Travessia 51 – Julho 2021 - Notícias do São Francisco

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travessia Notícias do São Francisco

JORNAL DO COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO / JULHO 2021 | Nº 51

Parceria entre CBHSF e CEMIG recupera lagoas marginais no Alto SF

Estudo avalia eficiência da cobrança pelo uso da água

Devastação do Cerrado e crise hídrica: entenda a relação na entrevista com Yuri Salmona

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Editorial CRISE ÀS AVESSAS O agravamento da crise hídrica na Bacia Hidrográfica do Rio Paraná expressa sobretudo na baixa preocupante dos volumes de seus reservatórios, com sérias repercussões na Região Sudeste, foi a senha que o setor elétrico nacional precisava para centralizar unilateralmente a hegemonia das decisões hidroenergéticas no país. Através das resoluções de números 80 e 81 da Agência Nacional de Águas (ANA) e sobretudo da Medida Provisória 1.055, o setor elétrico passa a dar as cartas, de fato, na operação dos reservatórios hidroelétricos passando por cima, literalmente, de atribuições que a lei confere claramente apenas à ANA no contexto institucional do Sistema Nacional de Recursos Hídricos. Em resumo e de modo até surreal, o ente regulado passa, mesmo que excepcionalmente, a ser o regulador! Tais medidas, além de configurar uma centralização esdrúxula que violenta o princípio legal que rege os usos múltiplos

das águas é, ademais, solução a todas as luzes de qualidade absolutamente inferior àquela ou aquelas que a ANA e o Sistema Nacional de Recursos Hídricos encontrariam para a crise dos reservatórios visto que suas visões não estão inspiradas na ótica corporativa do Operador Nacional do Sistema Hidroelétrico. No que diz respeito à Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, as resoluções e a Medida Provisória são absurdamente invasivas e desconstrutoras de todo um esforço conjunto feito pelos atores da Bacia e consagrado na Resolução 2.081 da ANA, agora solenemente rasgada no fragor de uma crise que querem, em alguma medida, exportar do Sudeste para o Nordeste. Entende-se que é previsto no Sistema Interligado Nacional (SIN) que eventuais excedentes de geração de energia sejam exportados de uma região para outra conforme situações conjunturais como foi o caso, em dezembro do ano passado, quan-

do praticaram-se vazões de até 3.000 metros cúbicos por segundo na Hidroelétrica de Xingó, Rio São Francisco, apenas para gerar um excedente de energia que foi exportado para o Sudeste do país com vistas a atender a uma demanda extraordinária. Entretanto, há de se entender que há limites para as trocas dentro do Sistema Interligado uma vez que as águas não existem somente para atender a um tipo de uso, no caso o de geração de energia. Exatamente para fazer face a essa complexidade de fatores implicados na gestão das águas é que se construiu o Sistema Nacional de Recursos Hídricos e sua legislação correspondente. Portanto, passar por cima dessa construção todas as vezes que uma crise se apresenta é não somente oportunismo enganoso como também retrocesso inaceitável.

Anivaldo de Miranda Pinto Presidente do CBHSF

Você conhece os canais de divulgação do CBHSF? O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco utiliza as mais avançadas e variadas ferramentas de comunicação social: recursos audiovisuais, tecnológicos, imagéticos, sonoros, midiáticos e digitais. Essas ferramentas potencializam os resultados da comunicação e permitem seu prolongamento no tempo através do registro e documentação. Dessa forma, os produtos de comunicação também podem ser utilizados

posteriormente como material informativo e educativo por mobilizadores, comunicadores, educadores e por quem se interessa pela causa, gerando um efeito multiplicador do trabalho de conscientização e informação de qualidade sobre o meio ambiente. Conheçam os nossos canais, curtam as nossas páginas, compartilhem e nos ajudem a difundir e fortalecer o trabalho do Comitê!

