Ano 8 ı Número 30 ı Trimestral ı Julho 2020
Entrevista com João Faustino, Presidente da CEFAMOL A Covid-19: forte catalisador de mudança nas políticas industriais Economia e indústria em tempo de Covid-19
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N OTÍCIAS “É PRECISO RESILIÊNCIA, POLIVALÊNCIA E CONFIANÇA PARA O SECTOR ENFRENTAR ESTE PERÍODO” Eleito para mais um mandato à frente da CEFAMOL, João Faustino deixa uma mensagem de esperança aos associados, num momento em que a economia mundial se debate com um dos mais graves problemas de sempre, como consequência da Covid-19. O administrador da TJ Moldes assegura que a Associação vai continuar, como até agora, empenhada em procurar soluções para apoiar a indústria de moldes a encontrar soluções, dar a volta, prosperar e recuperar a posição de notoriedade mundial que vinha mantendo nos últimos anos.
Como é que a Associação projeta fazer isto? Vai fazer um levantamento das principais prioridades junto dos seus associados…?
Acaba de ser eleito para mais um mandato à frente da CEFAMOL. Quais serão as metas e as prioridades que tem esta Direção para a Associação?
Em relação à indústria de moldes: como é que está, neste momento, face à pandemia de Covid-19 que afeta o mundo inteiro?
A CEFAMOL vai continuar, como até aqui, empenhada em apoiar os seus associados e ajudá-los a ultrapassar este momento que é muito complicado. Face aquilo que está a acontecer ao sector por causa da pandemia, temos de definir uma estratégia que permita às empresas resistir às dificuldades económicas que vão ter pela frente. Num momento em que as encomendas são escassas e aquelas que existem têm, muitas vezes, contratos muito penalizadores para os produtores, teremos de encontrar uma forma de nos adaptar em função daquilo que vai sendo o dia a dia. Em novembro de 2019, quando a Associação realizou o Congresso da Indústria de Moldes não se imaginava que uma coisas destas fosse acontecer. Desse encontro, saíram algumas conclusões e linhas de ação muito específicas e definidas. O objetivo desta Direção é seguir essas linhas orientadoras. No entanto, neste momento, haverá outras prioridades que importa definir para apoiar as empresas a ultrapassar este período.
Sabemos que no caso das empresas clientes dos associados da CEFAMOL, neste momento, a atividade é reduzida e com muitas indefinições para o futuro. Ao nível das empresas do sector, esta era normal (dentro das circunstâncias de mercado existentes) no início da pandemia, mas com o evoluir da solução, foi ficando cada vez mais reduzida. Haverá uma ou outra que não sinta as coisas desta forma, mas a maioria, por aquilo que vamos percebendo, tem tido uma curva decrescente em termos de ocupação de equipamentos. E é assim porque muitas destas empresas trabalham, não apenas para a indústria automóvel como para outros sectores, pois esta crise é transversal. Ou seja, sectores que nada têm a ver com a indústria automóvel estão também a sofrer com esta pandemia, pelo que têm também diminuído as suas encomendas nos fornecedores habituais e locais.
O nosso objetivo é, agora, enquanto nova Direção definir prioridades e bases de trabalho e, em função delas, ir analisando, concretamente, quais as que devemos reforçar e trabalhar mais intensamente. Vamos manter a fórmula que já tínhamos criado, com a definição de grupos de trabalho responsáveis por determinados pelouros e áreas. Vamos dar prioridade à continuidade desses grupos, ao trabalho que foi desenvolvido em cada um deles de modo a integrá-los e acrescentar novos métodos, novas propostas. O mais importante para o sector, neste momento, é ter trabalho. Claro que é importante a forma como ele é feito, mas, por mais eficaz que seja o método de o fazer, de pouco serve se ele não existir. Por isso, primeiro temos de conseguir conquistar trabalho. Para tal, temos vindo a definir um plano estratégico pós-Covid, no sentido de tentar voltar a ocupar a posição de destaque que tínhamos, a nível mundial, antes da pandemia. Esta deve ser, para já, a nossa grande batalha: da CEFAMOL e de todos os seus parceiros.
