travessia Notícias do São Francisco
JORNAL DO COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO / JUNHO 2020 | Nº 38
03 de junho: Dia Nacional em Defesa do Rio São Francisco
Indígenas da tribo Pankará comemoram a chegada da água às suas torneiras
Mais uma hidrelétrica será construída no rio São Francisco
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Editorial REMANDO CONTRA A CORRENTE Além de todos os enormes desafios que o Rio São Francisco e sua bacia hidrográfica enfrentam historicamente, existe sempre a possibilidade de surpresas que adicionam novas e potenciais dificuldades à dura tarefa de construir nesse curso de águas estratégico para o Brasil uma gestão de recursos hídricos que se mostre sustentável e à altura da diversidade de interesses de uma vastíssima porção do território brasileiro. A decisão do governo federal de inserir, em colaboração com o governo de Minas Gerais, mais uma barragem hidrelétrica na região a montante da cidade ribeirinha de Pirapora e as incessantes iniciativas para ressuscitar a construção de um complexo nuclear no Sertão de Pernambuco, utilizando águas do Velho Chico à altura do município de Itacuruba, dão mostras que, independentemente das administrações que se sucedem à frente do governo central, a postura das administrações federais é basicamente a mesma, ou seja, a repetição de um modelo de utilização das águas franciscanas que já se mostra totalmente defasado face às novas realidades hidrológicas, climatológicas, econômicas, sociais e ecossistêmicas do grande rio da integração nacional. Salta aos olhos que o uso hegemônico das águas franciscanas para a geração de energia hidrelétrica já entrou em crise há muito tempo, seja pelo influxo das novas características das vazões declinantes do São Francisco, seja pela entrada em cena de um novo padrão climático que impõe períodos cada vez mais severos de estiagem, seja pela expansão das populações e dos demais usos múltiplos das águas da bacia hidrográfica, só para citar três fatores essenciais que tornam a ideia dessa nova barragem total-
mente discutível à luz daquilo que é melhor para o interesse público. Quanto à ideia de construção do complexo nuclear na região do semiárido é iniciativa que continua cercada de inúmeros fatores de dúvida quanto à sua oportunidade, eficácia, relação custo benefício, qualidade da tecnologia a ser utilizada e sobretudo quanto aos dramáticos aspectos ambientais e de risco embutidos em um tipo de empreendimento que vários países do mundo, com desenvolvimento de ponta, estão pouco a pouco abandonando porque o problema do lixo nuclear gerado e os impactos de um acidente são simplesmente insuportáveis sobretudo para países economicamente vulneráveis como é o caso do Brasil e de sua região Nordeste. Quanto a esse último aspecto é bom lembrar que o Rio São Francisco não tem “plano B” como estamos cansados de alertar em relação ao desastre nacional que seria o comprometimento das águas do Velho Chico caso haja novos rompimentos de barragens de rejeito de minério capazes de atingi-lo de forma irreversível. Em relação a um acidente nuclear ou até mesmo um vazamento sério de radioatividade a tragédia seria ainda maior visto que o Rio São Francisco, com a contribuição das águas dos seus afluentes, responde pela disponibilidade hídrica do Norte de Minas Gerais, da região semiárida brasileira e por nada menos do que 70% da disponibilidade hídrica de todo o Nordeste brasileiro e sua enorme população. É de lamentar que tais iniciativas, como é recorrente há décadas, se façam sempre sob a égide de um centralismo prepotente que ignora o grande contencioso de conflito que tais empreendimentos em-
Campanha “Eu viro Carranca para defender o Velho Chico” conta com adesão de diversas instituições Agradecemos à todas as instituições, ONGs, órgãos públicos e entidades que se juntaram a nós e que estão virando carranca para defender o Velho Chico! Com mais de cem adesões, a campanha “Eu viro carranca para defender o Velho Chico” ganhou muito mais força e visibilidade, atingindo o seu objetivo maior, que é sensibilizar a população e alertar para a necessidade de proteger e respeitar o nosso grande rio da integração nacional. Mas não paramos por aqui. A campanha continua e estamos em busca de mais 2
e mais parcerias sempre! Para aderir, acesse o site no endereço virecarranca.com.br/downloads ou envie um email no comunicacao@cbhsaofrancisco.org.br. Para participar, poste suas fotos ou vídeos vivendo e curtindo o Velho Chico no Instagram. Use a hashtag #virecarranca. Sua foto aparecerá no nosso mural. Sua participação é fundamental para seguirmos conscientizando e mostrando a importância do rio São Francisco para milhões de pessoas.