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FIENPE tem nova coordenação Texto: Luiza Baggio

Os membros do Fórum das Instituições de Ensino e Pesquisa da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (FIENPE) definiram, no dia 28 de junho em reunião realizada por videoconferência, a nova coordenação e comissão científica do Simpósio da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (SBHSF). O novo coordenador do Fórum é o professor Jean Carlos Santos, do Departamento de Ecologia da Universidade Federal de Sergipe (UFS). “É com grande satisfação que assumo a coordenação do FIENPE. O conhecimento

científico é um dos pilares que devem nortear decisões técnicas sobre o futuro do São Francisco e seus afluentes”, disse Jean. A próxima edição do SBHSF contará com a coordenação do professor do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental (DESA) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Eduardo Coutinho de Paula. “O Simpósio é um evento científico que aborda temas relevantes para a bacia do Rio São Francisco. Assumir a coordenação é um desafio e espero corresponder às expectativas”, afirmou.

A comissão científica do IV SBHSF é formada a partir dos membros do FIENPE. O IV SBHSF será composto pelo coordenador do evento, Eduardo Coutinho, o coordenador do FIENPE, Jean Carlos Santos, bem como os membros do Fórum Sílvia Oliveira, Renato Garcia, Kleython Monteiro, Paulo Roberto de Moura Souza Filho, José Roberto Gonçalves de Azevedo e Melchior Nascimento. O IV SBHSF será realizado em junho de 2022. A ideia é que o evento aconteça de forma híbrida – online e presencial – na capital mineira Belo Horizonte.

Petróleo na foz do Velho Chico IBAMA anuncia recebimento de documentação do processo de licenciamento ambiental e determina que sejam abertos os procedimentos para a realização de consultas públicas Texto: Mariana Martins com informações da Sociedade Canoa de Tolda

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) comunicou, no dia 09 de junho, por meio de nota publicada em seu site, o recebimento do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) do projeto “Atividade de Perfuração Marítima de Poços nos Blocos SEAL-M-351, SEAL-M-428, SEAL-M-430, SEAL-M-501, SEAL-M-503 e SEAL-M-573, na Bacia de Sergipe-Alagoas”, que tem a ExxonMobil Exploração Brasil Ltda como empresa responsável. No dia 14 do mesmo mês, publicou o OFÍCIO-CIRCULAR Nº 22/2021 anunciando nova fase do processo de licenciamento

conjunto de diversas áreas de exploração de petróleo nos litorais de Sergipe e Alagoas, a bacia SEAL, como é denominada pela Petrobras. Em seu comunicado, o órgão licenciador determina que sejam abertos os procedimentos para a realização de consultas públicas nos municípios na zona de afetação das operações da ExxonMobil. A ExxonMobil já começou a realizar reuniões técnicas virtuais sobre suas atividades exploratórias de petróleo na região costeira da foz do São Francisco, porém os conteúdos não foram disponibilizados para acesso.

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Protocolo de Intenções entre CBHSF e CBHP visa desenvolver ações no Plano de Recursos Hídricos Texto: Deisy Nascimento / Fotos: Deisy Nascimento e Edson Oliveira Com o objetivo de desenvolver ações voltadas à implementação de programas, projetos e atividades constantes no Plano de Recursos Hídricos (PRH-SF) 2015-2026, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) e o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Piauí (CBHP) assinaram, no dia 17 de junho, um Protocolo de Intenções. O rio Piauí é um importante afluente do Rio São Francisco no Estado de Alagoas e o CBHP tem uma relevante atuação na gestão dos recursos hídricos em sua bacia. Para implementar as ações decorrentes deste Protocolo de Intenções serão celebrados Termos e Planos de Trabalho específicos, a partir de projetos e atividades aprovados pelas instâncias competentes, nos quais deverão constar: identificação do projeto ou atividade, objetivos a alcançar,

