19 minute read

ferramentas diárias do nosso trabalho

4.º Congresso Nacional “Voz aos Cuidadores” “O cuidador tem a capacidade de nos tirar da solidão”

texto e fotos por André Manuel Mendes

Advertisement

“O cuidador tem a capacidade de nos tirar da solidão”. Esta frase proferida pelo Padre José Barros deu o mote para o início do 4.º Congresso Nacional “Voz aos Cuidadores”, uma iniciativa do Centro Social Paroquial Padre Ângelo Ferreira Pinto que decorreu no Salão Paroquial de Perafita no passado dia 22 de fevereiro de 2019.

Durante este dia juntaram-se em Perafita, Porto, aproximadamente 160 pessoas entre participantes, staff e oradores, para partilhar experiências, projetos, iniciativas e testemunhos de uma temática bastante premente da atualidade, os cuidadores, formais e informais, e a forma como deve ser encarada esta atividade do ponto de vista da sociedade e das instituições.

“Numa altura em que se debate o estatuto do Cuidador Informal, saindo recentemente um conjunto de medidas governamentais que lançaram o tema para a discussão pública, consideramos que esta iniciativa surge no momento certo, sen

do o nosso contributo para reflexão, debate e implementação de possíveis medidas de apoio ao cuidador e às famílias. Como instituição ‘Cuidadora’, interessa-nos sobretudo que o tema seja discutido, por várias perspetivas e diferentes opiniões, promovendo e sendo promotores da mudança”, sublinhou Joaquim Pinto, responsável pelos Serviços de Psicologia do Centro Social Paroquial Padre Ângelo Ferreira Pinto.

Ser cuidador, hoje O Presidente da Direção do Centro Social Paroquial Padre Ângelo Ferreira Pinto, o Padre José Barros, deu as boas vindas aos participantes deste evento enaltecendo todo o trabalho dos cuidadores e salientando que todos somos cuidadores.

O primeiro painel do dia intitulado “Cuidar Hoje – Respostas e Modelos” teve início com a intervenção de Isabel Marques, Técnica de Gerontologia e representante da Associação Nacional de Cuidadores Informais (ANCI). Isabel Marques começou por dar a conhecer a origem da Associação Nacional de Cuidadores Informais, uma organização criada por um grupo de pessoas cuidadoras de idosos com demência. “Essas pessoas começaram a sentir o desgaste e a falta de apoios ao serem cuidadores, não tinham forma de trabalhar e cuidar, não tinham descanso, apoio, conhecimentos, e começaram a fazer encontros nacionais com a temática das demências”, sublinhou, salientando que a sua fundação teve origem em Lisboa em 2016 quando lançada a petição para o estatuto de Cuidador Informal, petição que foi entregue na Assembleia da República em novembro do mesmo ano, e tendo o lan

Isabel Marques.

Maria João Quintela (à esquerda) e Carla Ribeirinho (à direira).

çamento oficial da associação sido oficializado no 3.º Encontro Nacional de Cuidadores Informais de Demência com o objetivo de defender a criação de um estatuto para o Cuidador Informal. Segundo a Técnica de Gerontologia, “há mais de 8000 Cuidadores Informais em Portugal sendo que cerca de 6000 destes são Cuidadores Informais 24 horas por dia”, uma tarefa que exige “um grande esforço físico, psíquico, social e económico”.

A realidade do que é ser Cuidador Informal em Portugal prende-se com diversas dificuldades, nomeadamente em encontrar apoios para a pessoa dependente, principalmente no que respeita a vagas em unidades de apoio, IPSS, rede nacional de cuidados continuados. “As perguntas que se impõem são: o que vamos fazer com este idoso? Vamos pedir baixa médica para responder à primeira necessidade? Vamos organizar a casa para que possa ser acessível a uma cadeira de rodas e ver com que meios vamos viver?”.

