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Terras Indígenas dominadas pelo mundo capitalista

Já é uma conformidade para diversos dicionários o significado da palavra “território” - grande extensão de terras, áreas delimitadas e sob posse de um indivíduo -, tendo, ainda, sua raiz etimológica se remetendo no direito de posse de um espaço físico. Carrega em seu sentido, sobretudo, uma relação emocional com o ato de territorializar, havendo foco na invasão e na ameaça da população não pertencente ao local. Ademais, seu significado foi acrescido de valor e visões simbólicas - sentimentais e psicológicas - sendo os principais o sentimento de pertencimento e a visão da sua cultura sendo valorizada pelos intrínsecos do grupo. Dessa maneira, ao debatermos sobre as invasões de terras indígenas no começo da colonização da América Latina, é necessário ressaltar que os nativos não perderam apenas suas áreas, mas também parte da história de sua tribo da própria identificação pessoal-grupo. Para Rogério Haesbaert, geógrafo humano brasileiro, o entendimento de território - em sua obra “O mito da Desterritorialização”- desdobra-se ao longo de um continuum que vai da dominação político-econômica mais “concreta” e “funcional” à apropriação mais subjetiva e/ou “cultural simbólica” (HAESBAERT, 2004, p. 95-96). Pensamento semelhante ao dos autores Boligian e Almeida, que consideram a área de terras como um local de experiências e onde há a relação dos seres com a natureza, que alimentam os sentimentos e o simbolismo pelo espaço, garantindo, assim, a identidade social e cultural. No país tupiniquim, a perda de terras indígenas iniciou-se com a colonização europeia, que visava o enriquecimento da metrópole através da invasão, do genocídio dos habitantes nativos e da escravização. Ao longo da história do Estado, tenta-se reparar os danos e os maus feitos contra os povos originais, por meio da promulgação de alvarás, leis, fundações e estatutos. Entretanto, muitos destes, mesmo estando oficialmente no legislativo, não são seguidos e respeitados, aumentando ainda mais a luta pela reparação histórica indígena.

Os primeiros registros de documentos a favor dos nativos foram as Cartas Régias de 1609 e 1611, as quais declararam que esses eram livres, tinham direito a um salário pelos serviços prestados e o direito à terra, em que não poderiam ser retirados do seu

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local contra sua vontade. Porém, o marco inicial dos direitos indigenistas foi, somente, em 1680, com a promulgação do Alvará Régio, pela Coroa Portuguesa, o qual ressaltou que os indígenas eram senhores de seus domínios. Em meio ao regime Sesmarial -distribuição de terras, com o objetivo de reduzir os gastos da Coroa com as colônias-, os direitos promulgados anteriormente não eram respeitados, pois, devido ao sistema econômico e territorial vigentes, quanto mais terras houvesse, maior seria o lucro para os europeus. Para reforçar o valor dos alvarás promulgados, criaram-se a Lei Pombalina (1755) - “(...) Os índios no inteiro domínio e pacífica posse das terras ... para gozarem delas por si e todos seus herdeiros.” - e o Diretório dos Índios (1758). Ambas defendiam o ideal do nativo ter sua própria terra e ser livre na colônia em que vivia. Apesar das diversas provisões criadas no período colonial - e nenhuma ter sido efetivamente respeitada -, os direitos dos indígenas foram esquecidos de serem incluídos na primeira Constituição do Império do Brasil, em 1824, com a independência do país. O ato de banalização e negligência desses direitos em uma parte importante da história mostra como os líderes não buscavam incluir os povos originários como pertencentes ao país em que eles são os nativos. Foi apenas com a reforma da Carta Magna, em 1834, que os “privilégios” supracitados passaram a incorporá-la, visando a integração das nações autóctones através da imposição da religião Católica Apostólica Romana. Para os povos indígenas, a promulgação da Lei de Terras, em 1850, era algo contraditório. O regulamento estipulava que as áreas dos naturais do Brasil não seriam terras devolutas - terras públicas sem destinação pelo Poder Público e que em nenhum momento integraram o patrimônio de um particular -. Todavia, elas seriam consideradas esse tipo de região em situações como: o uso dessas para a colonização dos grupos, ao invés das reais terras desocupadas serem utilizadas. Dessa forma, os aldeamentos povoados não eram considerados espaços públicos, mas os territórios que pertenciam ao Estado e formaram povoados eram devolutas. Por conseguinte, foi apenas na Constituição da República Federativa do Brasil de 1934 que as questões dos indígenas foram mencionadas, por meio da defesa a respeito da retenção das terras ocupadas e a incorporação indígena à sociedade brasileira. A partir de então, os direitos silvícolas evoluíram a cada ano, chegando em seu ápice na Constituição Federal de 1988, no período pós ditadura militar e redemocratização, com a garantia de posse de terras, o seu usufruto exclusivo dos

