travessia Notícias do São Francisco
JORNAL DO COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO / AGOSTO 2021 | Nº 52
Qualidade da água no Baixo São Francisco será monitorada Quatro municípios serão contemplados com projetos de esgotamento sanitário
Conheça a nova representante das comunidades quilombolas no CBHSF
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Editorial O VELHO CHICO AGRADECE! Neste mês de setembro de 2021 a atual gestão do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco –CBHSF encerra o seu mandato de quatro anos. Vai fazê-lo com o espírito e a leveza de quem cumpriu com o seu dever e se manteve à altura das expectativas que lhe foram confiadas por todos os segmentos de usuários, da sociedade civil e do poder público envolvidos na gestão das águas franciscanas. Os últimos quatro anos nada mais foram do que a continuidade de um projeto que se propôs a converter o CBHSF em experiência vitoriosa e consolidada de gestão participativa, algo que só foi possível alcançar porque o colegiado e suas instâncias diretivas praticaram um modelo de comportamento democrático que é hoje referencial para o mundo das águas em todo o Brasil. Além disso e principalmente na gestão que se finda, houve um esforço clarividente para continuar estimulando com empenho a visão e a solidariedade de bacia hidrográfica entre todos os atores do grande cenário territorial e geopolítico do Velho Chico e de todos os seus rios afluentes. Dessa forma, procurando superar os vícios do corporativismo egoísta, do regionalismo paroquial e da política partidária fisiológica foi possível registrar um avanço significativo na cultura do diálogo, da construção dos consensos e formação de parcerias em busca das ações coordenadas que serão necessárias para o alcance da segurança hídrica no decorrer do presente século do aquecimento global. Centrado na atualização e aprofundamento do alcance do seu Plano Diretor de Recursos Hídricos, aperfeiçoamento dos seus planos orçamentários plurianuais e atualização e modernização da cobrança pelo uso das águas do São Francisco, o CBHSF, através de sua liderança e de seu colegiado, construiu com ampla participação das populações ribeirinhas, dos agentes da
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economia, dos segmentos da sociedade civil, da academia e do poder público em todos os seus níveis, um sólido planejamento que é reflexo bastante fiel de tudo aquilo que deve ser feito para que possamos enfrentar os dramáticos desafios e ameaças que se apresentam para a nossa grande, diversa e heterogênea bacia hidrográfica. Não ficou o CBHSF, porém, apenas no planejamento. Ao contrário, além de licitar e colocar em execução dezenas e dezenas de projetos multifacetados encaminhados por todas as suas instâncias e devidamente analisados e aprovados procurando seguir da melhor forma a matriz de prioridades do seu Plano Diretor de Recursos Hídricos, o CBHSF também desenvolveu e aprovou a metodologia a ser seguida para a construção do Pacto das Águas em sua bacia hidrográfica a partir do entendimento de que o Plano precisa de um suporte político-institucional para, além dos limitados recursos da cobrança pelo uso das águas franciscanas, procurar respaldo nos orçamentos da União, dos Estados e dos municípios com vistas a, de fato, atender a grandiosidade das metas necessárias à gestão das águas em bacia hidrográfica que corresponde a nada menos do que 8% do território brasileiro. Mesmo sem contar ainda com a potencialidade que o Pacto das Águas poderá viabilizar, o CBHSF, contando apenas com os recursos postos à sua disposição, fez, como sempre costumamos repetir, de “um limão uma limonada”. E assim foi capaz de dar início prático a ações e projetos estruturantes ligados ao enquadramento das águas da calha central e rios afluentes, monitoramento da qualidade e quantidade das águas principalmente nos trechos mais impactados pela poluição, levantamento aéreo e atualização das captações de água nos trechos afluentes ao Reservatório de Sobradinho, elaboração de dezenas e dezenas de Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSBs), edital para escolha de municípios que se propuseram a concorrer em busca de financiamento para projetos de coleta e tratamento de esgotos, edital para instituições que se propuseram a apresentar projetos de convivência humana no semiárido, construção do sistema de informações sobre recursos hídricos –SIGA da bacia, continuidade de obras que visam atender abastecimento de água de qualidade para consumo humano em municípios e comunidades tradicionais, capacitação de irrigantes, pesquisas em aquíferos e corpos hídricos de superfície e um sem número de outros exemplos que seriam impossíveis encaixar neste espaço.