ADAPTAÇÃO Que desafios se colocam aos produtores de moldes portugueses? Em primeiro lugar, os produtores de moldes necessitam de trabalho. Mas trabalho no qual o preço seja compatível com o que se faz. A perceção que tenho é que as empresas, se aceitarem as propostas de trabalho que vão surgindo no mercado, não vão ter, no final, dinheiro para pagar contas. E face a isto, o que podemos fazer? Temos de nos adaptar. Não há outro caminho. Temos de nos capacitar para fazer mais, melhor e em menos tempo. E é preciso que passemos essa imagem de dinâmica para o exterior. É necessário que, com a bandeira da CEFAMOL e a imagem de Portugal, consigamos fazer um marketing muito forte nos vários países que são nossos clientes normais. Temos de lhes dizer que estamos vivos, mas sobretudo que estamos fortes. Que sabemos e queremos fazer. A nossa concorrência não está, apenas, em Portugal. os nossos grandes concorrentes são, na maioria das vezes, os fornecedores locais dos países que nos compram moldes. Neste momento, essas empresas estão a ser os nossos maiores concorrentes porque, tal como nós, também não têm atividade. A pandemia veio alterar muitas regras do jogo. A indústria de moldes nacional tem uma dependência muito grande da indústria automóvel… Não nos podemos esquecer que a indústria automóvel, com todo o seu crescimento, quer em modelos, quer em número de veículos, alimentou a indústria de moldes durante muitos anos. Teve um crescimento acima do normal, ao qual foi possível responder porque as nossas empresas tiveram capacidade de se adaptar às necessidades dos construtores e também aos requisitos que, diariamente, o sector automóvel nos ia colocando. As empresas portuguesas tiveram capacidade de fabricar mais, de tecnicamente ir ao encontro daquilo que eram necessidades da indústria automóvel, nomeadamente na área da inovação, e isso fez com que o crescimento fosse fluindo. De há dois anos para cá, desde 2018, começámos a sentir a crise da indústria automóvel. Foi colocado em causa um conjunto de valores, o que levou muitas das empresas a repensar o seu modelo de negócio, ponderando se deviam construir automóveis a diesel, gasolina, elétricos ou híbridos. Isso fez com que houvesse uma grande interrogação entre os construtores automóvel e as empresas de moldes começaram a sentir a redução de encomendas. A Covid-19 veio condicionar todo o processo de definição que estava em curso, aumentando a estagnação. Agora, ninguém sabe como vai acabar. A indústria de moldes portuguesa trabalha, na sua grande maioria, para este sector e, por isso, sente tanto esta estagnação. Os produtores de moldes nacionais não conseguem reduzir essa dependência? Desde há muitos anos que a CEFAMOL tenta criar alternativas ao sector automóvel. Recordo que no plano estratégico que foi desenhado até 2020, foram definidas
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seis áreas de competência, todas elas muito alinhadas no plano de ação do cluster “Engineering & Tooling”. Para além da indústria automóvel, contemplava áreas como a embalagem, a aeronáutica, os componentes ou dispositivos médicos. O problema que encontrámos foi que, em muitos desses sectores, era difícil conseguir entrar devido à necessidade de um esforço contínuo e consistente das empresas, o que requer um forte investimento, mas também a existência de barreiras à entrada e um lobby muto forte em algumas destas áreas. Mas procurámos abordar, ainda assim, outras indústrias. Fizeram-se várias missões a diversos mercados, participações em feiras, visitas a potenciais clientes ou potenciais grupos compradores, tudo no sentido de alargar a nossa capacidade. Desde o ano passado, temos estado a trabalhar em colaboração com o Governo e a AICEP, de forma a conseguirmos estruturar esta abordagem a grandes grupos internacionais. Não tem sido fácil, mas vamos continuar este esforço. Este é um caminho que se faz caminhando.
