travessia Notícias do São Francisco
JORNAL DO COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO / MAIO 2021 | Nº 49
Aerolevantamento realizado no trecho incremental do Velho Chico traz resultados alarmantes CBHSF realiza a sua XL Plenária Ordinária
Bacia do Rio Guavinipan é contemplada com ZAP
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Editorial ESTOURO DA BOIADA A Câmara Federal, sob a presidência do deputado Artur Lira (AL), aprovou em rito escandalosamente célere o projeto de lei 3.729/2004 de autoria do seu colega Neri Geller (PR) que, a pretexto de “flexibilização” do licenciamento ambiental para supostamente superar a morosidade da burocracia do serviço público, de fato coloca uma enorme pá de cal na legislação ambiental brasileira. O projeto, que passou 17 anos vagando pela Câmara face ao seu conteúdo manifestamente retrógrado, foi desengavetado à sorrelfa uma vez que, qualquer tramitação normal da matéria que implicasse em tornar transparente o seu real conteúdo, tornaria inviável sua aprovação. Como um vampiro, o PL do deputado Neri Geller não suportaria a luz do sol porque mostraria à opinião pública a sua verdadeira feiura, digamos assim. Importante esclarecer que as resistências ao projeto, se espaço fosse dado à discussão, surgiriam naturalmente não porque o seu autor, teoricamente, recorra à tese da necessidade de dar celeridade e simplificar racionalmente os processos de licenciamento ambiental.
Os reais motivos da indignação que o projeto aprovado pela Câmara – goela abaixo da sociedade – causa, está nas enormes brechas que abre para a burla da legislação ambiental, permitindo que a pretexto da “simplificação” de fato sejam atropeladas fases essenciais dos processos de licenciamento ambiental, como é o caso da fusão leviana das licenças prévia, de implantação e de operação para uma vasta gama de empreendimentos sem critérios amplamente debatidos com a comunidade que lida diariamente com esses assuntos. Não bastasse isso, isentar inúmeras atividades de porte objetivamente relevante dos processos normais de licenciamento agrava ainda mais a licenciosidade largamente difundida no território nacional em relação ao devido rigor que deveria ser observado para a compatibilização racional entre crescimento econômico, preservação ambiental e gerenciamento responsável dos recursos hídricos. Ninguém é contra o aperfeiçoamento de normas, regras ou diplomas legais, sejam eles quais forem. Todavia quando se percebe que há uma crescente onda que persegue com rara obsessão política e institucional o
desmonte da política pública de meio ambiente, construída com muito empenho em quase meio século de esforços nacionais, é preciso soar o alarme e fechar a porteira contra os insensatos que querem “passar a boiada” e pisotear os princípios da sustentabilidade do desenvolvimento nacional. O mais grave, porém, é que, com a figura da Licença por Adesão e Compromisso (LAU) em país onde o nível de respeito às normas legais é perigosamente crítico, dá-se, na prática, luz verde para todo tipo de erosão velada da legislação que incide sobre o meio ambiente. Felizmente esse projeto aprovado na Câmara ainda deverá ser apreciado no Senado Federal. E aqui a comunidade dos técnicos, voluntários, especialistas, cientistas, gestores públicos, ambientalistas, empresários conscientes, políticos responsáveis e tantos quanto fazem a política ambiental terão a oportunidade de se fazer ouvir e tentar barrar lei tão lesiva aos interesses estratégicos do Brasil
Anivaldo de Miranda Pinto Presidente do CBHSF
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Trecho do rio São Francisco em Penedo (AL)