Viva o Velho Chico Vivo!
butem, o que, no mínimo, aconselharia aos responsáveis por tais iniciativas terem o cuidado de ouvir a todos os estados, populações, segmentos de usuários, municípios que serão diretamente afetados por obras e equipamentos dessa natureza. Se as coisas caminhassem conforme preceitua a Lei Nacional das Águas, ou seja, a Lei 9.433, que estabelece os princípios participativos, de compartilhamento e descentralização na gestão dos recursos hídricos, o encaminhamento de propostas de teor tão polêmico seria bem diferente do que se mostra atualmente. E aí seria possível demonstrar que empreendimentos como os que estamos tratando aqui simplesmente vão na contramão do Pacto das Águas que é preciso construir na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco se quisermos, efetivamente, garantir a segurança hídrica que o Brasil vai precisar no presente século. Além de geração hidrelétrica é preciso entender que as águas do Velho Chico atendem à irrigação, à indústria, à mineração, à agricultura familiar, à aquicultura, à navegação, à pesca artesanal, ao turismo, à prioridade das prioridades que é a captação de água para abastecimento humano e também à vida aquática tão agredida por décadas de uso predatório. Tudo isso somado às vazões que se destinarão ao Projeto da Transposição indica que a hidrelétrica e a usina nuclear precisam de um amplo, tecnicamente sólido e democrático debate antes que decisões unilaterais, que não olham a bacia como um todo, sejam tomadas à revelia da sociedade.
Anivaldo de Miranda Pinto Presidente do CBHSF
Projetos de Sustentabilidade Hídrica do Semiárido beneficiarão diversas cidades Texto: Juciana Cavalcante / Foto: Edson Oliveira Presente em todos os estados do Nordeste e em parte do Sudeste (norte de Minas Gerais e norte do Espírito Santo), o clima semiárido está associado ao importante bioma da Caatinga. Correspondendo a aproximadamente 11% do total do território brasileiro e 50% do território da bacia hidrográfica do rio São Francisco, o semiárido tem características próprias: baixa ocorrência de chuva, altas temperaturas e longos períodos de estiagem. Por isso, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco aprovou, no final do ano passado, a contratação de oito projetos voltados à sustentabilidade hídrica no semiárido. Serão realizados dois projetos por região fisiográfica da bacia do rio São Francisco, classificados a partir dos critérios definidos no Ofício Circular de Chamamento Público CBHSF N° 02/2019. Os projetos selecionados receberão até R$ 1 milhão, financiados por meio de recursos financeiros oriundos da cobrança pelo uso das águas do rio São Francisco, com contratação feita pela Agência Peixe Vivo. De acordo com a Agência Peixe Vivo, já foram elaborados os termos de referência para a contratação de consultoria especializada. Essa consultoria irá elaborar novos termos de referência para a execução dos projetos aprovados. Também foram iniciados os procedimentos para lançamento dos atos convocatórios associados a essa contratação.
