília Carvalho de Melo, diretora geral do órgão, como a barragem não estava em operação desde 2016, o rejeito apresentava uma consistência mais seca, o que está provocando um movimento mais lento pela calha do rio. Mesmo assim, as notícias do IGAM não são otimistas: “a gente viu que não estava caminhando tão rápido e que mais pra frente a turbidez desaparecia, só que esses sólidos não desaparecem, eles estão sendo depositados no fundo do rio e temos que avaliar, com cuidado, como isso vai permanecer ao longo do tempo, porque com chuvas maiores esse rejeito pode ser revolvido e voltar a aparecer na água”, explica a diretora. Em relação aos metais presentes nas análises da água, o IGAM explica que foram encontrados ferro, manganês e alumínio que são característicos do próprio rejeito. Nos primeiros 20 km, após o rompimento da barragem, a preocupação do órgão foi por ter encontrado mercúrio, cromo e chumbo, informação que foi levada à Secretaria de Estado de Saúde e motivou que o estado suspendesse o uso de água bruta ao longo do Paraopeba até o município de Pará de Minas (MG). Alguns metais já não aparecem mais nas últimas amostras, mas o chumbo permanece.
CBHSF acompanhará projetos de lei que propõem mudanças na Política Nacional de Segurança de Barragens De olho nos desdobramentos no Congresso Nacional de proposições legislativas que possam fortalecer a segurança das barragens no país, no dia 12 de fevereiro o presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, na companhia do coordenador da Câmara Consultiva Regional (CCR) do Baixo São Francisco, Honey Gama, se reuniu com o ex-deputado federal Arnaldo Jordy, do Pará. O ex-parlamentar, em seus dois mandatos legislativos, integrou as comissões de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia (CINDRA), de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS), de Minas e Energia (CME), além da comissão especial que analisou o Código de Mineração. Ele realizou um levantamento das matérias que tratam de segurança de barragens e tramitam na Câmara dos Deputados nesta legislatura e serão acompanhadas pelo CBHSF. Bacia em Alerta: CBHSF se encontra com comitês brasileiros em Belo Horizonte para tentar evitar novos desastres com barragens No Brasil, 45 barragens das mais de 24 mil existentes, apresentam risco de rompimento, segundo o último Relatório de Segurança de Barragens, publicado pela Agência Nacional de Águas (ANA), em 2018. O documento não esconde que outras bacias hidrográficas brasileiras estão ameaçadas. Com o objetivo de unir forças para exigir mudanças e evitar que aconteçam novas tragédias em outros estados do Brasil, como os provocados em Minas Gerais recentemente, os comitês de bacias hidrográficas de todo país estiveram em Belo Horizonte (MG) nos dias 12 e 13 de fevereiro, para o 58º Fórum Mineiro de Comitês de Bacias Hidrográficas. Na presença de representantes dos governos estadual e federal, do MPMG e
Reunião pública em Felixlândia (MG) para prestar esclarecimento para a população sobre as consequências da chegada da lama ao lago de Três Marias
da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), o presidente do Fórum Nacional de Comitê de Bacias, Hideraldo Bush, os presidentes do Fórum Mineiro de Comitês de Bacias Hidrográficas (FMCBH) e do CBH Rio das Velhas, do CBHSF, do CBH do Rio Paraopeba, a ativista ambiental do Movimento Pelas Serras e Águas de Minas Gerais, Maria Tereza Corujo e os integrantes de comitês de todo o país trouxeram à luz suas preocupações e propostas para medidas urgentes que devem ser cobradas do poder público. Foram propostos e elaborados documentos que questionam os procedimentos adotados atualmente nos licenciamentos ambientais para mineração; que cobram o esclarecimento da Agência Nacional de Águas (ANA) e da Agência Nacional de Mineração (ANM) sobre a real situação das barragens em todo território nacional; que pedem o posicionamento de deputados e senadores com relação a criação e participação efetiva dos mesmos nas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) relacionadas à mineração; que exigem a criminalização da Vale pelo desastre ambiental com a barragem que se rompeu em Brumadinho (MG); que solicitam a participação do CBH Rio Paraopeba no gabinete de crise para tomada de decisões a respeito da tragédia causada pela Vale na calha do rio.