O CBHSF cresceu também na amplitude de suas relações institucionais principalmente com os órgãos públicos municipais, dos estados ribeirinhos, com quem firmou termos de cooperação em pleno andamento, ou da União. Mas não parou por aí e estreitou relações com os poderes legislativos com destaque para as comissões de meio ambiente da Câmara Federal e do Senado, sempre focado no acompanhamento de matérias de interesse da gestão participativa das águas ou do fortalecimento do Sistema Nacional dos Recursos Hídricos-SNRH. Foi também pioneiro em várias coisas, dentre elas a elaboração e colocação em prática de normas precisas para exercer, conforme prerrogativa inscrita na Lei 9.433, a competência de ser 1ª instância para a tratamento e solução de conflitos em torno do direito de uso das águas, contabilizando já vários conflitos onde o CBHSF fez com sucesso a arbitragem desses conflitos. Na defesa dos interesses gerais da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco o CBHSF exerceu e continua exercendo um papel absolutamente proativo e vigilante para que a política de operação dos reservatórios hidrelétricos e controle das vazões do Rio São Francisco não se faça em detrimento do princípio dos usos múltiplos das águas, incluído aqui o uso dessas águas para a manutenção das condições sustentáveis que possam continuar garantindo o Rio São Francisco como um ecossistema vivo. Como se vê todas essas e muitas outras atividades, intervenções, obras e ações do CBHSF compõem um quadro notável de inciativas calcadas no trabalho voluntário de dezenas de membros titulares e suplentes do Comitê, no trabalho profissional e responsável dos integrantes da Agência Peixe Vivo – que exerce as funções de braço executivo do Comitê - mas também no trabalho de dezenas e dezenas de colaboradores espontâneos que, mesmo sem pertencer oficialmente ao colegiado, se engajam de corpo e alma ao seu trabalho e constroem a gestão participativa, estratégica, compartilhada e de longo alcance que queremos ver defendida, preservada e desenvolvida nas próximas gestões do nosso grande e respeitado CBHSF!
Anivaldo de Miranda Pinto Presidente do CBHSF
Assinado acordo para a viabilização dos projetos de esgotamento sanitário CBHSF e prefeituras de Pompéu, Xique-Xique, Chorrochó e Traipu assinam Acordo de Cooperação Técnica para desenvolvimento de projetos de esgotamento sanitário nos municípios Texto: Luiza Baggio
O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) assinou um Acordo de Cooperação Técnica com as prefeituras de Pompéu (MG), Xique-Xique (BA), Chorrochó (BA) e Traipu (AL) para o desenvolvimento de projetos de esgotamento sanitário na bacia hidrográfica do rio São Francisco. A solenidade foi realizada no dia 27 de julho, por videoconferência. As prefeituras e o CBHSF atuarão de forma compartilhada e integrada na elaboração dos estudos de concepção, projetos básico e executivo de sistemas de esgotamento sanitário. Os municípios contemplados foram selecionados por meio de chamamento público lançado pelo Comitê, em abril de 2021. O presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, pontuou que a assinatura do Acordo de Cooperação visa a redução nos níveis de efluentes que acabam desaguando no Velho Chico. “A assinatura do Acordo é uma das estratégias do Pacto das Águas, em construção pelo CBHSF, para melhorar a qualidade da água na bacia. O Comitê já financiou a elaboração de PMSB [Planos Municipais de Saneamento Básico] para mais de 100 municípios da bacia e agora avança em suas ações com a elaboração dos projetos básicos e executivos de esgotamento sanitário. Retirar o esgoto da calha do São Francisco é uma ação estratégica para o futuro do rio”, afirmou.
