Travessia Nº 34 - Fevereiro 2020 - Notícias do São Francisco

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travessia Notícias do São Francisco

JORNAL DO COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO / FEVEREIRO 2020 | Nº 34

Chuvas provocam mortes e estragos em Minas Páginas 4 e 5

Um ano do rompimento da barragem da Vale: feridas seguem abertas

Criação de Parque Estadual em Sergipe visa preservação da reserva de água doce do estado

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Editorial O PREÇO DA NEGLIGÊNCIA As chuvas que desabaram sobre as maiores regiões metropolitanas do país, notadamente aquelas que assolaram duramente a cidade de Belo Horizonte, soaram como mais um alarme incontestável sobre o advento da nova era de extremos que passou a caracterizar o clima do nosso planetinha azul e, por consequência, do nosso território de proporções continentais. Ignorar sistematicamente esses alarmes claros e cada vez mais fortes e frequentes começa a caracterizar um estado de negligência e ignorância institucionais que já começou a cobrar um alto preço da sociedade brasileira como um todo, seja em número crescente de vidas humanas ou de perdas econômicas cada vez mais impactantes, sobretudo para um país às voltas com tantos desafios como o Brasil. O crescente aumento da temperatura do planeta Terra é já um dado científico de caráter incontestável. Por outro lado,

CIÊN CIA

as políticas públicas e privadas destinadas a enfrentar este fato incontornável e suas consequências já estão razoavelmente configuradas nas ações e metas razoavelmente definidas para todos os contextos mundiais. O que lamentavelmente não está ainda definido é o ritmo adequado para que as ações que precisam ser desencadeadas no mundo todo se tornem verdadeiramente efetivas como condição imprescindível para preparar as populações e os países para os novos padrões “agressivos” do clima e da crescente degradação ambiental do planeta. No Brasil o desmonte das políticas ambientais, aliado à falta de planejamento urbano, ao descontrole das políticas de ocupação e uso dos solos, ao desmatamento dos grandes biomas, às mazelas oriundas das gritantes desigualdades sociais e outros dilemas estruturais de cada grande escala como, por exemplo, nossa obsole-

FUTU RO

ta matriz de transportes, constituem um colossal coquetel de entraves e heranças malditas que tenderão a tornar ainda mais dramático o cenário do aquecimento global no território brasileiro. Portanto, aprender com o sofrimento tem um lado positivo. Mas resistir indefinidamente a fazer esse aprendizado pode ser trágico para qualquer civilização. Já está, portanto, passando da hora a imperiosidade da sociedade e do Estado brasileiros tirarem da gaveta as políticas de resiliência ao novo século do aquecimento global e de combate estratégico aos fatores produtivos e de consumo que favorecem crescentemente à produção dos gases do efeito estufa. Os avisos, portanto, foram dados e os ventos já começaram a soprar!

Anivaldo de Miranda Pinto Presidente do CBHSF

AMBI ENTE

III Simpósio da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco: inscrições abertas para Submissão de Trabalhos Os trabalhos a serem submetidos devem estar relacionados a um dos seis eixos que integram o Plano Diretor de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. São eles: Governança e mobilização social; Qualidade de água e saneamento; Quantidade de água e usos múltiplos, Sustentabilidade Hídrica no Semiárido; Biodiversidade e requalificação ambiental temáticos; e deverão levar em conta a temática do III SBHSF, que é “A importância da ciência para o futuro do Rio São Francisco”. O Simpósio é promovido pelo Fórum de Pesquisadores de Instituições de Ensino Superior da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco e pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF). 2

Este ano, será realizado nos dias 31 de maio a 03 de junho de 2020, na Associação Médica de Minas Gerais, em Belo Horizonte. A programação contará com apresentações orais e painéis, palestras, conferências e mesas-redondas, exposições e reuniões temáticas. Temas como o cenário atual de condições climáticas extremas e da elevada exploração em um rio cada vez mais degradado em termos socioambientais comporão toda a agenda do evento, resultando na sinalização de deficiências e soluções na busca da qualidade ambiental e articulações em defesa do Velho Chico. Garanta a sua vaga!