Projetos Os projetos do Alto São Francisco atenderão os municípios de São João da Ponte, Varzelândia e Miravânia, em Minas Gerais. “Água para beber, vidas para cuidar” e “Ações de revitalização dos recursos hídricos no município de Miravânia no semiárido mineiro” são as propostas que preveem a implantação de cisternas para captação das águas das chuvas para consumo humano, mobilização social e capacitação nas comunidades rurais da bacia do São Francisco, e a implantação de pequenas barragens de acumulação de água em riachos intermitentes, respectivamente. Na região do Médio São Francisco os municípios que receberão as ações financiadas pelo CBHSF serão Macaúbas e Barra do Mendes, ambos na Bahia. Em Macaúbas, a proposta é implantar cisternas para captação das águas das chuvas para consumo humano e capacitação das famílias beneficiadas. Já em Barra dos Mendes, a proposta é para captação das águas das chuvas para produção de alimentos. No Submédio São Francisco, a proposta “Salvando as veias do São Francisco - a luta para recuperar rios e nascentes nas serras de Jaguarari-BA” vai atender a cidade de Jaguarari com a construção de barragens subterrâneas, barreiros e outras estruturas para recarga dos aquíferos na região. Além disso os municípios de Macururé (BA), Pariconha (AL), Betânia, Carnaíba, Carnaubeira da Penha, Iguaraci, Mirandiba, Santa Cruz da Baixa Verde e Triunfo, em Pernambuco,
serão atendidos pela proposta “Bênçãos do São Francisco - sustentabilidade socioambiental, hídrica, energética, alimentar e nutricional no Submédio São Francisco”, que pretende implantar sistemas de coleta e manejo da água de chuvas, de reuso de águas cinzas, fogões geoagroecológicos, sistema de energia fotovoltaica e estruturar barragens conceito base zero, além de promover o plantio e manejo de reservas agroecológicas de mandacarus e palmas e realizar serviços de assessoria à extensão rural. No Baixo São Francisco, a proposta “Segurança hídrica e controle da desertificação através de energia fotovoltaica e Sistemas Agroflorestais” vai atender a cidade alagoana de Inhapi, com o emprego de sistema fotovoltaico para sistemas agroflorestais. O segundo projeto vai beneficiar Cacimbinhas, Canapi, Dois Riachos, Ouro Branco e Poço das Trincheiras, em Alagoas; Pedro Alexandre e Santa Brígida, na Bahia; as cidades de Iati, Paranatana e Saloá, em Pernambuco; além de Cedro de São João, Feira Nova, Gracho Cardoso, Itabi e Monte Alegre de Sergipe, em Sergipe. Todas as comunidades receberão a implantação de sistemas de coleta e manejo da água de chuvas, de reuso de águas cinzas, fogões geoagroecológicos, sistema de energia fotovoltaica, além de ações de estrutura das barragens conceito base zero e sistemas de produção agroecológicos e socioambientais, plantio e manejo de reservas agroecológicas de mandacarus e palmas e serviços de assessoria à extensão rural.
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Depois de um ano, Tribo Pankará comemora mudança de vida com chegada da água Texto: Juciana Cavalcante/Fotos: cedidas pela tribo Pankará “Um marco na história dos Pankará do Serrote dos Campos”. É assim que define a agente de saúde Pankará, Genice Menezes. Ela se refere a obra que está garantindo água na torneira da tribo Pankará, na Aldeia de Serrote dos Campos, em Itacuruba, Pernambuco, que já completou 14 meses de funcionamento. Para quem sonhou e batalhou por longos anos para o que hoje é realidade, o sentimento é de gratidão. A construção da adutora tem garantido a mais de 400 índios um direito básico: o acesso à água potável. O Sistema de Abastecimento de Água conta com a captação feita no lago de Itaparica através de uma adutora, estação de tratamento, rede de distribuição e ramal para a irrigação. Os Pankará são um povo com raízes essencialmente agrícolas, atividade que eles não conseguiram desenvolver nos últimos 12 anos, tempo em que a comunidade indígena ocupa o atual território, após deixar a localização originária de Itacuruba, submersa pelas águas com a construção da usina hidrelétrica de Itaparica. Mesmo a apenas cerca de oito quilômetros do Rio São Francisco, a tribo dependeu, durante mais de uma década, de carros-pipa. A obra, custou aproximadamente R$ 4,5 milhões, financiada integralmente pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco com recursos oriundos da cobrança pelo uso da água. “Após um ano de conclusão da obra da adutora, a vida mudou significativamente para melhor. Hoje temos uma pessoa da própria tribo contratada para fazer o tratamento da água e a
Adutora atenderá às necessidades da tribo pelos próximos 20 anos
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distribuição. Com isso a gente não precisa mais passar pelo constrangimento de pagar o caminhão-pipa e mesmo assim ficar esperando, dia após dia, pelo abastecimento. Todos nós temos acesso a água boa e de qualidade”, explicou a liderança Pankará, Rafael Neilson. O indígena contratado para fazer o tratamento e a distribuição da água, citado por Rafael, recebeu capacitação e é hoje funcionário da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI). Ele se encarrega da distribuição da água que é feita em dois turnos de três horas cada. O sistema tem projeção para atender a tribo pelos próximos 20 anos, considerando o crescimento populacional da aldeia que, segundo a estimativa, é de que no ano de 2034 a tribo contabilize 741 pessoas. “Somos muito gratos ao Comitê por ter nos contemplado com a adutora. Há mais de 12 anos a gente vivia nesse território dependendo da água que os carros-pipa traziam. Já chegamos a passar meses sem o abastecimento, à mercê da espera já que os caminhões têm a programação de várias localidades para atender. Não tinha água nem para beber e hoje estamos tranquilos com esse bem tão grande que conquistamos. É uma alegria acordar e já saber que temos água para fazer as atividades domésticas, quem tem sua horta pode cultivar. É maravilhoso acordar e saber que tem água na torneira e que não é preciso mais enfrentar uma fila imensa. Somos muitos gratos”, destacou a integrante da tribo Pankará, Cícera Leal. Com a água disponível, já é possível voltar a plantar. O projeto da comunidade é
iniciar uma horta comunitária que vai gerar renda para a tribo através do beneficiamento dos produtos e sua venda. Mas enquanto finalizam a ideia, muitas famílias já conseguem fazer suas pequenas plantações para subsistência. A tribo recebeu orientações sobre a implementação de um projeto irrigado como forma de garantir a sustentabilidade na aldeia. As orientações foram passadas por uma equipe de professores da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e do Instituto Federal do Sertão (IF Sertão). “Após um ano da entrega desse importante equipamento à comunidade Pankará, do Serrote dos Campos, que, após mais de 15 anos de luta, começaram a receber água potável em suas residências, temos a certeza absoluta de que o CBHSF, dessa forma, contribui para viabilizar e garantir a sustentabilidade hídrica, alimentar, ambiental e a melhor qualidade de vida. Essa obra proporcionou um marco com a chegada da água potável às famílias indígenas daquela aldeia e ainda proporcionará a implantação de projetos de produção agrícola, a partir do uso da água bruta, que já se encontra disponível, para que possam, nas suas próprias terras, cultivar produtos agrícolas a exemplo de legumes, frutas e verduras, tornando ainda mais eficiente o uso dessa água que hoje chega à comunidade, agregando também valor e dando sustentabilidade a esse grande e importante empreendimento realizado pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco”, finalizou o Coordenador da Câmara Consultiva Regional do Submédio São Francisco, Julianeli Lima.
Cícera Leal, da tribo Pankará, comemora a chegada da água às torneiras
A instalação de canaletas e escadas hidráulicas na região do Córrego Confusão, afluente do São Francisco, em São Gotardro (MG) evita o escoamento de sólidos e resulta em aumento de água no reservatório
Com ações pontuais, o CBHSF tem contribuído para a revitalização do Velho Chico Entre 2012 e 2019, o CBHSF investiu em inúmeros projetos, todos com o mesmo fim: melhorar a qualidade e a quantidade de água do São Francisco Por Luiza Baggio / Foto: Bianca Aun Revitalização! Esta é a palavra-chave para o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF). Para isso, tem investido em projetos de recuperação ambiental, tais como proteção de nascentes, recarga de aquíferos, recomposição de vegetação, sobretudo ciliar, e combate a processos de erosão. Entre 2012, ano em que se iniciou a cobrança pelo uso da água, até 2019, foram investidos mais de R$ 42 milhões, com a contratação de 60 projetos hidroambientais. As reivindicações partiram da própria comunidade, motivadas pela degradação do Velho Chico. Além disso, o CBHSF investiu quase R$ 5 milhões com a execução de projetos ligados ao saneamento básico, entre os anos de 2017 e 2018. Entre os muitos exemplos, vale citar a implantação do sistema de abastecimento de água (SAA), na aldeia indígena Serrote dos Campos, do povo Pankará, em
Itacuruba (PE,) e adequação da estrada vicinal de acesso ao povoado de Resina, em Brejo Grande (SE). Outra importante ação que o CBHSF desenvolve é a elaboração dos Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSB) que são fundamentais para a saúde ambiental dos municípios brasileiros. Por decisão institucional, o colegiado resolveu auxiliar os municípios localizados na bacia no que diz respeito ao financiamento dos PMSBs, reforçando, assim, o compromisso do Comitê em fortalecer as ações de preservação e manutenção dos afluentes inseridos na bacia, minimizando as cargas de poluição lançadas nos cursos d’água. Até o momento, o CBHSF contratou a elaboração de 67 PMSB e por meio do último chamamento lançado em 2019, contemplará mais 48 cidades da bacia hidrográfica do Velho Chico.
Os municípios contemplados pelo PMSB do CBHSF foram selecionados de acordo com sua situação ambiental, quer seja pela necessidade de ampliação do sistema de abastecimento de água; a urgência de novos mananciais de abastecimento; o lançamento de esgoto sem tratamento à montante da captação; além da ocorrência de inundações ou alagamentos em áreas urbanas, entre outros critérios. Vale observar que, uma vez criado, a execução do plano de saneamento ficará a cargo das prefeituras ou por concessões privadas ou públicas.
Confira os projetos Hidroambientais executados pelo CBHSF. Acesse bit.ly/ListaProjetosSF ou escaneie o QR CODE ao lado.
As barraginhas retêm a água da chuva para melhor impermeabilização no solo
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Governo federal avança com projeto de construção de usina hidrelétrica em Formoso (MG) Texto: Luiza Baggio / Foto: Miguel Aun
Trecho do Rio São Francisco em Pirapora (MG)
A construção de uma nova hidrelétrica no rio São Francisco, 25 anos após a inauguração da UHE Xingó, última usina a entrar em operação no rio em 1994, ganhou força com a inclusão da UHE Formoso no Plano de Parcerias de Investimentos (PPI) do governo federal. O presidente Jair Bolsonaro assinou decreto que enquadra a UHE Formoso no PPI, segundo publicação no Diário Oficial da União de 25 de maio de 2020. Apesar de o projeto estar tramitando desde 2016, o decreto pegou todos de surpresa, haja vista a falta de transparência em sua tramitação, o que causou uma grande inquietação entre os ribeirinhos e os municípios afetados. O membro do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Renato Júnio Constâncio, que representa a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) no colegiado, esclarece que o projeto é do governo federal e que a Cemig não tem envolvimento. “Ficamos surpresos com a proposta da UHE Formoso, visto que é um 6
projeto antigo e estava fora da pauta. No entanto, é possível observar que o projeto teve andamento e com o decreto do governo está avançando”. Obras desta magnitude destoam da tendência mundial de buscar energias limpas, baratas e com baixo impacto ambiental, como por exemplo a energia eólica e a solar ou até mesmo a fotovoltaica, visto que a região do Norte de Minas tem alto potencial para tal e que investimentos em hidrelétricas são sempre muito altos e com impactos ambientais consideráveis. Empreendimentos qualificados ao PPI são tratados como prioridade nacional, o que agiliza diversos processos e atos de órgãos públicos necessários para que eles avancem, segundo o governo. No caso da hidrelétrica de Formoso, a qualificação no programa federal foi aprovada “para fins de apoio ao licenciamento ambiental e de outras medidas necessárias à sua viabilização”, de acordo com o decreto.