Fórum Mineiro de Comitês de Bacias Hidrográficas reuniu CBHs do Brasil inteiro, em Belo Horizonte, para discutir a questão das barragens
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Usina Solar Fotovoltaica é instalada no Lago de Sobradinho e reforça necessidade de pesquisa sobre energia limpa Texto: Juciana Cavalcante / Fotos: Ministério de Minas e Energia
Com uma realidade bem diferente de 2018, o reservatório de Sobradinho, no Norte da Bahia, deixa a região em uma situação mais confortável. No início do ano passado contava com 13,59% do seu volume útil, e em janeiro de 2019 o lago armazena 35,76% da sua capacidade. Não é muito, mas já muda o cenário dos últimos tempos e essa não é a única novidade que é possível notar em um dos maiores lagos artificiais do mundo: é na sua superfície que está instalada a Planta Solar Fotovoltaica criada a partir do Projeto de Pesquisa & Desenvolvimento para implantação do Centro de Referência em Energia Solar de Petrolina (CRESP). A usina flutuante consiste na implantação de diversos sistemas e componentes que além de subsidiar pesquisas do potencial energético da região visa também agregar energia às atuais fontes de geração. O projeto, no âmbito do P&D+I (Pesquisa e Desenvolvimento + Inovação), objetiva resultados mediante estudos técnicos, simulações e análises operacionais. Segundo o Diretor de Operação da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF), João Henrique de Araújo Franklin Neto, no projeto para o Lago de Sobradinho estão previstas uma planta de 1MWp (Megawatt-pico) e, na sequência, uma planta de 4MWp, com investimento total da ordem de R$ 56 mi-
Plataforma flutuante com o objetivo de gerar energia limpa e barata, é objeto de estudo no lago de Sobradinho
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lhões. O recurso é oriundo da carteira Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) de P&D+I da Chesf, empresa responsável pela instalação, fiscalização e operação. Na fase de medições, etapas de 1MWp e 4MWp, estão contemplados os campos de avaliação respectivos ao Meio Ambiente; Irradiação Solar; Produção de Energia; Estudos Comparativos; Operação e Manutenção; Perdas Elétricas; entre outros. Na primeira etapa do projeto a capacidade de geração anual da usina flutuante 1MWp é da ordem de 1.752.000kWh (Quilowatt-hora), equivalente ao consumo anual de 1.460 residências, com consumo anual de energia de 1.200kWh. Já a usina flutuante de 4MWp tem a capacidade de geração de 7.008.000kWh (equivalente ao consumo de 5.840 residências, também com consumo anual de energia de 1.200kWh). Ao final do projeto a capacidade de geração anual pretendida é da ordem de 8.760.000kWh. O sistema tem as placas (painéis fotovoltaicos) instaladas sobre flutuadores semi-submersos e é composto por ancoragem, por meio de portas de concreto, cabos e boias; flutuadores primários (para fixação dos painéis fotovoltaicos); flutuadores secundários (para circulação); caixas de conexão; cabos de força e controle; eletrocentro; rede de média tensão; e interligação. Ainda
de acordo com o Diretor de Operações, a escolha da região do Lago de Sobradinho para sediar o projeto considerou as condições climáticas. “A escolha se deu após análises das condições de instalação da usina flutuante, dados meteorológicos, conexão, escoamento da energia gerada e proximidade com outros projetos e centro de pesquisa”, explicou. Os resultados do projeto serão divulgados e têm a função de, entre outros aspectos, contribuir com estudos científicos e projetos em desenvolvimento para geração de energia por fonte solar. O estudo também irá avaliar os impactos ambientais desses equipamentos. “Assim como a bacia do São Francisco estamos em uma região privilegiada por sua capacidade de geração de riquezas seja pela sua produção, seja pelos nossos recursos. Recursos esses que devem ser protegidos e esse é o papel do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco que vem acompanhando sempre de perto novas iniciativas que podem contribuir com a sua preservação, como o estudo que vem sendo desenvolvido através da geração de energia solar”, afirmou o Coordenador da Câmara Consultiva Regional do Submédio São Francisco, Julianeli Lima.
