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PROPRIEDADE INTELECTUAL E VALOR

Vítor Ferreira *

* Diretor Executivo da Startup Leiria e docente do Politécnico de Leiria

É usual referir-se que vivemos numa “economia do conhecimento”, onde a produção, distribuição e consumo de conhecimento são os principais motores do crescimento económico. As maiores empresas do mundo em capitalização de mercado são empresas de tecnologia (Apple, Microsoft, Amazon, etc.), que essencialmente desenvolvem conhecimento, mesmo quando parecem produzir equipamentos (a Apple subcontrata toda a sua produção). No passado, as economias baseavam-se principalmente na produção de bens físicos, tais como a agricultura, a manufatura e a mineração. Contudo, no século XXI, a economia global deslocou-se para a produção e intercâmbio de bens e serviços intangíveis, tais como software, media, educação, cuidados de saúde e serviços profissionais.

Uma das principais razões pelas quais o conhecimento se tornou um bem económico tão importante é o facto de não ser “não rival” e “não excluível”. Por outras palavras, o conhecimento pode ser partilhado e utilizado por múltiplas pessoas ou organizações sem se esgotar, e é difícil impedir que outros acedam ao mesmo, uma vez que tenha sido criado. Isto significa que o conhecimento pode ser utilizado para criar produtos e serviços, inovar, e resolver problemas complexos sem o mesmo nível de restrições de recursos que são enfrentados na produção de bens físicos. Por outro lado, a Internet e outras tecnologias digitais tornaram possível criar e distribuir o conhecimento a uma escala e a uma velocidade que anteriormente era inimaginável. O valor do conhecimento na economia moderna pode ser visto no crescimento de indústrias como o desenvolvimento de software, biotecnologia e produtos farmacêuticos, em que a propriedade intelectual se tornou crucial.

Os direitos de propriedade intelectual (DPI) representam o conjunto de direitos legais que protegem as criações da mente, incluindo invenções, desenhos, marcas, e obras literárias e artísticas. DPI são importantes para as empresas porque lhes proporcionam uma série de benefícios que ajudam a assegurar a sua posição no mercado e a sua rentabilidade. Na verdade, os DPI resolvem falhas de mercado que resultam da intangibilidade das criações intelectuais. Por um lado, eles conferem o direito de excluir os outros da utilização do novo conhecimento, conferindo um monopólio ao criador (seja uma patente, modelo de design, direito de autor) – desta forma gerando um incentivo para a produção de conhecimento (note-se que como são produtos intelectuais, são incrivelmente fáceis de copiar). Por outro lado, todos estes direitos são temporários (20 anos no caso das patentes, 10 nos modelos de design, a vida do autor mais 70 anos no caso dos direitos de autor, e até uma marca é temporária, já que se o titular não pagar a sua renovação a mesma irá caducar). Ao serem temporários, o Estado incentiva a disseminação do conhecimento, aumentando o bem-estar social (uma patente é, em certa medida, um manual de cópia, que permitirá a um entendido da área, no final do período proteção, reproduzir a invenção original).

Um dos benefícios mais significativos dos DPI para as empresas industriais é a proteção que estes proporcionam às suas invenções. As empresas industriais investem frequentemente muito tempo e recursos no desenvolvimento de novos produtos e processos, e assegurar patentes para estas invenções é crucial para proteger o seu investimento. Ao obter uma patente, uma empresa industrial pode impedir os concorrentes de copiar ou roubar as suas invenções, o que garante que possam beneficiar das suas inovações. Outra vantagem-chave para as empresas industriais é o reconhecimento da marca. As marcas comerciais são ferramentas importantes para a construção do reconhecimento e reputação, que podem ser especialmente importantes em mercados onde existem muitos produtos semelhantes. Ao assegurar uma marca, uma empresa fabricante pode distinguir os seus produtos dos seus concorrentes, o que pode ajudar a atrair e a reter clientes.

Além de proteger as invenções e construir o reconhecimento da marca, os DPI podem também dar às empresas fabricantes uma vantagem competitiva. Por exemplo, uma empresa industrial com uma patente para um processo de fabrico único pode ser capaz de produzir bens de forma mais eficiente ou a um custo inferior ao dos seus concorrentes, o que lhes pode dar uma vantagem no mercado.

Outro benefício para as empresas industriais é a oportunidade de licenciar a sua propriedade intelectual a terceiros mediante o pagamento de uma taxa. Os acordos de licenciamento permitem às empresas industriais gerar receitas sem terem de fabricar e vender os seus próprios produtos. Isto pode ser especialmente valioso para as pequenas ou médias empresas que podem não ter recursos para produzir e comercializar os seus próprios produtos.

Finalmente, a PI proporciona proteção legal contra a infração, o que permite às empresas industriais tomarem medidas legais contra aqueles que roubam ou usam indevidamente as suas invenções, marcas registadas ou outra PI. Esta pode ser uma ferramenta importante para proteger a posição de mercado e a rentabilidade de uma empresa produtora, bem como para dissuadir outros de se envolverem em atividades semelhantes no futuro.

O problema é que para economias como a portuguesa, com empresas de pequena dimensão e situadas muito a montante nas cadeias de valor, a capacidade de criar e proteger conhecimento, de forma a conferir uma vantagem competitiva, é baixa. Muitas vezes, as empresas não têm a capacidade de transformar novo conhecimento em vantagem competitiva.

Os últimos anos parecem ter trazido mais competitividade à economia portuguesa, mas a nossa capacidade de criar e proteger parece ainda escassa. Mesmo com iniciativas como Test Beds, Pólos de Inovação Digital e Agendas Mobilizadoras, os problemas essenciais parecem ainda por resolver. Sem novas políticas, o país continuará no segundo pelotão da economia do conhecimento.

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