A diretora-geral da Agência Peixe Vivo, Célia Fróes, esclareceu sobre a importância de melhorar a qualidade das águas da bacia. “Ao melhorar a qualidade da água conseguimos também aumentar a disponibilidade. Qualidade e quantidade de água é o que todos sonham para a bacia do São Francisco e nós temos nos empenhado nesse caminho”, disse. O coordenador da Câmara Consultiva Regional (CCR) Médio São Francisco, Ednaldo Campos, destacou a parceria com as prefeituras para melhorias no saneamento. “Não podemos mais permitir que esgoto in natura seja jogado no São Francisco. Saneamento básico é fundamental para a saúde das pessoas e, para o desenvolvimento do projeto, é essencial a contribuição das prefeituras, bem como a interação com a equipe da Agência Peixe Vivo”, ressaltou. Os prefeitos de Pompéu, Xique-Xique, Chorrochó e Traipu agradeceram a parceria. “Infelizmente o município de Pompéu ainda não possui tratamento de esgoto. Temos caminhado na busca por melhorias na área do saneamento e o projeto do CBHSF vai nos ajudar a avançar e é de grande valia para o município”, declarou o prefeito de Pompéu, Ozéas da Silva Campos.
O prefeito de Chorrochó, Humberto Gomes, disse que é intenção do município melhorar as questões do saneamento básico. “O CBHSF financiou a elaboração do PMSB para Chorrochó e agora fomos contemplados com a elaboração do projeto de esgotamento sanitário. É de nosso total interesse avançar nas ações de saneamento básico e agradecemos a iniciativa do Comitê”, finalizou. O Acordo de Cooperação Técnica terá a duração de dois anos. As ações serão desenvolvidas com recursos da cobrança pelo uso dos recursos hídricos da bacia do rio São Francisco.
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Relatório da III Expedição Científica Baixo São Francisco traz resultados relevantes que merecem atenção Texto: Deisy Nascimento / Foto: Edson Oliveira Durante dez dias, 50 pesquisadores participaram da III Expedição Científica Baixo São Francisco, com o objetivo de avaliar e monitorar a qualidade da água do rio na região. Além disso, foram analisados os impactos de atividades como a pesca, o turismo de base comunitária, a socioeconomia, o tratamento de água, o nível de poluentes. Foram também realizados estudos de limnologia, microbiologia, ictiofauna, hidrologia, arqueologia subaquática, saúde coletiva e bucal. A expedição resultou em um relatório de 430 páginas, entregue no mês de julho, ao Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), um dos financiadores e parceiros da pesquisa. O professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e coordenador da expedição, Emerson Soares, destacou que foram adotadas todas as medidas de segurança, em relação à Covid-19. “Trabalhamos de forma cuidadosa, dentro dos protocolos sanitários de segurança, fazendo coleta de sangue de forma recorrente para monitorar a saúde da equipe e manter todos devidamente protegidos”, disse. Quando a III Expedição foi realizada vazão do rio estava maior do que nos anos anteriores, com aproximadamente 2.400m³/s. Segundo Soares, observou-se que a intrusão salina diminuiu, reduzindo assim a incidência de espécies marinhas no continente. “Espécies de água doce que não havíamos visto nos anos anteriores ressurgiram, o que demonstra o quanto uma maior vazão é imprescindível para o Velho Chico. Observamos uma redução das macrófitas, o que ocorreu porque os níveis de alguns parâmetros físico-químicos da água diminuíram em relação aos anos anteriores. A captura de peixes também estava dificultada, pois a vazão mais alta serve de proteção natural das espécies. Na ocasião, 90% dos peixes estavam em processo reprodutivo. Em 2018 eram 65%, e em 2019, 80%. Isso mostra como a vazão mais elevada representa mais espécies para fins reprodutivos”. Ainda assim, foi verificado uma série de problemas. “Os níveis de coliformes fecais continuam altos, apesar de terem baixado em relação aos anos de 2019 e 2018. Observamos a formação de novas ilhas e mais assoreamento com quedas de barrancos”, disse Emerson. Metais pesados De acordo com o relatório, houve uma redução dos metais pesados nas águas sanfranciscanas em relação aos anos anteriores. Entretanto, Emerson Soares chama a atenção para a cidade de Piranhas (AL), onde 4
