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Considerações numa época de pandemia
Gabriela Valadas
Continuamos perante um momento da história moderna em que uma pandemia nos obrigou ao isolamento e onde emergiu a necessidade de nos adaptarmos a uma nova realidade limitadora da nossa liberdade e forma de estar desenvolvida até agora.
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Os que não pararam para manter os serviços mínimos, ordem cívica, proteção civil, saúde, ensino, comércio alimentar, jornalismo, etc., tiveram que esquecer o medo e pensar fora da caixa para assegurar as tarefas com o mínimo de risco de contacto com o vírus mais notório desta época.
Revelou-se mais difícil para os profissionais de saúde que subitamente se viram perante um vírus pouco conhecido no contágio, sinais, sintomas ou tratamento. As primeiras decisões não aproveitaram as bases emanadas com os primeiros locais afectados, ou seja tratando-se de uma transmissão por gotículas no ar e nos objectos de uso comum, acções como máscara e limpeza das mãos seriam óbvias para travar a transmissão da doença. Mas, porque o material era pouco, ficou fechado em armários nas primeiras semanas da pandemia, com receio que não chegasse mais...e foi proferido pelos dirigentes que o uso da máscara não era fundamental, nem mesmo nos hospitais. Os primeiros profissionais de saúde acometidos não usaram máscaras porque não conseguiram ter uma! Manda-se os militares para a guerra sem armas ou equipamento de proteção?
Forçados ao combate contra um inimigo invisível e desconhecido, sem proteção e sem saber que armas utilizar, houve que aprender e, simultaneamente, transmitir os conhecimentos ganhos mas sobretudo ser criativos, inventando pelo caminho. Em tempo de guerra, a importância de passar informação é fundamental.
Toda a sociedade se focou em procurar formas de assegurar o necessário e foi bonito, porque nunca visto em tempos modernos. Mostrou a bondade das pessoas em unirem-se na resolução das dificuldades em momentos difíceis.
O médico, seja onde for, tem o papel de tratar todos os doentes dentro da sua área de especialização, transmitir segurança à equipa onde trabalha e reduzir o medo (pânico) entre as pessoas. Com consultas presenciais canceladas, recorreu-se às video conferências e telefonemas para estabelecer contacto com os doentes. Constatou-se que muitas videoconferências foram convertidas em chamadas pelo vulgo telefone porque uma parte da população ainda não tem equipamentos ou conhecimentos suficientes para uma videoconferência. Ainda assim, os doentes apreciaram a possibilidade de falar e transmitir o que sentiam, com a esperança de esta via permitir resolver o problema de saúde. No entanto, para o cirurgião, a ausência de uma observação física não permite confirmar o diagnóstico, o que condiciona um tratamento eficaz. Atualmente, voltamos a poder observar o doente e confirmar o diagnóstico, mas o uso obrigatório da máscara agora, impede-nos de ver o fácies (a face de dor ou medo por ex.) importante para a nossa observação. Depois, a atuação do cirurgião não é substituível por injeções ou comprimidos.
Pessoalmente, uma reflexão sobre a nossa forma de estar no mundo foi possível nesta altura. O passado, rico em experiências pessoais e profissionais construíu-nos, mas percebemos que está no passado. O futuro é uma incógnita e apesar de pensarmos frequentemente no futuro e dos projectos adiados, está fora do nosso controle.
Resta-nos o presente. Viver o presente é difícil e se não nos mantivermos focados no presente, a nossas mentes, férteis em pensamentos diversos, distrai-nos e torna-nos inseguros e egoístas. Desligar estes pensamentos faz parte da nossa mudança. Apreciar o que fazemos no momento, com quem estamos e o nosso ambiente envolvente, seja a natureza ou outro, é fundamental. Respeitar, tratarmo-nos em pé de igualdade, em relação horizontal é evoluirmos. Sermos criativos, pintar uma aguarela, fazer pão, plantar uma horta e ver crescer, ajuda-nos a concentrar as nossas mentes no presente.
Assim, os caminhos perspectivam-se conforme se é, sem ilusões ou desilusões. Ganhar a paz dentro de nós primeiro e, quiçá, sentir que mais gente esteja a fazer o mesmo, caminhamos pouco a pouco para um mundo mais equilibrado e harmonioso e com a natureza maravilhosa que nos rodeia.
Pormenor do quadro O Triunfo da Morte, Pieter Bruegel, o Velho, c1562, óleo sobre madeira 117 x 162 cm. Museo del Prado, Madrid