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Carcinoma Diferenciado da Tiroide
Carcinoma diferenciado da tiroide - Diagnóstico, Indicações Cirúrgicas e follow-up Pós-operatório
Differentiated thyroid carcinoma - Diagnosis, Surgical Indications and Postoperative Follow-up
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Diva Oliveira1, Gonçalo Modesto1, Diogo Veiga2
1. Interno do Ano Comum - Centro Hospitalar Universitário do Algarve 2. Serviço de Cirurgia II - Centro Hospitalar Universitário do Algarve
diva.oliveira30@gmail.com
Resumo
A incidência do carcinoma diferenciado da tiroide tem aumentado nas últimas décadas, com uma elevada taxa de sobrevivência aos 10 anos, contribuindo para isso um diagnóstico precoce, e um tratamento individualizado. A existência de uma taxa de 20% de recorrências locais ou à distância, diminui a sobrevivência livre de doença, tornando-se assim imperativo ter linhas de orientação na conduta destes doentes no pós-operatório. Este artigo visa conceber uma breve revisão e simplificação do diagnóstico, indicações cirúrgicas e seguimento pós-operatório de doentes com carcinoma diferenciado da tiroide.
Abstract
The incidence of differentiated thyroid carcinoma has increased in recent decades, with a high survival rate at 10 years, contributing to an early diagnosis and individualized treatment. The existence of a 20% rate of local or distant recurrence, decreases diseasefree survival, thus making it imperative to have guidelines for the management of these patients in the postoperative period. This article aims to conceive a brief review and simplification of the diagnosis, surgical indications and postoperative follow-up of patients with differentiated thyroid carcinoma.
Palavras Chave:
Carcinoma Tiroide; diagnóstico; indicação cirúrgica
Keywords:
Thyroid carcinoma; diagnosis; surgical indication
Introdução
O carcinoma da tiroide é a doença maligna endócrina mais comum, representando, de 1 a 2,1 % do total das neoplasias1-3. É classificado em duas variantes de acordo com a sua origem, nas células foliculares e não foliculares, quadro I. Os carcinomas derivados das células foliculares incluem os tumores papilares, foliculares, com células de Hurthle e anaplásicos. Os derivados das células não foliculares incluem os tumores medulares, linfomas e as metástases. O carcinoma folicular e papilar são os mais frequentes, sendo conhecidos por carcinomas diferenciados da tiroide, representando cerca de 90% de todas as neoplasias desta glândula2,4. A sua incidência tem aumentado nos últimos 30 anos, em particular o carcinoma papilar, independentemente do género ou etnia1,4-6 . O carcinoma diferenciado da tiroide é 3 vezes mais frequente em mulheres do que em homens, e afeta diferentes faixas etárias, de acordo com os seus subtipos histológicos sendo a sua idade média de aparecimento aos 45 anos6. O carcinoma diferenciado da tiroide tem uma sobrevida de 90% aos 10 anos, todavia cerca de 20% dos doentes cursam com recorrências locais ou à distância, diminuindo a sobrevivência livre de doença7 .
O carcinoma papilar é a neoplasia maligna mais frequente da tiroide (80%) e se considerarmos os micropapilares este valor sobe para os 90%. Metastiza por via linfática, não só para os gânglios regionais como mesmo no seio da própria glândula. Metastiza menos via hematogénica (pulmões, ossos e SNC). A metastizaçao pulmonar é frequente na variante folicular2 .
O carcinoma folicular, metastiza quase exclusivamente por via hematogénica. Na grande maioria dos casos manifesta-se pela clínica das metástases à distância, como fraturas patológicas (ossos) e múltiplos nódulos no pulmão, excecionalmente atinge os gânglios linfáticos. A angioinvasão confere à neoplasia um maior grau de agressividade. Surge com invasão da cápsula ou dos vasos da mesma, o que o distingue do adenoma folicular2 .