Destas questões advém a necessidade da criação do estatuto do Cuidador Informal, pelo facto de atualmente existirem pessoas que não têm rendimento suficiente para suportar uma situação destas e pelo facto de existir uma grande falta de formação na área da saúde para proceder aos cuidados corretos e necessários. “Primeiro deve-se capacitar os familiares, o Cuidador Informal, porque uma família só funciona quando há harmonia”, sublinhou, acrescentando a necessidade de haver capacitação e posteriormente apoios laborais para não se perder a carreira contributiva.

Maria João Quintela, consultora da DireçãoGeral de Saúde, Vice-Presidente da Sociedade Portuguesa de Geriatria e Gerontologia e Presidente da Associação Portuguesa de Psicogerontologia, tomou a palavra para a seguinte intervenção, sublinhando que na maior parte dos casos falamos de cuidadoras, pois são principalmente as mulheres que assumem este tipo de tarefas.

“Somos todos cuidadores, não para obter estatuto, mas para fazer justiça às pessoas que são cuidadas”, afirmou Maria João Quintela, mostrando a sua oposição em relação à criação do estatuto do Cuidador Informal porque acredita que “este encerra aquilo que não é encerrável em nenhum estereótipo, a família. Somos todos cuidadores, mas a verdade é que apenas alguns vão obter o estatuto”. Deve-se ter uma visão alargada de quem são os cuidadores pois na maior parte dos cuidados prestados às pessoas com dependência devemos diferenciar os jovens e crianças com dependência dos mais velhos, pois todos os casos devem ser analisados nas circunstâncias de cada um.

Maria João Quintela defendeu a criação de políticas concertadas, multidisciplinares e integradas. Sublinhou ainda que os órgãos públicos se preocupam com a idade da reforma, mas não se preocupam com o “day after”, ou seja, nos restantes anos que o cidadão tem de vida e que deve ter condições e dignidade.

“Como gostaríamos de ser tratados?”. Esta foi a pergunta que ficou no ar. Olhos postos no Cuidador Formal Carla Ribeirinho, Licenciada, Mestre e Doutorada em Serviço Social, docente do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, consultora e supervisora profissional na área do serviço social e da gerontologia social, focou inicialmente a sua intervenção naqueles que são os negligenciados(as) do setor social, os Cuidadores(as) Formais, as que, segundo a docente, “nem sequer têm nome “há mais de 8000 Cuidadores Informais em Portugal sendo que cerca de 6000 destes são Cuidadores Informais 24 horas por dia. ”

concreto pois nuns locais são auxiliares de ação direta, noutros auxiliares de geriatria, auxiliares de serviços gerais, mas na verdade representam o batalhão da linha da frente nos cuidados às pessoas idosas em situação de dependência”.

Cuidar de pessoas idosas dependentes é um quadro muito complexo, não apenas pela exigência física, psicológica e emocional associada à prestação de cuidados mas também do ponto de vista da ética, dos conhecimentos que são necessários para essa intervenção, das metodologias, das técnicas, da interceção entre a área social e da saúde que levantam múltiplas exigências do ponto de vista daquilo que são os referenciais das necessidades e das competências necessárias para trabalhar nesta área. “Neste sentido considero que prestar cuidados a pessoas idosas, sobretudo aquelas em maior situação de vulnerabilidade ou dependência, que seja do ponto de vista do Cuidador Formal ou Informal, representa múltiplos desafios”, explicou Carla Ribeirinho, acrescentando que há uma relação direta entre os índices de burnout dos trabalhadores e a violência institucional sobre os idosos dependentes. Os maus tratos institucionais, sejam diretos ou indiretos, a forma como as instituições estão organizadas são um dos potenciais riscos do aumento da prevalência da violência nas instituições

Carla Ribeirinho destacou a importância da formação, “não apenas a formal em contexto de sala, mas sim a humana, de vocação, de dom, de compaixão, de gostar do que se faz, de amor, de entrega, são tudo conceitos eventualmente pouco técnicos mas se formos rever os fundamentos da ética, da bioética, os fundamentos pelos quais decidimos trabalhar nesta área”.

