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Envelhecimento ativo versus Demência

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Sandra Penêda Patrício

Psicóloga

Ao abordarmos o envelhecimento temos que ter em conta que se trata de um tema complexo que preocupa todas as sociedades contemporâneas. Envelhecimento é um processo contínuo ao longo da vida, desde que somos gerados. O seu estudo é como uma teia de aranha em que se cruzam e entrecruzam todas as áreas disciplinares. Se bem que no envelhecimento existam algumas alterações biológicas, cognitivas e sociais com mutações consoante a variabilidade inter e intraindividual, existem também, fatores de risco que podem ser prevenidos para manutenção das capacidades físicas, psíquicas e sociais até o mais tarde possível.

Para envelhecermos de forma positiva e satisfatória é de extrema importância que, cada um de nós, tenha um papel ativo no próprio processo de envelhecimento e, para isso, deveremos optar, desde sempre, por estilos de vida e comportamentos saudáveis. “O envelhecimento ativo e saudável é definido como um processo de otimização das oportunidades para a saúde, participação e segurança, para a melhoria da qualidade de vida, à medida que as pessoas envelhecem, bem como o processo de desenvolvimento e manutenção da capacidade funcional, que contribui para o bem-estar das pessoas idosas, sendo a capacidade funcional o resultado da interação das capacidades intrínsecas da pessoa” (World Health Organization, 2015 in Estratégia Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável. 2017-2025).

A família, a comunidade e a sociedade têm um forte impacto na forma como se envelhece (Cabral, Ferreira, Silva, Jerónimo & Marques, 2013). “Etarismo” (Esteves, 2003) e ”Idadismo” (Barreto, 1984) são conceitos de representações estereotipadas dos mais velhos. Apesar de ainda ser considerado, por muitos, um período não atrativo, hoje em dia, já vão aparecendo imagens positivas estereotipadas para esta fase da vida.

Segundo a DGS o envelhecimento não deve ser visto como um problema, mas sim como um processo do ciclo vital que deve ser vivido de uma forma saudável e autónoma, o maior tempo possível, tendo como ponto de partida que existe um processo de mudança progressiva da estrutura biológica, psicológica e social que se inicia antes do nascimento e se desenvolve ao longo da vida. A OMS anunciou que o número de pessoas com demência vai triplicar nos próximos 30 anos, devendo atingir os 152 milhões em 2050, tendo reconhecido a demência como uma prioridade de saúde pública. Ainda, segundo esta organização, “quase 10 milhões de pessoas desenvolvem demências a cada ano que passa, seis milhões das quais em países com baixos e médios rendimentos”. “Os efeitos em termos de sofrimento são enormes. Isto é um alerta: temos de prestar mais atenção a este crescente desafio e assegurar que as pessoas que vivem com demências, vivam onde viverem, tenham os cuidados de que precisam” (Tedros Adhanom Ghebreyesus).

O que é a demência?

Sinais e evolução A demência é uma síndrome que está associada a um declínio das capacidades cognitivas, ou seja, afeta a memória, o pensamento, a orientação, a compreensão, o cálculo, a capacidade de aprendizagem, a linguagem e o julgamento. Para além da deterioração da função cognitiva, assiste-se à deterioração do controlo emocional, do comportamento social e da motivação. É uma doença extremamente incapacitante que afeta não só o doente como também os cuidadores, famílias e a sociedade em geral. As probabilidades de se desenvolver um processo de demência aumentam à medida que envelhecemos, mas não é uma caraterística normal do envelhecimento nem afeta só os mais velhos. Há vários tipos de demência, mas a forma mais prevalecente é a doença de Alzheimer.

Existe uma relação inversa entre o desempenho cognitivo e os fatores de risco relacionados com o estilo de vida que adotamos. A inatividade física, a obesidade, dietas pouco saudáveis, o

tabagismo, o consumo excessivo de álcool, diabetes e hipertensão são alguns desses fatores. Níveis elevados de depressão e de ansiedade, o baixo nível educacional, o isolamento social e a inatividade cognitiva são outros. Numa fase inicial da demência os sinais são muito discretos, sendo de extrema relevância o seu diagnóstico precoce. Apatia, resistência à mudança, discernimento reduzido, comprometimento da vida diária, egocentrismo exacerbado, memória a curto prazo comprometida, repetição de palavras, irritação e desconfiança em relação aos outros, são sinais de alerta. Numa fase posterior, a demência moderada, existem sinais visíveis e incapacitantes: a memória a curto-prazo fica comprometida e há um retorno aos acontecimentos guardados na memória a longo prazo, falam, por exemplo, dos pais como se estivessem vivos e assumem comportamentos que tinham em criança. Há perda de orientação no tempo e no espaço, podem facilmente perder- -se. Comportamentos, por vezes, inadequados como, por exemplo, despir roupas em público. A deambulação e frustração são também sinais da instalação desta fase da demência. Na última fase da demência, demência avançada, surge a agressividade, a agitação noturna, a inquietação e perda da memória a curto prazo, não reconhecendo a família nuclear e amigos mais próximos e lugares que lhe eram familiares, incluindo a própria casa. A capacidade de compreensão e/ou linguagem estão comprometidas e apresenta dificuldade na locomoção com movimentos incontrolados e surge a incontinência.