O carcinoma papilar surge em indivíduos mais jovens, inclusive crianças, e tem crescimento lento por ser um tumor baixo grau de malignidade, pelo que períodos longos são necessários para o seu aparecimento. De maneira geral tem bom prognóstico, e uma sobrevida a 10 anos superior a 90%. É um tumor multicêntrico, com disseminação linfática intra-glandular, e no momento da apresentação 5 % têm metástases à distância, 20 % invasão extratiroideia e 25% metástases ganglionares cervicais. A literatura descreve o carcinoma papilar como um processo benigno nos jovens, raramente levando à morte em pacientes abaixo dos 40 anos8. Os 5 a 10% dos casos de carcinoma papilar que evoluem para a morte são constituídos pelo grupo de pacientes acima dos 40 anos que apresentam lesões aderentes às estruturas vizinhas ou com metástases invasivas cervicais ou à distância8 .
O carcinoma folicular ocorre num grupo mais avançado que o carcinoma papilar, tem o seu pico de incidência por volta dos 50 anos, sendo três vezes mais frequente em mulheres8 .
Os tumores derivados de células foliculares são, na maioria dos casos, esporádicos. Contudo, o grande progresso na identificação de alterações genéticas associadas, identificou a presença de agregação familiar de carcinomas derivados de células foliculares da tiroide, designandose por formas familiares de Carcinoma não medular da tiroide (CNMT)9. As formas familiares de CNMT são raras, estimando-se que sejam responsáveis por 1- 6,3% de todos os casos de carcinoma da tiroide10 .
As formas familiares de CNMT podem estar associadas a várias síndromes hereditárias (como a síndrome de polipose adenomatosa familiar, síndrome de hamartomas múltiplos, complexo de Carney tipo 1, síndrome de Werner e síndrome McCune-Albright) ou surgir em famílias não sindrómicas. Enquanto os genes envolvidos nas síndromes supracitadas estão identificados,
Quadro I – Carcinoma da tiróide - Tipos Histológicos 11 .
Quadro II – Avaliação inicial de nódulos tiroideus.(PAAF: punção aspirativa por agulha fina)
nos casos não relacionados com síndromes ainda são muito discutidos 10 .
Um estudo em Portugal, mostrou que se verifica maior multifocalidade tumoral no carcinoma papilar familiar e tendência para maior ocorrência de extensão extratiroideia no subgrupo familiar com 3 ou mais elementos afetados. Concluiu-se que, excetuando a multifocalidade, o carcinoma papilar familiar, quando comparado com formas esporádicas da doença, parece ter um comportamento clínico/prognostico semelhante 16 .
Avaliação inicial
O carcinoma diferenciado da tiroide apresenta-se muitas vezes como um nódulo ou massa assintomática. Perante um paciente com um nódulo tiroideu, deve-se ter em conta dados da anamnese e exame físico que sugerem maior risco de malignidade: sexo masculino ; idade inferior a 20 ou superior a 70 anos (mais recorrência); história de exposição a radiação ionizante ou radioterapia cervical na infância ou na adolescência; diagnóstico prévio de cancro na tiroide tratado com tiroidectomia parcial; história familiar (parente em 1º grau) de cancro na tiroide, mais de dois membros com carcinoma diferenciado; síndromes hereditários; nódulos com crescimento rápido ou volumoso; nódulo duro, aderente aos planos profundos pouco móvel, associado a paralisia ipsilateral da corda vocal; linfoadenomegália cervical ipsilateral; nódulo acidentalmente detetado por FDG- PET (como captação focal) em doentes oncológicos 4 .
O doseamento dos níveis de TSH (hormona estimulante da tiroide) e ecografia da tiroide e pescoço devem ser realizados a todos os pacientes com nódulo tiroideu identificado4,17 (quadro II). A TSH encontra-se normal na maioria dos casos; no entanto, em pacientes com hipotiroidismo ou hipertiroidismo, pode estar respetivamente acima ou abaixo, dos valores de referência. Se o valor de TSH for abaixo do normal, deve ser realizada uma cintigrafia à tiroide. A cintigrafia da tiroide com iodo radioativo não é tão sensível ou específico como a citologia aspirativa por agulha fina, na distinção nódulos benignos de maligno8 . A cintigrafia da tiroide permite então, documentar a presença de nódulos hiperfuncionantes (a captação do nódulo é superior do tecido tiroideu circundante), nódulos isofuncionante (captação igual à do restante tecido tiroideu) e nódulos hipofuncionantes ou “frios” (captação inferior ou nula face ao restante tecido tiroideu). Os nódulos frios, apontam para características de carcinoma da tiroide, dado que estes não têm a mesma capacidade que o restante tecido de acumular e organificar quantidades suficientes de Iodo radioativo8. Os nódulos “quentes” ou hiperfuncionantes são indicadores de Hipertiroidismo (doença de Plummer) e raramente malignos. Quanto aos isofuncionantes são habitualmente benignos8 .