“O que defendo é que os colaboradores das instituições devem ser uma preocupação de elevada centralidade quando estamos a falar na área de prestação de cuidados em Portugal, porque é importante cuidar das pessoas que cuidam. É imprescindível que as instituições prestem, para além do suporte efetivo, algum suporte afetivo”, sublinhou, defendendo que o papel dos gestores e supervisores passa por transmitir “coragem, saber comunicar de forma eficaz e perceber que cada um dos auxiliares é uma pessoa, uma vida, uma expetativa, um sonho, um projeto, é saber que as pessoas têm que ser geridas de forma diferente, generosidade, inspiração, humildade, paixão, capacidade de infetar os outros com paixão e alegria, autenticidade, responsabilidade, propósito”.

Catarina Couto Viana (à esquerda) e Carla Ribeirinho (à direita).

Projetos, iniciativas e testemunhos de e para cuidadores Catarina Couto Viana apresentou o projeto “Bolsa de Cuidadores de apoio ao Cuidador Informal” da Câmara Municipal de Matosinhos.

A bolsa de cuidadores está inscrita no Plano Municipal de Saúde de Matosinhos, nomeadamente num eixo que prevê a capacitação das pessoas para a melhoria e manutenção da sua saúde. “Nós fundamentamos a conceção deste projeto em três grandes razões: vivemos numa sociedade cada vez mais envelhecida onde o apoio ao cuidado informal numa comunidade é fundamental; os Cuidadores Informais são referidos normalmente como tendo pior qualidade de vida em relação à população em geral, acrescendo que estas pessoas têm mais riscos de isolamento, pobreza e de problemas de saúde físicos e psicológicos; a exaustão e o esgotamento das pessoas que cuidam coloca em risco a prestação dos cuidados e pode conduzir à institucionalização”, explicou Catarina Couto Viana. A bolsa de cuidadores foi criada de modo a permitir que as pessoas Cuidadoras Informais pudessem dedicar-se a outra atividade, através do apoio de Cuidadoras Formais com perfil para o efeito. Destina-se a pessoas que cuidam de dependentes por doença, envelhecimento e deficiência, nesta ordem de prioridade. Este é um projeto-piloto entre os anos de 2018 a 2020 e terá um âmbito territorial no concelho de Matosinhos,

Miguel Pereira, enfermeiro e membro da Equipa de Cuidados Paliativos da Unidade Local de Saúde de Matosinhos (ULSM), trabalha nesta

“Somos todos cuidadores, não para obter estatuto, mas para fazer justiça às pessoas que são cuidadas”

equipa há 11 anos. Segundo o mesmo, “Cuidados Paliativos são uma abordagem que melhora a qualidade de vida dos doentes e das suas famílias quando são confrontados com uma situação ameaçadora da sua vida. Através de prevenção e alívio do sofrimento, identificação precoce, avaliação e tratamento da dor e outros problemas físicos, psicossociais e espirituais”.

A Equipa de Cuidados Paliativos é uma equipa interdisciplinar que tem como missão prestar cuidados de saúde de modo a melhorar a qualidade de vida de doentes e cuidadores, relacionada com problemas associados a doenças incuráveis, promovendo a continuidade de cuidados de saúde na ULSM. Esta equipa é composta por médicos, enfermeiros, uma assistente social e um psicólogo e assenta em 4 pilares fundamentais: controlo de sintomas; comunicação adequada; trabalho em equipa; apoio à família. “A família para nós funciona como unidade de cuidados através da identificação das necessidades fundamentais para esse doente e para essa família. A Equipa de Cuidados Paliativos atua na supressão das necessidades que determinada família apresenta”, explicou o enfermeiro Miguel Pereira, acrescentando que a Unidade de Cuidados Paliativos tem ainda outra valência que disponibiliza, o apoio ao luto, fazendo seguimento das pessoas em período de luto, uma ferramenta de extrema importância que valoriza o Cuidador Informal.