XL Plenária Ordinária do CBHSF teve como tema principal a flexibilização da vazão do Rio São Francisco Texto: Juciana Cavalcante / Foto: Edson Oliveira O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco realizou, no dia 06 de maio, a sua XL Reunião Plenária Ordinária, por meio de videoconferência. Entre as pautas, o processo eleitoral do CBHSF, cujas inscrições se encerram no próximo dia 14 de maio. Todas as informações referentes aos documentos exigidos e endereços para envio de documentação estão disponíveis em processoeleitoralcbhsf2021.com.br Durante o encontro, foi realizada a demonstração do módulo criado pela Agência Peixe Vivo para acompanhamento das execuções do Plano Orçamentário Anual (POA). A ferramenta será disponibilizada ainda no mês de maio. Quanto ao processo de manifestação de interesse para projetos de esgotamento sanitário, a equipe da APV informou sobre a adesão dos municípios e que, das cidades habilitadas, uma em cada região fisiográfica será contemplada com os serviços. A relação final dos aprovados será divulgada após avaliação da Diretoria Colegiada do CBHSF. O Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) apresentou, durante a reunião, o andamento da execução do Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), aprovado em 2006. Ao final, o CBHSF abriu espaço para o lançamento do livro “Luzes do farol de Cordouan para o Rio São Francisco” do analista em Desenvolvimento Regional IV da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), Carlos Hermínio. Veja informações de como adquirir o livro no site do Comitê: www.cbhsaofrancisco.org.br
Flexibilização da vazão do Rio São Francisco Com destaque para a pauta sobre o pedido do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), de flexibilização da vazão do Rio São Francisco, o presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, reforçou os impactos para navegação, pesca, comunidades ribeirinhas, entre outros, reafirmando o posicionamento contrário à nova flexibilização. A solicitação do ONS para flexibilizar a defluência mínima média diária das usinas hidrelétricas de Xingó e de Sobradinho para 800 m³/s apresentou como objetivo garantir água suficiente nos reservatórios até final do ano, apontando ainda a necessidade da manutenção das vazões mínimas para ter condições de melhorar o estoque de água nos reservatórios. Segundo dados do ONS, no contexto das condições de armazenamento nas usinas hidrelétricas de Sobradinho e Três Marias, a situação é preocupante para o estágio do final do período úmido. “Quando a gente pensou que a bacia ia conseguir se recuperar, tanto pela capacidade de armazenamento dos reservatórios, como o também o ecossistema ia conseguir se reestabelecer dos impactos provocados por sete anos de grave estiagem, efeitos estes que se acumularam, tivemos que fazer uma primeira flexibilização da resolução para operar em uma maior vazão. E agora, novo pedido de flexibilização solicita a manutenção da vazão baixa, o que vai gerar fortes impactos para as populações e o ambiente”, destacou Miranda.
Projeto Lagoa de Itaparica A Inovesa, empresa contratada através de licitação para a elaboração do Projeto Executivo de Limpeza da Lagoa de Itaparica, apresentou os resultados alcançados até o momento. Ao todo, serão realizados sete produtos que compreendem relatório de planejamento, levantamentos topográfico e batimétrico, levantamento geofísico, projeto básico, estudos ambientais, projeto executivo e de área de compostagem. O projeto é resultado do empenho do CBHSF em evitar que desastres como o ocorrido em 2017, quando mais de 50 milhões de peixes morreram na região de Xique-Xique (BA), voltem a acontecer. Após o diagnóstico ambiental da lagoa e seu entorno, financiado pelo Comitê, apontando a necessidade de execução de 26 ações, incluindo a elaboração do projeto, o trabalho avança e já concluiu os estudos ambientais, nos quais foram observados forte estresse hídrico, baixas concentrações de nutrientes na água e nos sedimentos, menor heterogeneidade de substratos colonizáveis em relação ao canal e baixa produtividade primária. Os últimos produtos – Projeto Executivo, que deve apresentar soluções, memoriais descritivos, especificações, orçamento e projeção de equipe necessária para elaboração do projeto, e Projeto de Área de Compostagem – devem ser entregues até o mês de julho deste ano.