cronograma de desenvolvimento, atribuições das partes e formas de transferência e divulgação dos resultados. O Protocolo de Intenções terá vigência de 24 meses, contados a partir de sua publicação nos endereços eletrônicos dos partícipes, podendo ter a sua duração prorrogada mediante acordo firmado entre as partes. O vice-presidente do CBHSF, Maciel Oliveira, destacou a importância dessa parceria entre os dois Comitês. De acordo com ele, “esse Termo de Cooperação possibilita que o CBHSF possa trabalhar em conjunto com o Comitê do Piauí, que é o afluente mais importante do Baixo São Francisco. Essa é mais uma iniciativa do Comitê que vem realizando esse tipo de parceria com os comitês de rios afluentes para apoiar em diversas ações e projetos

que visem a gestão integrada de recursos hídricos da bacia.” De acordo com Lívia Acioly, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Piauí, esse documento é de extrema importância não só para Arapiraca como para toda bacia do Piauí. “É o estreitamento ainda maior das relações entre o CBHP e o CBHSF. O município do agreste fica feliz por ser representante do Comitê do Piauí. Agora é buscar planejar ações e projetos a favor do rio. Dentre algumas ações que pretendemos realizar está a recuperação de nascentes, melhoria do esgotamento sanitário, o saneamento. Considero esse um momento histórico para a preservação do rio Piauí e de toda bacia”. Ricardo Vieira, secretário adjunto do Meio Ambiente em Arapiraca, reforçou a fala de Lívia Acioly: “Nós sediamos a cabeceira do rio Piauí, a maior bacia que compõe essa região do rio São Francisco. Como gestor, entendo a responsabilidade de fazer com que esse processo de cooperação seja fortalecido a partir desse momento. Já estamos com algumas ações de sustentabilidade e há um projeto chamado Arapiraca Sustentável, onde irão surgir ações que visam um cuidado maior com o meio ambiente. O grande foco é fazer com que a bacia do Piauí seja recuperada e a nossa responsabilidade é fazer com que isso aconteça”. “Eu não tenho a menor dúvida de que a partir desse Protocolo de Intenções diversas ações serão feitas em benefício de toda região hidrográfica do rio Piauí trazendo melhorias para a população alagoana e criando uma melhor qualidade das águas deste importante afluente no estado de Alagoas”, finalizou Marcelo Ribeiro, advogado e membro da Câmara Técnica Institucional e Legal do CBHSF.

O secretário adjunto de Meio Ambiente de Arapiraca, Ricardo Vieira, a presidente do CBHP, Lívia Acioly, o vice-presidente do CBHSF, Maciel Oliveira e o membro da CTIL, Marcelo Ribeiro

Rio Piauí, afluente do Velho Chico

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Trecho do rio São Francisco em Manga (MG)

Estudo avalia eficiência da cobrança pelo uso da água no Rio São Francisco Texto: Luiza Baggio / Foto: Léo Boi A eficiência da cobrança pelo uso da água como instrumento de política ambiental na bacia do Rio São Francisco foi tema de um estudo realizado pelo membro do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Pedro Lucas Cosmo de Brito. O estudo foi apresentado aos membros da Câmara Técnica de Outorga e Cobrança (CTOC) por videoconferência, no dia 21 de junho. A cobrança pelo uso da água é prevista pela Política Nacional de Recursos Hídricos, instituída pela Lei nº 9.433/97. Possui os seguintes objetivos: obter verba para a recuperação das bacias hidrográficas brasileiras, estimular o investimento em despoluição, dar ao usuário uma sugestão do real valor da água e incentivar a utilização de tecnologias limpas e poupadoras de recursos hídricos. Pedro Brito mostrou que o objetivo de incentivar a racionalização é parcialmente atingido na bacia do Velho Chico. “Para alguns usuários este incentivo é total; para outros, é parcial. Há ainda os usuários que declaram não haver incentivo algum. É preciso enfatizar que a cobrança não objetiva garantir a racionalização ideal do uso da água. O fato é que há, em diferentes medidas, incentivo ao uso racional/eficiente dos recursos hídricos, como apontam as respostas ao questionário”, explica o autor do estudo que foi sua tese de doutorado no Programa de Pós-graduação em Engenharia Civil (COPPE), da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pedro Brito constatou que o objetivo da cobrança de arrecadar recursos financeiros para o financiamento de ações e intervenções contempladas no Plano de Recursos

Hídricos tem sido pouco atendido na bacia do Rio São Francisco. “Observa-se maturidade e alinhamento com a política de recursos hídricos por parte do CBHSF e da Agência Peixe Vivo na construção participativa do plano de recursos hídricos, nos planos de aplicação vinculados ao plano de recursos hídricos e no desembolso dos recursos com estrita observância aos planos de aplicação deliberados pelo Comitê. Porém, os recursos arrecadados com a cobrança são insignificantes frente às necessidades de investimentos para solucionar os maiores problemas da bacia”, finalizou. De acordo com o Plano de Recursos Hídricos vigente, somente a adequação do saneamento aos índices exigidos requer R$ 27 bilhões para o período 2016-2025. O presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, afirma que a cobrança tem uma finalidade pedagógica e preventiva. “A cobrança pelo uso de recursos hídricos é uma forma de conscientizar e de estabelecer controle sobre os excessos e desperdícios de todos os usuários desse bem limitado, que o usam em todas as atividades humanas, e ainda, na exploração para geração de energia elétrica, processos industriais, navegação, higiene entre outras tantas finalidades”, disse. A bacia do São Francisco é uma das mais relevantes do Brasil em termos de gestão de recursos hídricos, com uso preponderantemente agrícola, cuja cobrança se iniciou em 2010. Em 2019, o CBHSF atualizou os valores da cobrança que passou a incentivar boas práticas no uso dos recursos hídricos da bacia do São Francisco.

Os recursos arrecadados com a cobrança são insignificantes frente às necessidades de investimentos para solucionar os maiores problemas da bacia” Pedro Brito, autor do estudo que busca averiguar a eficiência da cobrança

Alterações da cobrança em Minas Gerais O coordenador da CTOC, Deivid Lucas de Oliveira, apresentou aos membros da CTOC as mudanças na cobrança pelo uso da água em Minas Gerais, com a publicação pelo Governo de Minas do Decreto 48.160, em março deste ano. A principal mudança apresentada pelo novo decreto é a base de cálculo para cobrança. Agora a cobrança será realizada com base nos dados de vazão outorgada e medida do exercício anterior. A base de cálculo será determinada por volume captado e consumido, carga de poluente outorgados ou por volume ou carga de poluente efetivamente medidos no ano anterior, conforme valores informados ao Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) na Declaração Anual de Uso de Recursos Hídricos. Após a definição de valores e a implementação do início da cobrança, as tarifas podem ser reajustadas anualmente, levando em consideração a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). 5


ASÁGUAS divulga Carta Aberta contra a MP Nº1.055/2021 Construída de forma participativa, a Associação dos Servidores da Agência Nacional de Águas (Aságuas) publicou a conclusão da Carta Aberta sobre a edição da Medida Provisória nº1.055/2021. O documento foi enviado à sociedade, aos representantes dos órgãos gestores interessados, aos deputados e senadores. Leia:

CARTA ABERTA À SOCIEDADE SOBRE A EDIÇÃO DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.055/2021 Na contramão do processo participativo do Sistema Brasileiro de Gestão de Águas, o Governo Federal editou em 28 de junho de 2021 a MP nº 1.055, a qual concentra o poder decisório sobre o uso dos recursos hidroenergéticos do País nas mãos do poder público federal. A instituição da Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (CREG), composta apenas por seis ministérios, a nosso ver, traz insegurança jurídica com relação à garantia dos usos múltiplos da água, instabilidade econômica e prejuízos à população, visto que os custos das medidas de monitoramento e mitigação dos impactos ambientais que venham a ser implementadas devem ser ressarcidos pelos cidadãos brasileiros. Como agravante, a MP prevê que o Presidente da CREG – o Ministro de Estado de Minas e Energia, poderá atuar ad referendum do colegiado. Dessa forma, concentra-se todo o poder decisório sobre os usos dos recursos hídricos nas bacias que têm algum tipo de geração hidroenergética nas mãos do setor elétrico, que de regulado passa a ser regulador. A despeito da importância desse setor na economia brasileira, consideramos inoportuna a referida MP, pois compromete os usos múltiplos da água, uma vez que exclui todos os demais usuários da água do processo de discussão relacionado às medidas necessárias para o enfrentamento de crises hídricas, que estão se tornando recorrentes em razão das mudanças climáticas. A nosso ver, a busca de soluções apropriadas para o enfrentamento de situações de escassez hídrica deve envolver o conjunto de interesses sobre os usos da água, e não 6

apenas aqueles do setor hidroenergético. A MP é nociva a todo o processo democrático, descentralizado e participativo que vem sendo construído desde a promulgação da Lei das Águas, Lei nº 9.433/1997, que define expressamente que a gestão dos recursos hídricos deve contar com a participação dos poderes públicos, dos usuários da água e das comunidades. A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) é a entidade federal responsável pela implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) e parte integrante do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh) e vem atuando de forma a seguir os fundamentos dispostos na Lei das Águas, de forma coordenada com os demais entes do Singreh. Existem, atualmente, mais de 230 comitês de bacias hidrográficas responsáveis, dentre outras, pela aprovação dos planos diretores de uso das águas nas bacias, pela arbitragem de conflitos, pelo debate das questões relacionadas aos recursos hídricos; são 26 conselhos estaduais de recursos hídricos, além do próprio Conselho Nacional (CNRH); e ainda órgãos gestores de águas nas 27 unidades da federação que se engajam na gestão de seus recursos hídricos, nas várias esferas de poder e graus de complexidade que esse bem público tão precioso, que é a água, exige de todos os brasileiros. Nesse sentido, a ANA, em decorrência de suas competências e atribuições legais, vem instalando salas de crise para discussão de regras operativas de reservatórios de regularização, onde, sob sua coordenação, todos os atores que têm interesse no uso da água – incluindo o setor elétrico, que se constitui em ator extremamente relevante na definição destas regras – são convida-

dos a participar. Assim, o que essa MP traz é uma afronta às instituições legalmente constituídas e ao processo democrático e participativo do sistema brasileiro de gestão das águas. Ela fere, de diversas maneiras, os princípios basilares da Política Nacional de Recursos Hídricos, bem como se sobrepõe a dispositivos já estabelecidos por Lei, como a competência para definição e fiscalização de regras de operação de reservatórios dada à ANA pela Lei nº 9.984/2000. Pelo exposto, a Associação dos Servidores da Agência Nacional de Águas (Aságuas) se opõe à MP nº 1.055/2021 e conclama toda a sociedade, em especial as instituições integrantes do Singreh e os senhores parlamentares do Congresso Nacional, que se engajem na defesa do Sistema de Gestão de Águas do Brasil e não permitindo que essa MP seja transformada em lei, pois ela põe em risco grandes avanços conquistados pela sociedade brasileira ao longo de décadas de trabalho, negociações, debates e cooperação dos entes do Singreh, os quais vêm garantindo, como determina a Lei das Águas, a gestão dos recursos hídricos de forma descentralizada e participativa. NÃO À MP Nº 1.055/2021!!! 9ª Diretoria da Aságuas


Lagoa Comprida, em Manga (MG)