A parte da tarde do 4.º Congresso Nacional “Voz aos Cuidadores” iniciou-se com um conjunto de testemunhos que espelharam as diferentes vertentes do ser cuidador, contando com a participação de Joe Santos, Co-Fundador da Associação Vencer Autismo, Tchisola Félix na perspetiva de Cuidadora Informal de uma criança, Sílvia Moutinho na perspetiva de Cuidador Informal de um adulto e Tânia Costa, Assistente na Universidade Católica Portuguesa e integrante no projeto “Experimentando ser Idoso” da Escola de Enfermagem - Centro Regional do Porto. Para finalizar, o jornalista da RTP Mário Augusto e Luísa Salgueiro, Presidente da Câmara Municipal de Matosinhos fizeram as suas intervenções na última temática do dia intitulada “Cuidar Amanhã – Respostas e modelos”.

Para a organização do 4.º Congresso Nacional “Voz aos Cuidadores” o balanço foi globalmente positivo. “Para além da aquisição de conhecimentos e novas competências, foi possível trazer até nós um conjunto de testemunhos enriquecedores. Tivemos o privilégio de reunir um conjunto de oradores excecionais, capazes de transmitir conhecimento de um modo objetivo e ao mesmo tempo de um modo emotivo. Ficamos com um sentimento de satisfação por poder fazer parte de uma instituição que contribui para o debate de temas abertos a discussão pública e da atualidade”, destacou Joaquim Pinto, acrescentando que este eventou possibilitou a partilha de ideias e afetos entre as instituições locais, numa perspetiva de crescimento contínua.

José Eduardo Pinto da Costa

“Quando tinha 20 anos corria para apanhar o autocarro, hoje não corro, mas faço exatamente o mesmo percurso”

texto e fotos por André Manuel Mendes

Nascido a 3 de abril de 1934 na cidade do Porto, José Eduardo Pinto da Costa é uma figura incontornável da sociedade portuense, da medicina nacional e internacional e, acima de tudo, um verdadeiro exemplo de como o envelhecimento deve ser encarado, com atitude, motivação e projetos de futuro.

Autor de inúmeros livros, estudos e artigos de opinião, publicados em vários órgãos da comunicação social, José Eduardo Pinto da Costa é licenciado em Medicina e Cirurgia com especialidade na Ordem dos Médicos de Medicina Legal, sendo atualmente Professor Catedrático de Medicina Legal na Universidade Portucalense e diretor científico do Instituto CRIAP. A Dignus encontrou José Eduardo Pinto da Costa no Centro Médico Legal do Porto, num escritório adornado com história e com recordações do seu passado e presente, refletindo os projetos e feitos almejados para o futuro. Com ele falamos sobre a sua história, a sua vida, percurso e também sobre como envelhecer de uma forma saudável e ativa.

Dignus: O que o levou à área da Medicina Legal? José Eduardo Pinto da Costa (JEPC): Foi uma coincidência. De acordo com a minha personalidade, interessei-me sempre pelas grandes causas, pelo trivial que hoje se refere como cidadania, do comportamento humano, pela integração da pessoa humana na proximidade, no seu meio ambiente.

Fui aluno de medicina, entrei para a faculdade em 1953, terminei o curso em 1959 e de seguida tínhamos um estágio e a entrega de uma tese de licenciatura. Era tradição quando um assistente morria ou deixava as suas funções, o docente da cadeira escolher alguém para o substituir. Como tinha sido bom aluno foi-me feito um convite e eu achei-o muito honroso e fiquei interessado porque correspondia à perspetiva de vida que eu imaginava. Ainda hoje não decido tudo no próprio dia, gosto de me aconselhar com o travesseiro, falei com a minha mãe que apoiou a minha decisão em aceitar a proposta.

Naquele tempo a Medicina Legal não era vista da mesma forma e estava muito vinculada ao conceito de morte. A Medicina Legal é muito mais para além dos mortos. Aqui no Porto, quando se fazem 1000 autópsias por ano, números redondos, é normal fazerem-se 10 000 exames de vivos, portanto quando falamos em Medicina Legal ela será privilegiadamente muito mais uma Medicina Legal de vivos do que propriamente de mortos. A Medicina Legal resulta como aplicação de conhecimentos médico-psico-biológicos ao Direito nas suas mais diversas manifestações seja Direito Criminal, do Trabalho, Desportivo, Civil, entre outros.