CONFIANÇA Que alternativas existem para os produtores de moldes? Neste momento, estamos a tentar perceber quais são e onde estão. Há, sobretudo, uma indefinição muito grande e um desconhecimento enorme sobre o futuro. Mas vamos ter de mudar e rapidamente. A polivalência será uma das características que temos de reforçar. Sabemos que há clientes que até têm moldes para fazer. Mas são poucos para as necessidades. Os clientes sabem isso e ditam o preço. E temos de ter, por outro lado, a garantia de que estamos a produzir moldes para empresas que tenham capacidade de nos pagar. Depois, estamos dependentes do arranque normal de toda a atividade, não só da indústria de moldes, mas da economia como um todo. Isso só vai acontecer quando as pessoas tiverem confiança e segurança no dia de amanhã. Enquanto isso não acontecer, a economia vai permanecer estagnada. Que mensagem gostaria de deixar aos associados da CEFAMOL? A mensagem que deixo é para todo o sector, não apenas para as empresas e empresários, mas para todos: É preciso resiliência, compreensão e confiança para conseguir ultrapassar este período. E é necessário também que as empresas consigam ter flexibilidade e polivalência. Vou dar um exemplo: o preço dos moldes que está no mercado não paga os custos de produção. Ora, se tivermos prazos muito curtos, teremos de ter, nas empresas, uma estratégia que permita concretizar isso. Não creio que as empresas consigam, nesta fase, ter custos adicionais de produção. Por isso, é preciso encontrar aqui soluções que permitam continuar a trabalhar, a cumprir com os clientes, mas de forma a não pôr em causa a vida das empresas. Se não for assim, corremos o risco de entrar numa competição desleal que vai trazer muitos problemas graves a todos.
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MARKET REPORT
MOULDING EXPO: PREPARATIVOS PARA 2021 JÁ GANHAM BALANÇO “Tendo especialmente em conta os desafios do momento, a Moulding Expo pode impulsionar a indústria no próximo ano, reunindo todos os players novamente, num só lugar”, afirmou Florian Niethammer, diretor de equipa. “Os expositores interessados já podem garantir a localização do seu stand sem compromisso - a reserva apenas se tornará vinculativa com o aviso de confirmação do respetivo stand”, acrescentou.
A Moulding Expo é considerada o evento mais importante para a indústria de moldes e ferramentas na Europa. A cada dois anos, em Estugarda (Alemanha), empresas de moldes e ferramentas, bem como os seus fornecedores, apresentam o seu portefólio numa das mais fortes regiões industriais europeias, disponibilizando a potenciais parceiros de negócios e clientes uma visão geral dos seus mais recentes produtos e processos produtivos inovadores.
O melhor que a indústria de moldes e ferramentas e os seus fornecedores podem oferecer, estará reunido na Moulding Expo, sendo esta a 4.ª edição da feira, entre 8 e 11 de junho de 2021, e cujos preparativos já estão a ganhar balanço. A CEFAMOL já se encontra a preparar a participação coletiva de empresas portuguesas nesta e noutras ações internacionais.
FAKUMA REALIZA-SE ONLINE COM A FAKUMA-VIRTUAL Outros serviços e ferramentas serão igualmente disponibilizadas de modo a garantir o pragmatismo do evento, desde logo um motor de busca temático que permitirá aos visitantes encontrarem correspondências para os seus negócios com base nas palavras-chave que inserirem e a possibilidade de enviarem aos expositores pedidos de cotação (request for quotation) personalizados, de modo a que possam, mutuamente, encontrarem as melhores soluções de negócio.
Depois de anunciado o adiamento do evento para o próximo ano, os agentes promotores da feira internacional de processamento de plásticos Fakuma agiram em prol da realização da mesma, mas virtualmente, permitindo aos expositores exibirem as suas inovações em showrooms virtuais e atrativos, bem como a possibilidade de recorrerem a apresentações auxiliadas por webcast.
«Estamos convencidos de que a Fakuma-Virtual oferece uma alternativa promissora para a reunião de informação sobre tendências industriais, de uma forma descomplicada, mesmo no contexto atual», referiu Oliver Cyrus, responsável de Relações Públicas e Publicidade na Igus GmbH, um dos promotores da feira.
PLANO DE PROMOÇÃO INTERNACIONAL 2021 FEIRAS INTERNACIONAIS NPE
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ENCONTROS BILATERAIS Plastics Meetings Lyon Automotive Meetings Queretaro Automotive Meetings Madrid
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MARKET REPORT
A Covid-19: forte catalisador de mudança nas políticas industriais
José Ferro Camacho Professor de Economia e Gestão no IADE – Universidade Europeia
1- Introdução As políticas de curto-prazo em curso destinam-se a preservar empresas, empregos e rendimentos, atuando do lado da procura e da oferta. Contudo, a Covid-19 tornou-se um poderoso catalisador de mudança de longo-prazo. Os elementos estruturantes desta mudança são prévios à pandemia e os planos para a sua implementação não nasceram de um dia para o outro e podem corresponder a uma “verdadeira mudança de paradigma”1. Ambos refletem impulsos poderosos nos domínios geoestratégico, político, económico e social, latentes ou em curso, que foram agora acelerados pela pandemia. Os volumes financeiros divulgados quer na Alemanha, quer ao nível da Comissão Europeia são fortes sinais exemplificadores dessa importância.
2- A China como oponente estratégico Impulsionada no início do século com a adesão às regras da OMC (Organização Mundial do Comércio), a China exibiu um espetacular desenvolvimento através de uma industrialização orientada para a exportação. Entramos agora numa nova fase. Os problemas criados pela forma como o país geriu a pandemia e a perceção de dependência médico-sanitária da China em bens, que embora de baixa ou média tecnologia, eram determinantes no combate de vida ou de morte à pandemia, veio criar um ambiente comunicacional e político propício à aceleração destas mudanças. A relação da União Europeia com a China evoluiu de 1) uma parceria estratégica para 2) a visão de um concorrente económico em busca de liderança tecnológica, de um rival sistémico que promove modelos alternativos de governança. Há um ano a UE devia “procurar vigorosamente condições mais equilibradas e recíprocas que governem as relações económicas” com a China. Atualmente, “deveríamos evitar a dependência excessiva em sectores estratégicos construindo stocks de materiais críticos. Também precisamos de reduzir e de diversificar as nossas cadeias de fornecedores”. Ou, nas palavras da ministra alemã Christine Lambrecht2 , “é imperativo proteger a estrutura económica do nosso país durante a crise e impedir a venda ou a dissolução de empresas importantes”. Esta linha
inclui ainda a discussão sobre a criação de campeões europeus em sectores em que a escala é fundamental para manter a capacidade de competição com a China, como no caso da fusão Siemens-Alstom no domínio do material circulante e dos sistemas de sinalização. Para os EUA, a China é um rival que desafia a liderança americana e passou a ser objeto de contenção em todos os domínios: segurança, economia, tecnologia e governança, quer no âmbito das relações internacionais, quer nos modelos nacionais de governo. A guerra comercial dos últimos anos deve ser integrada nesta combinação de instrumentos de contenção. Esta perspetiva não sofrerá alterações nos fundamentos-base numa próxima presidência, qualquer que seja o protagonista.
3- Uma nova política industrial No ocidente, as políticas industriais continuaram presentes embora com designações como indústria 4.0, internet das coisas ou digitalização. E, no entanto, permanecem fatores de insatisfação que se tornaram mais evidentes nos últimos anos: • Mal-estar nos mercados de trabalho; • Dificuldades na criação de emprego qualificado na indústria e em serviços associados; • Dinâmicas de crescimento baixas; • Ritmos insuficientes na transformação produtiva; • Reduzidos ganhos de produtividade; • Transformação dos sistemas políticos, com a emergência de nacionalismos e de populismos parcialmente associados a esta insatisfação. Acresce que as cadeias de fornecimento, organizadas em termos de custos, eficiência e tempo, exibiram o seu risco e a sua vulnerabilidade com a Covid-19. Contudo, as perspetivas europeia e chinesa da política industrial têm sido opostas. A europeia foi caracterizada pela sua natureza horizontal assente na criação de enquadramentos favoráveis à inovação, sem promover escolhas tecnológicas, com uma abordagem abrangente que inclui produção e serviços associados. A chine-
sa desenvolveu-se de forma vertical através da escolha pelo Estado de indústrias e de tecnologias específicas a promover. Esta perspetiva chinesa associada a um stock monetário elevado impulsionou políticas agressivas de aquisição de empresas no estrangeiro, que são objeto de crescente oposição. Um novo impulso para esta discussão teve lugar na Alemanha. “As estratégias de política industrial estão a pasar por um renascimento em muitas partes do mundo; dificilmente existe um país de sucesso que dependa exclusivamente e sem exceção das forças do mercado para realizar suas tarefas” (Peter Altmaier, Fevereiro de 2019, atual Ministro Federal dos Assuntos Económicos e da Energia). É muito improvável que uma política industrial europeia retorne a uma visão top-down de escolhas políticas direcionadas, como aliás as críticas ao documento do ministro alemão demonstraram. Isto significa que tudo será feito para acomodar iniciativas como a publicitada pela Alemanha, com seu pacote de EUR 600 mil milhões, na lógica dos instrumentos políticos europeus em implementação. E, no entanto, algo vai mudar no papel das políticas públicas. A implementação de uma política industrial só por si implica o desenvolvimento de uma maior autonomia estratégica da Europa, reivindicada ao longo dos anos por intervenientes-chave. Contudo, esta abordagem será insuficiente sem uma intervenção mais incisiva na correção de práticas predatórias externas direcionadas para o acesso a tecnologias, nos novos equilíbrios na avaliação das práticas de responsabilidade social e sustentabilidade de Estados e empresas presentes no comércio internacional, num reforço das iniciativas para trazer de volta mais produção industrial ou para diversificar cadeias de fornecimento.
4- Europa: as transições gémeas e os instrumentos de regulação internacional “A Europa sempre foi a casa da indústria. Durante séculos, foi pioneira na inovação industrial e ajudou a melhorar a maneira como as pessoas em todo o mundo produzem, consomem e fazem negócios”3. As grandes linhas da política industrial da atual Comissão Europeia organizam-se em torno de duas transições gémeas: a ecológica e a digital. A Europa deverá aprofundar a abordagem circular na produção e transformar a localização (europeia) numa oportunidade para trazer mais produção industrial de volta à UE em alguns sectores. A nova estratégia industrial é empreendedora, apoiada por um novo foco nos ecossistemas industriais, integrando todos os participantes de uma cadeia de valor. Esta política integra os seguintes fundamentos para a transformação: 1. O aprofundamento do mercado digital único direcionado para as PME;
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2. A criação e a manutenção de uma competição global equilibrada pela criação de uma caixa de ferramentas de defesa dos mecanismos de comércio; 3. O suporte à indústria para a neutralidade climática; inclui a criação do Carbon Border Adjustment Mechanism para lidar com as diferentes abordagens mundiais e integrá-las nas regras aplicadas aos fluxos de comércio; 4. A construção de uma economia mais circular; 5. A implementação de uma estratégia de inovação industrial; 6. A qualificação e a requalificação, para o recrutamento e da retenção pela indústria de mão-de-obra qualificada. Convém sublinhar, porque exibe as diferenças, algumas particularidades dos pontos 2 e 5. A manutenção de uma competição global equilibrada (2) ganha instrumentos operacionais e legislativos que parecem responder a um novo posicionamento, mais exigente, no comércio e no investimento internacionais e que incluem: A. O Instrument on Foreign Subsidies, para enfrentar os efeitos da distorção causada por subsídios estrangeiros no mercado único da UE e para preparar as bases para uma proposta legislativa em 2021; B. O International Procurement Instrument que tem como objetivo fortalecer a posição da UE ao negociar o acesso de empresas da UE aos mercados de compras públicas de países não pertencentes à UE e a esclarecer a situação legal de licitantes, bens e serviços estrangeiros que participam do mercado da UE; C. O Chief Trade Enforcement Officer será responsável por monitorizar e fazer cumprir os compromissos de desenvolvimento sustentável de países terceiros; espera-se que tenha autoridade para avaliar o cumprimento das obrigações ambientais e laborais nos acordos comerciais já em vigor; dispõe do poder para sugerir a imposição de taxas de reequilíbrio contra países terceiros que violem as suas obrigações, que a Comissão pode adotar; D. O regime de análise dos investimentos diretos estrangeiros que salvaguardará os interesses da Europa por razões de segurança e de ordem pública; E. O reforço do controlo das fronteiras e do papel das alfândegas. A implementação de uma estratégia de inovação industrial inclui, entre outros tópicos: A. O lançamento em 2021 do European Innovation Council (já em fase piloto) para identificar as tecnologias da próxima geração, acelerar sua aplicação comercial e ajudar a apoiar a rápida expansão de start-ups; B. A criação de roadmaps sectoriais para a transformação digital e ecológica; C. O incentivo à inovação para aproveitar ao máximo as economias de escala, velocidade e gama associadas a ganhos de produtividade;
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D. A inovação e a experimentação baseadas na localização, que enfatiza a dimensão territorial da inovação, concentrando-se em ecossistemas de inovação baseados em locais e que leva em consideração o conceito de especialização inteligente (smart specialisation); E. O apoio à elaboração de tecnologias facilitadoras essenciais que incluem a robótica, a microeletrónica, a computação de alto desempenho e as infraestruturas de computação em nuvem, as cadeias de blocos, as tecnologias quânticas, a fotónica, a biotecnologia industrial, a biomedicina, as nanotecnologias, os produtos farmacêuticos e as tecnologias e materiais avançados; F. A procura nos programas da UE de sinergias entre as indústrias civis, do espaço e da defesa para a utilização mais eficaz dos recursos e das tecnologias e para realizar economias de escala.