A UHE Formoso terá investimento previsto de R$ 1,8 bilhão e 306 MW de potência instalada. O projeto de instalação da hidrelétrica está sendo desenvolvido pela Quebec Engenharia. A construção deve durar 36 meses após a autorização para início das obras. Entretanto, ainda é necessário obter a licença ambiental e definir o concessionário. Pesquisadores da Universidade Federal de Lavras (UFLA) iniciaram estudos que servirão de base para analisar os impactos da construção da UHE Formoso na bacia do São Francisco, visto que a região possui uma biota extremamente rica. Os impactos ambientais provocados pela construção de uma usina hidrelétrica são irreversíveis. Apesar das usinas utilizarem um recurso natural renovável e de custo zero que é a água, “não poluem” o ambiente, porém, a sua construção altera a paisagem, provoca grandes desmatamentos com prejuízos à fauna e à flora, inunda áreas verdes, além do que muitas famílias são deslocadas de
suas residências para darem lugar à instalação dessa fonte de energia. Segundo o Ministério de Minas e Energia (MME), a Hidrelétrica Formoso “poderá contribuir com o atendimento à demanda de energia do país, de acordo com os critérios de expansão da oferta, continuidade do suprimento frente à entrada de fontes intermitentes de energia no Sistema Interligado Nacional (SIN), reservação de água e regulação do Rio São Francisco”. O MME esclareceu também que o empreendimento está em fase de licenciamento, sob responsabilidade da Quebec Engenharia. Neste momento, a empresa aguarda a liberação do Ibama para emissão da Autorização para Captura, Coleta e Transporte de Material Biológico (ABIO). A expectativa da Quebec Engenharia é de que o Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica (EVTE) seja entregue à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ainda em 2020. “O licenciamento é a principal dificuldade do empreendimento visto que o processo ainda demanda a emissão da ABIO para início das campanhas de campo de meio biótico. Com isso, diversas outras demandas devem ser realizadas para apresentação do EIA [Estudo de Impacto Ambiental] e sequência do processo de licenciamento”, disse o gerente de Desenvolvimento da Quebec Engenharia. Vieira disse que várias etapas do processo de engenharia já foram concluídas, incluindo a topografia, locação dos eixos e implantação de marcos, estando em andamento as etapas de medições de vazão e descargas sólidas. A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (SEMAD) informa que o licenciamento da UHE Formoso acontece por meio de um acordo de cooperação técnica entre o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e a SEMAD
e que o processo se dará de forma transparente, focado na preservação do meio ambiente e no desenvolvimento sustentável. De acordo com a prefeitura de Pirapora, o município ainda não foi notificado sobre a possibilidade de instalação da UHE e o que se sabe até o momento está vinculado ao interesse do governo federal, publicado no decreto. Já o prefeito de Buritizeiro, Jorge Humberto Rodrigues, diz que o empreendimento se trata de mais uma alternativa de energia renovável. “A instalação desta usina hidrelétrica planejada no Córrego do Formoso, em Buritizeiro, vinha sendo estudada e avaliada, com muitos avanços e recuos, há várias décadas. Além do custo energético reduzido, a futura barragem produzirá energia limpa, abrirá novos postos de trabalho, fontes de renda e tributos para o nosso município”, acrescentou. Ambientalistas são contra a UHE Formoso O anúncio de que o governo federal vai buscar empresas privadas interessadas em parceria para construir a UHE Formoso, no rio São Francisco, em Pirapora, fez ambientalistas questionarem a necessidade e a viabilidade do projeto e temerem o impacto do empreendimento na natureza. “Acredito que a construção de qualquer barramento no São Francisco vai contra tudo o que estamos construindo. Finalizamos um estudo sobre o pacto das águas e esse empreendimento vai contra o que queremos para a bacia do São Francisco. O Comitê é a entidade que representa o Velho Chico e seguimos firmes, sem omissões e buscando os melhores embasamentos em nossas justificativas. Além disso, condenamos a falta de transparência e exigimos que todas as instâncias devem ser consultadas, principalmente o CBHSF, antes da implantação de um projeto dessa magnitude, pois devemos assegurar os usos múltiplos”, afirma o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, Anivaldo Miranda.
