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«O sector dos moldes português é um bom exemplo de que o investimento em inovação e digitalização começa a dar frutos»
ENTREVISTA | Paulo Bártolo (Diretor Executivo do Centro 3D Printing de Singapura)
Em Singapura desde 2021, onde é professor na ‘Nanyang Technological University’, diretor executivo do ‘Singapore Centre for 3D Printing’ e diretor do ‘Nacional Additive Manufacturing Innovation Cluster (NAMIC)’, Paulo Bártolo está atento, apesar da distância, à evolução do sector de moldes em Portugal, considerando que este “é um bom exemplo de que o investimento em inovação e digitalização começa a dar frutos”.
Os moldes portugueses, salienta, centram o seu fator diferenciador no domínio das tecnologias, no seu carácter inovador, o que lhes tem permitido fazer melhor, mais rápido e fazer algo complexo que os outros não conseguem. Ou seja, fornecer soluções inovadoras. A inovação é, no seu entender, a chave do sucesso deste percurso. Defende ainda uma ligação cada vez mais estreita com os centros de saber de forma que o sector mantenha a sua posição de vanguarda nos domínios tecnológicos e do conhecimento.
Ao pensar em inovação e I&D é incontornável o tema da indústria 4.0 e o que representa enquanto mudança de paradigma. Na prática, que alterações tem trazido este conceito ao mundo das empresas, nomeadamente na indústria de moldes?
Têm sido feitos progressos muito significativos no que diz respeito a este conceito da digitalização industrial no sector dos moldes. A pandemia de Covid-19 veio acelerar a necessidade desta transformação porque as empresas perceberam que tinham de ser mais resilientes e esta revolução industrial, baseada nas tecnologias digitais, que já vinha em marcha com a indústria 4.0, contribuiu para transformar estas empresas em organizações mais ágeis e aptas a enfrentar as mudanças. Muitas vezes, temos a ideia de que as transformações são imediatas, mas levam tempo. Penso que o sector de moldes português é um bom exemplo de que o investimento em inovação e digitalização começa a dar frutos. Os moldes estão numa posição muito boa e, para isso, tem contribuído e sido muito positivo, o trabalho que entidades como o CENTIMFE e a CEFAMOL têm feito.
No seu entender, esta aposta na inovação começou a notar-se quando se passou a colocar mais ênfase nestas questões, ou este sector fê-lo como caminho natural de evolução, numa lógica de vanguarda tecnológica que vinha mantendo?
Tem sido um percurso evolutivo. Quem está no estrangeiro, como é o meu caso, sabe e sente isso. Por exemplo, quando comparamos o sector das ferramentas de outros países e olhamos para Portugal, é notório o desenvolvimento do nosso sector dos moldes. E quando falamos em indústria 4.0, na integração das tecnologias digitais, a verdade é que, de alguma forma, isso já acontecia no sector. A automação já estava presente, bem como outras tecnologias e já se sentia a necessidade de avançar para a integração. E nesse aspeto, como referi, tem sido muito importante o papel de entidades como a CEFAMOL e o CENTIMFE, no trabalho que têm desenvolvido junto com as empresas no sentido de criar soluções de integração, seja de ferramentas, seja de novos materiais e técnicas e também de aspetos relacionados com o tratamento da informação.
O sector dos moldes é reconhecido pelo seu carácter inovador e tem estado, desde sempre, bastante avançado na utilização de tecnologias de ponta.
Este carácter inovador deve-se, sobretudo, a quê?
Por um lado, à internacionalização das empresas e, por outro, à exigência das indústrias com as quais trabalha. E isto vem sendo feito desde há décadas e com grande vantagem competitiva. Em Singapura, onde me encontro de momento, temos países à volta que estão a apostar fortemente no tooling, como sejam o Vietname, a Tailândia ou a Indonésia. Esses países competem com Portugal se nos limitarmos a colocar o foco na questão da mão de obra barata. No entanto, o fator diferenciador português é o domínio da tecnologia: fazer melhor, fazer mais rápido e fazer algo complexo e que os outros não conseguem. Ou seja, fornecer soluções inovadoras. Por isso, o sector dos moldes português teve de apostar, desde muito cedo, em tecnologia. A fabricação aditiva é disso um bom exemplo. Lembro-me que há muitos anos, a indústria de moldes liderou a primeira rede de prototipagem rápida em Portugal. E quando olhamos para essa iniciativa e aquilo que estava a ser feito noutros países, percebemos o quão inovadora foi. Do ponto de vista de introdução de novas tecnologias, os moldes em Portugal têm sido um exemplo e têm dado cartas a nível global.
É certo que o sector não tem percorrido sozinho este caminho. Qual tem sido o papel das escolas, universidade e centros tecnológicos no acompanhamento deste processo?
Tem sido muito positivo. Lembro-me que quando iniciei a minha carreira no Instituto Politécnico de Leiria, em 1994, falávamos muito na ligação entre a indústria e a academia. Na época, haviam imensas barreiras. As pessoas falavam linguagens diferentes, mas essas diferenças desvaneceram-se nos últimos anos. As empresas perceberam e sabiam que era importantíssimo trabalharem com a academia, e a academia percebeu a importância de trabalhar com a indústria. E em Portugal, temos exemplos muito importantes e relevantes dessa colaboração. E têm sido feitos imensos progressos. Claro que há sempre espaço para se fazer melhor e, com o apoio estatal, por exemplo, pode fazer-se mais. Penso que neste momento estão reunidas as condições em Portugal para se dar um salto adicional. Até porque a indústria de moldes tem de continuar a subir na cadeia de valor e, para isso, tem de inovar e integrar pessoas qualificadas.
Pode dar algum exemplo desse “salto adicional” que possa ser dado?
No meu percurso profissional, constatei um interessante exemplo em Inglaterra. Em Portugal, temos tido a capacidade de envolver muitos alunos licenciados e com mestrado em projetos com a indústria, mas é preciso mais. A próxima preocupação penso que será em termos de atrair doutorados para a indústria. Em Inglaterra, existem projetos de inovação e transferência de conhecimento financiados pela agência de inovação Innovate UK. As universidades podem recrutar, durante cerca de dois anos, um aluno doutorado. Esse aluno, pago pelo programa, é funcionário da universidade, mas trabalha na empresa que participa no programa. O que a agência espera é que o projeto decorra de forma positiva e que, no final, esta pessoa seja englobada nos quadros da empresa. São mecanismos deste tipo que penso que, em Portugal, ainda fazem falta, no sentido de incorporar mais conhecimento e pessoas altamente qualificadas na indústria.
Aposta na Pessoa
Em Singapura, o programa NAMIC, do qual é diretor, dedica-se ao desenvolvimento de inovação no processo aditivo. Como é que, na prática, funciona?
Estamos a começar agora a fase dois deste programa que é o NAMIC. Em traços muito gerais, recebe financiamento do governo de Singapura para, por um lado, permitir que os diferentes hubs, que são universidades e alguns politécnicos, possam adquirir tecnologia. E, por outro lado, que com esse financiamento possam contratar pessoas para trabalhar com essa tecnologia. Mas a grande fatia de investimento visa criar um ‘bolo financeiro’ para apoio a empresas. As empresas aproximam-se de um dos hubs desta rede, expõem a sua ideia, a sua necessidade e são desenvolvidos projetos. As empresas põem algum investimento, dependendo da dimensão do projeto, mas esta contribuição pode ser em tempo ou facultando as suas instalações. Depois, a rede avalia o projeto e, se for aprovado, financia-o do seu próprio ‘bolo’. O que se espera com este programa é que contribua para criar inovação, para mais patentes, para a criação de novos postos de trabalho. Uma segunda vertente tem a ver com a atração de investimento estrangeiro. Nesta rede existe também um ‘bolo financeiro’ para empresas que desejem instalar-se em Singapura. Um aspeto que considero muito relevante em tudo isto é que, de seis em seis meses, temos de informar as agências sobre o impacto da nossa investigação. Ou seja, quantos postos de trabalho um determinado projeto com uma empresa gerou ou quantos novos produtos foram criados. Não basta dizer se correu bem ou mal. A lógica é muito virada para os resultados.
No seu entender, com a intensificação da aposta nas tecnologias, que papel está reservado às pessoas?
Essa é uma reflexão que temos feito: o que virá depois da indústria 4.0 ou o que caracterizará a indústria 5.0. A nossa conclusão é que a indústria 5.0 será novamente o trazer a pessoa para o centro do sistema de produção. Nós percebemos que com os robôs conseguimos realizar tarefas muito complexas, com muita eficiência e rapidez, mas não podemos esperar que os robôs tenham a capacidade de criar ou de resolver problemas muito complexos e que surgem inesperadamente, de um momento para o outro. Aí, aparece o ser humano. Temos essa capacidade única de resolver problemas que as máquinas não conseguem e temos também a capacidade de criar. Por outro lado, as máquinas também não percebem outras questões extremamente importantes como a relação entre uma empresa e os seus clientes, fornecedores ou concorrentes. Por isso, a Pessoa está a voltar para o sistema de produção e há uma preocupação cada vez maior com a relação entre o Homem e estes sistemas digitais em ambiente produtivo. Mas vamos ter necessidade de pessoas com qualificações diferentes. A ideia antiga de que nas empresas a formação necessária era muito específica, como os engenheiros mecânicos ou eletrotécnicos, está a desvanecer-se. O nível de conhecimento, as exigências de múltiplas áreas que as empresas necessitam obrigam a ter pessoas de várias áreas a trabalhar, com formações muito distintas. Ou seja, equipas multidisciplinares.
Que conselhos ou sugestões gostaria de deixar às empresas de moldes para uma abordagem mais efetiva aos temas da inovação, I&D e cooperação com centros de saber?
Apesar de estar afastado, tenho tido e acompanhado o que se está a passar em Portugal. Sei que estão a ser dados passos muito importantes para a contínua afirmação da indústria de moldes. É um sector que está muito exposto à conjuntura internacional. Há trabalhos muito interessantes que estão a ser desenvolvidos, por exemplo, ao nível do sector médico, mas em muitos outros. As universidades e os centros tecnológicos são fulcrais neste processo: têm de ter a capacidade de antecipar o futuro e de ajudar as empresas a fazer face aos problemas que têm hoje e no futuro. Daí este diálogo ser importantíssimo e fundamental. Está tudo a mudar de uma forma muito rápida e as empresas têm de estar preparadas para essas mudanças e só o conseguem com uma articulação muito forte com os centros tecnológicos, universidades e politécnicos.