5- Portugal: uma proposta preliminar de estratégia industrial para o sector A criação de uma estratégia envolve tempo, muito tempo, e a mobilização dos atores-principais. Contudo, é possível falar do enquadramento e de algumas ideias-chave que tomam o exemplo do percurso de sectores industriais, o seu caráter marcante para o desenvolvimento regional e a melhoria das condições de vida da população e as linhas fortes das estratégias industriais que se anunciam como ponto de partida. Em primeiro lugar, uma proposta de estratégia industrial agrega a história e a situação atual, mas integra igualmente uma visão das condições competitivas e da sua dinâmica futura e articula as políticas públicas previstas no espaço geográfico pertinente, como impulsos e instrumentos de suporte à transformação produtiva.
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Em segundo lugar, articular uma visão sectorial com políticas horizontais conduz-nos a uma abordagem matricial da política industrial, que procure a intersecção entre os domínios horizontais das políticas públicas, com as linhas verticais que representam as competências-chave - tecnológicas, de gestão e relacionais - e as estratégias sectoriais e empresariais dos moldes, ferramentas especiais e plásticos. Em terceiro lugar, os instrumentos operacionais implementados pelas políticas europeias, nomeadamente os ecossistemas industriais, as alianças industriais e a especialização inteligente são adequados e conhecidos do sector e do cluster. Estas abordagens podem ser também particularmente articuladas com estratégias de desenvolvimento da natureza regional e, desta forma, promoverem a mobilização dos atores políticos locais e regionais presentes no território. É possível equacionar três domínios estratégicos: 1- O desenvolvimento do ciclo de vida do sector e do cluster
a) Pela continuação do progresso e da extensão do ciclo de vida do sector através de ganhos de eficiência e produtividade atribuíveis a uma maior automatização e ao uso amplo de ferramentas digitais, que em simultâneo também acomodam o défice de mão-de-obra qualificada e da sua capacidade de atração; b) Pela melhoria contínua de posicionamento junto de clientes pela adoção ativa de competências e práticas inovadoras no produto e no processo; c) Pela implementação de roadmaps sectoriais para a transformação digital e ecológica, através dos instrumentos europeus em implementação;
d) Pelo aprofundamento e pela extensão da dimensão coletiva da competitividade e dos fatores diferenciadores promovendo a cooperação em domínios ainda não explorados. A coopetição aparece como resposta associada à exploração de uma nova posição competitiva, que inclui o progresso para atividades de valor superior nas cadeias de valor, a ganhos de escala ou gama, à entrada em novos mercados, geográficos ou de produto, a ganhos de posição, à redução de custos na aquisição de bens e serviços ou ao desenvolvimento e à exploração de novas trajetórias tecnológicas; e) Pelo contínuo esforço de diversificação de mercados - que a Covid-19 veio sublinhar como possível – nos domínios dos moldes e dos plásticos, pela identificação de barreiras passadas e pela consequente redução à exposição ao sector automóvel; f) Pela experimentação ativa e agressiva de novas abordagens tecnológicas não só no domínio das tecnologias aditivas ou híbridas, como também, por exemplo, no maior uso de nanotecnologias e de outros materiais avançados com o objetivo de alcançar a liderança internacional nalgumas áreas.
2- Promoção, desenvolvimento e internacionalização de um forte sector de serviços associados
Um sector de serviços associados desenvolvido robustece a eficiência e a capacidade inovadora da indústria, aumenta o valor acrescentado, gera e capta emprego qualificado. Ao longo da sua vida, e acompanhando a dinâmica de desenvolvimento e de transferência de competências e responsabilidades por parte dos seus clientes, o sector expandiu o portefólio de áreas de conhecimento e negócio. Existem já experiências bem-sucedidas de autonomização de serviços e de negócios. Avançar nesta direção necessita de escala, que não pode ser alcançada localmente, e de projeção internacional capaz de atrair iniciativas empresariais e quadros qualificados. Exemplos: tecnologias avançadas de produção, engenharia, design, industrialização, prototipagem ou simulação e impressão 3D.