Parado no cais de Pirapora: o Vapor Benjamim Guimarães é o último exemplar movido a lenha existente no mundo e não navega mais desde 2014 Texto: Núbia Primo Fotos: Marcelo Andrê e Bianca Aun
História Viva
Sem licença de tráfego por falta de reforma, o vapor Benjamim Guimarães encontra-se atracado no porto da Capitania Fluvial do São Francisco em Pirapora desde o dia 29 agosto de 2014. Segundo o comandante da Capitania, José Carlos Eusébio, “o documento não pode ser renovado porque a vistoria detectou deficiências no chapeamento com diversos rasgos e furos no casco, comprometendo a segurança da navegação e a vida humana. De 2014 pra cá, o processo de deterioração só vem aumentando. Para voltar a navegar, o vapor precisa de uma restauração completa”, explicou o comandante. Essa não é a primeira vez que o vapor fica sem navegar. Ficou parado por duas décadas, entre 1985 e 2005. Naquela ocasião, a prefeitura de Pirapora o restaurou. No entanto, após a obra, o vapor foi tombado pelo governo estadual como patrimônio histórico de Minas e, como tal, qualquer tipo de intervenção depende de projeto que só pode ser executado com aprovação do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha). No período recente, quando o vapor navegava até 2014, a Empresa Municipal de Turismo de Pirapora (Emutur) organizava passeios, geralmente aos finais de semana e feriados. Os passeios duravam entre 3 e 4 horas, atraindo turistas do Brasil inteiro, que podiam desfrutar, durante o tour, de apresentações, musicais e serviços de restaurante. O Benjamim Guimarães mantém suas características originais, que datam do século passado. Possui três pisos: no primeiro, encontra-se a casa de máquinas, caldeira, banheiros e uma área para abrigar passageiros. No segundo, estão instalados 14 camarotes,
e no terceiro, um bar e área coberta. Tem capacidade para 140 pessoas, entre tripulantes e passageiros e consome 1 m³ de lenha por hora. A prefeita de Pirapora, Marcella Fonseca, tem a expectativa de que o governo estadual regularize as contas e invista no projeto de reforma. “Montamos uma equipe que fez o projeto da reforma. O Benjamim é a única embarcação a vapor do mundo, por isso o custo é elevado, e há complicações técnicas também. Conseguir um engenheiro que entenda desse tipo de embarcação e o local onde a reforma aconteceria, foi uma luta. Com o projeto pronto, orçado em cinco milhões, esbarramos em questões burocráticas e financeiras. Como é tombado, o projeto precisa ser aprovado e licitado pelo governo estadual, que alega não dispor de orçamento. Somos sensíveis à crise que afeta a todos, principalmente os municípios, mas não podemos ficar de braços cruzados assistindo ao Benjamim Guimarães se deteriorar”. O presidente da Emutur, Orlando Pereira de Lima, explica que “a cidade está deixando de arrecadar mensalmente entre R$ 200 a R$ 300 mil reais pela falta de navegação do vapor”. Segundo ele, cerca de 90% dos agendamentos para passeios no vapor eram feitos por turistas que impulsionam a economia local, gerando renda e emprego. Para a turismóloga, Daniela Lagoeiro, o prejuízo cultural e econômico da paralisação do vapor é muito elevado. “Hoje, mesmo parado, recebe manutenção da prefeitura e as pessoas podem visitá-lo e conhecer por dentro, mas não é a mesma coisa, os turistas querem mesmo é navegar”, lamenta.