Para assistir a Plenária na integra acesse bit.ly/3f68p1m
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Dados pelos ares CBHSF divulga em primeira mão os resultados de aerolevantamento inédito em trecho incremental do Rio São Francisco e achados impressionam Texto: Andréia Vitório / Foto: Aerolevantamento CBHSF
A conta não fecha. É o que mostram os resultados do levantamento contratado pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco que teve como objetivo identificar, por meio de fotografia aérea de alta resolução e laser scanner, todos os usuários de água ao longo da área localizada entre as usinas de Três Marias e Sobradinho. Os mais de 600 km percorridos no céu focaram em trechos que, segundo estudos, registram as maiores retiradas de água e volumes captados anualmente. São eles: trecho 1, entre os municípios mineiros de Três Marias e Ibiaí; trecho 2, entre os municípios de São Francisco, em Minas Gerais, e Carinhanha, na Bahia, e, por fim, o trecho 3, entre Paratinga e Morpará, ambos na Bahia. A execução da Cobertura Aerofotogramétrica e do Perfilamento a Laser contratados aconteceu de 7 a 23 de outubro de 2020. No total, foram 22.313 fotografias tomadas e 533 faixas de voo. O serviço foi executado ao custo de R$ 1.665.397,60. Mais captação Os dados obtidos a partir do mapeamento foram sobrepostos ao banco de dados da Agência Nacional de Águas e Sa4
neamento Básico (ANA), disponibilizado na plataforma do Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos (SNIRH). O aerolevantamento contratado revelou 2062 interferências nas regiões monitoradas, a maioria delas, 1942, referentes à captação. O número é mais do que o dobro do registrado oficialmente: cerca de 850 usuários cadastrados. Thiago Campos, da Gerência de Projetos da Agência Peixe vivo (APV), explica que “nesse momento não há como afirmarmos que se tratam de usos clandestinos ou irregulares, uma vez que não foi objetivo desse trabalho avaliar a legalidade dos usos de água e sim identificar a sua localização e compará-los com o banco de dados oficial”. Ele reforça que o cadastro de usuários de recursos hídricos requer uma atualização periódica: “esse instrumento é de extrema importância para se ter conhecimento de quem, como e onde se faz uso da água.” Vale frisar que com o resultado do levantamento em mãos, já está na pauta a necessidade de apresentação formal dessas informações perante as autoridades competentes para a fiscalização do uso de recursos hídricos, notoriamente a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). “A
nossa expectativa é de que teremos desdobramentos desse trabalho no segundo semestre de 2021, a fim de avaliar possíveis usos irregulares”, conta Thiago Campos. Gestão e cobrança O presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, reforça sobre a importância do aerolevantamento para a gestão da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco: “esse trabalho faz parte das ações estruturantes do Comitê. É fundamental saber sobre os usos da água, retiradas e lançamentos de efluentes na calha central do Rio São Francisco e fazer um esforço para incorporá-los ao sistema. Isso está ligado a um dos principais instrumentos de gestão hídrica, que é a cobrança pelo uso da água bruta”. Ele destaca que a cobrança gera um sentimento de responsabilidade em quem faz captação e contribui para fomentar o tratamento de efluentes. E diz mais: “esses recursos da cobrança são essenciais para a aplicação do Plano de Gestão da Bacia, para fazermos, por meio da nossa agência delegatária, uma série de ações que beneficia o rio, os pagantes e, claro, as populações que interagem com ele, além de toda a sociedade.”
Os achados Para que isso avance, é fundamental manter o cadastro atualizado. Anivaldo explica que, tirando os isentos, que ficam abaixo da linha de corte pelo volume captado, não pode haver um conjunto de usuários que paga e outro que não paga. Ele comenta, ainda, que os resultados do aerolevantamento serão encaminhados à ANA, para que façam o que for cabível no que diz respeito à outorga dos usuários não cadastrados, bem como para o Conselho Nacional de Recursos Hídricos e para as secretarias estaduais. A ideia é que todos possam fazer uso desses dados que trazem também ganhos adicionais, por revelar nas imagens outras informações relevantes no contexto ambiental. É importante destacar que a contratação desse aerolevantamento foi motivada por um achado em 2016, quando a partir de um voo num curto trecho do Baixo São Francisco, identificou-se uma série de usuários não contemplados no SNIRH. Esse experimento, na época, foi realizado pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e acendeu um alerta sobre a existência de possíveis usos não regularizados. O que procuramos Etapa central desse mapeamento, a identificação das interferências e das feições de uso de recursos hídricos permitiu, a partir da restituição fotogramétrica, detectar elementos de interesse do mapeamento com os dados do perfilamento a laser. Conforme atesta o relatório final, a etapa de restituição fotogramétrica foi realizada de forma totalmente digital, com geração dos arquivos do mapeamento em forma vetorial e pontual. Sobre o perfilamento a laser, vale entender que uma característica importante dessa tecnologia é a possibilidade de realizar o registro de múltiplos retornos, o que permite determinar a altura de objetos que estão sobre a superfície mapeada. Para isso, foi usada uma aeronave com equipamentos de alta sensibilidade que viabilizam a aquisição de dados com precisão (20 pontos/m²). Estes processos foram incorporados a partir da necessidade constatada pela equipe técnica para identificar: • Captação flutuante (balsas ou similares); • Captação em terra firme (incluindo casa de bombas); • Tubulações de tomada d’água; • Canais de desvio (ou canal de chamada) para a tomada d’água; • Tubulações (ou galerias) para lançamento de efluentes; • Tanques ou instalações utilizadas para aquicultura; • Outras porventura identificadas.