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3- Desenvolvimento ativo de iniciativas empresariais de diversificação Uma avaliação vertical e/ou horizontal de conhecimentos e competências existentes permite perspetivar a capacidade de criar negócios e gerar sinergias inovadoras direcionadas para as áreas estrelas da política industrial europeia, mobilizar a capacidade empreendedora local e atrair empreendedores internacionais.
6- Conclusão Esta nova abordagem europeia à estratégia industrial é uma oportunidade única para promover uma estratégia de longo-prazo para o sector e para a região e tem o potencial para mobilizar a atenção dos principais intervenientes. Os instrumentos postos em marcha, a caixa-de-ferramentas associada, responde a diversas solicitações que ao longo dos anos as empresas e o sector introduziram e é adequada ao cluster que ao longo dos anos fortaleceu os relacionamentos necessários e desenvolveu as competências no uso das ferramentas conceptuais e operacionais que são agora mobilizadas. Também neste domínio a Covid-19 mostrou ser um poderoso catalisador.
_____________ 1 - Em Setembro de 2018, Annegret Kramp-Karrenbauer (CDU), na altura sucessora designada da chanceler de Ângela Merkel, havia anunciado uma ‘verdadeira mudança de paradigma’ na política industrial em entrevista ao Frankfurter Allgemeinen Sonntagszeitung. 2 - Ministra da Justiça e da Proteção do Consumidor 3 - Comissão Europeia, A New Industrial Strategy for Europe, 10.03.2020 (primeiro parágrafo do documento).
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Economia e indústria em tempo de Covid-19
Vítor Ferreira Diretor Executivo Startup Leiria/ Docente Politécnico de Leiria
Muitos empresários, gestores e portugueses têm hoje em mente como preocupação a definição de qual caminho seguir nos tempos vindouros. Vamos tentar escamotear este problema interligando as perspetivas macro (da economia) e micro (referentes à gestão das nossas empresas no sector dos moldes ou outros). Primeiro o que não fazer. Há muitas vozes neste contexto a falar sobre o endividamento do Estado e o risco do défice. Convenhamos que este é o momento para potenciar a dívida pública e não ter medo de um défice. Comecemos por uma analogia com uma empresa – o gestor que garantiu, em 2019, uma excelente autonomia financeira (a percentagem do ativo que é financiada por capital pertencente à própria empresa) tinha no início desta crise uma vantagem para fazer face a necessidades de endividamento (evitando o sobre-endividamento) e apresentaria um risco menor perante um credor. Desta forma, no seu leque de opções estaria o aumento do endividamento (sobretudo se o custo deste fosse baixo). Para muitos gestores esta foi uma inevitabilidade que permitiu continuar as operações (e que até pode ter sido garantida por apoios estatais, com bonificações) ou mesmo modernizar a empresa (recorrendo a alguns programas nacionais e, futuramente, europeus). O Estado português não tem uma boa autonomia financeira (a dívida pública é das maiores da Europa), mas tem
um credor com uma “taxa bonificada” – por enquanto o BCE tem mandato para comprar dívida, o que significa que as yields da dívida portuguesa a 10 anos estão sensivelmente nos 0,5%. Ora, sendo esta essencialmente uma crise do lado da procura (porque as pessoas em todo o mundo ficaram em casa e/ou desempregadas), o Estado deve assegurar que essa procura não caia a pique, garantido rendimentos e apoios (esta a chamada política contra cíclica – a título de curiosidade, nos anos da troika, tivemos uma política pró cíclica, que criou efeitos ainda mais negativos do que o natural, dado o efeito multiplicador do consumo final e intermédio). Estes apoios serão garantidos através deste défice financiado a juros baixos (enquanto é possível!) e sobretudo com a ideia de que o país crescerá 4% a 7% no ano seguinte, aliviando a pressão nas contas públicas). Se o Turismo que vale 12,5% do PIB não arrancar tão rápido, será esta também uma oportunidade para apostar em outras áreas em que Portugal tem potencial exportador (evitando o agravar do défice da balança comercial). Tal como na analogia da empresa, os apoios europeus serão fundamentais para reforçar os investimentos nas fileiras mais competitivas da economia portuguesa, que estavam já em recessão devido aos efeitos das guerras comerciais e da instabilidade política (casos como o calçado, têxteis e, em boa parte, alguma indústria de moldes e plásticos).