Para a população de Pirapora, o Benjamim Guimarães representa muito mais do que uma embarcação histórica. Existe um orgulho, um sentimento de pertencimento em fazer parte da história do Brasil e do mundo, que é passada de geração para geração. Adelio Brasil Filho, servidor da Secretaria de Esporte e Juventude e Cultura e neto de um dos comandantes de vapor do Benjamim Guimarães, se diz desolado. “Nós, barranqueiros, sentimos o rio correndo em nossas veias e o vapor faz parte desta história afetiva”, diz. Construído em 1913 nos Estados Unidos, navegou no rio Mississipi e, posteriormente, em rios da Bacia Amazônica. Na segunda metade da década de 1920, a empresa Júlio Guimarães adquiriu a embarcação e em homenagem ao patriarca da família proprietária da empresa a nomeou “Benjamim Guimarães”. Por várias décadas, o vapor foi utilizado no transporte de cargas e passageiros no trecho Pirapora (MG) Juazeiro (BA). Durante a segunda guerra mundial, serviu de transporte para as tropas do exército brasileiro. Depois disso, sua navegação foi direcionada para o turismo em Pirapora.
Sem condições de navegar, o Benjamim Guimarães se deteriora no cais de Pirapora (MG)
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Dois
dedos de
prosa
Altino Rodrigues O vice-presidente do CBH do Entorno da Represa de Três Marias, Altino Rodrigues Neto, ambientalista e empreendedor do ramo do turismo na Ilha do Mangabal, está mobilizando a sociedade, autoridades e usuários de água para que sejam tomadas providências em relação à tragédia causada pela empresa Vale. Nessa entrevista, Altino, que é também membro do CBHSF e secretário da Câmara Técnica de Articulação Institucional (CTAI), conta o que está sendo feito.
Texto: Mariana Martins / Foto: Michelle Parron
Com rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, que atingiu o Rio Paraopeba, afluente do São Francisco, há um forte risco de que a pluma de rejeitos chegue até o lago de Três Marias, contaminando as águas do Rio São Francisco. Se isto acontecer, quais serão as consequências? Ainda é prematuro se afirmar qualquer coisa pois temos um grande número de variáveis que vão desde a quantidade de chuvas, a hidrodinâmica e a decantação e sedimentação dos rejeitos. Nós sabemos que é apenas uma questão de tempo até que os rejeitos atinjam o reservatório de Três Marias, pois o Rio Paraopeba segue o seu curso. A represa de Três Marias já foi impactada. As consequências para a piscicultura e o turismo já foram comprovadas com cancelamentos na rede hoteleira e questionamentos sobre a qualidade do pescado produzido nessas águas. Isto sem citar os pescadores artesanais que, quando ao fim do período do defeso, retomarem suas atividades, também terão a qualidade de seus peixes colocada à prova. Para o ambiente como um todo, só poderemos mensurar as consequências, a curto e longo prazo, após sabermos a quantidade e a composição do rejeitos que chegarão à represa de Três Marias; mas, sem dúvida, causará prejuízos à biota de toda a bacia, de Felixlândia ao Atlântico. Quais as providências que o CBH do Entorno da Represa de Três Marias está tomando para minimizar os danos, caso a pluma chegue ao lago? No dia 04/02, o CBH do Entorno da Represa de Três Marias, por sugestão do presidente Anivaldo e com o apoio do CBHSF, promoveu, na cidade de Felixlândia, uma reunião pública para o nivelamento das informações e posicionamentos sobre a questão. A reunião contou com participação maciça da sociedade, representada por pescadores, piscicultores, ribeirinhos, grandes e pequenos usuários como a COPASA, CEMIG e Furnas, ONGs, governo do estado de Minas Gerais, MPF, prefeituras do entorno do lago e representantes da Vale. Ao término deste encontro, elaborou-se um documento intitulado “Carta de Felixlândia”, que exprime claramente o sentimento de todos, demandando ações imediatas por parte da Vale, além de pedir o apoio dos poderes constituídos para que promovam as mudanças necessárias a fim de evitar tragédias como esta.