Em 1959 entrei para fazer o estágio na área da Medicina Legal e elaborei uma tese de licenciatura, “Morte por Ação do Óxido de Carbono”, peguei num assunto que era pouco estudado na ocasião e a minha tese até foi referenciada numa revista internacional da Interpol.

A amplitude da Medicina Legal foi o que me levou a despertar o interesse por estas ciências.

“Ainda hoje não decido tudo no próprio dia, gosto de me aconselhar com o travesseiro (...) ”

Dignus: O que faz o Doutor José Eduardo Pinto da Costa nos seus tempos livres? JEPC: Nos meus tempos livres, que são bastante reduzidos, gosto muito do contacto com a natureza. Tenho uma casa em Arcos de Valdevez onde se ouvem os passarinhos e as abelhas. É aquilo que, como hobbie, sempre que possível, gosto de fazer e gosto de passar lá várias temporadas, embora poucas devido aos meus compromissos. Gosto de escrever, gosto de ler, não há dia nenhum em que não leia seja o que for como também não há dia nenhum que não escreva. Gosto muito de conviver e acho que a pior coisa que pode haver na natureza é a solidão, ela que é o mal de todos os aspetos negativos da vida… Nós não nascemos para estar sós, nascemos para viver em sociedade, em socialização.

Dignus: Então para combater a azáfama do dia a dia aproveita os tempos livres para si, para descansar, para fazer aquilo que gosta? JEPC: O problema é que para descansar tenho que me cansar primeiro, e eu dificilmente me canso. Eu também só faço aquilo que gosto no dia a dia, digo muitas vezes que nunca trabalhei na vida porque tudo o que fiz empenhei-me com gosto, tenho satisfação e dá-me prazer.

Dignus: O aumento da longevidade da população portuguesa é um facto apreciável, mas a qualidade dos anos de vida ganhos apresenta ainda um potencial para melhorar. Considerando o conceito de envelhecimento ativo proposto em 2002 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como se pode potenciar essa melhoria? JEPC: A questão não é apenas o durar mais anos, a qualidade com que se vive é muito importante. Isto vem tudo da conceção positiva que a pessoa tiver. Face a qualquer acontecimento que nos aconteça, qualquer perceção que entra no nosso cérebro é logo dividida: quero ou não quero, dá-me prazer ou não me dá prazer. Devemos ter um sistema que seja próprio, resultante da aprendizagem porque do ponto de vista epidemiológico as pessoas que encaram a vida de uma forma positiva, mesmo durante doenças cancerosas ou outras patologias, duram mais 7 anos e meio que as outras pessoas. Porquê? Porque todo o meio ambiente, tudo aquilo que observamos e que nos entra pelos olhos, pelos ouvidos, através do cheiro, vai estimular as células nervosas para

que elas reajam de modo a que através do ADN elas se multipliquem de uma maneira razoável. Se houver algum aspeto negativo traduz que o desenvolvimento da célula não está a ser o normal e, portanto, começam a surgir defeitos celulares que se vão transmitindo a outras células e assim sucessivamente.

O grande segredo é cumprir os mínimos do ponto de vista psicobiológico, pois temos uma dinâmica neuromuscular. Tem que se dar pelo menos 10 000 passos por dia, como também somos fundamentalmente feitos de água tem que se beber oito copos de água por dia em média, mesmo que não tenha sede, também é necessário dormir, o sono é fundamental porque toda a capacidade de funcionamento das células depende do sono. O sono é imprescindível para a nossa capacidade de memória.