Sabe-se que as hidroelétricas trazem vários prejuízos ambientais, não só pela inundação de áreas naturais e desvio de leitos de rios, como também pelo dióxido de carbono emitido pela decomposição da matéria orgânica que se forma nas áreas alagadas. A voz do rio, cantora barranqueira de Pirapora, Priscilla Magela é contra a construção da UHE Formoso. “Questionamos a viabilidade e a necessidade desse projeto que trará morte ao Rio São Francisco e as suas comunidades. O Brasil tem potencial para produção de energia limpa como a eólica, e a solar, por exemplo”. Priscilla Magela comenta que foi criada uma rede social contra a construção da hidrelétrica no Instagram, @velhochicovive. “O objetivo é divulgar a campanha contra a construção da hidrelétrica Formoso em Pirapora e ampliar o debate para a população. O que queremos é o Rio São Francisco vivo”. O presidente do Fórum Mineiro de Comitês de Bacias Hidrográficas (FMCBH) e presidente do Comitê da Bacia do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas), Marcus Vinícius Polignano disse que foi pego de surpresa pela publicação do decreto. “Fomos surpreendidos pelo Governo Federal com a publicação desse decreto. Precisamos discutir sobre a construção da hidrelétrica em Pirapora no âmbito dos Comitês de Bacia do Alto São Francisco. O FMCBH está aberto a discussão e está disposto a ajudar o CBHSF no debate”, afirmou Polignano. Em reunião recente da Câmara Consultiva Regional do Alto São Francisco, o presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, afirmou que o Comitê vai contratar um estudo sobre a construção da UHE Formoso na calha do São Francisco. O estudo vai mostrar não apenas os impactos do ponto de vista ambiental como também da geopolítica, visto que a bacia tem milhares de usuários e além da geração de energia atende à irrigação, indústria, mineração, agricultura familiar, aquicultura, navegação, pesca artesanal, turismo e a prioridade deve sempre ser o abastecimento humano e a preservação da vida aquática.
Em podcast, o presidente do CBHSF fala sobre a campanha e as ações do colegiado Apesar da pandemia, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco não parou de trabalhar. Junto com sua entidade delegatária, a Agência Peixe Vivo, o Comitê está dando andamento aos projetos de revitalização hidroambiental, à elaboração dos planos municipais de saneamento básico, à construção de um pacto das águas, à implementação do sistema de informação da bacia do rio São Francisco, entre várias outras ações, tudo, é claro, com toda segurança e precaução, seguindo as recomenda-
ções das autoridades mundiais em saúde. As reuniões e os grupos de trabalho vem sendo realizadas à distância, por meio de videoconferência. Tudo para manter o Velho Chico Vivo!
Ouça o podcast com o presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda: bit.ly/PodVirecarranca1 ou escaneie o QR CODE ao lado.
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Dois
dedos de
prosa
Água para a vida, para o desenvolvimento econômico, produção de alimentos e para o futuro. A gestão compartilhada dos recursos hídricos de forma a atender essas necessidades passou, há 14 anos, a ter um braço executivo: a Agência Peixe Vivo, criada em 2006, para ser a Agência de Bacia do Comitê do Rio das Velhas. As atividades da Agência Peixe Vivo iniciaram, efetivamente, a partir de 2010, quando foi implementada a cobrança pelo uso de recursos hídricos nas bacias hidrográficas do rio São Francisco e do rio das
Velhas. E desde então, Célia Fróes atua como diretora-geral da Agência, coordenando as atividades técnico-administrativas para execução dos recursos da cobrança arrecadados nas bacias hidrográficas, visando à implementação dos programas e projetos deliberados pelos Comitês para os quais atua como entidade delegatária. Célia Fróes é formada em engenharia química pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e é mestre em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro.
gestão ambiental e de recursos hídricos não compõem a gestão estratégica do governo federal. Temos que ficar atentos para evitar retrocessos em nossas conquistas.
