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O papel do Médico de Família na
from DIGNUS nº1
by cie
O papel do Médico de Família na demência Prevenir antes de diagnosticar

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Elisa Serôdio


Medicina Geral e Familiar
Ademência é o maior desafio global para a saúde no século XXI. É definida como sendo um declínio cognitivo, em vários domínios (memória, comunicação, raciocínio), que dificulta as capacidades funcionais do indivíduo. Em 2015, cerca de 47 milhões de pessoas estavam diagnosticadas com demência e as estimativas apontam para que este número triplique até 2050.
A posição do Médico de Família no sistema de saúde e as responsabilidades de prevenção e de promoção de saúde dos doentes implicam uma atividade clínica centrada na pessoa mas que tenha em conta o seu contexto familiar, social, laboral e cultural. O Médico de Família, pela sua proximidade nos cuidados de saúde, tem um papel fundamental no diagnóstico precoce da deterioração do estado cognitivo e fase inicial de uma demência, uma vez que ao acompanhar o seu doente ao longo da vida, está mais atento a pequenas alterações de comportamento e de memória.
No diagnóstico da fase inicial de uma demência, é importante estar atento a pequenas mudanças. O alerta surge muitas vezes pela presença de alterações cognitivas, como alterações da memória, dificuldade na comunicação escrita e falada, não reconhecimento de acontecimentos comuns e desorientação ou alterações funcionais como di- ficuldade na execução de atividades de vida diária (no trabalho, na condução, no uso de dinheiro), descuido pessoal/doméstico ou desorientação espacial/temporal. São também frequentes problemas como delírio, agitação, insónia/inquietação noturna ou alterações de personalidade com manifestação de afetos inapropriados, embotamento ou desinteresse, discursos agressivos/explosivos ou sexualidade exagerada. Podem estar associados sintomas psiquiátricos como humor deprimido, ansiedade, insónia, apatia, alucinações, desconfiança/paranóia e consequente isolamento social. A evolução da doença é muitas vezes lenta. Numa fase inicial ocorrem pequenas falhas, como por exemplo, atingimento da memória. Os erros e as dificuldades vão-se agravando começando a ser percetíveis pelos familiares. Há, muitas vezes, deterioração da personalidade, dificuldade de reconhecer familiares e amigos, desorientação e perturbação do discurso. Podem também, apresentar hiperatividade/ agressividade ou alucinações.
As demências podem ter múltiplas causas. As demências primárias ou degenerativas afetam principalmente as pessoas mais idosas, sendo a Doença de Alzheimer a mais frequente, seguida pelas demências de causa vascular. As demências podem, ainda, ser secundárias a outras patologias, sendo fundamental um correto e precoce diagnóstico, tendo em atenção a possível reversibilidade do quadro. Para tal, é importante considerar os antecedentes pessoais, como hábitos medicamentosos e tóxicos, traumatismos e a história familiar.
O Médico de Família perante a suspeita de um quadro demencial exclui as causas tratáveis que podem justificar estas alterações, como alterações metabólicas/endócrinas, infeciosas, tóxicas, medicamentosas, carências de vitaminas, entre outros. Para tal, faz um estudo com recurso a análises de sangue e imagem cerebral, como por exemplo, TAC. Para além da informação obtida na entrevista clínica ao doente, aos familiares e ao cuidador, o diagnóstico é muitas vezes complementado um exame físico completo e exame neurológico. Há, ainda, espaço para a aplicação de escalas de avaliação funcional e do estado mental como o Mini Mental State Examination (MMSE) e de outros exames complementares de diagnóstico, caso sejam necessários. “O Médico de Família, pela sua proximidade nos cuidados de saúde, tem um papel fundamental no diagnóstico precoce da deterioração do estado cognitivo e fase inicial de uma demência (...)”
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Fator de risco Mecanismo de ação
Baixa escolaridade
Perda auditiva Associada ao aumento do risco de desenvolver demência. Pode aumentar a vulnerabilidade ao declínio cognitivo, uma vez que reduz a reserva cognitiva, fundamental para a manutenção da função cerebral.
Aumenta o risco a longo prazo de declínio cognitivo e demência em indivíduos que estão cognitivamente bem. O mecanismo ainda não é conhecido mas pode estar associado ao isolamento social, depressão e atrofia cerebral acelerada.
Redução no exercício físico
Diabetes, obesidade e hipertensão arterial
Tabagismo
Depressão
Isolamento social Relação inversa entre a prática regular de exercício físico e o risco de demência. A atividade física tem um efeito protetor contra o declínio cognitivo e tem outros benefícios como melhorar o equilíbrio, redução de quedas, melhoria do humor.
São fatores de risco vasculares que podem condicionar várias alterações cerebrais.
Associação entre o tabagismo e a patologia cardiovascular, mas também o fumo do tabaco contém neurotoxinas, que aumentam o risco.
Pode aumentar o risco de demência pelo atingimento das hormonas de stress, fatores de crescimento cerebral e volume de regiões cerebrais.