Lutamos muito contra o cancro mas estamos a construir uma sociedade de cancerosos porque não deixamos a natureza terminar o seu percurso chamado Apoptose, ou seja, as nossas células num sistema cibernético têm o seu fim, mas nós não deixamos, hoje prolongamos artificialmente a vida até a um ponto em que já não existe uma capacidade biológica de as células se dividirem, e como foi ultrapassado esse limite biológico razoável, começam a produzir-se em excesso, anarquicamente, gerando as metástases cancerosas entre outros. O problema do stress também aumenta a probabilidade de um indivíduo ter um cancro.

Conhecidos esses elementos deve-se definir se se deve seguir a minha teoria, que é a do “Que se lixe”, ou seja não dar demasiada importância áquilo que na vida não tem importância nenhuma, tentar interiorizar e dar a volta. Porque é que hoje se utiliza tanto o ioga? Exatamente porque está provado estatisticamente que o ioga vem de alguma maneira anular o problema do stress, relaxa os músculos, relaxa a mente e, portanto, diminui a intensidade do metabolismo.

Dignus: E qual a sua posição em relação à eutanásia? JEPC: A minha resposta é ambivalente. Do ponto de vista teórico sim, do ponto de vista prático não. Do ponto teórico, olhando de uma perspetiva

“A questão não é apenas o durar mais anos, a qualidade com que se vive é muito importante. Isto vem tudo da conceção positiva que a pessoa tiver.”

filosófica considero que aquilo que temos de mais importante é a liberdade, a liberdade é mais importante que a vida. Do ponto de vista prático eu digo que não porque a legalizar a eutanásia quem é que iria ser penalizado? Os pobres, os dementes, os velhos, aqueles que não têm capacidade de discernir ou de se opor a uma proposta que seja feita.

Está em discussão atualmente na Holanda a eutanásia que está a ser praticada sem conhecimento dos interessados. A eutanásia tem 3 versões: a eutanásia voluntária, a eutanásia involuntária, onde existe uma coação para a prática da mesma por terceiros, e a eutanásia não voluntária, sem conhecimento dos interessados.

Dignus: Numa entrevista afirmou: “A morte ainda continua a ser um tabu porque não há uma educação para a morte”. Em que consiste esta educação para a morte? Como se pode lidar com a morte? JEPC: A educação para a morte seria que todos nós, desde crianças, tivéssemos conhecimento que nascemos e que havemos de morrer, o que em regra não acontece. Aquele conhecimento a posteriori quando a criança se consciencializa da realidade faz com que criem mecanismos de rejeição, de frustração, de não aceitação porque alguém lhe mentiu e começa a criar-se um tabu. Deve-se, com naturalidade, proporcionar os tais meios de educação no sentido que a pessoa pode ser feliz com o seu próprio corpo. E a primeira coisa é que cada um comece a gostar do seu próprio corpo desde muito novo. A autoestima hoje é fundamental para a harmonia psicobiológica.

Dignus: O facto de as pessoas com idade mais avançada sentirem o aproximar da morte faz com que, psicologicamente, se sintam num percurso descendente? JEPC: Sim, exatamente, um caminho descendente. Do ponto de vista epidemiológico um indivíduo já com uma certa idade que faz projetos para o dia seguinte, para o mês que vem, para o ano que vem, tem uma capacidade de sobrevivência muito maior do que aquele que se senta à espera da morte. Isto é extremamente negativo e vai alterar todo o mecanismo biológico. A nossa funcionalidade depende da troca de informações através de 100 mil milhões de neurónios que temos na cabeça. Se eu me convencer que vou morrer amanhã, morro mesmo amanhã.

Dignus: Qual o segredo para manter uma vida ativa e saudável ao longo de tantos anos como é o seu caso? JEPC: É muito simples, é uma questão de humildade. Quando tinha 20 anos corria para apanhar o autocarro e fazia um determinado percurso, hoje não corro, vou muito mais devagar, mas faço exatamente o mesmo percurso que fazia quando tinha 20 anos. É a humildade que temos ao saber calibrar e administrar as energias que temos, aquelas que vamos perdendo e com isso, sem ficarmos frustrado, tendo a realidade do que cada um é capaz.

This article is from: