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As cAsAs tipo câmArA
Foram essenciais para que muitas famílias pudessem ter uma habitação própria. Ao mesmo tempo, permitiram disciplinar o território e evitar a proliferação da construção clandestina. Mais de meio século depois, os projetos das "Casas da Câmara", como eram designados, deixaram uma marca na paisagem da freguesia do Castelo que nos remete para os primeiros anos do Poder Local Democrático.
uem circula pela freguesia do Castelo com o olhar atento, repara num tipo de moradia cuja arquitetura se vai repetindo, embora com pequenas alterações. A explicação para este facto é simples. Nos primeiros anos após o 25 de Abril, e até ao início do século XXI, a Câmara Municipal de Sesimbra desenvolveu um projeto-tipo de habitação unifamiliar disponibilizado sem custos a famílias com baixos recursos económicos que tivessem um terreno e quisessem fazer a sua própria casa. Os tempos eram outros, a autoconstrução era uma realidade e a legislação que regulamentava a construção, tal como a conhecemos hoje, dava os primeiros passos. Aquilo que começou por ser um programa de apoio à habitação própria viria a revelar-se, ao mesmo tempo, uma forma de manter alguma disciplina no processo de construção, evitando proliferação de habitação clandestina, bem como alguma disciplina no território. Em paralelo era também assegurada a funcionalidade, habitabilidade e qualidade do edificado.
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João Barateiro, presidente da Junta de Freguesia do Castelo entre 1983 e 1989, acompanhou de muito perto todo o processo de construção de habitações tipo-câmara em várias zonas da freguesia e recorda-se bem destes tempos.
«Na altura, o abastecimento público de água, a rede elétrica e a melhoria dos acessos viários, que estavam a mudar a face da zona rural, ajudaram a criar condições para a construção de novas habitações», explica. «Porém, uma parte das pessoas não tinha possibilidades financeiras para pagar os custos com o projeto», prossegue. «Mas como sabiam que a Câmara Municipal o disponibilizava gratuitamente, e podiam consultá-lo na Junta de Freguesia, dirigiam-se às nossas instalações para os conhecerem e escolherem aquele que mais se adequava às suas necessidades».
Tinham um, dois ou três quartos, alpendre e escada exterior para acesso à parte superior da casa, que podia servir de arrecadação e despensa. Quando a morfologia do terreno o permitia tinham cave, que servia para guardar as alfaias agrícolas e outros utensílios da vida do campo.
A construção e os custos ficavam a cargo dos proprietários que se apoiavam mutuamente, num espírito de entreajuda que se desenvolveu a seguir ao 25 de Abril. «Era normal os vizinhos e amigos, alguns deles pedreiros, colaborarem na construção das casas».
«Eu também cheguei a ajudar nas obras aos fins de semana, sobretudo nos dias de enchimento das placas», afirma. «Os que tinham mais dificuldades financeiras chegaram a receber apoio de empresas locais da área da construção civil, que ofereciam pedra para os caboucos, brita, areia, e até cimento», diz João Barateiro.
Ano após ano, as habitações foram surgindo e hoje são uma marca na paisagem da freguesia. Algumas mantêm ainda a traça original, com poucas ou nenhumas alterações, mas a maioria já sofreu remodelações e em muitos casos é habitada pela geração que nasceu e cresceu nestas casas. Apesar disso, um olhar mais atento continua a conseguir identificá-las. É possível encontrar casas tipo-câmara na Aiana, Caixas, Aldeia do Meco e Zambujal, embora existam também noutras zonas. É o caso da habitação de Luísa Martelo, na Aldeia do Meco, construída no início da década de 80. «A minha casa é conhecida como “tipo Zambujal”, que difere de outras tipo-câmara, porque tem cave», explica. O projeto da casa de Luísa foi disponibilizado pela autarquia mediante apresentação de vários documentos. «Lembro-me, por exemplo, que as pessoas com poucos recursos tinham de ir à Junta de Freguesia pedir um atestado de pobreza e, com este documento, podiam levantar a licença e o projeto», recorda.
Para os que viviam da agricultura, as casas com cave foram mesmo de grande utilidade, acrescenta Luísa. «As máquinas utilizadas na agricultura passaram a ser guardadas nas caves, em vez de ficarem em barracas, debaixo de telheiros ou, ainda pior, ao ar livre, debaixo de sol e chuva, como antes acontecia. Para nós, uma casa com cave foi muito bom».
A poucos metros desta habitação, ergue-se outra moradia tipo-câmara, neste caso sem cave. Um pouco mais adiante identifica-se uma outra, semelhante à sua.
Com o passar dos anos, a legislação foi evoluindo e as questões de estabilidade, segurança, comportamento térmico, associadas ao ordenamento do território, foram-se afastando do modelo de autoconstrução que vigorava. As condições de vida das famílias também foram melhorando, e quem tinha possibilidades optava por projetos diferenciados, com recurso a técnicos especializados, arquitetos e engenheiros. O projeto, que durante décadas vigorou e foi salpicando de casas semelhantes parte do território de Sesimbra, deixava assim de ter preponderância, acabando por se perder há menos de 20 anos. No entanto, o seu resultado ainda hoje é bem visível, tanto na paisagem do município como nas várias gerações que nasceram e cresceram nestas moradias, que resultam de um projeto de apoio à habitação própria da Câmara Municipal de Sesimbra, mas também da solidariedade e de um forte espírito de entreajuda da comunidade.
No livro 29 Meses de Trabalho, uma edição da Câmara Municipal, de dezembro de 1976, que dá a conhecer o trabalho da Comissão Instaladora que existiu entre julho de 1974 e dezembro de 1976, altura em que se realizaram as primeiras eleições autárquicas, as casas tipo-câmara eram já referidas e anunciam-se 150 pedidos aprovados. A mesma publicação revela o interesse popular por um novo projeto, que estaria já a ser