os níveis de contaminantes estão um pouco mais elevados. “Piranhas é o primeiro município que recebe a carga da hidrelétrica de Xingó. Ali foram identificados problemas genotóxicos com os peixes, principalmente em se tratando de espécies como o tucunaré e a pirambeba. Isso é problemático do ponto de vista da saúde porque pode trazer uma grande carga de contaminantes para quem consome o produto”, explicou. Três regiões no baixo Os pesquisadores identificaram três regiões distintas ao longo do baixo São Francisco. O trecho que vai de Piranhas a Pão de Açúcar, o que vai de Traipu até Igreja Nova, e a região entre Penedo e Piaçabuçu. De acordo com eles, há três características importantes em termos ecossistêmicos no baixo São Francisco. “Tais diferenças podem ser decorrentes da morfologia do rio, influência de culturas na condição da água, maior ou menor densidade populacional, fatores que influem como impactos no ambiente. Há ainda, claro, a salinidade que afeta o trecho mais próximo da foz”, disse Emerson Soares.
Novidade: Saúde bucal Dentre as ações sociais realizadas pela equipe da III Expedição Científica, foi feito um trabalho de avaliação da saúde bucal de crianças de seis, sete e oito anos em todos os municípios visitados, com o objetivo de verificar a incidência de cáries. “Os resultados estão contidos no relatório, cujo maior objetivo é mostrar aos gestores municipais e estaduais o que pode ser melhorado no que se refere ao meio ambiente e à população”, disse Emerson Soares. Para o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, Anivaldo Miranda, o relatório representa a continuidade de uma missão que requer um espaço de tempo prolongado para que os seus resultados atendam de fato aos objetivos do estudo. “Essa parceria entre o Comitê e a UFAL na realização da Expedição Científica que já está caminhando para a quarta edição é fundamental, pois tudo que é estudado, colhido durante as ações e trazido através de resultados irá colaborar tanto na execução de ações e projetos voltados ao rio São Francisco quanto na melhoria das comunidades ribeirinhas e do meio ambiente”, finalizou.
Baixo São Francisco contará com programa de monitoramento da qualidade da água Texto: Deisy Nascimento O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), a Agência Peixe Vivo e a Universidade Federal de Alagoas (UFAL), assinaram, no final do mês de julho, um Acordo de Cooperação Técnica para o monitoramento e o biomonitoramento da qualidade da água do rio São Francisco. A solenidade foi realizada por videoconferência. O programa visa não apenas monitorar a água, mas também biomonitorar as espécies que se encontram no rio. “Com esse acordo, inicia-se um trabalho para o estabelecimento de um programa perene a favor da preservação do rio São Francisco”, disse o gerente de Projetos da Agência Peixe Vivo, Thiago Campos. De acordo com o presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, a articulação é para que se possa replicar esta experiência nas outras regiões do São Francisco. “Não fosse a pandemia, teríamos replicado a expedição científica, por exemplo, no submédio, pois houve muito interesse em colocar este projeto em prática na região. As ações do Comitê são de diversas ordens e nossa preocupação é ter políticas corretas na execução