Quais impactos a suspensão da cobrança vai gerar para o CBHSF e sua bacia? É difícil avaliar os impactos imediatos deste adiamento da cobrança na arrecadação deste ano de 2020. Isto somente será possível de ser mensurado no final do exercício. No entanto, considerando as dificuldades econômicas que o Brasil deverá enfrentar com a pandemia, estamos estimando que possa ocorrer frustação na arrecadação, impactando diretamente no custeio administrativo da Agência Peixe Vivo. Com relação aos recursos de investimento para a execução dos projetos demandados pelo Comitê, não haverá impacto imediato, mas a persistir a queda na arrecadação, no futuro poderá haver prejuízos nos investimentos planejados pelo CBHSF.
Ano passado a Agência Peixe Vivo passou por uma reformulação em sua estrutura. Quais os próximos desafios? O ano de 2019 foi muito importante para a Agência Peixe Vivo. Implementamos uma nova estrutura operacional com visão mais estratégica, inserindo novos desafios com metas e indicadores para o processo de gestão. Para os próximos anos temos o desafio de cumprir as metas e aperfeiçoar cada vez mais os nossos processos.
Célia Fróes Entrevista: Luiza Baggio / Foto: Bianca Aun Como você avalia o sistema de recursos hídricos do Brasil? O que precisa evoluir? Passados 23 anos da promulgação da Lei das Águas (Lei nº 9.433/97) avalio que houve muitos avanços na gestão dos recursos hídricos, principalmente quanto à gestão descentralizada e compartilhada, por meio das ações desenvolvidas pelos Comitês de Bacias. Mas, os desafios ainda são grandes, considerando a extensão e diversidade do nosso país, bem como as dificuldades institucionais, políticas e econômicas, tendo em vista que a
Agência Nacional de Águas (ANA) suspendeu a cobrança pelo uso da água por 120 dias em rios de domínio da União para mitigar os efeitos da pandemia do coronavírus. A medida foi debatida com os comitês de bacias e/ou agências delegatárias? A Agência Nacional de Águas editou a Resolução nº 18 em 15 de abril, que dispõe sobre o adiamento da cobrança pelo uso de recursos hídricos de domínio da União, como uma medida para minimizar os impactos da pandemia do Coronavírus para os usuários pagadores de recursos hídricos em rios de domínio da União. Foi um ato administrativo da ANA que não envolveu discussões com os comitês e as entidades delegatárias.
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Presidente: Anivaldo de Miranda Pinto Vice-presidente: José Maciel Nunes Oliveira Secretário: Lessandro Gabriel da Costa
Secretaria do Comitê: Rua Carijós, 166, 5º andar, Centro - Belo Horizonte - MG - CEP: 30120-060 (31) 3207-8500 - secretaria@cbhsaofrancisco.org.br - www.cbhsaofrancisco.org.br Atendimento aos usuários de recursos hídricos na Bacia do Rio São Francisco: 0800-031-1607
Comunicação
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Apoio Técnico
O que é preciso para a revitalização da bacia do Rio São Francisco avançar? É preciso ter o planejamento dos investimentos necessários para a implementação das ações, metas e indicadores previstos no Plano de Recursos Hídricos da Bacia do Rio São Francisco. Este Planejamento existe e está sendo executado. Este é um fator de suma importância para o avanço nas ações de revitalização da bacia, tendo em vista que os recursos arrecadados com a cobrança não são suficientes para a implementação de todas as ações previstas no Plano. Com um bom planejamento é possível otimizar os recursos e avançar na revitalização da bacia.
Produzido pela Assessoria de Comunicação do CBHSF – Tanto Expresso comunicacao@cbhsaofrancisco.org.br Coordenação Geral: Paulo Vilela, Pedro Vilela, Rodrigo de Angelis Edição e Assessoria de Comunicão: Mariana Martins Textos: Juciana Cavalcante e Luiza Baggio Diagramação: Sérgio Freitas Fotos: Azael Goes, Bianca Aun, Edson Oliveira, Marcelo Andre e Miguel Aun Impressão: ARW Gráfica e Editora Tiragem: 5.000 exemplares Direitos Reservados. Permitido o uso das informações desde que citada a fonte. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
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