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Centro Comunitário da Gafanha do
from DIGNUS nº1
by cie
por André Manuel Mendes
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Foi numa tarde primaveril que a equipa da revista Dignus se fez à estrada em direção a Ílhavo, mais precisamente à pequena freguesia da Gafanha do Carmo, e aí encontrou uma casa distinta, onde nela só trabalha quem gosta de pessoas, uma casa que vive intensamente as emoções, que faz de cada dia uma festa e onde é respeitada a individualidade de cada um.
Eram 10 da manhã. Mal abrimos a porta ouvimos música e logo nos vieram receber o Ângelo e a Sofia que nos encaminharam para a sala de convívio, local onde tudo acontece. Neste momento percebemos que ali estava gente feliz, a fazer o que gostava, uns a ouvir música, outros a conversar, outros a apanhar um pouco de sol no terraço, outros a descansar. É verdade o que dizia aquele grande sinal no meio da sala: “PERIGO. GENTE FELIZ AQUI”. Aqui o mais importante é promover um envelhecimento feliz, adotando uma postura informal que pretende valorizar muito as emoções, as relações, as sensações. Ângelo Valente e Sofia Nunes são os principais rostos deste projeto. O Ângelo tirou o curso técnico-profissional de animação na Lousã e a Sofia é Gerontóloga e encontra-se atualmente a frequentar o Doutoramento em Informação, Comunicação e Plataformas Digitais. O que têm em comum? Adoram pessoas e fazem o que realmente gostam, apoiar a comunidade sénior na promoção do envelhecimento ativo e com qualidade de vida. “Fazemos das emoções as ferramentas diárias do nosso trabalho”, disse com grande certeza Ângelo Valente.
O centro comunitário Este é um projeto pensado no ano 2000 por um grupo de pessoas da Gafanha do Carmo sem nenhuma ligação a qualquer instituição, fosse religiosa ou política. “A freguesia da Gafanha do Carmo é a freguesia mais pequena do concelho de Ílhavo, muito marcada pelo envelhecimento e pela emigração, e havia aqui uma necessidade de responder às necessidades da população desta freguesia e do concelho”, explicou Sofia Nunes, sublinhando que o Centro Comunitário da Gafanha do Carmo abriu as suas portas em outubro de 2010, já com Ângelo Valente na equipa, e que se juntou a esta “família” em março de 2011. O Centro Comunitário conta com uma equipa composta por 30 profissionais e com um conjunto de três valências, apoio domiciliário, Estrutura Residencial para Idosos (ERPI) e Centro de Dia. Aqui os idosos estão todos juntos, partilham os mesmos espaços, as mesmas atividades, por forma a potenciar as relações interpessoais. “A Segurança Social manda separar os utentes das valências, mas isso é estar a controlar relações que se podem construir porque simplesmente uma pessoa está no Centro de Dia e outra na ERPI”, comenta Ângelo Valente.
As salas estão elaboradas de forma a respeitar o ambiente e não propriamente as valências. Existem nesta instituição várias salas, uma onde há mais animação com música, atividades, televisão, mas contam também com outras salas mais calmas para pessoas com maior dependência, por exemplo, tudo isto com o intuito de respeitar a individualidade de cada um. “Proporcionamos quatro ambientes diferentes para possibilitar sempre uma alternativa à individualidade de cada um”, sublinha Ângelo, acrescentando que o envelhecimento ativo como é visto pela sociedade pode ser uma falácia. “O dizer que só somos idosos ativos se estivermos a mexer nem sempre corresponde à realidade, pois existem atividades que proporcionam felicidade e que não envolvem exercício físico”.
Home-like environment “Todos nós queremos envelhecer em casa, ninguém se imagina numa altura da sua vida ter que
sair de casa para ir viver para outro sítio. Infelizmente envelhecer em casa não é possível devido à forma como a sociedade está organizada, primeiro porque muitas vezes as casas não estão preparadas para as necessidades das pessoas e a proteção social e económica não existe”.
Fazer com que os idosos se sintam na instituição como se sentem em casa é o objetivo definido para todos os dias. Para tal os profissionais adotaram e reinventaram desde o início deste projeto um conceito internacional, o Home-Like Environment, este que mostra que uma instituição que tem um ambiente de casa, que valorize as relações interpessoais entre as pessoas que lá vivem, que lá trabalham, os familiares e a comunidade obtém resultados extremamente satisfatórios.
No Centro Comunitário da Gafanha do Carmo sempre se acreditou nos benefícios que o relacionamento com os animais traz ao ser humano, pelo que inicialmente adoraram um gato, o Xico. O processo de aceitação de um animal numa instituição não foi fácil, tanto para os familiares como para a sociedade, mas rapidamente houve um reconhecimento das mais-valias e esta dinâmica passou também a ser adotada por outras instituições.
O Vadio e a Viana são peças fundamentais neste processo. “Os cães estão aqui por causa da instrumentalização das emoções pois são seres que dão amor incondicional e sempre. Sempre acreditámos no poder dos animais”, sublinhou Sofia Nunes. Eles dão alegria à casa, são companhia, são afeto, são também companheiros no dia a dia e em todas as aventuras.