Os interessados podem submeter os seus trabalhos até o dia 20 de março de 2020, por meio do link: sbhsf.com.br/submissao-de-trabalhos

Ou, com o seu celular, escaneie o QR code ao lado


Brumadinho, um ano depois Um ano após o rompimento da barragem da Vale, rejeitos começam a ser retirados e legislação federal segue inalterada Texto: Luiza Baggio / Foto: Robson de Oliveira Um ano depois do mais grave desastre humano da história da mineração no Brasil, que resultou em 252 mortes e 13 desaparecidos, sobreviventes tentam retomar a normalidade da vida em Brumadinho (MG). A barragem da Vale se rompeu no dia 25 de janeiro de 2019, liberando uma avalanche de lama, destruindo comunidades e poluindo a bacia do Rio Paraopeba com 13 milhões de m3 de rejeito de minério que começaram a ganhar destino definitivo. Já na parte da legislação poucas mudanças ocorreram e a fiscalização das barragens continua a desafiar o país. A Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad - MG) autorizou, no dia 27 de dezembro de 2019, a mineradora Vale a depositar 7 milhões de m³ dentro da cava da mina do Córrego do Feijão. O transporte do material começou de imediato. Para a concessão da autorização, a Semad solicitou da Vale estudos hidrogeológicos, procedimentos de gestão de resíduos e monitoramento da cava. Entre as condições para a licença, válida por 10 anos, estão uma série de medidas de controle sobre a caracterização dos resíduos, o monitoramento das águas superficiais e subterrâneas, dos ruídos e de vibração. “A disposição na cava é considerada ambientalmente correta, pois, além de ser realizada em uma área tecnicamente segura, sem a necessidade de construção de barramentos, diques ou novas estruturas de contenção, é uma área antropizada (já descaracterizada pela ação humana), o que reduz o impacto ambiental, visual e facilita a recuperação da área, quando do seu descomissionamento (desativação, com recuperação ambiental)”, informa a Semad. Em nota, a Vale informou que “o uso do local é a solução definitiva e mais segura para acomodar o rejeito, uma vez que a cava é uma

escavação realizada em rocha resistente, controlada e monitorada em termos ambientais, geotécnicos e operacionais”. Segundo o texto, a cava tem capacidade para receber o volume de rejeito que precisa ser armazenado. O transporte do rejeito até o local será realizado por caminhões, utilizando exclusivamente vias internas do complexo da Vale. Atualmente, cerca de 1,3 milhão de rejeitos já vistoriados pelo Corpo de Bombeiros, que continua as buscas pelos desaparecidos, ficam em pilhas na área da empresa. A expectativa é que o novo destino dos resíduos facilite o trabalho da corporação em áreas ainda não exploradas. CBH Paraopeba O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba (CBH Rio Paraopeba), Winston Caetano de Souza, mais conhecido como Tito, solicita aos órgãos gestores a inclusão do Comitê nas tratativas em relação à recuperação socioambiental do Rio Paraopeba. “Entendemos que é de extrema importância que o Comitê faça parte das tomadas de decisões. Por isso, requeremos a inserção do CBH Paraopeba nas discussões referentes às ações de revitalização na bacia. Não podemos ficar exclusos nesse processo”. Winston Caetano agradece o apoio do Comitê da Bacia do Rio São Francisco (CBHSF) e do Comitê da Bacia do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas). “Agradeço ao apoio dos Comitês do São Francisco e do Rio das Velhas pelo apoio e empenho em ajudar nos fornecendo estrutura e apoio administrativo”, finaliza. Legislação e fiscalização Um ano após o mar de lama da barragem da mina do Córrego do Feijão varrer parte da cidade de Brumadinho a legislação

