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Ser Ginecologista/Obstetra em tempos de COVID Ginecologia/Obstetrícia no Algarve a pandemia da gestão de um Serviço

Ser GinecologistaObstetra em tempos de COVID

Ginecologia/Obstetrícia no Algarve – a pandemia da gestão de um Serviço

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Fernando Guerreiro1

1. Director Departamento de Ginecologia/Obstetrícia e Reprodução Humana CHUA

fernando.guerreiro@chalgarve.min-saude.p

Depoimento a integrar um conjunto de textos que surgem na sequência da pandemia e que resulta num livro que a Ordem dos Médicos apoia conjuntamente com a Astellas que publica. Descrever os acontecimentos relevantes e marcantes na área da ginecologia e obstetrícia no barlavento algarvio durante o período de 18 março de 2020, altura em que foi declarado o Estado de Emergência Nacional, até à presente data (15 de junho de 2020), é uma tarefa desafiadora. Importa, então, destacar alguns pontos:

A necessidade imperiosa de manter o serviço em funcionamento debateu-se logo nos primeiros dias com o encerramento da Unidade de Internamento de Ginecologia de Portimão, que possui dez camas e que foram ocupadas pelo internamento de cuidados paliativos, no âmbito da ativação do plano de contingência da Instituição perante o início da pandemia. Ficámos, somente, com a Unidade de Internamento de Obstetrícia, com um total de 21 camas, para onde foram transferidas as doentes ginecológicas. À posteriori, verificou-se, em algumas ocasiões, que esta unidade era insuficiente para alocar as doentes obstétricas e ginecológicas, o que levou a fazermos uma parceria com a Cirurgia para podermos, neste serviço, alocar três doentes semanalmente, fundamentalmente pós-operatórios executados em regime de urgência. Doentes do foro oncológico, doentes em estudo de patologias ginecológicas vindas do serviço de urgência, gravidezes não evolutivas, interrupções médicas da gravidez partilharam a mesma unidade de internamento (embora em enfermarias diferentes) com puérperas, recémnascidos e doentes com outras patologias obstétricas, o que criou, neste espaço físico, momentos emocionais difíceis de gerir que só com uma ponderação cuidadosa foi possível minimizar os impactos destas situações.

As reuniões sucediam-se em catapulta. Opiniões contraditórias sobre vários assuntos que colidiam com recomendações múltiplas oriundas de diversas especialidades, nomeadamente infeciologia, medicina interna, anestesiologia, cirurgia geral, ginecologia, obstetrícia, oncologia, gastrenterologia, etc., sem a convergência necessária e adequada.

Foi graças ao grande profissionalismo, preocupação e capacidade de trabalho sob uma pressão constante que as reuniões diárias multidisciplinares com a presença de médicos e enfermeiros, realizadas no auditório da Unidade de Portimão, conseguiram traduzir toda a complexidade dos desafios e problemas que se impunham. Mas foi também neste local

que se tomaram decisões estratégicas, que se definiram normas, circuitos, orientações, procedimentos essenciais à implementação de regras fundamentais e tarefas padronizadas para ultrapassar e contornar o cenário adverso que existia.

O encerramento das clínicas de Imagiologia da região algarvia, onde eram efetuadas inúmeras ecografias obstétricas convencionadas através da respetiva ARS, criou momentos de grande apreensão e insatisfação para grávidas, médicos de medicina geral e familiar e obstetras. As unidades de ecografia obstétrica das unidades de Faro e Portimão responderam dentro das suas possibilidades, executando o maior número de exames possível; mas devido à escassez de equipamentos e recursos humanos foi (e continua a ser) impossível, até ao momento atual, responder a todas as solicitações.

A implementação de medidas excecionais de prevenção e controlo de infeção, com o objetivo de minimizar, particularmente em ambiente hospitalar, a infeção por SARS-CoV-2, nomeadamente a não permissão do acompanhante da grávida durante o trabalho de parto, trouxe ao serviço que dirijo inúmeras queixas e petições desfavoráveis a esta estratégia adotada. O que mais me transtornou foram os textos ameaçadores, intimidatórios, condicionantes da nossa tentativa de conter a expansão da doença, suportados por leis, decretos, normas e direitos, esquecendo-se de que estávamos numa situação de excecionalidade. A grande parte destas exposições eram perfeitas cópias, em que só era alterado o nome da grávida e do acompanhante designado, apelando, também, ao perfil emocional da gestante e familiares próximos, criando um ambiente tenso e inadequado entre os vários setores responsáveis, uma vez que não existia uma regulamentação própria da Direção Geral da Saúde.

Mas houve também conquistas, das quais me orgulho. Conseguimos implementar na região algarvia, a partir de 27 de março de 2020, a realização de teste laboratorial para o SARS-CoV-2 para todas as grávidas antes do internamento hospitalar. Mais uma vez, a inexistência de uma orientação clara nesse sentido e nesse momento – orientação essa que só veio a ser publicada a 5 junho de 2020 (Orientação DGS 018/2020) – provocou grandes constrangimentos e reservas junto das entidades executivas regionais durante a minha argumentação baseada também no que as instituições de referência nacional iam executando. Ainda assim, conseguimos que as entidades competentes aceitassem a nossa proposta que se traduziu em ganhos em saúde para utentes e profissionais.

É em situações adversas e excecionais como esta que vivemos que devemos confiar no nosso discernimento, conhecimento científico e profissional que o trabalho no terreno nos proporciona. Afinal, a persistência, quando estamos focados no doente, quando acreditamos nos objetivos estruturais traçados, e a resistência perante a adversidade, conduz-nos a um final organizado e adequado às circunstâncias.

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