Que estilo de vida para uma velhice com sucesso? Velhice com sucesso implica vitalidade cognitiva, física e social, nas palavras de Marcus Túlios Cícero “To live is to think”. Essa vitalidade cognitiva parece estar fortemente associada a um compromisso ocupacional e social numa constante aprendizagem ao longo da vida. Indivíduos com interações sociais satisfatórias que promovam a autoeficácia e atividades intelectuais complexas, poderão estar protegidos, em relação à demência, no último ciclo de vida. Assim: » Faça um controlo do seu peso - O excesso de peso e a obesidade aumentam a probabilidade de ter demência no futuro; » Beba álcool com moderação - O seu excesso afeta o Sistema Nervoso Central, provoca diminuição da memória e do desempenho cognitivo; » Não fume - A longo prazo o tabaco é prejudial às funções cognitivas; » Exercite-se e faça-o em grupo pois propicia o convívio social e combate o isolamento e a solidão. A prática regular de exercício físico tem efeitos positivos na saúde cardiovascular e respiratória, favorecendo a oxigenação cere

© AFP Photo/ Michele Bancilhon

Segundo Simone de Beauvoir, “Viver é envelhecer, nada mais”

bral e, consequentemente, um melhor desempenho cognitivo. A nível motor aumenta a força, o equilíbrio, a coordenação, a flexibilidade e a resistência; Estimule a atividade cerebral - Leia livros, jornais e revistas, faça palavras cruzadas e jogos que envolvam cultura geral, aumente o seu vocabulário, escreva sobre qualquer coisa, aprenda uma nova língua, resolva problemas, vá ao teatro e ao cinema, são alguns dos exemplos para manter a sua mente ativa e saudável; Tenha uma vida social ativa - As pessoas que se mantêm ativas socialmente durante o ciclo de vida mantêm até mais tarde as funções cognitivas e correm menor risco de declínio cognitivo; Mantenha o seu sono regular - Os distúrbios do sono como a insónia crónica têm sido associados a um aumento do risco de declínio cognitivo na velhice. É, pois, importante man

ter padrões de sono regular, dormindo horas suficientes e de qualidade; Não abuse da medicação - Alguns medicamentos como as diazepinas provocam alterações na memória diminuindo o desempenho cognitivo.

Todas as teorias do envelhecimento assentam no pressuposto de que existe alteração na atividade cognitiva com o decorrer dos anos, mas segundo a Teoria do Ciclo de Vida esta alteração não é universal, é multidimensional, multidirecional e com grande diversidade de plasticidade. Estilo de vida saudável, treino e prática em todas as áreas vitais, serão estratégias positivas para se manter uma vida ativa. “Use it or loose it” define que declínio nos mais velhos está mais associado à falta de uso das capacidades do que a perdas irreversíveis.

Segundo Simone de Beauvoir, “Viver é envelhecer, nada mais”.

UM CASO DE SUCESSO

“Comecei a trabalhar desde muito novo”, começa o Sr. J. “Aos doze anos já ajudava em casa na venda do que se produzia no campo. Eram outros tempos e toda a ajuda era necessária para o sustento da família. Desde aí nunca mais parei. Fui o homem dos sete ofícios [riu-se]. Tudo o que ajudasse eu fazia [vendi legumes e fruta, agricultor, cantoneiro, jardineiro, trabalhei como ourives e num escritório]. Viajei bastante para vender a obra que fazia aos meus clientes. Parei com 88 anos e estou perto dos 91 [riu-se]. Sempre gostei de participar em tudo. De ajudar. Sinto-me feliz assim. Apesar de ter algumas limitações, [são 90 não é!] continuo a fazer tudo. Gosto muito de passear a pé, quando o tempo o permite, de ver as lojas, cumprimentar as pessoas, de ver como vai a vida. De tarde vou ter com os meus amigos para jogarmos cartas e pôr a conversa em dia. Há sempre histórias novas para ouvir e comentar. Continuo a ir ao médico. Faço questão de ter as consultas em dia porque me preocupo com a minha saúde. Vou fazer as minhas aná

lises de rotina [sou eu que vou ao laboratório levantar] e tenho sempre a medicação em dia. Nunca fumei [desperdício de tempo e de dinheiro] e sempre tomei um copo de vinho ao almoço. A alimentação sempre foi saudável. Comi sempre com moderação. Era o que a terra nos dava e os animais que criávamos. Durante a semana sempre que é necessário vou ao supermercado para fazer as compras para a casa. Aos domingos vou sempre dar a minha voltinha de carro, sempre por perto porque as estradas estão muito diferentes e tenho receio de me perder. Ainda tenho um campo que dá fruta e sempre que é a época de as apanhar sou eu que lá vou para a trazer para casa e distribuir pela família. Gosto muito de ler o jornal, ler todas as revistas que os meus filhos me trazem, ver o telejornal, ver os programas sobre a selva [gosto muito de animais]. Sempre fui muito vaidoso, quase sempre demoro uma hora na casa de banho [riu-se], gosto muito de estar cheiroso e de ter sempre a roupa limpa. Estou mais velho sim, mas não me sinto como tal. Ainda me sinto útil e enquanto me sentir assim não vou parar”.

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