É um fator de risco para demência, aumenta o risco de hipertensão, doença coronária e depressão. Leva a uma inatividade cognitiva, que está ligada ao declínio cognitivo e à alteração do humor.
Fator preventivo Intervenção
Alimentação saudável
Treino cognitivo Possível proteção cognitiva através de uma alimentação saudável, nomeadamente com a dieta mediterrânica, com consumo de peixe rico em Ómega 3, frutos secos, fruta, cereais, azeite e pouco consumo de carnes vermelhas, gorduras saturadas e açúcares refinados e consumo moderado de álcool.
Tem como objetivo potenciar as capacidades intelectuais de um indivíduo. Atividades que estimulem a atividade cerebral reduzem o risco de declínio cognitivo e de demência. O treino da memória normalmente ensina mnemónicas, estratégias de concentração e de atenção, de relaxamento, de motivação, de resolução de problemas. Atividades de lazer que estimulem o intelecto, como jogos de computador, puzzles e leitura, ler um livro por mês, ler jornais, experimentar uma atividade de lazer nova (pintura, música,…).
Exercício físico regular
Escolaridade
Interação social Os indivíduos que praticaram mais exercício físico ao longo da vida estão menos propensos ao desenvolvimento de declínio cognitivo ou demência. O exercício aeróbico (corrida, marcha e treino de resistência) parece ser aquele com maior efeito preventivo, por exemplo, 30 minutos de caminhada, duas vezes por semana.
Altos níveis de educação são preditivos de melhor funcionamento cognitivo. A educação funciona então como uma proteção contra demência e, simultaneamente, como um mecanismo compensatório de declínio já existente.
Atividade social que exige contacto interpessoal, como idas à igreja, visitas a familiares ou amigos, participação em voluntariado e envolvimento em eventos sociais e atividades mentais como ler, aprender a tocar um instrumento, a jogar cartas ou fazer costura parecem ter um efeito protetor.
Estado emocional
Prevenção cardiovascular A exposição repetida e prolongada a ansiedade, depressão e stress pode ser prejudicial à saúde neuronal e, portanto, à função e reserva cognitiva. Deve-se promover a toma de medicação prescrita, a prática de exercícios de relaxamento, o convívio com os outros.
Mas tão ou mais importante do que um diagnóstico precoce, é fundamental prevenir ou atrasar o aparecimento do declínio cognitivo e dos quadros demenciais. E neste âmbito, o Médico de Família tem um papel essencial. O declínio cognitivo consiste na perda progressiva das capacidades cognitivas, que habitualmente acompanham o envelhecimento. Tem grande impacto social e está associado ao aumento da esperança média de vida. Fatores relacionados com o estilo de vida podem reduzir ou aumentar o risco individual de desenvolver demência, tais como fatores de risco cardiovasculares, incluindo diabetes, hipertensão e obesidade na meia-idade, inatividade física, tabagismo, depressão e baixa escolaridade. Alguns fatores de risco de demência, incluindo doença cerebrovascular, doença metabólica e fatores psiquiátricos, dieta, estilo de vida e educação são potencialmente modificáveis (Tabela 1).
O Médico de Família pode intervir ativamente nestes fatores de risco modificáveis, por um lado, incentivando a adoção de estilos de vida saudáveis e, por outro, controlando doenças de base como a hipertensão, a diabetes, a hipercolesterolemia (Tabela 2). O Médico de Família deve estimular um envelhecimento ativo e saudável ao longo do ciclo de vida dos seus doentes, acompanhando o seu processo de envelhecimento.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, o envelhecimento ativo e saudável é um processo de otimização das oportunidades para a saúde, para a melhoria da qualidade de vida à medida que as pessoas envelhecem, bem como o processo de desenvolvimento e manutenção da capacidade funcional, que contribui para o bem-estar das pessoas idosas. A capacidade funcional é o resultado da interação da pessoa com o meio, com a participação contínua na vida social, económica, cultural, espiritual e cívica.
A família, a comunidade e a sociedade têm um forte impacto na forma como se envelhece. Assim, aumentar a capacidade funcional das pessoas idosas é fundamental. Para tal devese promover um investimento no aumento na educação infantil, em hábitos de vida saudáveis, relações sociais e controlo de fatores de risco cardiovasculares.
Referências bibliográficas 1. Frankish, H., R. Horton (2017). Prevention and management of dementia: a priority for public health. Lancet 390(10113): 2614-2615. 2. Andreia Silva da Costa, D.G.S. (2016). Estratégia nacional para o envelhecimento ativo e saudável 2017-2025. DGS: 52. 3. W. H. O. (2018). Towards a dementia plan: a WHO guide. 78. 4. Chen, S. T., et al. (2018). Health-Promoting Strategies for the Aging Brain. Am J Geriatr Psychiatry. 5. Rui Pereira Alves, A. I. C. (2010). O papel do Médico de Família no diagnóstico e seguimento dos doentes com declínio cognitivo e demência. Rev Port Clin Geral: 69-74.