federal de barragens permanece inalterada. Desde o acidente, o Congresso Nacional apresentou 78 projetos de lei para fortalecer a fiscalização e a punição a mineradoras que infringirem o Código de Mineração, mas até agora nenhum teve a tramitação concluída. A única mudança de regras ocorreu com uma resolução da Agência Nacional de Mineração (ANM) publicada em fevereiro de 2019 e, apesar de ter entrado em consulta pública, começou a vigorar imediatamente. Entre os pontos da resolução da ANM está a previsão de eliminação de barragens a montante, como a de Brumadinho. As barragens a montante que estão desativadas deverão ser eliminadas até 15 de agosto de 2021 e as que estão em funcionamento, até 15 de agosto de 2023. Em Minas Gerais, estado que possui o maior número de barragens de rejeitos de mineração, a Lei 23.291/2019 - originária do projeto “Mar de Lama Nunca Mais” - que trata sobre o plano de segurança de barragens foi sancionada pelo governador Romeu Zema (Novo) também em fevereiro de 2019, um mês após a tragédia da Vale, em Brumadinho, já está em vigor, porém há pontos que ainda dependem de ser regulamentados para começar a valer. Os itens são referentes ao monitoramento das barragens. E na parte de fiscalização, quando ocorreu o acidente de Brumadinho, a Agência Nacional de Mineração tinha oito servidores para fiscalizar mais de 400 barragens em todo o Brasil. Se todas as barragens do país fossem fiscalizadas pelo menos uma vez, levaria cinco anos e dez meses para todas serem vistoriadas, segundo informações da agência. No entanto, de acordo com a ANM após a tragédia em Brumadinho o governo remanejou 33 funcionários de outros ministérios para a ANM. Esse remanejamento de pessoal permitiu que o número de fiscais de barragens passasse de oito para 19. 3


Velho Chico em Pirapora (MG), após as chuvas que atingiram a região do Alto São Francisco

Chuvas que caíram em Minas Gerais aumentaram o nível da água do Rio São Francisco Texto: Luiza Baggio / Fotos: Léo Boi, Luiz Maia e Orimar Santos O nível de água do Rio São Francisco tem aumentado consideravelmente em decorrência das fortes chuvas que atingem Minas Gerais, desde o dia 24 de janeiro. A maior parte da água que aumenta a vazão do São Francisco vem da cheia do Rio das Velhas. O curso d’água que nasce no município de Ouro Preto é o principal vetor de escoamento de Belo Horizonte e de quase toda a região central do estado. O acumulado das chuvas do mês de janeiro na capital mineira chegou a 960 mm, segundo dados do Instituto de Meteorologia do Brasil (INMET). Belo Horizonte e a Região Metropolitana (RMBH) foram castigadas pelas chuvas de janeiro, recebendo um volume inédito na história. Somente no dia 28, em apenas três horas choveu 175,6 milímetros em BH – a metade do esperado para o mês inteiro. De acordo com a Defesa Civil, a capital recebeu este ano bem mais que o dobro do volume de chuva da média de janeiro que foi considerado o mais chuvoso da capital mineira desde 1910, com um total de 960 milímetros. O resultado foi um cenário de guerra: 54 mortos, mais de 46 mil pessoas tiveram que deixar suas casas e 8 mil pessoas ficaram desabrigadas na RMBH. Placas de asfalto foram levantados pela água e expuseram a terra, barrancos deslizaram soterrando casas e famílias, móveis, eletrodomésticos e memórias foram arrastados pelas ruas, 4

carros carregados por corredeiras surgidas de uma hora para outra. Restaurantes foram inundados e o teto de um shopping desabou. O resultado foi uma tragédia sem precedentes. As cenas de desolação na RMBH acumularam com o volume de entulhos e lama. Raposos é um dos municípios mais afetados pela chuva em Minas. O temporal fez o Rio das Velhas transbordar e invadir a cidade. A situação tem preocupado a Defesa Civil. Dos cerca de 18 mil habitantes da cidade, três mil (um sexto da população) ficaram desabrigados em função das chuvas. Outros municípios como Contagem, Betim e Santa Luzia também ficaram destruídos pelos temporais. Aumento do volume do Rio São Francisco As chuvas de Minas Gerais causaram o aumento do volume da água do São Francisco que é percebido desde a região da nascente, em São Roque de Minas, até municípios baianos como Carinhanha e Bom Jesus da Lapa. A principal nascente do Velho Chico, que se encontra no Parque Nacional da Serra da Canastra, voltou a jorrar água com um volume expressivo. Segundo dados da Agência Nacional de Águas (ANA), a vazão do Velho Chico saiu de 615 m³/s registrados no dia 20 de janeiro para 5.670 m³/s no dia 28 de janeiro, em São Roque de Minas. No mesmo período, o nível

do rio passou de 217 cm para atuais 776 cm. O chefe do parque Parque Nacional da Serra da Canastra, Fernando Augusto Tambelini, explica que as chuvas estão beneficiando o Velho Chico que tem sofrido por um longo tempo com a estiagem. “Com o alto volume de chuvas os rios afluentes são abastecidos e trazem mais água para os reservatórios. A nascente do São Francisco voltou a ter muita água, o que é um ganho para a biodiversidade. Há muito tempo a nascente não apresentava um volume tão expressivo”, comemora Tambelini. Dados da ANA mostram que no município de São Francisco, localizado a cerca de 270 quilômetros da divisa com a Bahia, a vazão estava em 1.030 m³/s no dia 21 de janeiro, antes das fortes chuvas. No dia 29, a vazão chegou a 6.010 m³/s, após os temporais da RMBH. Já o nível chegou a exatos 8 metros. A cheia só não é maior em decorrência da baixa defluência da Usina Hidroelétrica de Três Marias. Segundo dados da Cemig, a vazão defluente está em 293 m³/s. No entanto, a afluência está a mais de 3.200 m³/s e o reservatório está com 67,80% de sua capacidade. Em Várzea da Palma, antes da foz do Rio das Velhas, a vazão chegou a 2.620 m³/s, volume quase 10 vezes maior do que o registrado no início da semana anterior. Só no dia 28 de janeiro o nível subiu 36 centímetros, chegando a 9,22 metros.


A enchente no rio das Velhas é provocada, sobretudo, pelos temporais registrados na RMBH, pois no afluente do Rio São Francisco deságuam o Ribeirão Arrudas e o Ribeirão Onça, que cortam a capital. O Rio das Velhas nasce no município de Ouro Preto e percorre 51 municípios até desaguar no Rio São Francisco, no distrito de Barra do Guaicuí, no município de Várzea da Palma, abaixo de Pirapora. Bahia Os municípios de Malhada e Carinhanha, no Oeste da Bahia, são os primeiros a receberem as águas do Velho Chico em território baiano e também têm apresentado aumento no volume de água. No dia 27 de janeiro, o nível estava pouco abaixo dos 3 metros e no dia seguinte chegou a 4,12 metros. Já no dia 29, o volume de água voltou a subir e o nível chegou a 5,04 metros. A Defesa Civil do município de Malhada já adverte aos ribeirinhos sobre o aumento significativo do volume da água do Rio São Francisco e comenta sobre a grande possibilidade de outra cheia no Velho Chico que pode causar prejuízos a quem reside em suas margens.

O secretário de Agricultura e Meio Ambiente do município de Malhada, José Castor Castro de Abreu, confirma a preocupação e diz que as pessoas que moram próximo ao rio devem ficar em alerta, pois o aumento do volume do Velho Chico pode pegar muitos de surpresa. “Em Carinhanha e Malhada o rio já ganhou muito volume e está acima do nível normal. Estamos em alerta e já retiramos a população em área de risco. A previsão é de muita chuva ainda”, informou. De acordo com o monitoramento feito pela Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), em Sobradinho (BA), o nível da água em janeiro chegou a quase 5 metros. Com esse aumento, as águas já começaram a vazar para algumas lagoas da região de Bom Jesus da Lapa. Abertura das comportas de Retiro de Baixo preocupa o CBHSF Com as fortes chuvas que atingiram Minas Gerais, o nível do Rio Paraopeba subiu mais de oito metros e o resultado foi o transbordamento do curso d’água em alguns trechos. No dia que o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho completou um ano (25 de janeiro de 2020), a Usina