No total, foram 2062 interferências encontradas nos três trechos. A maior parte delas, 1942, foram relativas à captação, seguidas pelas de lançamento, com 78 achados. O trecho 2, que compreende a área de São Francisco, Minas Gerais, e Carinhanha, na Bahia, foi o que apresentou mais interferências: 821, sendo 810 categorizados como captação, abran-
Interferência
gendo canais de desvio ou de chamada para a tomada d’água, captação em terra firme e captação flutuante. Outros 11 foram identificados como tubulação ou galerias para lançamento de efluentes, bem como canais de desvio para o mesmo fim. A tabela a seguir detalha os números encontrados a partir do aerolevantamento em cada um dos trechos:
Trecho 3: Entre os municípios de Paratinga (BA) e Morpará (BA)
Trecho 1: entre os municípios de Três Marias (MG) e Ibiaí (MG)
Trecho 2: Entre os municípios de São Francisco (MG) e Cariranha (BA)
Captação1
674
810
458
1942
Lançamento2
57
11
10
78
Tanque3
1
0
17
18
Outros4
18
0
6
24
750
821
491
2062
Total
Somatório por tipo de Interferência
Após identificação das interferências existentes, foi realizado um comparativo de quantitativo com os pontos outorgados presentes dentro das áreas dos trechos de interesse do projeto. 1. Canais de desvio (ou canal de chamada) para a tomada d’água, captação em terra firme (incluindo casa de bombas, captação flutuantes (balsas ou similares, tubula’ão de tomada d’água. 2. Tubulação (ou galerias) para lançamentos de efluentes, canais de desvio (ou canal de chamada) para lançamento de efluentes. 3. Tanques ou instalação utilizados para aquicultura. 4. Drenagem, estrutura na superfície, esteira de carregamento.
O relatório final O relatório final oriundo desse mapeamento apresenta de forma detalhada as etapas desenvolvidas na execução do Levantamento Aerofotogramétrico, Perfilamento Laser, Apoio de Campo e Base Cartográfica de Precisão, com destaque para os resultados que emergiram dessa iniciativa. Entre as informações importantes que também podem ser consultadas no documento, estão: justificativa e objetivo dos trabalhos, escopo, planejamento das atividades, bem como suas descrições metodológicas e anexos, com produtos técnicos. Outros produtos contemplados desde o início das atividades foram: Plano de Trabalho, Fornecimento das imagens dos voos (ortofotos), Execução de Voos e Apresentação de Dados Brutos do Laser Aerotransportado; Elaboração de Base Cartográfica, Modelo Digital do Terreno e Modelo Digital de Superfície. O aerolevantamento foi realizado no âmbito do Contrato de Prestação de Serviços Nº 026/2020, firmado com entre a TOPOCART - Topografia Engenharia e Aerolevantamentos S/S LTDA e a Agência Peixe Vivo, por meio do Ato Convocatório Nº 002/2019.
Outorgas de direito de uso dos recursos hídricos Por meio do Cadastro Nacional de Usuários de Recursos Hídricos - CNARH, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) realiza a gestão da plataforma de cadastramento das informações dos usuários que fazem a captação de água, lançamentos de efluentes ou demais interferências diretas em corpos hídricos. As outorgas cadastradas e emitidas entre 2001 e 2020 estão disponíveis no banco de dados da ANA e foram analisadas para posterior confrontação de dados sobre os produtos finais.