Lagoas marginais do Alto São Francisco são recuperadas Projeto financiado pelo CBHSF em parceria com a Cemig analisa a qualidade das águas, da fauna e da flora em áreas do rio São Francisco que servem como berçário para peixes migradores Texto: Luiza Baggio/ Fotos: Léo Boi Preocupado com a biodiversidade e a reprodução dos peixes, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) desenvolve um projeto para recuperação das lagoas marginais da região do Alto Rio São Francisco, em parceria com a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). Para isso assinaram um Termo de Cooperação Técnica no ano de 2018 que será renovado para o período de 2021/2023. As lagoas marginais, como o próprio nome sugere, são corpos d’água localizados às margens do rio São Francisco, compondo o meio físico das planícies de inundação. Nas cheias, recebem as águas das inundações através de canais chamados de sangradouros que conectam as lagoas com o rio. Nessa época, inúmeras espécies de peixes vão até as lagoas marginais para desovar, pois elas possuem águas calmas e disponibilidade de alimentos para que os alevinos cresçam o suficiente para voltarem para o curso d’água nas próximas inundações. Assim, as lagoas marginais são responsáveis pelo aumento significativo da quantidade de vida no São Francisco. O projeto de recuperação das lagoas marginais teve início a partir do Movimento Carta de Morrinhos. “O movimento escreveu um documento de intenções, uma ‘carta-mãe’, com metas, objetivos e prazos em prol da bacia do rio São Francisco e procurou a Cemig, para que, objetivamente, fizéssemos algo pelas lagoas marginais. Elas não estavam cumprindo sua missão ecológica de permitir e preservar a reprodução dos peixes nativos”, diz o representante da Cemig no CBHSF, Renato Júnio Constâncio.

O integrante do Movimento Carta de Morrinhos, Wagner Jansen de Almeida, morador de Matias Cardoso, comenta sobre o estado das lagoas marginais antes do projeto. “Recuperar as lagoas marginais é muito importante, pois não existe vida no rio sem elas. As lagoas começaram a morrer devido a tanta degradação. O projeto veio para somar e beneficiar os ribeirinhos e toda a população do entorno”, afirmou. O projeto é dividido em três módulos: o primeiro é o acordo de cooperação técnica entre o CBHSF e a Cemig que garantiu os estudos hidrológicos e hidrodinâmicos que preveem essa operação até o fim da concessão da usina para a Cemig, no ano de 2045. “Vale ressaltar que este é um projeto inédito e inovador, e quebra paradigmas no setor elétrico e no ambiente dos Fóruns de Recursos Hídricos”, aponta Renato Constâncio. O segundo módulo contempla pesquisa e desenvolvimento de estudos sobre a integridade ecológica das lagoas marginais. Ou seja, verificando o nível ou grau da qualidade ambiental da região das lagoas marginais e, simultaneamente, apontando as soluções possíveis. “Não adianta liberar água para abastecer essas lagoas se não conhecermos a qualidade ambiental em que elas se enquadram”, acrescenta Renato Júnio Constâncio. Segundo ele, o projeto já mapeou 15 lagoas marginais entre Três Marias e a divisa de Minas com Bahia, próximo aos municípios de Manga e Matias Cardoso. O terceiro módulo é desenvolvido pelo Movimento Carta de Morrinhos que trabalha a mobilização social, fundamental para promover o “pertencimento” do projeto no

território e seus atores: ribeirinhos, pescadores e proprietários rurais. “São as próprias pessoas que atuam nesse território que fazem o trabalho de educação e mobilização ambiental. Sem a participação desses atores locais, incluindo jovens e crianças, o projeto por si só não conseguiria seguir o seu caminho”, pontua o representante da Cemig. De Três Marias a Manga Na porção da Bacia do Rio São Francisco a jusante da barragem de Três Marias, há importantes áreas de desova e desenvolvimento inicial de espécies de peixes migradoras. Nesse trecho também é expressivo o número de lagoas marginais. Em períodos de cheias, acredita-se que essas lagoas funcionem como centros de recrutamento de espécies de peixes, incluindo aquelas consideradas grandes migradoras. Entretanto, em períodos de cheias modestas, o papel dessas lagoas pode ser comprometido, refletindo-se em baixas densidades de ovos e larvas, uma vez que o regime do fluxo é um dos principais fatores que afeta diretamente a desova e o recrutamento. Por essa razão, o mapeamento da ictiofauna, a medição da qualidade das águas e a análise socioambiental na região se fazem tão necessárias. A área de alcance do projeto se estende pelos municípios de Três Marias, São Francisco, Bonito de Minas, Buritizeiro, Campo Azul, Chapada Gaúcha, Ibiaí, Jaíba, Januária, Juvenília, Lassance, Matias Cardoso, Montalvânia, Pedras de Maria da Cruz, Ponto Chique, Santa Fé de Minas, São Gonçalo do Abaeté, São Romão, Ubaí, Urucuia e Várzea da Palma. 7


Dois

dedos de

prosa

Yuri Salmona A crise hídrica brasileira foi a justificativa utilizada pelo governo para pedir que a população fizesse um uso mais consciente de água e energia. A conta de luz foi reajustada em 52% e o bolso do cidadão vai sentir o baque. E uma das causas disso tudo pode ser explicada no desmatamento do Cerrado. No coração do Brasil, o bioma abriga centenas de rios que são fundamentais no abastecimento da bacia do rio Paraná. No entanto, esses mesmos rios encontram-se em uma de suas menores vazões já registradas na história. A falta de água suficiente ameaça o país a viver um apagão, se nada for feito. Entrevistamos o geógrafo Yuri Salmona, diretor do Instituto Cerrados, ONG focada em conservação do bioma para explicar como o avanço do desmatamento no Cerrado aumenta o risco de apagão elétrico no Brasil.

Entrevista: Luiza Baggio

Conhecido como a savana brasileira, o Cerrado é o segundo maior bioma do Brasil e da América do Sul e sabe-se que sua área vem sendo devastada. Qual é a área de Cerrado desmatada hoje no Brasil? Segundo o monitoramento anual feito pelo sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre agosto de 2019 e julho de 2020 a destruição foi de cerca de 7,3 mil km², um aumento de 12,3% em relação ao mesmo período do ano anterior. Esse é um aumento preocupante visto que o Cerrado já tem cerca de 47% de sua área desmatada, de acordo com o MapBiomas, plataforma que monitora o uso do solo no Brasil, ou seja, quase metade da área do bioma não existe mais. O Cerrado ocupa 1/4 da área do Brasil, o que nos mostra que 1/8 do Cerrado deixou de existir no nosso país. São mais de 100 mil km2 desmatados. O Cerrado localiza-se em uma área com grande potencial aquífero e diversos tipos de vegetação. Quais são os impactos do desmatamento do Cerrado na oferta de água? O Cerrado é apelidado de a caixa d’água do país, pois se encontra em grande parte localizado no Planalto Central e guarda as cabeceiras de oito das 12 regiões hidrográficas do país. Além dessa característica geográfica, a vegetação do Cerrado consiste em árvores bem peculiares. Elas são pequenas e têm raízes muito profundas que permitem a infiltração da água no solo. Por isso, o Cerrado pode ser chamado de floresta invertida. Dessa forma, o bioma funciona como uma esponja que absorve, armazena e distribui água nas regiões que ocupa. Quando se desmata o Cerrado, diminui-se a capacidade de infiltração de água nos solos profundos e aumenta-se o escoamento da água superficial. Sendo assim, essas águas correm para os rios nos períodos chuvosos, aumentando a vazão. Então o desmatamento diminui a possibilidade de recarga dos aquíferos e, portanto, diminui a vazão dos rios nos períodos secos, que é quando mais precisamos de água nos rios. Além disso, muda a relação de evapotranspiração da superfície, pois a vegetação do Cerrado regula o ano inteiro a interface entre a atmosfera e o solo. Qual é o uso da água que mais impacta o Cerrado? Segundo dados da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), cerca de 69% da água consumida no Brasil vão para a agricultura e 10,41% para a pecuária. Então a agropecuária consome cerca de 80% da água captada contabilizada. Além disso, a agropecuária foi responsável pela ocupação de cerca de 43% do Cerrado e, como eu disse anteriormente, 47% do bioma foi desmatado. Então, conclui-se que a agropecuária é responsável por mais de 96% da ocupação do bioma e são os maiores consumidores de água.

