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melhor elucidadas

implementação de medidas que possam prever este dano (GOLDIM 2002 & INSTITUTE SERVIER, 2001).

No caso da exploração da água do Sistema Aquífero Urucuia, dada a complexidade técnica em estabelecer objetivamente os efeitos concretos de sua superexploração, é salutar que as ações de uso da água e de uso do solo nas suas áreas de recarga sejam pautadas pelo princípio da precaução.

8.2 Impactos da retirada de água das bacias, a escassez hídrica, implicações sobre as vazões de Sobradinho e apontamentos de questões a serem melhor elucidadas

Conforme descrito no item 7.3, as bacias dos rios Grande, Corrente e Carinhanha vêm apresentando significativa redução nas suas vazões ao longo dos últimos 45 anos. A Figura 8.1 apresenta os hidrogramas das estações fluviométricas localizadas a jusante dessas bacias desde o ano 1977. É possível ver claramente a redução das vazões de base nos três principais rios, que contribuem para a manutenção do volume da UHE Sobradinho através do rio São Francisco.

Figura 8.1 – Hidrogramas observados em estações fluviométricas com séries longas de dados localizadas a jusante nos rios Grande, Corrente e Carinhanha.

Muito se discute a respeito dos impactos das demandas e, mais precisamente, daquelas utilizadas para a irrigação sobre as reduções observadas das vazões nos exutórios dessas bacias. Contudo, observase pelos hidrogramas e no Quadro 8.1 que as reduções estão ocorrendo também com relação às vazões médias e, até mesmo, sobre as vazões máximas, o que não poderia ser atribuído à irrigação, já que essas ocorrem nos períodos chuvosos.

A redução da vazão média apenas na Bacia do rio Carinhanha, cuja área irrigada é muito menor do que as demais, da década de 1980-1989 para a de 2010-2019, é de 77 m³/s e, conforme apresentado no item 7.1, a demanda total das três bacias somadas é de, aproximadamente, 57 m³/s. Somandose as reduções na mesma comparação temporal para as três bacias, tem-se uma redução total na vazão média afluente a Sobradinho de 253,2 m³/s, valor similar à média do próprio rio Grande no período de 1977 a 2020, como mostra o Quadro 8.1.

Quadro 8.1 - Principais vazões características calculadas para as estações fluviométricas próximas aos exutórios das bacias em diferentes intervalos anuais.

Estações Período Vazões de referência (m³/s)

Qmlp Q7,10 Q95 Q90 Q50 Q10 TR 5 anos TR 10 anos TR 25 anos TR 50 anos

Juvenília (Carinhanha) 1977 2020 128,3 56,3 64,1 74,0 115,2 195,3 387,6 452,1 533,5 593,9 1980 1989 165,7 97,6 106,0 110,3 147,4 240,4 481,7 535,0 602,3 652,2 1990 1999 137,3 87,3 94,4 97,3 122,2 190,8 396,6 464,0 549,1 612,3 2000 2009 114,7 72,9 79,3 82,2 102,2 166,4 292,9 324,0 363,4 392,6 2010 2019 88,7 50,4 56,0 59,2 79,9 129,2 290,3 336,1 394,0 436,9

Estações Período Vazões de referência (m³/s)

Qmlp Q7,10 Q95 Q90 Q50 Q10 TR 5 anos TR 10 anos TR 25 anos TR 50 anos

Porto Novo (Corrente)

Boqueirão (Grande) 1977 2020 200,5 105,5 116,5 129,2 189,7 281,0 532,8 612,9 714,0 789,1 1980 1989 243,2 162,4 177,5 186,1 218,6 327,2 624,5 699,6 794,5 864,9 1990 1999 207,7 135,4 146,5 153,1 189,8 278,1 535,7 616,8 719,2 795,2 2000 2009 182,1 114,5 127,6 133,7 165,7 252,5 424,6 472,1 532,1 576,6 2010 2019 150,3 89,6 99,5 106,1 135,1 216,1 387,5 423,3 468,4 502,0

1977 2020 271,5 143,5 163,7 178,6 257,7 376,6 586,6 673,9 784,3 866,2 1980 1989 306,7 199,4 215,1 224,5 282,3 407,2 694,6 805,9 946,6 1050,9 1990 1999 276,9 179,0 192,4 201,2 257,6 365,1 623,0 714,6 830,2 916,0 2000 2009 257,5 151,2 169,0 179,3 238,8 362,1 470,7 504,6 547,4 579,1 2010 2019 223,4 132,0 148,9 155,4 200,7 322,3 397,7 418,2 444,1 463,4

A explicação mais provável para as reduções observadas nessas ordens de grandezas, e que ocorrem tanto para as mínimas quanto para as máximas, é a redução gradual da precipitação ao longo das últimas décadas na região. Isso pode ser observado na Figura 8.2, que apresenta as médias móveis e linhas de tendência das precipitações anuais em algumas das estações com mais dados em cada bacia. Apesar das mesmas estarem localizadas mais a jusante, reduções da precipitação também vêm sendo observadas nas cabeceiras das bacias.

Uma vez que as vazões médias e máximas são as responsáveis pelo enchimento do reservatório de Sobradinho após períodos de escassez hídrica, deve-se levantar a questão se as bacias estão passando por um processo de mudança ou de variabilidade climática. A estação Boqueirão, no rio Grande, possui dados desde 1933 e sua observação permite verificar que períodos de forte estiagem já ocorreram na década de 50 e início dos anos 60, como mostra a Figura 8.3.

Figura 8.2 – Médias móveis e linhas de tendência da precipitação acumulada anual para postos nas três bacias de interesse.

Figura 8.3 – Hidrograma observado na estação Boqueirão (46902000) no rio Grande. Foi inserida uma linha vermelha perto da marca de 160 m³/s para auxiliar a interpretação.

Contudo, apesar de a redução da precipitação ser um dos principais condicionadores para a redução da vazão média, tal fato não deve ser usado para menosprezar possíveis impactos das demandas para irrigação, principalmente em épocas de seca. Pelo contrário, a redução da precipitação e dos volumes dos rios deve servir de alerta para que a gestão dos recursos hídricos permita o uso consciente e sustentável das águas.

Localmente, principalmente em sub-bacias de grande demanda hídrica e mais a montante como a do Rio Branco e De Ondas, obteve-se certa dificuldade em representar as vazões de base dos hidrogramas observados através da modelagem, utilizando o modelo do tipo chuva-vazão. Essa dificuldade pode ter sido ocasionada pela não naturalidade dessas vazões de base, que são mais fortemente impactadas pelas retiradas. O excesso de demandas concentradas associado a situações de estiagens mais severas podem impactar fortemente na disponibilidade hídrica, levando a casos de conflito entre usuários.

As bacias dos rios Grande, Corrente e Carinhanha vêm passando por um processo de alteração da paisagem e nas maneiras de plantio ao longo das últimas décadas. A partir dos dados mapeamento de pivôs centrais elaborados pela ANA e Embrapa Milho e Sorgo (2019) foi feito o gráfico apresentado na Figura 8.4, que mostra a evolução quantitativa e espacial da utilização desse tipo de manejo desde 1985 nas bacias. Percebe-se o grande salto no número de pivôs a partir dos anos 2000 e o forte aumento das áreas pivotadas a cada novo mapeamento.

Figura 8.4 – Evolução do número de pivôs e da área ocupada por esses nas bacias dos rios Grande, Corrente e Carinhanha. De acordo com os dados levantados por sensoriamento remoto no presente trabalho, a soma das áreas ocupadas por culturas irrigadas e pivôs nas bacias é de 3.497 km². As mesmas estão localizadas majoritariamente nas porções superiores das bacias e próximas a foz no caso do rio Corrente, como mostraram os mapas 6.1 e 6.2. Já as áreas ocupadas por lavouras de sequeiro e pastagem nas imediações das irrigadas somam em torno de 26.420 km², como mostra o Quadro 8.2. Esses valores indicam que, a julgar pela área disponível no entorno e pela tendência no aumento do número de pivôs, pode ainda haver um grande aumento da demanda para irrigação, em virtude da substituição de lavouras de sequeiro e pastagem por culturas irrigadas.

Quadro 8.2 - Áreas irrigadas ou pivotadas e das lavouras de sequeiro ou pastagens próximas às irrigadas.

Bacia Cultura irrigada e pivôs Lavouras sequeiro/pastagens (áreas de maior concentração)

Carinhanha Corrente Grande Total 183,44 km² 778,78 km²

1.091,97 km² 2.221,94 km² 3.497,36 km² 7.807,54 km² 17.834,65 km² 26.420,96 km²

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