Ouça o podcast sobre o Aeronivelamento. bit.ly/PodTrav102
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Estudo vai mapear gestão ambiental na bacia do Rio Guavinipan, no Alto SF Texto: Luiza Baggio / Fotos: Acervo Codevasf e Bianca Aun
A bacia hidrográfica do Rio Guavinipan, localizada em Bocaiúva, Engenheiro Navarro e Francisco Dumont, no Norte de Minas, será mapeada. O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), que é o responsável por essa ação, também contratou um estudo que vai realizar o Zoneamento Ambiental Participativo (ZAP) na região. As informações da base de dados a ser construída serão de extrema importância para a tomada de decisão e o fomento de diretrizes ambientais na região. O ZAP realiza levantamentos como a disponibilidade hídrica superficial, o uso e ocupação do solo e a caracterização de unidades de paisagem, de forma a possibilitar o cruzamento de dados relevantes para gestão da bacia hidrográfica ou de um conjunto de bacias. O técnico da Emater de Bocaiúva e membro da Câmara Consultiva Regional (CCR) Alto São Francisco do CBHSF, José Valter, esclarece que a metodologia ZAP define as unidades de paisagem que se relacionam ao potencial de uso das diferentes áreas da bacia, avalia a disponibilidade hídrica por trecho de curso d’água e realiza um mapeamento do uso e ocupação do solo. “O cruzamento das informações levantadas permite avaliar quais áreas da bacia apresentam maior necessidade de preservação, quais possuem maior potencial para usos agrícolas, e em quais delas o uso do solo e as necessidades hídricas estão adequadas ao potencial natural da região”, disse. José Valter acrescentou ainda que o Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (PRH-SF) defi-
José Valter Alves - Técnico Emater - Bocaiúva MG
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ne seus eixos de atuação, com atividades e metas correspondentes e a elaboração de um ZAP se relaciona com grande parte dessas metas. “Sendo assim, considera-se que o ZAP pode ser uma importante ferramenta para apoiar a implementação do PRH-SF, aumentando a efetividade dos projetos de conservação e recuperação ambiental e otimizando os recursos alocados. Assim, os recursos e as ações para recuperação e preservação ambiental na região serão alocados nos locais realmente mais sensíveis e viabilizarão a continuidade dessas importantes atividades econômicas para a região, com menores prejuízos ao meio ambiente e à disponibilidade de água”, finalizou. A metodologia ZAP foi desenvolvida conjuntamente pelas Secretarias de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e a de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa) e se baseia na Metodologia Mineira de Caracterização Socioeconômica e Ambiental de Sub-Bacias Hidrográficas. A aplicação da metodologia permite a avaliação preliminar do potencial de adequação de uma sub-bacia hidrográfica, fornecendo informações do meio natural e produtivo, que poderão contribuir significativamente para as diretrizes de ordenamento do uso do solo no âmbito das bacias hidrográficas. Área de atuação O Rio Guavinipan é um dos principais afluentes do Rio Jequitaí, integrando a Uni-
dade de Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos (UPGRH) das bacias dos Rios Jequitaí-Pacuí, que são, por sua vez, afluentes do Rio São Francisco. O projeto será executado na bacia do Rio Guavinipan, que possui área de 1.461,2 km². A maior parte da bacia do Rio Guavinipan se localiza no município de Bocaiúva, um dos mais populosos do Norte de Minas Gerais, com população estimada de 49.919 habitantes em 2019 (IBGE, 2020). O município se encontra a 369 km da capital Belo Horizonte. Os outros municípios que integram a bacia são Engenheiro Navarro, com 7.242 habitantes, e Francisco Dumont, com 5.215 habitantes (IBGE, 2020). As principais atividades econômicas dessa região são a agropecuária e a silvicultura, com foco para a pecuária de corte e de leite. Devido às pressões exercidas pela agropecuária e silvicultura no solo e recursos hídricos da bacia, esta encontra-se suscetível a problemas de erosão, assoreamento e conflito pelo uso de recursos hídricos. Consequentemente, viu-se a necessidade de elaborar um ZAP da região para avaliar em quais áreas da bacia o uso do solo se encontra condizente com sua potencialidade natural, e em quais delas é necessária adequação. Assim, a CCR Alto São Francisco aprovou a elaboração do estudo que foi contratado pelo CBHSF em março de 2021. A empresa executora do ZAP, selecionada por meio de licitação, é a Detzel Gestão Ambiental, que terá o prazo de seis meses para finalizar o estudo.
Rio Jequitaí, que recebe as águas do Guavinipan
Hidrelétricas têm alto impacto na fauna aquática, segundo estudo Texto: Luiza Baggio
Apesar de gerarem uma energia classificada como limpa e renovável, a operação das centenas de usinas hidrelétricas espalhadas pelo Brasil matou 128 toneladas de peixes nos últimos dez anos. É o que mostra um levantamento conduzido por um grupo de pesquisadores especializados em peixes da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) e da ETH Zürich, Suíça, em parceria com a Universidade de Southampton, Inglaterra, intitulado “Mortandade de peixes por hidrelétricas: identificando problemas e cocriando soluções”. Intrigados com uma série de relatos de mortandade na fauna aquática em regiões de usinas hidrelétricas, os pesquisadores mapearam e reuniram todas as notificações de cardumes mortos nos últimos dez anos no Brasil, em decorrência de operações de usinas. Um dos pesquisadores, o biólogo e ecólogo Andrey Leonardo Fagundes de Castro, professor na Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), esclarece que as ocorrências afetam a biodiversidade, a pesca e as comunidades locais que dependem dela. “Há uma mortandade silenciosa e velada em rios e represas do Brasil. O problema também gera grandes prejuízos econômicos para as hidrelétricas, pelo montante de multas recebidas, que ultrapassam os R$ 600 milhões”, afirmou.
O estudo mostra que os peixes morrem não apenas porque se chocam fisicamente contra as pás das turbinas das usinas, mas também devido à descompressão ou variação de pressão gerada por elas. “Isso pode ocasionar traumas, que vão desde o estouro de órgãos como bexiga, estômago e olhos até o aparecimento de embolias (obstruções causadas por bolhas de ar que se desprendem do sangue). A chance de morte depende da intensidade das variações na pressão, sendo que diferentes espécies de peixes podem se mostrar mais suscetíveis a esse risco. A falta ou o excesso de oxigênio devido a processos operacionais das usinas também podem estar entre as causas”, esclareceu Andrey Castro. O pesquisador destacou ainda que apesar de ser difícil responder o que representa a perda de 128 mil quilos de peixe, pois não se sabe ao certo o quanto de peixes existe nos rios, não se pode ignorar o fato de haver vários estudos científicos demonstrando declínios da população de peixes de água doce. “Embora sejam várias as razões para tal, como por exemplo a pesca predatória, a poluição, o aquecimento global, entre outros, esse tipo de mortandade certamente contribui para o cenário negativo”, acrescentou.
O fato de o Brasil ser campeão mundial em número de espécies de peixes de água doce torna o cenário preocupante. “Várias espécies são endêmicas, acontecem só no Brasil. Muitas são endêmicas das bacias hidrográficas onde ocorrem. Isso é relevante do ponto de vista da conservação”, ressaltou Andrey Castro. Como solução, o estudo aponta a necessidade de ação para eliminar o problema e evitar que ele se repita em novas barragens, ou minimizá-lo nos empreendimentos já existentes. “É essencial um esforço conjunto de todos os envolvidos nos eventos de mortandade para, primeiramente, ampliar o acesso aos dados e às informações sobre os eventos que ocorrem em todo o país. Mais estudos científicos também são necessários para embasar a tomada de decisão em licenciamento ambiental e pautar soluções tecnológicas mais específicas para as espécies de peixes do Brasil. De forma mais ampla, é urgente planejar melhor a instalação de novas usinas hidrelétricas para que o país possa garantir empreendimentos de fato sustentáveis e a manutenção de sua enorme diversidade de peixes”, conclui o estudo.
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Dois
dedos de
prosa
Paulo Santos Pompeu Apesar de gerarem uma energia classificada como limpa e renovável, a operação das centenas de usinas espalhadas pelo Brasil gera danos ao meio ambiente e tem matado milhares de toneladas de peixes. O Rio São Francisco tem oito usinas hidrelétricas em sua calha (Três Marias, Sobradinho, Apolônio Sales, Paulo Afonso I, II, III e IV, Luiz Gonzaga e Xingó) e, em 2020, o governo federal incluiu a construção de mais uma, a UHE Formoso, em Pirapora (MG). Para falar sobre esses impactos na conservação de peixes e na manutenção do pescado, entrevistamos o biólogo, mestre em Ecologia e doutor em Meio Ambiente, Saneamento e Recursos Hídricos, Paulo Santos Pompeu. Professor associado da Universidade Federal de Lavras (UFLA), ele é um dos responsáveis pelo estudo que estima grandes impactos advindos da construção da UHE Formoso, publicado no periódico científico Aquatic Conservation: Marine and Freshwater Ecosystems e assinado por dez biólogos brasileiros.