dos planos. O importante de tudo isso é que essa cooperação técnica entre o Comitê e as instituições de ensino superior está em pleno desenvolvimento. Quero destacar os trabalhos realizados pelos pesquisadores das universidades federais de Alagoas, Bahia e Sergipe que, pouco a pouco, estão se articulando para fazer dos desafios no São Francisco estudos e pesquisas, que vão auxiliar o Comitê no sentido de subsidiar, por meio da ciência, tomadas de decisão em relação a projetos e ações, garantindo segurança hídrica para o rio. Que todos possam unir seus esforços para que tenhamos o mínimo de condições de garantir melhores condições ao nosso rio e às futuras gerações. Essa cooperação técnica trará muitos frutos”. “O rio São Francisco não é um problema apenas do Nordeste, mas do país inteiro. Não dá para separar a causa ambiental da questão social, e por isso é tão importante que trabalhemos de forma integrada”, afirmou o reitor da UFAL, Josealdo Tonholo. A vice-reitora da UFAL, Eliana Cavalcanti, destacou a importância da cooperação. “Estamos muito felizes de participar
desse momento. O rio está sendo degradado, mas existe um grupo que está lutando pela sua preservação. Parabéns a todos vocês que viram carranca para defender o Velho Chico e estão fazendo acontecer. A assinatura deste termo vai valer muito a pena. O caminho é esse e assim construiremos uma história. É a vida do planeta e a subsistência das pessoas”. O coordenador da Expedição Científica e professor da UFAL, Emerson Soares, revelou: “Estamos em negociação com a Netflix para a realização de um documentário sobre a expedição científica. É um momento histórico e de grande relevância para nós e para o Velho Chico”. “Nosso papel é o de executar as demandas do Comitê e essa é muito importante. Nos encheu de esperança! Quando começamos a trabalhar vamos nos envolvendo e essa parceria com a UFAL é essencial e também um grande desafio. O resultado dos trabalhos está acontecendo dentro da legalidade e, de forma técnica, faremos nossa parte”, finalizou Célia Froes, diretora da Agência Peixe Vivo. 5
Com acesso à água, comunidade Pankará já pode voltar a plantar Texto: Juciana Cavalcante / Fotos: Azael Gois, Cícera Leal e Edson Oliveira
A disponibilidade de água viabilizou a instalação de tanques para a criação de peixes
Foram instaladas 96 placas solares para geração de energia
Sistema de Abastecimento de Água instalado pelo CBHSF na Aldeia Serrote dos Campos
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Há pouco mais de dois anos a Aldeia Serrote dos Campos, em Itacuruba (PE), onde vive a comunidade indígena Pankará, foi beneficiada com a construção do Sistema de Abastecimento de Água, o que vem garantindo, desde então, água tratada nas torneiras. A obra, financiada integralmente pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, mudou a vida de centenas de famílias que dependiam há mais de uma década de carros-pipa para ter acesso à água. Agora, a comunidade avança mais ainda e para subsidiar o funcionamento do sistema, instalou uma usina de placas solares, que serve como fonte de energia para o SAA. Com um gasto médio de R$ 3 mil por mês, agora com a energia gerada através das 96 placas que têm capacidade de gerar até 4.500 kw por mês, a conta com os custos de manutenção zerou nos últimos meses. “Já é possível sentir a diferença na conta. Acredito que a energia gerada pela usina solar tem toda a possibilidade de fazer enorme diferença em nossas vidas, assim como a água que chegou e nos permitiu qualidade de vida, como a garantia da geração de energia. Poderemos também cultivar alimentos de qualidade e em quantidade”, afirma a Cacique Cícera Leal. A junção da disponibilidade de água somada à redução com os custos para manter o sistema também está viabilizando a instalação de tanques com capacidade de 10 mil litros de água para a criação de peixes. Ao todo, são oito tanques que recebem água do Rio São Francisco, através da captação feita pela adutora. Além disso, a água captada vai possibilitar o cultivo de alimentos. Segundo Cícera, está em implantação uma Cacique Lucélia Leal