Aproximadamente 10% dos pacientes com nódulos solitários apresentam TSH suprimida e um nódulo hipercaptante, sendo esse nódulo raramente maligno 4 .
As dosagens séricas de calcitonina e tiroglobulina não devem ser solicitadas na avaliação inicial do nódulo tiroideu4,17 . O doseamento da calcitonina sérica está indicado em: idade pediátrica, até aos 18 anos; quando existe suspeita clínica, ou suspeita citológica, ou antecedentes familiares de carcinoma medular da tiroide (CMT) ou de neoplasia endócrina múltipla tipo 2 (NEM 2) 17 .
Diagnóstico Imagiológico
O diagnóstico clínico ou imagiológico incidental de patologia nodular da tiroide obriga à realização de ecografia da tiroide para confirmação, devendo o estudo ecográfico incluir a avaliação dos compartimentos ganglionares cervicais, com particular atenção ao compartimento central 17 .
Determinadas caraterísticas ecográficas dos nódulos da tiroide apontam para maior risco de malignidade15, quadro III. Nenhuma caraterística é específica ou sensível o suficiente para distinguir nódulos benignos de malignos, mas a presença de 2 ou mais critérios aumenta o risco de malignidade 4 .
Existem sistemas padronizados de estratificação do risco de malignidade dos nódulos da tiroide, baseados nos achados ecográficos, que fornecem critérios para seleção da punção aspirativa por agulha fina. O EU-TIRADS trata-se de um sistema padronizado projetado pela Associação Europeia da Tireoide. Este é um sistema de cinco categorias, que utiliza achados descritivos e de reconhecimento de padrões ecográficos e a medição dos nódulos da tiroide (Quadro III). O sistema EU-TIRADS foi publicado em 2017, após K-TIRADS (2016) e ACR TI-RADS (2017). Vários estudos comparativos dos sistemas mostram que o sistema EU-TIRADS tem sensibilidade de 83 a 86% e especificidade de 32 a 79%. A taxa de PAAF desnecessária foi de 25%. Também foi demonstrada boa concordância interobservadores em relação à decisão de biópsia18 .
Quadro IV – Risco de malignidade baseado nas caraterísticas ecográficas6,12,1 .
Quadro V – Classificação Bethesda – Categoria diagnóstica, risco de malignidade e conduta clínica correspondente15 .
Diagnóstico Citológico
Os relatórios dos exames de citologia aspirativa da tiroide devem ser efetuados segundo o modelo e terminologia propostos na versão adaptada para português da classificação de Bethesda, elaborada pela Sociedade Portuguesa de Citologia.
A classificação Bethesda está subdividida em 6 categorias, havendo uma conduta a seguir de acordo com cada categoria, quadro V.