Entrevista: Luiza Baggio / Foto: Bianca Aun
Quais os principais impactos das usinas hidrelétricas para os peixes? Os impactos são muitos, mas podemos destacar os principais. O primeiro é que as hidrelétricas transformam um ambiente de água corrente em um ambiente de água parada. É bom lembrar que os peixes que vivem em um rio são adaptados à condição de água corrente e quando se muda essa condição é natural que muitos não consigam mais viver naquele ambiente. Esse é um grande impacto que está ligado ao tamanho do reservatório: quanto maior o reservatório, maior será o ambiente de rio transformado e maior será o impacto. Um segundo problema é o bloqueio de rotas migratórias de peixes. Boa parte das espécies utilizadas na pesca, como por exemplo a piaba, o surubim, o curimatã, piau, matrinxã, encontradas no São Francisco, precisam subir o rio para desovar. Então, quando elas encontram uma barragem no caminho não ocorre a desova. Por essas espécies serem as mais importantes para a pesca comercial e as mais abundantes, ocorre assim um impacto socioeconômico muito grande, visto que têm suas populações diminuídas. Vale ressaltar que não existe solução para isso. O terceiro impacto é que para gerar energia as hidrelétricas realizam o controle das cheias nos reservatórios. O ciclo de vida dos peixes depende de regime de seca e das cheias dos rios. Inclusive as lagoas marginais, importantes berçários de peixes, dependem das cheias para se conectar com o rio. O senhor é um dos autores de um estudo que aborda os desequilíbrios da construção da UHE Formoso na bacia do Rio São Francisco. Quais serão os impactos dessa nova hidrelétrica na conservação de peixes e na manutenção do pescado? Todos os impactos acima serão observados caso a UHE Formoso seja construída. O projeto dela prevê um espelho d’água grande que vai transformar quase toda a área entre Três Marias (MG) e Pirapora em ambiente de água parada. Então toda essa área deixa de funcionar como rio. Além disso, o Rio Abaeté é uma importante área de desova e, mesmo que seja
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Presidente: Anivaldo de Miranda Pinto Vice-presidente: José Maciel Nunes Oliveira Secretário: Lessandro Gabriel da Costa
Secretaria do Comitê: Rua Carijós, 166, 5º andar, Centro - Belo Horizonte - MG - CEP: 30120-060 (31) 3207-8500 - secretaria@cbhsaofrancisco.org.br - www.cbhsaofrancisco.org.br Atendimento aos usuários de recursos hídricos na Bacia do Rio São Francisco: 0800-031-1607
Comunicação
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Apoio Técnico
implantada uma escada para os peixes, eles teriam dificuldade de chegar até esse curso d’água pela extensão do reservatório. E mesmo que os peixes cheguem ao Rio Abaeté, os ovos deixariam de chegar em áreas marginais e encontrariam o reservatório. Quando um ovo alcança um reservatório que tem menos velocidade e maior transparência das águas eles são devorados. Assim, o ciclo de vida das espécies migradoras do São Francisco será profundamente alterado. O que também vai causar impacto na pesca. Abaixo de Três Marias existe uma pesca significativa que é baseada nas espécies migradoras, justamente as que serão mais afetadas pela construção da UHE Formoso. Espera-se uma grande mudança nos estoques pesqueiros da região. Na sua opinião, é possível conciliar a produção de energia em hidrelétricas com a fauna aquática? É possível amenizar os danos. No caso da bacia do São Francisco existem locais melhores e outros piores para se construir uma barragem. Pode-se gerar a mesma quantidade de energia produzindo menos danos. Toda barragem causa impacto, transformando um trecho de rio, mas existem locais mais ou menos danosos. O local escolhido para a construção da UHE é o mais adequado para uma nova hidrelétrica no São Francisco? A princípio não é o mais adequado! Não conhecemos todos os locais do São Francisco da mesma forma que conhecemos a região entre Três Marias e Pirapora. Hoje é impossível falar qual é a região mais ou menos danosa, pois faltam estudos para outras regiões da bacia. Mas o nível de estudos que já temos para a região entre Três Marias e Pirapora nos permite afirmar que é um trecho importantíssimo para a reprodução de inúmeras espécies da bacia. Por isso, a construção da UHE Formoso gera muita preocupação. Ouça o Podcast da entrevista. Acesse: bit.ly/PodTrav101 ou escaneie o QR CODE ao lado.
Produzido pela Assessoria de Comunicação do CBHSF – Tanto Expresso comunicacao@cbhsaofrancisco.org.br Coordenação Geral: Paulo Vilela, Pedro Vilela, Rodrigo de Angelis Edição e Assessoria de Comunicão: Mariana Martins Textos: Andréia Vitório, Juciana Cavalcante e Luiza Baggio Fotos: Bianca Aun, Edson Oliveira, Acervo Codevasf, Aerolevantamento CBHSF Diagramação: Sérgio Freitas Impressão: ARW Gráfica e Editora Tiragem: 5.000 exemplares Direitos Reservados. Permitido o uso das informações desde que citada a fonte. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
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