horta comunitária pelo sistema de aquaponia, que é a junção da produção de vegetais sem solo (hidroponia) e da produção de organismos aquáticos, no caso, peixes (aquicultura). Nela, é realizado o aproveitamento da água e do efluente da piscicultura, utilizados para irrigar as plantas. Com um sistema de recirculação, a água não é jogada fora: após passar por tratamento biológico onde a matéria orgânica vinda dos peixes é transformada em nutrientes para as plantas, ela é disponibilizada para as hortaliças, passando por suas raízes, e volta para o tanque de peixes. “Com o Sistema de Abastecimento de Água que chegou para nós através do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, além de podermos ter água em nossas torneiras, também voltamos a plantar e colocar em ação o projeto de recaatingamento. Agora podemos produzir em acordo com o bem viver com o rio, e isso significa uma mudança também econômica que pode possibilitar ainda uma fonte de renda para a comunidade. E é importante dizer que essa mudança só é possível graças ao sistema de abastecimento, portanto, temos muito a agradecer a todos do CBHSF que ousaram sonhar junto com a gente e tornar tudo isso realidade”, pontuou a Cacique Lucélia Leal. Atualmente com cerca de 400 indígenas na Aldeia Serrote dos Campos, o Sistema de Abastecimento de Água foi projetado para atender a comunidade Pankará por um período de 20 anos, considerando o crescimento populacional da aldeia que, segundo a estimativa, no ano de 2034 a tribo contabilizará em torno de 741 habitantes. Cacique Cícera Leal
Piaçabuçu, AL
Conflito pelo uso da água em Piaçabuçu é encerrado pela CTIL Texto: Luiza Baggio/ Fotos: Azael Gois O município de Piaçabuçu (142 km de Maceió) enfrenta um conflito pelo uso da água desde dezembro de 2015, que vinha sendo mediado pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), por meio da Câmara Técnica Institucional e Legal (CTIL). A seca e a consequente redução da vazão do São Francisco fizeram com que o mar invadisse ainda mais o leito do rio, tornando a água doce que abastecia a cidade, salgada. Entre as inúmeras consequências da salinização para o ecossistema do rio, ela se reflete também na saúde da população. Observou-se um aumento de casos de hipertensão entre os moradores, inclusive entre os mais jovens. Na última reunião da CTIL, realizada no dia 26 de julho por videoconferência, os membros foram unânimes na votação pelo encerramento do conflito em Piaçabuçu. E a solução do conflito veio de uma parceria entre a Companhia de Saneamento de Alagoas (CASAL) e o CBHSF. A CASAL construiu uma nova captação de água para abastecimento da cidade através de uma adutora com seis quilômetros de extensão e o CBHSF financiará a construção de um tanque pulmão para tratar da problemática do fornecimento descontínuo de água que atinge o município. Devido à salinização,
a CASAL fazia duas paradas diárias, com duração de quatro horas cada, durante os picos de salinidade da água. “A instalação de novo reservatório vai garantir melhor eficiência e qualidade no abastecimento de água no município”, esclareceu o relator do processo de conflito pelo uso da água em Piaçabuçu, Marcelo Ribeiro. O Comitê também financiou a construção da estrada vicinal no povoado de Resina, em Brejo Grande, região da foz do Rio São Francisco, do lado do estado de Sergipe. A estrada já foi entregue ao povoado e permite o acesso adequado para o escoamento da produção local e melhores condições para o deslocamento das pessoas. “A Companhia de Desenvolvimento de Recursos Hídricos e Irrigação de Sergipe (COOHIDRO) vai perfurar um poço profundo que levará água de qualidade para a comunidade de Resina” afirmou Marcelo Ribeiro. Outro conflito pelo uso da água mediado pelo CBHSF desde 2019 é o da bacia do Rio Grande (BA). O conflito se deve à falta de água para a população dos municípios de Catolândia e Barreiras, locais onde ocorre grande número de pequenos barramentos, o que faz com que alguns tenham acesso à água em detrimento de outros.