travessia Notícias do São Francisco

Presidente: Anivaldo de Miranda Pinto Vice-presidente: José Maciel Nunes Oliveira Secretário: Lessandro Gabriel da Costa

Secretaria do Comitê: Rua Carijós, 166, 5º andar, Centro - Belo Horizonte - MG - CEP: 30120-060 (31) 3207-8500 - secretaria@cbhsaofrancisco.org.br - www.cbhsaofrancisco.org.br Atendimento aos usuários de recursos hídricos na Bacia do Rio São Francisco: 0800-031-1607

Comunicação

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Apoio Técnico

Como o avanço do desmatamento no Cerrado aumenta o risco de apagão elétrico no Brasil? São vários os fatores que impactam no volume dos reservatórios que geram energia. Estamos em um contexto de mudanças climáticas e não podemos atribuir essa variação apenas ao El Niño ou à La Niña. O Cerrado abriga centenas de rios que são fundamentais no abastecimento da bacia do rio Paraná, que abrange parte dos Estados de Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Goiás e o Distrito Federal. Hoje, porém, vários rios que integram a bacia vivem a menor vazão já registrada, gerando temores de um apagão no sistema elétrico brasileiro. No caso da seca atual na bacia do Paraná, há forte influência da La Niña - resfriamento periódico nas águas do Oceano Pacífico que tende a reduzir as chuvas no centro-sul do país. Porém, esses grandes fenômenos são só parte da resposta. Embora em algumas bacias as chuvas venham realmente diminuindo, a redução na vazão dos rios tem sido quase generalizada e ocorreu até em regiões do Cerrado onde as chuvas mantiveram os padrões históricos. A substituição da vegetação nativa por lavouras tem impactado o fluxo dos rios da região. Temos que pensar em ações que possam mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Cabe a nós repensar a ocupação das bacias hidrográficas, regular o uso e o consumo de água de uma maneira que todos os usuários consigam usufruir da água e que tenhamos efeitos menos severos. Existe uma alternativa para a preservação do Cerrado? O que pode ser feito para diminuir o desmatamento do bioma? O Cerrado é a savana mais biodiversa do mundo e ser biodiverso significa oportunidades. A fauna e a flora desse bioma são riquíssimas. O Cerrado produz sementes, frutos, cascas, castanhas, enfim, vários produtos que podem ser produzidos sem desmatar o bioma. Olhar os conhecimentos tradicionais é uma boa forma de manter o Cerrado vivo e ter uma boa relação com ele. As comunidades tradicionais desenvolveram modos de vida que valorizam o Cerrado de pé! E o cidadão comum pode refletir sobre a sua forma de consumo: será que o seu tipo de consumo alimenta o desmatamento?

Ouça o Podcast da entrevista. Acesse: bit.ly/PodTrav106 ou escaneie o QR CODE ao lado.

Produzido pela Assessoria de Comunicação do CBHSF – Tanto Expresso comunicacao@cbhsaofrancisco.org.br Coordenação Geral: Paulo Vilela, Pedro Vilela, Rodrigo de Angelis Edição e Assessoria de Comunicão: Mariana Martins Textos: Deisy Nascimento, Luiza Baggio, Mariana Martins Fotos: Edson Oliveira, Deisy Nascimento e Léo Boi Diagramação: Sérgio Freitas Impressão: ARW Gráfica e Editora Tiragem: 5.000 exemplares Direitos Reservados. Permitido o uso das informações desde que citada a fonte. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

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