Exames Complementares de Diagnóstico
A ecografia é um excelente método para a deteção de nódulos tireoidianos, com sensibilidade de aproximadamente 95%, superior a outros métodos mais sofisticados, como a tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM)4. Não se recomenda a utilização por rotina de TC, RM, PET, esofagoscopia ou laringotraqueoscopia no estudo pré-operatório do carcinoma da tiroide de origem folicular, sendo indicadas apenas quando existe suspeita clínica ou ultrassonográfica de invasão de estruturas adjacentes 4,19. A TC é realizada nos casos de doença avançada em que é necessário avaliar a relação do tumor com estruturas anatómicas vizinhas, nomeadamente a coluna aérea laringo-traqueal, o esófago cervical e o compartimento vascular do pescoço, também para detetar envolvimento mediastínico ou ainda excluir metástases pulmonares19 . Ao passo que a sua elevada sensibilidade na deteção de calcificações é útil no estadiamento ganglionar, a contraindicação para o uso de contraste iodado, sobretudo nos carcinomas diferenciados que poderão necessitar de terapêutica complementar com Iodo radioativo, diminuem a sua acuidade na deteção de metástases 19. Em RM, um elemento diagnóstico relativamente específico é a presença de gânglios com hipersinal espontâneo em T1, que poderá reproduzir material com elevado conteúdo proteico (colóide ou hemorragia) ou ainda calcificações9
Estadiamento
A idade dos pacientes no momento do diagnóstico, é uma das características prognósticas mais importantes no carcinoma diferenciado da tiroide, sendo um fator prognostico independente para a mortalidade. As taxas de mortalidade são baixas nos doentes de idade inferior a 40 anos e aumentam com a idade sobretudo, após os 40 anos. Os doentes mais idosos tendem a ter doença localmente mais agressiva, uma maior incidência de metástases à distância à data do diagnóstico, variantes histológicas mais agressivas, recorrência clínica mais rápida após o tratamento inicial, e um intervalo entre a deteção da recorrência e a morte mais curto, tendo por isso um pior prognóstico2 .
O Sistema de Classificação TNM para o carcinoma diferenciado da tiroide, considera a idade para os primeiros dois estadios da doença, o mesmo não acontece com os estadios procedentes, quadro VI.
Indicação Cirúrgica
Existem duas abordagens cirúrgicas ao carcinoma diferenciado da tiroide: a tiroidectomia total ou a lobectomia com istmectomia.
Para doentes com cancro papilar ou folicular devem-se seguir as seguintes recomendações20:
- Tumor <1 cm sem extensão extratiroideia e sem nódulos linfáticos – a lobectomia com istmectomia é a abordagem preferida, a menos que existam contraindicações que obriguem também a remoção do lobo contralateral (por exemplo, carcinoma da tiroide clinicamente evidente no lobo contralateral, história prévia de radiação na cabeça e pescoço, forte história familiar ou anormalidades na imagem que dificultam o seguimento). - Tumor 1 a 4 cm sem extensão extra-tiroideia e sem nódulos linfáticos - o procedimento cirúrgico inicial pode ser uma tiroidectomia total ou lobectomia com istmectomia. A tiroidectomia total seria escolhida com base na preferência do doente, na presença de anormalidades ultrassonográficas no lobo contralateral (nódulos, tireoidite no lobo contralateral ou linfadenopatia inespecífica, que dificulte o seguimento) ou por decisão da equipa cirúrgica.
- Tumor ≥4 cm, com extensão extratiroideia ou metástases - a tireoidectomia total é recomendada
- Tumor de qualquer dimensão, se história de radiação da cabeça e pescoço na infância – a tiroidectomia total deve ser realizada em todos os doentes, dada a alta taxa de recorrência do tumor
- Microcarcinoma papilar multifocal (menos de cinco focos) - Lobectomia com istmectomia é o procedimento apropriado para estes doentes
- Microcarcinoma papilar multifocal (mais de cinco focos) - caso seja possível obter uma correta avaliação pré-operatória e o grau de suspeição é elevado pelo grande número de microcarcinomas suspeitos, é mais provável que seja realizada a tiroidectomia total. Para os doentes em que foi realizada inicialmente lobectomia com istmectomia e em quem a patologia mostra microcarcinomas papilares multifocais com mais de cinco focos, especialmente se os focos estiverem na faixa de 8 a 9 mm, são normalmente encaminhados para tiroidectomia total.
- Nódulos tiroideus indeterminados ou suspeitos - para doentes com diagnóstico citológico de nódulo indeterminado, a lobectomia com istmectomia é geralmente suficiente. Até 60% destes têm doença
Figura 1. Representação dos níveis - e suas subdivisões - dos gânglios linfáticos cervicais, que padroniza e, assim, facilita a comunicação entre todos, sobre pintura de Artemisia Gentileschi, Maria Madalena en Êxtase, c1620-25, óleo sobre tela, 80 × 106cm, coleção privada.
Quadro VII - Esquematização do seguimento pós-operatório de doente com Carcinoma Diferenciado da Tiroide.
benigna, e a tireoidectomia total geralmente não é necessária como procedimento inicial. Se o diagnóstico patológico final for carcinoma (papilar ou folicular) e a tiroidectomia total for necessária, esta pode ser realizada sem aumento significativo do risco 21. Para doentes com citologia de nódulo suspeita, a escolha entre uma lobectomia e uma tiroidectomia total é menos clara, sendo que o risco de malignidade pode exceder os 80%. Características clínicas adicionais e a preferência do doente devem ajudar a determinar a extensão da cirurgia.
Complicações Cirúrgicas
O hematoma cervical pós tiroidectomia tem uma incidência de 0 a 3%, resultando de uma hemóstase inadequada durante a cirurgia ou de um aumento da pressão nas veias do pescoço durante a extubação ou com os acessos de tosse. O hematoma ocorre, quase sempre, nas primeiras 4 a 6 horas pós-operatório, podendo surgir alguns dias após a intervenção em doentes hipocoagulados. É uma complicação potencialmente ameaçadora da vida, atendendo que pode ocorrer obstrução da via aérea, por edema da mucosa laríngea por obstrução venosa e linfática, causada pelo hematoma cervical expansivo2 .
O hipoparatiroidismo e a lesão dos nervos laríngeos, principalmente nas suas formas definitivas, provocam uma diminuição significativa na qualidade de vida do doente.
A hipocalcemia por hipoparatiroidismo é a complicação mais frequente após tiroidectomia total 6. A incidência desta complicação varia com a experiência dos cirurgiões. A natureza é multifactorial, concorrendo fatores dependentes da dissecção cirúrgica como a hipotermia, a desvascularização, o trauma direto, a remoção inadvertida/inevitável das glândulas paratiróides e a hemodiluição per-operatória2 . A maior parte dos casos são transitórios. Contudo, 1 a 3 % dos doentes permanecem com a doença por mais de 6 meses, ou seja, com hipoparatiroidismo definitivo8 . A hipocalcemia pode ser assintomática ou pode cursar com sinais ou sintomas neuromusculares, cuja intensidade, nem sempre se correlaciona com a gravidade da hipocalcemia 2 .
Quando a tiroidectomia é realizada por carcinoma a incidência da paralisia do nervo é de cerca de 0 a 3%, aumentando de 1% até 24% nas reintervenções6. A maioria das alterações vocais recupera em 3 a 6 meses, sendo que 1% fica com lesão definitiva 20 .
O ramo externo do nervo laríngeo superior é a estrutura nervosa mais frequentemente lesada durante a tiroidectomia, podendo ocorrer em 0 a 5% dos casos, contudo a incidência real desta lesão é desconhecida, uma vez que as alterações vocais são subtis, passando muitas vezes despercebidas2 .
O hipotiroidismo é uma complicação esperada após tiroidectomia total. A terapêutica hormonal de substituição nos doentes após intervenção cirúrgica por carcinoma diferenciado da tiroide deve ser feita em doses suficientes para tratar o hipotiroidismo e manter a TSH suprimida20 . O fundamento para a supressão da TSH prende-se com o facto desta hormona ter um efeito trófico sobre as células foliculares tiroideias o que, do ponto de vista biológico, acelera a recidiva, a progressão e a consequente mortalidade dos tumores diferenciados da tiroide 2 .
Esvaziamento Cervical
Os canais linfáticos da tiroide drenam tipicamente, em primeiro lugar para o compartimento central (nível VI) que contém os gânglios pré-traqueais e para-traqueais, e subsequentemente para as regiões jugulares (nível II a IV) (figura 1). Outra via de drenagem linfática para o cancro da tiroide é ao longo da artéria tiroideia inferior que cursa posteriormente à artéria carótida comum para a região inferior do triângulo posterior do pescoço (nível V). Os gânglios mediastínicos também frequentemente contêm metástases e devem ser examinados cuidadosamente durante o intraoperatório. Os gânglios submandibulares e submentonianos raramente contêm metástases nos doentes com carcinoma diferenciado da tiroide 2,20 .
O esvaziamento ganglionar cervical terapêutico é efetuado quando existe evidência histopatológica de envolvimento ganglionar cervical.
Relativamente ao compartimento central, isto é alcançado através da dissecção uni ou bilateral do nível VI. No compartimento lateral deve incluir sempre os níveis envolvidos e, em regra, no mínimo os níveis III e IV. O esvaziamento ganglionar por níveis é preferível em relação à ressecção isolada de adenopatias22 .
O esvaziamento ganglionar linfático terapêutico do compartimento central deve ser efetuado quando existem metástases neste nível ou laterocervicais e deve acompanhar a tiroidectomia total22 .
O esvaziamento profilático de um compartimento ganglionar significa que não há evidência pré ou intra-operatória de metástases ganglionares. Por norma não está indicada para tumores com dimensões inferiores a 4cm e não invasivos. No entanto, em doentes tumores primários com dimensão superior a 4 cm e/ou invasão extra-tiroideia ou envolvimento da cadeia linfática lateral pode ser ponderado o esvaziamento profilático20 .
Terapêutica Ablativa com I-131
A ablação pós-operatória com I-131 tem como objetivo o tratamento pós operatório do tecido residual microscópico, de forma a diminuir e facilitar a deteção precoce de recorrência local, diminuir a possível mortalidade por destruição de doença metastática não identificada e ainda tratar a doença persistente conhecida. Nos doentes com ressecção tumoral incompleta ou metástases aparentes após tiroidectomia e que não são candidatos a reintervenção cirúrgica, a terapêutica ablativa está indicada. Também em pacientes com ressecção tumoral aparentemente completa, mas classificados com risco alto ou intermédio para doença persistente, a ablação tem impacto prognóstico, estando também recomendada. Pelo contrário nos pacientes considerados de muito baixo risco, a ablação com I-131 não é indicada7 .
A terapêutica ablativa requer estimulação adequada pela TSH, idealmente atingindo um valor ≥ 30 mU/L, o que se pode alcançar pela interrupção de terapêutica de substituição (levotiroxina), com consequente hipotiroidismo e elevação da TSH endógena ou por estimulação com TSH recombinante.
Seguimento
O principal objetivo do seguimento a longo prazo do doente com carcinoma diferenciado da tiroide, é a vigilância de possíveis recorrências. Assim o doente submetido a tiroidectomia total ou a lobectomia com istmectomia e eventualmente submetidos ainda a terapia ablativa com I-131 por maior risco de recidiva, devem ser avaliados aos 3 meses do pós-operatório tendo em vista o ajuste da dose de levotiroxina (LT4), doseamento da TSH, T4 livre e T3, quadro VII. No período que decorre dos 6 a 12 meses pós-operatório devem ser avaliados os níveis de tiroglobulina (Tg) e a presença de anticorpos anti-tiroglobulina (AAT), bem como a realização de uma ecografia cervical de controlo. Os doseamentos dos anticorpos anti-tiroglobulina devem ser realizados sempre que se efetue o doseamento da Tg, dado que interferem no seu doseamento, podendo condicionar falsos negativos, ou mais raramente falsos positivos6. De acordo com o doseamento da tiroglobulina o seguimento a longo prazo do doente diverge. Caso os níveis de tiroglobulina sejam indetectáveis podemos reduzir a dose de levotiroxina (LT4) e manter apenas uma vigilância anual do doente, com exame físico, TSH e Tg sob terapêutica hormonal e anticorpos anti-tiroglobulina6. No outro extremo, caso os níveis de tiroglobulina sejam superiores a 1 ng/mL, é necessário avançar para outros exames complementares de diagnóstico 6. Se existirem doseamentos de Tg mensuráveis, deverá ser repetido o seu doseamento sob estimulação de rhTSH.
Nos doentes de baixo risco, sem evidência de doença, os níveis de TSH podem situar-se nos limites inferiores da normalidade, isto é, entre 0,5-2 mU/L 2,6.Nos doentes de alto risco, estes níveis devem ser mais baixos, entre 0,1-0,5 mU/L. Na persistência da doença, a TSH deve situar-se abaixo de 0,1 mU/L.
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