Este será um momento ímpar para potenciar o investimento na digitalização industrial e na reconfiguração de alguns modelos de negócios para uma maior sustentabilidade – se a revolução digital está a sentir-se na nossa indústria (não ainda em toda), a revolução verde não é ainda suficientemente disseminada ou adotada. Esta constitui igualmente uma oportunidade para Portugal e, sobretudo, para a indústria de moldes e plásticos se posicionar face aos ventos que sopram de Bruxelas trazendo boas novas sobre uma eventual aposta na substituição de cadeias de valor da China, aumentando a independência industrial da UE. Se soubermos investir (sim, investir em crise!), poderemos ter uma maior fatia dos fornecimentos industriais de valor acrescentado no seio da europa, aproveitando os clusters que temos desenvolvido nos últimos anos. Não esquecer que este investimento tem de ser feito de forma “inteligente”. Na verdade, é isso que “supostamente” os Governos fazem. daí ter sido criada uma “estratégia de especialização inteligente” e uma RIS3 (ligadas ao QREN e depois ao P2020), uma rede de Centros de Inovação e Tecnologia e uma política de clusters (governados) que visam melhorar as áreas em que temos potencial para ser mais competitivos. Deste modo, o investimento não deve ser generalizado, mas sim em áreas que podem gerar mais valor acrescentado (isto numa lógica de rede e integração, porque algumas áreas são fornecedoras de outras). Assim, o investimento pode ser feito em moldes (somos bons), mas em software, automação, digitalização, prototipagem virtual etc. Em calçado, mas também em máquinas e software e novos materiais nesta indústria. Em papel, madeira, floresta, mas também em máquinas, sensores, software para gestão florestal, processamento, etc., etc. No mar
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(mas em turismo, pescas, redes, software, aquacultura, biotecnologia), e assim por diante. Na verdade, este tipo de investimento está e esteve a ser feito nos últimos 12 anos, com resultados aquém do esperado. Continuamos a ter um grave problema, porque não temos empresas que capturem maiores fatias de valor e não gerámos campeões internacionais. Somos fornecedores altamente qualificados em algumas áreas, mas a maior fatia de valor, dentro da cadeia de valor, fica para cliente da empresa de moldes/plásticos que é dono da propriedade intelectual (das marcas, patentes, distribuição, dados sobre os consumidores finais). E aqui a aposta dos diversos governos parece ter falhado. Será esta uma altura então para conseguir inverter isso. Finalmente uma ideia sobre crises económicas. Nas recessões há quem corte a “gordura”, mas acaba por destruir a capacidade muscular (despedimentos em massa, redução total de investimentos, etc.) e há quem aproveite para ficar em forma, com mais exercício (foco nas áreas fundamentais, investimento em modernização e inovação, alteração dos modelos de negócio, fecho de áreas com pouco valor acrescentado, procura de novos clientes). Quando a crise acaba, quem estará pronto para correr? A mesma analogia poder se feita para o Estado português, mas tenho sempre algum receio sobre a análise que será feita relativamente a qual a verdadeira “gordura” do país. É que apesar de tudo Portugal em dados como peso do Estado no PIB, peso da carga fiscal no PIB, número de funcionários públicos per capita, etc., está abaixo da média europeia. O foco deveria ser em como tornar a nossa fiscalidade mais simples e inteligente, como melhorar o funcionamento do sistema judicial, como potenciar o sistema educativo – ou seja, de fazer mais com o que temos.
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EVOLUÇÃO TRIMESTRAL DE MERCADOS
Análise Comparativa Segundo Trimestre 2020 MERCADOS TRADICIONAIS
PESO DOS MERCADOS TRADICIONAIS NAS EXPORTAÇÕES NACIONAIS
MERCADOS EUROPEUS
MERCADOS DA EUROPA CENTRAL
MERCADOS AMERICANOS
OUTROS MERCADOS
Fonte: AICEP Portugal Valores de exportações em unidades de milhar
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