Chuvas provocam destruição em Belo Horizonte

Hidrelétrica de Retiro Baixo, que fica entre os municípios de Curvelo e Pompéu, abriu suas comportas para evitar um transbordamento. O local retinha, desde o ano passado, os rejeitos do rompimento. Com isso, o material foi para a Usina de Três Marias, onde o Paraopeba encontra o São Francisco. Malu Ribeiro, da Fundação SOS Mata Atlântica explica a dimensão do impacto que o deslocamento destes rejeitos pode causar, já que o lago da represa conhecido como “Mar de Minas”, comporta 21 bilhões de metros cúbicos de água e tem uma extensão de 1.040 quilômetros quadrados de superfície. “Como o reservatório de Três Marias é grande, o que precisamos saber agora é qual o volume de rejeitos ele conseguirá receber e até quando vai conseguir reter esses sedimentos. A preocupação do CBHSF com a abertura das comportas é pertinente, visto que agora o reservatório de Três Marias assumiu a função de segurar os rejeitos do rompimento da barragem da Vale”, afirma. A Fundação SOS Mata Atlântica realizou uma expedição ao longo dos 356 km do Rio Paraopeba, entre os dias 7 e 17 de janeiro, antes das fortes chuvas que caíram em Minas Gerais. A análise foi feita em 23 pontos situados entre os municípios mineiros de Brumadinho e Felixlândia. De acordo com Malu Ribeiro, as águas do Rio Paraopeba continuam impróprias e sem condição de vida e, em função das chuvas volumosas na região, metais pesados foram levados a pontos mais distantes do local da tragédia. “A situação do Paraopeba piorou. Com as chuvas, os rejeitos mais finos e os solúveis alcançaram áreas mais distantes de Brumadinho. Os indicadores de qualidade da água aferidos revelaram que ela está imprópria e sem condições de usos por toda a extensão percorrida, em desconformidade com os padrões estabelecidos na legislação. Somente em alguns trechos no baixo Paraopeba e início do lago de Três Marias, onde há corredeiras e maior volume de água com contribuição de afluentes de melhor qualidade, o rio apresenta condições de vida aquática”, esclarece. Cheias na bacia do Rio São Francisco O CBHSF realizou no ano de 2018, em parceria com a Agência Nacional de Águas (ANA), Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Defesa Civil Nacional e de Minas Gerais e Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG) reuniões públicas para tratar sobre a prevenção quanto aos possíveis impactos das cheias na bacia do Rio São Francisco. Apesar de enfrentar uma severa crise hídrica na bacia, o CBHSF alertou para os possíveis impactos das cheias, ocasionadas principalmente por ocupações irregulares em áreas de proteção permanente (APP) e também pelas condições de assoreamento e degradação do rio.

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Sergipe cria Parque Estadual do Marituba para preservação do paraíso ecológico O Aquífero Marituba é alimentado pelo rio São Francisco e está contemplado na decisão Texto: Carolina Leite / Fotos: Marcos Rodrigues Após um aguardo de cerca de 17 anos, finalmente, as riquezas de parte do litoral sergipano, conhecido por suas belas dunas, lagoas e restingas, foram reconhecidas como uma unidade de conservação de proteção integral estadual. Através do decreto nº 40.515 do Governo do Estado de Sergipe, assinado no último dia 29, a região localizada entre os municípios de Barra dos Coqueiros e Santo Amaro das Brotas, se tornou Parque Estadual Marituba. A decisão, que abrange uma área total de 1.754,44 hectares e perímetro de 21.763,90 metros, tem como objetivo proteger os ecossistemas costeiros de relevância ecológica e beleza cênica, para a realização de pesquisa científica, educação ambiental, ecoturismo e visitação pública, e possui o destaque de também contemplar parte do Aquífero Marituba. Mesmo não aparecendo na superfície, o aquífero ocorre desde a porção marítima da bacia sedimentar Sergipe-Alagoas e de Itaporanga d’Ajuda / São Cristóvão até Maceió - sendo responsável pelo abastecimento desse município. Assegurar essa proteção é motivo de enaltecimento pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), que há anos já realiza ações, como peixamento e fiscalizações em toda a Área de Proteção Ambiental (APA), na região que contempla o estado de Alagoas. Segundo o membro do Comitê e superintendente de Recursos Hídricos e Meio Ambiente de Sergipe, Ailton Francisco da Rocha, mesmo que a água subterrânea seja de domí-

Parque Estadual do Marituba, em Sergipe

nio estadual e o Aquífero Marituba compreenda os estados de Sergipe e Alagoas na bacia sedimentar, o CBHSF tem defendido a gestão integrada das águas superficiais com as águas subterrâneas como uma das suas prioridades. “O aquífero possui capacidade hídrica de garantir o abastecimento de Aracaju e da grande Aracaju por uns 20 anos, oferecendo água de qualidade. Por isso, parabenizamos o Governo de Sergipe por criar a Unidade, que protege uma das suas principais recargas nos municípios de Barra dos Coqueiros e Santo Amaro das Brotas”, destaca.

Podcast Travessia

A área detém o principal reservatório subterrâneo de Sergipe, capaz de produzir 200 a 300 mil litros/hora em um único poço tubular, volume esse suficiente para atender uma população de aproximadamente 25.000 pessoas, constituindo-se um manancial estratégico para o Estado. A responsabilidade pela administração do paraíso ecológico fica a cargo da Secretaria do Desenvolvimento Urbano e Sustentabilidade (Sedurbs), no sentido de adotar as medidas necessárias à sua efetiva proteção, implantação e controle.

Também no

O podcast Travessia também está disponível na plataforma Spotify. Ficou ainda mais fácil acessar as novidades sobre o CBHSF e Velho Chico. Busque por CBH São Francisco no Spotify e dê o play: bit.ly/PodcastTravessia

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Usina Hidrelétrica de Xingó, localizada entre os estados de Alagoas e Sergipe

Privatização da Eletrobras este ano não está garantida Projeto de Lei do Executivo sobre o tema ainda não iniciou a tramitação no Congresso Nacional Texto: Iara Vidal / Foto: Edson Oliveira O Congresso Nacional acaba de dar mostras de que pretende dar um freio na privatização da Eletrobras – estatal com foco em geração e transmissão de energia. A expectativa do Executivo é de que a desestatização da empresa ocorra ainda em 2020. Não é bem assim. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), avisou que a cada dia que passa se torna mais difícil prever se isso realmente ocorrerá. A declaração de Maia foi dada no dia 10 de fevereiro, durante encontro na Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan). “A cada dia que passa fica mais difícil (fazer a privatização este ano)”, declarou o parlamentar ao ser perguntado se poderia ser feita a capitalização da Eletrobras em 2020, com diluição da participação da União, modelo que vem sendo criticado no Senado Federal. Ele comentou ainda que é preciso haver consenso entre senadores e o governo federal para, então, a Câmara se debruçar sobre a matéria. A proposta do governo Federal é que a privatização da Eletrobras ocorra por meio de capitalização. Isso significa que a companhia emitirá novas ações para diluir a participação da União. O PL 5877/2019, que viabiliza essa mudança, foi encaminhado pelo Executivo ao Legislativo no início de novembro passado. A proposta prevê que a União fique com menos de 50% das ações da empresa. A matéria legislativa não prevê mais as ações especiais com poder de veto, as chamadas “golden share”. O plano de privatizar a estatal mediante aumento de capital e venda do

controle acionário foi anunciado ainda no governo Michel Temer. O governo estima arrecadar R$ 16,2 bilhões com o processo de venda da Eletrobras, valor que será pago pela estatal pela retirada de hidrelétricas do chamado regime de cotas. Criado em 2013, o regime de cotas estabeleceu que a energia produzida por uma parte das usinas da estatal seria vendida aos consumidores a valores mais baixos que o de mercado. Com a retirada dessas usinas do regime, a Eletrobras poderá voltar a vender a energia a preço de mercado (mais alto). A Eletrobras também terá que destinar cerca de R$ 8 bilhões para reduzir subsídios da conta de luz. Esse dinheiro deve ser aplicado na Conta de Desenvolvimento Energética (CDE). Recursos para o Velho Chico A privatização da Eletrobras prevê a destinação de R$ 3,5 bilhões para a revitalização do rio São Francisco, valor que deve ser aplicado ao longo de 10 anos. De acordo com o texto encaminhado pelo Executivo ao Congresso Nacional, o desenvolvimento de programa de revitalização dos recursos hídricos da bacia do rio São Francisco será realizado diretamente pela Eletrobras ou, indiretamente, por meio da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf). A forma de aplicação e os projetos que receberão os recursos para a revitalização do rio São Francisco serão definidos por comitê gestor. O foco dessa iniciativa será a

geração de recarga das vazões afluentes e a ampliação da flexibilidade de operação dos reservatórios, sem prejudicar o uso prioritário e o uso múltiplo dos recursos hídricos. As obrigações de aporte de recursos e de efetiva implementação dos projetos definidos pelo comitê gestor para revitalizar a bacia do Velho Chico constarão dos contratos de concessão de geração de energia elétrica relativos aos empreendimentos localizados na bacia e serão fiscalizadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Próximos passos O PL 5877/2019 aguarda despacho do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, para iniciar a tramitação. A matéria será analisada pelas comissões temáticas, de acordo com o assunto de que trata. Pelo tema, a proposta será distribuída para a Comissão de Minas e Energia. Na Câmara, se o texto for da área de mais de três comissões, deve passar antes por uma comissão especial. A maioria dos projetos de lei, depois de passar pelas comissões, não precisa ser submetida à votação no plenário, formado por todos os 513 deputados. Caso passe pelo plenário da Câmara, o PL seguirá para apreciação do Senado Federal. Se não sofrer modificação, vai à sanção presidencial. Se for alterado pelos senadores, volta à Câmara dos Deputados para análise das alterações. O ano legislativo teve início no dia 03 de fevereiro. 7


Dois

Ailton Rocha

dedos de

prosa

Entrevista: Carolina Leite Qual a sua relação com as causas ambientais e, mais especificamente, com o rio São Francisco? Nasci às margens do rio São Francisco e creio que tenha aprendido a nadar nas águas da várzea de Cedro antes mesmo de caminhar. Considero-me, portanto, um anfíbio. Na minha infância e adolescência, acompanhava meu avô paterno nos trabalhos rurais na agricultura e pecuária em sua pequena propriedade. Formado pela Universidade Federal Rural de Pernambuco, tive a oportunidade de conhecer o trabalho de Vasconcelos Sobrinho, considerado pioneiro na área dos estudos ambientais no Brasil. O outrora caudaloso Velho Chico, com 48% de sua área desmatada, está agonizando. Por essas e outras atrocidades cometidas contra ele, viro carranca para defendê-lo.

O engenheiro agrônomo e advogado sergipano Ailton Francisco da Rocha, nascido às margens do rio São Francisco, é superintendente Especial de Recursos Hídricos e Meio Ambiente (Serhma) na Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbano e Sustentabilidade de Sergipe (Sedurbs), secretário-executivo do Conselho Estadual de Recursos Hídricos de Sergipe, advoga na Comissão

de Direito Ambiental na Ordem dos Advogados do Brasil em Sergipe (SE) e coordena a Câmara Técnica de Articulação Institucional (CTAI) do CBHSF. Também é membro da Associação Brasileira de Recursos Hídricos, do Observatório da Governança das Águas e ganhador do Prêmio ANA (Agência Nacional de Águas) 2012 na categoria Governo. Confira a entrevista:

Atualmente, quais os seus maiores sonhos e perspectivas em defesa do rio São Francisco? A revitalização hidroambiental da sua bacia hidrográfica e o pacto das águas superficiais e subterrâneas com definição das vazões de entrega.

das vazões de entrega, apostar na conscientização ambiental da população e restabelecer sua confiança nos instrumentos de ordenamento e gerenciamento dos recursos, implementar um plano estruturado e abrangente de revitalização da bacia hidrográfica com reflorestação das áreas mais prejudicadas (cerrado, caatinga e mata ciliar) e das que garantem proteção de nascentes e mananciais, intensificar a fiscalização em todas as áreas de atuação da bacia hidrográfica e melhorar a articulação entre os órgãos que intervêm no gerenciamento das águas da bacia hidrográfica (municipais, estaduais e federal).

Durante esse tempo enquanto membro do Comitê, qual considera a sua maior contribuição? Já durante os anos de 2001 e 2002 fui membro da diretoria provisória do CBHSF, cuja histórica primeira reunião ocorreu na tarde do dia 18 de dezembro de 2001, no auditório do Ministério do Meio Ambiente (MMA), em Brasília/DF [o Comitê foi criado por decreto presidencial em 5 de junho de 2001]. Nesse dia, a pauta principal era elaborar e aprovar o seu regimento interno e foi nossa a ideia de criação das Câmaras Consultivas Regionais, que hoje atuam especificamente em cada uma de suas quatro regiões hidrográficas (Alto, Médio, Submédio e Baixo). Quais as melhorias que destina ao rio por ter assumido a Superintendência de Recursos Hídricos e Meio Ambiente? Tenho trabalhado em diversos desafios para resolução dos problemas identificados no Plano de Recursos Hídricos, como: investir significativamente na melhoria do sistema de saneamento, implantar o pacto das águas superficiais e subterrâneas com definição

travessia Notícias do São Francisco

Presidente: Anivaldo de Miranda Pinto Vice-presidente: José Maciel Nunes Oliveira Secretário: Lessandro Gabriel da Costa

Secretaria do Comitê: Rua Carijós, 166, 5º andar, Centro - Belo Horizonte - MG - CEP: 30120-060 (31) 3207-8500 - secretaria@cbhsaofrancisco.org.br - www.cbhsaofrancisco.org.br Atendimento aos usuários de recursos hídricos na Bacia do Rio São Francisco: 0800-031-1607

Comunicação

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Apoio Técnico

Qual a sua relação com a criação do Parque Estadual Marituba - recentemente reconhecido como uma unidade de conservação de proteção integral através de decreto estadual - e qual a importância dessa garantia? A Unidade de Conservação Parque Estadual Marituba é um sonho meu há quase 20 anos por proteger uma das principais recargas do aquífero Marituba, que não aparece na superfície, mas sabemos que ele ocorre desde a porção marítima da bacia sedimentar Sergipe - Alagoas e de Itaporanga d’Ajuda / São Cristóvão até Maceió – sendo responsável pelo abastecimento desse município. Por isso, estrategicamente, o aquífero é muito importante para garantir a segurança hídrica em uma região com elevado potencial de crescimento urbano e industrial.

Produzido pela Assessoria de Comunicação do CBHSF – Tanto Expresso comunicacao@cbhsaofrancisco.org.br Coordenação Geral: Paulo Vilela, Pedro Vilela, Rodrigo de Angelis Edição e Assessoria de Comunicão: Mariana Martins Textos: Carolina Leite, Iara Vidal, Luiza Baggio Diagramação: Sérgio Freitas Fotos: Edson Oliveira, Léo Boi, Luiz Maia, Marcos Rodrigues, Orimar Santos e Robson de Oliveira Impressão: ARW Gráfica e Editora Tiragem: 5.000 exemplares Direitos Reservados. Permitido o uso das informações desde que citada a fonte. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

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