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A aposta em novos produtos
POTENCIAR COMPETÊNCIAS
DIFERENCIAÇÃO: A APOSTA EM NOVOS PRODUTOS
Potenciar competências. Ganhar competitividade. Há um novo mindset a nascer nas empresas de moldes que mais do que alterar métodos de produção para fabricar a ferramenta tecnológica e desenvolver uma ‘peça’ a pedido de um cliente, estão a apostar no processo criativo e no lançamento dos seus próprios produtos.
A mudança já vinha a acontecer e, em alguns casos,
acelerou com a pandemia de Covid-19. Muitas empresas criaram soluções para ajudar a proteger do vírus e, com isso, estão a incrementar a aposta no I&D. Mas outras já iniciaram este caminho há mais tempo.
A criação de um produto e o seu lançamento no mercado são sempre um desafio. Guida Figueiredo, do Grupo Carfi, conta que este detém um produto próprio, o C-Lock. “Trata-se de uma fechadura eletrónica que substitui o uso de um canhão convencional por um canhão eletrónico, o qual permite substituir as chaves convencionais por um código, tendo até 50 códigos na mesma fechadura”, revela.
Muitas vezes, o processo de desenvolvimento de um novo produto acaba por surgir quase como uma coincidência.
Guida Figueiredo – CARFI
Salientando que o C-Lock “não foi concebido com a intenção de o colocar no mercado”, explica que “foi um instrumento criado pela nossa equipa de I&D para assegurar a confidencialidade dos projetos que decorriam no departamento”.
Mas depressa foi percecionada a sua potencialidade. “A administração da Carfi tentou rentabilizar este produto ao colocá-lo no mercado em três versões: C-lock convencional; C-lock Bluetooth, C-lock Nb IOT”, relata, frisando que “tem sido uma aprendizagem porque o nosso core business não é o de ‘business to consumer’, mas sim de ‘business to business’: sempre em projetos onde desenvolvemos o produto a par e passo com o cliente e onde o cliente detém o produto e o coloca no mercado”.
Por isso, adianta, “a nossa estratégia passa por continuar a ser um parceiro dos nossos clientes já que para estar diretamente no mercado ‘business to consumer’ são requeridas competências de marketing e investimento diferentes”.
Importância do I&D
Uma coisa é certa, considera Guida Figueiredo: “sem I&D, hoje não estaríamos com os nossos clientes de há décadas nem angariaríamos novos clientes”.
Isto porque é através da inovação que a empresa consegue “prestar um serviço que vai muito além do simples fornecimento de um produto e aprofundar conhecimentos em áreas nas quais trabalhamos (moldes, polímeros, engenharia mecânica, engenharia eletrónica e eletromecânica, registo de patentes, validação e cadeia de fornecedores)”. Mas não só. Esta aposta é também uma forma de ligar a Carfi a universidades, politécnicos e associações que acabam por ser “fonte de recursos humanos e interligação de conhecimentos”.
Em 2021, a empresa foi uma das finalistas do Prémio PME Inovação, atribuído pela COTEC. Para Guida Figueiredo, trata-se de “um exemplo de uma associação cujo ecossistema nos transmite conhecimento e que, através de ferramentas como o ‘innovation scoring’, nos permite autoavaliarmo-nos e, por meio de candidaturas como a de “Estatuto Inovadora”, na qual a Carfi se inclui, assegura que o mercado nos valide e reconheça o esforço no caminho da inovação”.
GLN: Parcerias são fundamentais para fazer crescer I&D nas empresas
José Carlos Gomes, da GLN, é perentório: “Para poderem colocar produtos no mercado, o grande desafio que se coloca às empresas do sector dos moldes e plásticos é conseguir associarem-se com outras que detenham a relação com o cliente”. É que, salienta, a indústria de moldes e injeção, quer pela dimensão das suas empresas quer por não terem os canais de distribuição verticalizados pela sua condição de ‘business to business’, não tem como colocar produtos no mercado, pelo que necessita de parcerias fortes nesse âmbito.
Exemplificando com o caso da sua empresa, considera que é imperioso estabelecer parcerias que permitam alcançar isso. Foi o que aconteceu, relata, com o desenvolvimento de cápsulas para café com uma empresa nacional. “O cliente desafiou-nos e o produto acabou no mercado”, explica.
Nem todos os produtos que a GLN procurou desenvolver de forma idêntica tiveram o mesmo sucesso. No entanto, considera, “a procura de produtos inovadores é constante”. Por isso, a empresa não se ficou por aí. Até porque, salienta, “é preciso que apostemos no estímulo constante da nossa capacidade inventiva”.