O relator do processo de conflito pelo uso da água no Rio Grande, Cláudio Ademar, informou que o consórcio intermunicipal de Catolândia e Barreiras fez um diagnóstico econômico e socioambiental dos municípios com o apoio logístico do CBHSF. “Caminhamos para a solução do conflito que teve um atraso muito grande devido à pandemia. Acreditamos encerrar até o final deste ano”, disse. O coordenador da CTIL, Luiz Roberto Porto Farias, explica que a Câmara fará um relatório sobre cada conflito para encaminhar à Diretoria Colegiada (DIREC) e posteriormente ao Plenário do Comitê. “Vamos nos reunir no mês de agosto para aprovar o relatório com o encerramento do processo de conflito com as devidas recomendações à COHIDRO, visando a perfuração do poço na comunidade de Resina, no estado de Sergipe, e assim concluir o conflito com êxito. Também vamos produzir um relatório parcial do conflito pelo uso da água no Rio Grande para que os próximos integrantes da CTIL e diretoria do CBHSF fiquem cientes do processo”, explicou, visto que os novos membros e diretoria do Comitê tomam posse em setembro.
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Dois
dedos de
prosa
A bacia do rio São Francisco abriga diversas comunidades tradicionais como quilombolas, indígenas, fundo de pasto, pescadores artesanais, vazanteiros, geraizeiros, entre outros. São essas comunidades as principais responsáveis pela continuidade e manutenção de culturas e histórias que são patrimônio do Velho Chico. Apesar disso, ainda vivem dentro de um processo histórico de condições desiguais, isolamento geográfico e cultural, tendo pouco acesso às políticas públicas de cunho universal. Na contramão, entendendo a importância e a força das comunidades tradicionais, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) criou, em 2015, um espaço na sua estrutura de funcionamento, instituindo a Câmara Técnica de Comunidades Tradicionais (CTCT), onde as principais questões desses povos são debatidas. Além disso, entre 2013 e 2021 o Comitê desenvolveu diversos projetos voltados para as comunidades tradicionais da Bacia do Velho Chico e prevê ainda a elaboração de novas ações em mais localidades. Integrando a nova composição do CBHSF, a educadora social Xifroneze Santos foi eleita representante titular das comunidades quilombolas. A eleição aconteceu no dia 22 de julho, em Maceió (AL), onde foram escolhidos por voto representantes dos povos quilombolas dos estados de Alagoas, Sergipe, Pernambuco, Bahia, Goiás e Minas Gerais. Dois representantes, um titular e um suplente, passam a ser membros do Comitê pelos próximos quatro anos. Xifroneze Santos é originária do quilombo Carnaíba, situado no município de Canhoba, em Sergipe, e atua há 18 anos na luta pelo quilombola.
Xifroneze Santos Como é a sua relação com o rio e o que ele representa para a sua comunidade? O Rio São Francisco representa a vida, para mim e para minha comunidade. Sem o rio São Francisco afirmo que não temos condições de continuar, de ser o povo que somos. Esta é a primeira vez que assume uma cadeira no CBHSF. Como e porque decidiu assumir este compromisso? O que te motiva? Sim, é a primeira vez que tomo assento no Comitê. Eu decidi assumir este compromisso porque o CBHSF é um espaço de decisões da vida do São Francisco. O rio é onde vivemos, e o nosso povo construiu a riqueza desse país – os negros e todas populações tradicionais da bacia do São Francisco. Somos um povo que garante a continuidade da nossa natureza e cuidamos da nossa terra, assim como cuidamos do nosso bem maior, que é a água. E o que me motiva é garantir a nossa participação nesse espaço de decisão política, porque sabemos o quanto o rio está sendo assoreado, sucateado pelos grandes empresários, grandes latifundiários e se nós não tomarmos a decisão de denunciar, barrar essa situação perante aos órgãos de controle que tem a obrigação de fiscalizar e impedir certas questões, a gente vai sumir, nosso rio vai sumir. Ouça o Podcast da entrevista. Acesse: bit.ly/PodTrav107 ou escaneie o QR CODE ao lado.