Um fenómeno nas redes sociais “Isto no início nem era feito com um objetivo concreto, era feito para nos divertirmos à grande. É uma coisa feita quando nos sentimos bem e estamos com as pessoas que gostamos. Não era possível fazermos isto sem ter uma relação muito próxima com as pessoas”, contou Sofia. A página de Facebook do Centro Comunitário foi criada em 2012 quando toda esta dinâmica já existia, e teve como principal intuito chegar aos familiares dos utentes. A Gafanha do Carmo é muito marcada pela imigração e mais do que telefonemas, mais do que uma carta, era muito mais importante ver a pessoa e acompanhar o que fazia. “Depois começamos a partilhar o que cá se vivia, desde a presença do Vadio, as dinâmicas que fazíamos, entre outras coisas”. As sátiras a temas da atualidade como foi o caso dos vídeos de Conan Osiris, Marcelo Rebelo de Sousa, Cristina Ferreira ou aos programas como o Alta Definição ou Ídolos tornaram-se um


fenómeno de visualizações no Youtube e rapidamente ascenderam ao estatuto de “superstars” nas redes sociais.
Segundo a Sofia e o Ângelo, a mediatização fez com que aparecessem coisas muito boas que ajudam a missão da instituição. Muito do feedback recolhido “é o maior motivador das pessoas que cá estão”, um reconhecimento que é muito importante para eles. “A mediatização também nos ajuda pelas coisas que nos dão. Nunca pedimos nada à exceção de uma máquina fotográfica para a qual fizemos um crowdfunding. Tivemos muitas pessoas a dar 1 e isso é ainda mais gratificante porque é sinal que várias pessoas se uniram por uma causa”, disse Ângelo Valente.

O convite para o Parlamento Europeu O reconhecimento do trabalho desenvolvido nesta instituição da Gafanha do Carmo levou-os a dar a conhecer o seu projeto além-fronteiras. No passado dia 30 de janeiro de 2019 um grupo de 3 idosos e 3 técnicos da instituição fizeram as malas e voaram até ao Parlamento Europeu em Bruxelas a convite da Eurodeputada Marisa Matias.
“Fomos apresentados como um caso de sucesso em Portugal. Fomos falar do envelhecimento no âmbito institucional e fomos explicar o que fazemos nesse contexto. No caso do Centro Comunitário da Gafanha do Carmo falamos nas questões sobre operacionalização do Home-Like Environment, os benefícios de ter um Vadio e uma Viana, como operacionalizamos a comunicação através dos media digitais, entre outras temáticas”, explicou Ângelo Valente, sublinhando ainda que levaram ao Parlamento Europeu não só o seu trabalho, mas as preocupações do setor, a parte social, a profissão de cuidadores.
Futuridade 2069 – sentir o futuro Debater como vai ser o processo de envelhecimento daqui a 50 anos é o propósito do Futuridade, uma iniciativa anual do Centro Comunitário da Gafanha do Carmo que reúne num único dia personalidades de áreas distintas como o jornalismo, o desporto, a música ou a política que irão perspetivar o papel das emoções no seu envelhecimento e no de todos nós. Em 2019 o encontro está marcado para o dia 22 de junho na Casa da Cultura de Ílhavo.
“A nossa sociedade não pode continuar a colocar de parte uma pessoa só porque tem uma idade avançada. É necessário continuarmos a valorizá-las pelo valor que realmente têm, integrando-as na nossa sociedade, e é isto que tentamos fazer no Centro Comunitário da Gafanha do Carmo”, confessou Sofia Nunes. No futuro iremos ter mais condições, as pessoas vão viver mais anos e vão viver com mais saúde, e o desafio passa por prever como vai ser o nosso envelhecimento e começar a trabalhar para ele já.
“Estamos muito preocupados com o futuro e com o reconhecimento que a sociedade deve ter em relação às IPSS, não podemos estar só preocupados com as IPSS que tratam mal os idosos mas temos que perceber porque os maltratam, as condições em que vivem, porque há tanta negligência e acreditamos que pode ser o resultado de um conhecimento social ser muito baixo, insuficiente”, salientou Ângelo Valente, acrescentando que são as 5000 IPSS do país que substituem o Estado e que o fazem sob o lema da solidariedade, da caridade, caridade esta que faz com que seja cada vez mais difícil sustentar IPSS, contratar trabalhadores para a área social porque esta ainda é uma área pouco reconhecida.
“A última geração analfabeta está a morrer agora. Nós vamos ser mais exigentes, vamos precisar de outras respostas que neste momento não estão sequer pensadas. As instituições já se estão a reinventar. As sociedades já estão a olhar para elas, mas as IPSS também têm que se fazer notar junto da sociedade. Sentimos que há muitas instituições que já estão diferentes hoje porque todos somos exemplos de boas práticas”.
Um livro? Sim, um livro. Este é o novo projeto que se encontra em fase de conclusão, um livro que contará a história e as histórias desta instituição, o trabalho desenvolvido no dia a dia, a felicidade, o respeito e o amor que se vive dentro das portas e dentro desta “família”. “O livro vai falar um bocadinho daquilo que é o nosso trabalho no Centro Comunitário da Gafanha do Carmo, ou seja, desde as histórias das pessoas que aqui estão e passaram, aquilo que achamos que é o mais inspirador, aquilo que nós vamos levar sempre desta experiência, histórias de amor, histórias de vida. Tem uma parte igualmente técnica que explica o método praticado, mas também uma parte mais pessoal e de homenagem a estas pessoas que estão e já estiveram cá a viver”, explicam.