Em 2019, adianta, foi criada a estratégia de inovação para o grupo, que contempla, entre outros aspetos, tecnologias e produtos de interesse, bem como o roteiro para conseguir o apoio necessário. Os pilares principais são três: produtos, tecnologias e parceiros.
Dá outro exemplo de um produto inovador, no caso um capacete cirúrgico que a empresa está a desenvolver em conjunto com o Centro de Engenharia e Desenvolvimento de Produto (CEiiA), em Matosinhos. Trata-se de um equipamento de proteção individual com imagem, som, refrigeração, entre outras características. Está a ser desenvolvido há mais de dois anos e a sua aplicação estende-se muito para lá da proteção à Covid-19.
Esta aposta neste tipo de inovação, conta, faz-se a nível interno, na empresa, com uma forte interação interdepartamental, mas também a nível externo, com parceiros nacionais, europeus e de vários países.
Trabalhar com o cliente
Mas além disto, as empresas têm de ter o seu foco na inovação do processo produtivo e, com ele, na melhoria contínua. Mas, adverte, isto acontece numa vertente mais específica: fazer e estar nos processos desde muito cedo, seja no desenho, na conceção e nas soluções para desenvolver o molde e, com isso, conseguir o melhor produto.
“A indústria de moldes está muito a montante face ao contacto dos produtos com os clientes finais; ou seja, pese embora os moldes e plásticos sejam primordiais para lançar novos produtos, é importante receber os sinais do consumidor final, que nos chegam indiretamente via os nossos clientes. Por isso a importância de relações fortes com esses parceiros. A inovação faz-se trabalhando em conjunto com os clientes, desde a conceção, o acompanhamento tecnológico e, simultaneamente testando e propondo novas soluções”.
Já o foco das empresas do sector está muito mais orientado para as novas tecnologias e inovações na indústria, pois são estas que permitem ganhar competitividade. E é com essa postura que a indústria consegue alcançar as melhores soluções que permitam responder aos enormes desafios que tem, por exemplo e atualmente, o sector automóvel em termos de prazo e preço.
E o que ganham as empresas com esta forma de atuar? No seu entender, se alcançarem trabalhar inovação ao nível dos processos e ao nível de novos produtos com os seus clientes, conseguem melhorar os seus processos internos e ganhar competitividade (através de gestão de custos e eficiência), desenvolver produtos inovadores capazes de distinguir-se e afirmar a empresa pelo seu posicionamento. Mas, alerta, “não basta fazer a diferenciação, ela tem de ser percecionada pelos clientes”. Para si, “a comunicação é fundamental”. Através dela, a empresa tem de conseguir demonstrar, no dia a dia, a sua mais-valia através das soluções que propõe.
Para José Carlos Gomes, a inovação está no mindset de uma empresa. Por isso, uma cultura de inovação demora a desenvolver-se. “É preciso ser ágil, assumir os processos de tentativa e erro como normais, fazendo-o em ciclos rápidos”, afirma.
“As empresas tendem a ficar na sua zona de conforto – com as tecnologias que existem e vão sendo desenvolvidas - mas é preciso mudar, acrescentando competências e, com isso, desenvolver a organização”, sustenta, frisando que “inovação pode ser criar algo diferente, algo novo, não só para a empresa, mas para o mercado, mas também pode ser o resultado de contínuas pequenas ações de ajustamento nos processos ou nas características nos produtos. No caso da GLN, é essencialmente uma inovação incremental no dia a dia, mas com alguns projetos em parceria com carácter mais disruptivo.
José Carlos Gomes – GLN
Telmo Ferraz – PLANIMOLDE
PLANIMOLDE: Crise vira oportunidade para incrementar inovação
Quando o tema é inovação, a experiência mostra que os tempos de crise constituem, por vezes, boas oportunidades de inovar. Telmo Ferraz, da Planimolde, partilha a experiência da sua empresa que, impulsionada pela estagnação no sector automóvel, em 2019, e depois atingida pela pandemia de Covid-19, em 2020, acabou por reforçar a aposta que já tinha começado a fazer em Inovação e Desenvolvimento.
Algumas empresas consideraram que o melhor para elas seria recorrer ao layoff. Nós decidimos agir e tomar outras medidas, conta, salientando que “foi realizada uma reflexão interna sobre o que poderíamos fazer para aproveitar a capacidade de produção, em função de algo que o mercado precisasse”.
A empresa avançou com produtos próprios, desenvolvidos em tempo recorde: moldes para viseiras e óculos de proteção que acabaram por ser fabricados na recentemente inaugurada área de injeção. Uma das preocupações e que levou a que o projeto não fosse tão célere como aconteceu noutras empresas foi a certificação. A Planimolde, explica, é certificada pela norma da Qualidade desde 1993 e, por isso, “seria impensável colocar um produto no mercado que não o fosse também”.
O processo foi concluído com êxito. E os dois itens foram, igualmente, bem recebidos pelo mercado. Entretanto, com o abrandamento da situação pandémica, as viseiras foram sendo menos solicitadas, mas os óculos de proteção – que asseguram uma ação mais transversal – continuam a ter procura. Esta experiência, diz, levou a empresa a olhar de forma mais profunda para a questão da inovação.
“Temos, neste momento, um gabinete que se dedica sobretudo a Inovação e Desenvolvimento. Mas não só: tem maior abrangência e procura olhar para o desenvolvimento da empresa e refletir como, mais apropriadamente, retirar rendimento da capacidade instalada e agarrar as oportunidades a exemplo do que fizemos”, explica. Nada disto, sublinha, é novidade na empresa que, desde há muito, tinha instalada esta premissa no seu ADN.
Uma vez estabelecida de forma mais visível esta orientação, a empresa decidiu aproveitar a experiência da diretora de Qualidade, Ana Ferraz, no domínio da microbiologia e apostou numa linha própria de tubos de ensaios clínicos e análises à Covid, cuja aceitação está, no seu entender, a ter resultados interessantes.
A empresa instalou uma ‘sala branca certificada pelas normas ISO’, com o objetivo de alargar a sua presença nos sectores médico e farmacêutico.
Telmo Ferraz conta que, no caso dos tubos de ensaio, “temos uma concorrência grande da Ásia, por isso a nossa aposta é na qualidade do produto, mas também na maior automatização do seu fabrico para ter preço competitivo”. Ou seja, os próprios métodos produtivos estão, também, a passar por um processo de transformação. “Fomos ao encontro da necessidade do cliente, adaptando este produto que criamos e estamos a partir para novos clientes na área médica”, adianta. Contudo, salienta, “quer a injeção, quer a inovação de produto são para nós uma complementaridade: a nossa prioridade é o fabrico do molde”.
Mudanças
Para Telmo Ferraz, a indústria de moldes está em rápida mudança e, considera, “temos de nos preparar todos”. Na sua opinião, esta indústria “vai passar por períodos mais curtos entre as crises que temos conhecido e que têm sido cíclicas” e, além disso, “serão crises mais corrosivas porque deixam maiores dificuldades às empresas. Algumas conseguirão continuar a sua atividade, mas outras ficarão pelo caminho”.
Além de questões como a pandemia ou, mais recentemente, a guerra na Ucrânia, sublinha que o que é ainda o principal cliente dos moldes portugueses – a indústria automóvel “é um sector muito volátil e pesado para as nossas empresas, pelas condições às quais temos, muitas vezes, de nos sujeitar”. Por isso, adverte, “é preciso que as empresas olhem para tudo isto e consigam gerir com atenção, tendo sempre presente a prioridade que terá de ter sempre a inovação, sob pena de não sobreviverem”.
No caso da Planimolde, explica, o caminho tem sido, cada vez mais, a aposta no incremento da automação, mas em função das características e necessidades da nossa empresa”.
Quanto à aposta em novos produtos, recorda que, ao longo da sua história, as empresas de moldes “não têm tido grande capacidade de apostar nisso, desde logo, porque não têm capitais próprios que o permitam”. Lembra que só recentemente, “os fundos de investimento começaram a entrar neste sector”, mas para que se consiga aumentar esta aposta defende que “o desafio maior é ter capital disponível para ter ideias e rentabilizar o produto”.
Nos organismos centrais, considera, os incentivos são, na maioria dos casos, insuficientes para satisfazer as necessidades das organizações nesta matéria. Parceiros como o CENTIMFE ou as escolas são, no seu entender, fundamentais, quer para apoiar na validação da investigação necessária, quer para conseguir os recursos humanos mais valiosos.
“As pessoas transformam as empresas e dão credibilidade interna e externa”, afirma, considerando que “hoje, saem jovens com formação e as empresas devem ter isso em atenção, de forma a conseguirem integrá-los para conseguirem dar resposta às exigências tecnológicas que têm”.