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Ser Oncologista em tempos de COVID Vivência numa pandemia o momento mais marcante
Ser Oncologista em tempos de COVID
Vivência numa pandemia, o momento mais marcante
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Pedro Santos1
1. Serviço de Oncologia - Centro Hospitalar Universitário do Algarve
pedrovascomathias@hotmail.com
Depoimento a integrar um conjunto de textos que surgem na sequência da pandemia e que resulta num livro que a Ordem dos Médicos apoia conjuntamente com a Astellas que publica. É em janeiro de 2020 o mundo acordou com a notícia de um novo coronavírus que estava a preocupar as autoridades chinesas. Relatos de milhares de mortos em poucos dias, vítimas de uma pneumonia atípica, chegaram aos jornais. A China tomava a iniciativa de fazer um lockdown na cidade de Wuhan com o “modesto” tamanho de 11 milhões de habitantes.
Aquilo que se sabe ser hoje uma pandemia não tem um momento em particular mais marcante do que outros. Será, no entanto, certamente para muitos historiadores, um dos momentos mais marcantes da História moderna.
Parte de mim quer acreditar que a China está a exagerar. Mas um país que despreza a nível diário direitos humanos básicos, não encerra uma cidade com mais habitantes que Portugal para proteger os seus habitantes. Fá-lo para proteger a Nação.
A Organização Mundial da Saúde, uma entidade sem poderes reais, avisa dos
perigos e estabelece protocolos para o mundo seguir. O mundo vê e ignora os seus conselhos.
A Itália, um país com o sistema de saúde considerado como o segundo melhor do mundo, torna-se então o primeiro país europeu a ser atingido em força pelo vírus, ficando de joelhos a pedir ajuda à União Europeia. A Espanha é a seguinte grande vítima europeia e Portugal será o próximo. Entretanto, é anunciado que a recémbatizada Covid-19 é uma pandemia.
O SNS prepara-se como pode tendo em consideração décadas de desinvestimento e privatizações.
Como profissional de saúde, não esperava estar na linha da frente numa batalha com um inimigo invisível do qual se sabe muito pouco. Como resposta inconsciente, o pragmatismo dispara. Há que fazer o que tem de ser feito!
A falta de equipamento de proteção individual (EPI) é uma realidade geral no país assim como no mundo, sendo uma grande fonte de preocupação. O doente oncológico é um dos principais grupos suscetíveis à Covid-19. Devido a isto nunca se pode deixar de colocar a questão: qual será o mais correto a fazer?
Devido ao receio de contágio, só os doentes mais prioritários recebiam tratamento em regime de hospital de dia, havendo muitas cirurgias canceladas. As consultas presenciais foram substituídas por telefónicas, embora estas nunca substituam o tão importante exame clínico e apoio pessoal que estes doentes tanto necessitam. A esses a Covid-19 já os sentenciou...
As semanas passaram e, tanto as medidas do Estado português, assim como o grande respeito que os portugueses em geral demonstraram pelo vírus, levaram a que o pior cenário não se tenha concretizado. Portugal, em relação ao número de mortes diagnosticadas por Covid-19, não foi muito afetado até ao dia de hoje.
No entanto, o tempo dirá qual o verdadeiro dano que esta pandemia vai realmente ter sobre o país e o mundo. A pobreza que irá advir, assim como as consequências a longo prazo nas mais diversas patologias, nomeadamente oncológicas que foram despriorizadas durante estes primeiros meses de 2020, vão demorar anos, senão décadas, até que sejam realmente contabilizadas.