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recursos naturais e o reconhecimento dos povos nativos com o direito originário às áreas brasileiras. Além da progressiva inclusão das garantias indígenas no judiciário brasileiro, a criação da Funai - Fundação Nacional do Índio -, em 1967, propiciou a proteção e promoção dos direitos desses povos. O órgão é responsável pela delimitação, demarcação, regularização fundiária e registros de terras. Em vista disso, em 08 de janeiro de 1996, foi inteirado o Decreto n°1.775, do qual estabelece procedimentos, como demarcar fisicamente o território com marcos e placas. São nove as etapas de identificação de uma demarcação indígena, por meio do Poder Executivo: estudos de delimitação, contraditório administrativo, declaração dos limites, demarcação física, levantamento fundiário, homologação da demarcação, retirada de ocupantes não-índios, registro das terras demarcadas e interdição da área para proteção dos povos indígenas. Ademais, há diferentes classificações de áreas indígenas, sendo estas as reservas dos autóctones (terras doadas de outros, destinadas à posse permanente dos povos), terras dominantes (propriedades indígenas) e interditadas (áreas interditadas pela Funai para a proteção dos povos que vivem nela). Em contrapartida com todas as medidas constitucionais conquistadas, as invasões de terras indígenas estão tendo um aumento expressivo nos últimos anos, possuindo destaque no atual governo. Segundo dados do CIMI - Conselho Indigenista Missionário -, em 2016 houve 59 invasões e em 2017, 96. Já nos anos de 2018 e 2019, 109 e 256 invasões respectivamente. O aumento constante das atividades voltadas para o desenvolvimento econômico do país é um dos principais motivos de conflitos envolvendo as áreas demarcadas - sendo intensificado pela ausência de políticas eficientes e a negligência do Estado -, podendo acarretar em diversas mortes, perda de aldeias e impactos socioambientais. Dentre essas, pode-se destacar o garimpo ilegal, a indústria madeireira e as atividades agropecuárias, “novas” obrigações que caracterizam um novo colonialismo, que visam o enriquecimento. O garimpo ilegal é caracterizado pela exploração, mineração ou extração de substâncias minerais em áreas não autorizadas para tal ação, com maior ocorrência em terras nativas. São muitos os impactos negativos dessas explorações, como desmatamento, erosão, contaminação hídrica, alteração do ecossistema e poluição por metais pesados. A cada ano a invasão para fins lucrativos das áreas indígenas aumenta, chegando ao equivalente a 500 campos de futebol no meio da Amazônia em 2020 - segundo dados do relatório Cicatrizes na Floresta - Evolução

Carolina P. Lucca Leonara G. de Souza

do Garimpo Ilegal na Terra Indígena Yanomami (TIY) -. Tal aumento, durante a pandemia, de aproximadamente 30%, deve-se pelo afrouxamento das leis de proteção e, até mesmo, incentivo à atividade supracitada. Do qual é comprovado, por exemplo, com a legalização da atividade de exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em receber indígenas, por meio do Projeto de Lei n° 191/20, sendo fortemente incentivado pelo atual governo. Outro fator que causa conflito com os povos indígenas é a atividade agropecuária, por ser uma das principais e mais constantes ocupações econômicas do Brasil. Como antes visto, o relaxamento das leis em relação ao agronegócio, desencadeia a infração dos limites territoriais dos autóctones- gerando conflitos armados. A exemplo disso, pode-se citar o acontecimento chamado de “Dia do Fogo”, ocorrido em 2019, realizado através de convocações no aplicativo Whatsapp. Do qual, sucedeu-se por queimadas criminosas efetuadas por fazendeiros, visando a utilização da área para a pastagem de gado. Outrossim, além dessas questões, a maior preocupação dos indígenas é com os projetos de leis que prejudicam a preservação de sua cultura e desmerecem seus direitos conquistados. Como exemplo, a mais polêmica PL 490 criada em 2007 e conhecida também, como Marco Temporal. Dessa forma, essa determina que zonas pertencentes aos nativos, seriam apenas aquelas ocupadas por eles desde 5 de outubro de 1988, e sendo assim, necessária comprovação que aquelas terras seriam deles no dia da promulgação da Constituição Federal, ação que não é necessária atualmente. Além do mais, flexibiliza o contato com povos isolados, proíbe a ampliação de áreas já demarcadas e permite a exploração de territórios indígenas por garimpeiros.

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