Entrevista: Juciana Cavalcante
travessia Notícias do São Francisco
Presidente: Anivaldo de Miranda Pinto Vice-presidente: José Maciel Nunes Oliveira Secretário: Lessandro Gabriel da Costa
Secretaria do Comitê: Rua Carijós, 166, 5º andar, Centro - Belo Horizonte - MG - CEP: 30120-060 (31) 3207-8500 - secretaria@cbhsaofrancisco.org.br - www.cbhsaofrancisco.org.br Atendimento aos usuários de recursos hídricos na Bacia do Rio São Francisco: 0800-031-1607
Comunicação
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Apoio Técnico
Como representante do povo quilombola, o que pontuaria de mais urgente a ser feito pelas comunidades tradicionais? Como representante das comunidades quilombolas e dos povos tradicionais eu diria que se faz necessário, em caráter de urgência, barrar todas as licenças ambientais que o estado autoriza para a construção de resorts, por exemplo. Quem está construindo suas riquezas de forma exagerada, sem considerar as vidas que ali existem, não está preocupado com a natureza. Então, cabe a nós que estamos aqui denunciar e levar essa pauta para as autoridades. E para isso precisamos do coletivo e o Comitê da Bacia do Rio São Francisco vem para fortalecer as demandas das comunidades tradicionais. Por isso estou aqui, para dar continuidade ao trabalho da companheira Sandra, irmã quilombola que estava nesse conselho. Agora, junto com os demais irmãos, a gente vai continuar lutando pela garantia da vida e nesse sentido estou à disposição para construir, debater e denunciar as questões que afligem o São Francisco. Vivemos em um país onde o agronegócio, o latifúndio, comanda a vida das pessoas e dos animais, da própria natureza. E assim, lutando e participando desses espaços de discussão, a gente constrói. Agora com assento no CBHSF quais serão as defesas a serem encabeçadas especificamente para a comunidade quilombola? Reflorestar as margens do rio São Francisco, ver as questões das áreas que estão assoreadas, apoiar projetos de desenvolvimento para as comunidades quilombolas, garantindo sua continuidade. A gente precisa dizer para os órgãos que estão na bacia que é preciso parar, por que, por exemplo, como pode o órgão que determina a liberação das licenças ambientais facilitar para as grandes empresas a construção de empreendimentos que agridem a natureza? E isso acontece na surdina, sem consultar as comunidades. Nós não somos nada dentro desse processo. Então, é preciso que estejamos ocupando esses espaços para denunciar e nos fortalecermos com outras vozes. Temos grandes gargalos a serem resolvidos dentro dos Estados da bacia do São Francisco. E como representante do povo quilombola deixo esse recado para toda a sociedade: vamos juntos dar as mãos e denunciar, além de refletir que, às vezes, quem está na cidade não pensa o quanto o campo é importante. E se o homem do campo, a mulher do campo não planta, a cidade não janta. E plantar não é de qualquer jeito, é plantar com cuidado sem destruir o solo, os rios, outras vidas.
Produzido pela Assessoria de Comunicação do CBHSF – Tanto Expresso comunicacao@cbhsaofrancisco.org.br Coordenação Geral: Paulo Vilela, Pedro Vilela, Rodrigo de Angelis Edição e Assessoria de Comunicão: Mariana Martins Textos: Deisy Nascimento, Juciana Cavalcante e Luiza Baggio Fotos: Azael Gois, Cícera Leal e Edson Oliveira Diagramação: Sérgio Freitas Impressão: ARW Gráfica e Editora Tiragem: 5.000 exemplares Direitos Reservados. Permitido o uso das informações desde que citada a fonte. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
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