Catálogo_ A Arte do Ofício

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6. Pensar, projetar, medir e marcar Mesmo quem nunca viu um martelo ou uma serra, logo deduz seu uso. Imaginemos um ianomâmi ou um xavante pescado de uma aldeia remota e apresentado a tais ferramentas. Talvez leve um tempinho, mas ambos acabam por entender para que servem, apesar de seu funcionamento ser regido por algumas teorias e conceitos da física nem tão simples assim. Em contraste, ao olhar um compasso, um esquadro ou uma régua, o xavante estaria diante de ferramentas cuja concepção sua existência desconhece. Provavelmente não entenderiam para que servem, mesmo diante de explicações detalhadas. Tais instrumentos só fazem sentido se tivermos ideia do que significa medir, ou seja, comparar alguma dimensão física de um objeto com a de um outro objeto ausente, o que só pode acontecer se o conceito de medida já existir em nossa mente antes de se materializar, por exemplo, nos tracinhos gravados numa régua. Medir tem como precondição o domínio do conceito de números. Tribos primitivas, como as ainda existentes no Brasil, têm um sistema muito rudimentar de numeração. Algumas só conhecem os números 1 e 2. Um estudo antropológico recente com os índios Munduruku mostra que só conseguem contar até quatro. A partir do 5, classificam os números como “muitos”.10 10 Citado por Alex Bellos, Here’s Looking at Euclid (New York: Free Press, 2011) Chapter Zero

Esses índios teriam muita dificuldade de entender nossos instrumentos de medida, mesmo que explicados detalhadamente. Falta-lhes uma arquitetura mental que não existia ou não existe na sua cultura. Contar é uma “teoria” que, lentamente, evolui na história do homem. Inicialmente, contam-se com conchas, sementes ou outros objetos que possam ser claramente dispostos. Um grande salto de abstração consiste em associar o número de conchinhas com alguma quantidade equivalente no mundo real. Por exemplo, o mesmo número conchinhas e de ovelhas no rebanho. Os maias já haviam transposto essa fase inicial e tinham conceitos muito mais sofisticados de números. De fato, tinham um sistema próprio de matemática que não era decimal, mas de base 20. Portanto, a ideia de medida estaria muito próxima do seu mundo. Confrontados com nossa régua e esquadro, não teriam grandes dificuldades de entender nossas explicações. Juntamente com o conceito de números, medir deve ter sido um dos primeiros saltos da abstração humana. Envolve comparar uma coisa presente com outra ausente, mas que existe na nossa cabeça. Medir, todavia, introduz uma complicação adicional. As conchinhas são números discretos: ou são duas ou são três. O mesmo acontece ao contar seus machados de pedra: ou são dois ou são três, não há a noção de meio machado. Contudo, o ato de medir é de natureza diferente. Em certas situações, o

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