travessia Notícias do São Francisco
Presidente: Anivaldo de Miranda Pinto Vice-presidente: José Maciel Nunes Oliveira Secretário: Lessandro Gabriel da Costa
Produzido pela Assessoria de Comunicação do CBHSF - Tanto Expresso
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Houve algum avanço? As autoridades responsáveis e a mineradora Vale deram algum retorno? Até o momento não obtivemos nenhuma resposta por parte da Vale e nem das autoridades. Por isso mesmo, em 20/02, ocorreu na Câmara Municipal de Três Marias, audiência pública sobre o tema, e no dia 22/02 na Câmara Municipal de Felixlândia. Um GT (grupo de trabalho) foi criado, após estas audiências, para levar diretamente ao juiz responsável pelo caso, a reivindicação dos municípios da Represa de Três Marias como área atingida pelo desastre e, ações imediatas para reparo dos danos. A audiência do judiciário deverá ocorrer no próximo dia 07 de março. Como a população de Três Marias está reagindo a essa possibilidade? As informações passadas pelos órgãos responsáveis estão sendo satisfatórias? A população dos municípios do entorno ainda está muito apreensiva, pois os dados são inconclusivos. A pedido do comitê, os relatórios de análise emitidos pelo estado, agora são apresentados em uma linguagem de mais fácil compreensão mas, ainda assim, o comitê os apresenta de maneira popular em audiências públicas. Sobre o monitoramento da qualidade da água no Lago de Três Marias, os laudos já atestaram algum tipo de contaminação? Até o presente momento, as análises divulgadas não apresentaram nenhum tipo de contaminação. Todavia, a Câmara Municipal de Felixlândia, em parceria com pesquisadores da Universidade Federal de Ouro Preto, já iniciou testes independentes. Daqui pra frente, o que se pode esperar? Quais são o melhor e o pior cenário, no futuro? Como eu disse, ainda é cedo para se afirmar qualquer coisa, mas, com uma perspectiva otimista, esperamos que todas as ações possíveis sejam tomadas para evitar que os rejeitos cheguem ao Rio São Francisco. Já, no caso de um cenário pessimista, existe a possibilidade da contaminação comprometer a biota, a economia e o modo de vida dos ribeirinhos. O comitê não se furtará do seu papel como legítimo representante dos interesses da bacia, sendo seus ouvidos, sua voz, e se preciso for, braços, para defender o Velho Chico.
Coordenação Geral: Paulo Vilela, Pedro Vilela, Rodrigo de Angelis Edição: Mariana Martins Textos: Iara Vidal, Juciana Cavalcante, Luiza Baggio, Mariana Martins, Michelle Parron e Núbia Primo Diagramação: Rafael Bergo Assessoria de Imprensa: Mariana Martins Fotos: Bianca Aun, Gabriel Jabur, Léo Boi, Luiza Baggio, Luiz Maia, Marcelo Andrê e Michelle Parron Impressão: ARW Gráfica e Editora Tiragem: 5.000 exemplares Direitos Reservados. Permitido o uso das informações desde que citada a fonte. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA Secretaria do Comitê: Rua Carijós, 166, 5º andar, Centro - Belo Horizonte - MG - CEP: 30120-060 (31) 3207-8500 - secretaria@cbhsaofrancisco.org.br - www.cbhsaofrancisco.org.br Atendimento aos usuários de recursos hídricos na Bacia do Rio São Francisco: 0800-031-1607 Assessoria de Comunicação: comunicacao@cbhsaofrancisco.org.br Comunicação
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