Metodologia CoCriança: reflexão sobre a prática da construção coletiva de espaços e cidadania

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M e t odol og ia Co Cr ian ç a: reflexão sobre a prática da construção coletiva de espaços e cidadania

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Metodologia CoCriança: reflexão sobre a prática da construção coletiva de espaços e cidadania

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Camila Audrey Ferrara Orientador: Prof. Dr. Gil Barros Trabalho Final de Graduação Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo Março 2021

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Metodologia CoCriança: reflexão sobre a prática da construção coletiva de espaços e cidadania

Resumo Este trabalho final de graduação, se propõe a fazer uma análise e reflexão crítica da prática do grupo de extensão universitária CoCriança, projeto desenvolvido na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. O trabalho desenvolvido pelo grupo, baseia-se na prática do projeto participativo com enfoque nas crianças, a fim de promover seu protagonismo nos processos de decisão e transformação urbana. A monografia busca descrever de forma analítica a metodologia desenvolvida pelo grupo, e aplicada nos territórios da Jd. Elisa Maria, Brasilândia e da Vila Anglo, Perdizes, no período compreendido entre 2017 e 2020. Ao descrever a metodologia e as experiências piloto, o trabalho buscará coletar os resultados obtidos, levando em consideração todos os principais atores envolvidos no processo. Com isso, pretende-se extrair e sistematizar aprendizados conquistados com a prática, e relacioná-los a temas chaves, a partir dos quais será elaborada uma reflexão com base em autores relevantes dentro de cada tema.

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Abstract This graduation design project proposes an analysis and critical reflection of the practice during the extension and outreach project CoCriança, a project developed at the Faculty of Architecture and Urbanism of the University of São Paulo. The work developed by the group is based on the practice of participatory design with a focus on children, in order to promote their protagonism in the decision-making and urban transformation processes. The monograph seeks to describe in an analytical way the methodology developed by the group, and applied in the territories of Jd. Elisa Maria, Brasilândia and Vila Anglo, Perdizes, in the period between 2017 and 2020. When describing the methodology and pilot projects, the work will seek to collect the results obtained, taking into account all the main actors involved in the process. With this, it is intended to extract and systematize lessons learned from practice, and to relate them to key themes, from which a reflection based on relevant authors within each theme will be developed.

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Agradecimentos Agradeço primeiramente aos meus pais, Renata e Noedir, que possibilitaram a oportunidade de me mudar para São Paulo e cursar a universidade que sonhava. Graças a eles pude me dedicar durante tanto tempo a um projeto social. Sou grata por terem me ensinado, com exemplo de vida, a sonhar e a trabalhar para que o sonho seja impulsionador de transformação da realidade. Aos meus irmãos Tiago e Noedir Jr, que estão sempre disponíveis a trocar, ajudar e cuidar, que fazem um time comigo para superarmos as eventuais amarguras da vida. À essa família preciosa, incluindo a Juliane, por me apoiarem em toda maluquice que eu invento, inclusive em todas as mudanças de casa, feitas em equipe. Por sermos essa família que se movimenta junto, a cada movimento que um faz, a fim de não soltar a mão de ninguém. Às crianças, educadores e coordenadores dos CAAs, que se entregaram à nossa proposta e possibilitaram toda a construção do projeto que o CoCriança é hoje. À Beatriz Martinez, que está sempre presente, construindo ideias e projetos, sendo minha companheira de desenvolvimento pessoal, me possibilitando incontáveis conversas profundas. Esse TFG foi desenvolvido graças as nossas trocas, a cada texto que ela me ouviu ler e me ajudou a revisar, e à imersão de cuidado que ela fez comigo nos momentos finais desse trabalho. À ela também, todo agradecimento por esse lindo caderno diagramado. Ao meu orientador Gil Barros, por ter acreditado na minha proposta, e ter sido tão generoso comigo e com o meu trabalho. Por ter me guiado de forma tão cuidadosa e atenciosa, dentro das dificuldades que eu tive ao longo dessa produção. Por ter me feito entender sobre o que eu queria escrever, me fazendo também entender o que eu quero continuar estudando e me aprofundando com a finalização dessa graduação. Por ter acreditado no meu “vigor” e me desafiado a também acreditar. Por ter me 6

proporcionado trocas onde eu sempre saia inspirada, motivada e apaixonado por aquilo que estava explorando. Às orientadoras do CoCriança, Catharina Pinheiro e Karina Leitão, que apoiaram nossa ideia desde o início, que estiveram ao nosso lado nos dando coragem para continuar e nos auxiliam no crescer dentro e fora da academia. Por terem sempre nos trazido uma perspectiva leve e bonita, quando a dureza do trabalho social nos tirava as esperanças, e por serem a base necessária para o nosso desenvolvimento. Às minhas companheiras do CoCriança, por estarem sempre trabalhando pelo fortalecimento do nosso grupo, através do cuidado e do reconhecimento de cada força distinta que nos compõe. Por terem me possibilitado tanto espaço de crescimento, enquanto pessoa e profissional. À Beatriz Martinez, mais uma vez, por ser minha dupla de criação e fritação, por tudo o que criamos juntas e ainda iremos criar. Por sonhar alto e sempre elevar as nossas metas, nos lembrando sempre do nosso potencial enquanto grupo. À Dea Muner, por ter provocado tanto crescimento em mim ao me confrontar com suas forças opostas e complementares à minha, pela seu ritmo e consistência que nos dá segurança e por sempre nos lembrar de celebrar. À Mayte Albardia, por tantas conversas e trocas importantes, por me ensinar o poder das palavras e por sempre me recordar, mesmo que indiretamente, a ser impecável com elas. Por ter preenchido o CoCriança com sua essência e por ter colocado seu talento à serviço dessa construção. À Camila Sawaia, por ter me ensinado tanto sobre cuidado e empatia, qualidades que sempre nos traz a nossa primeira essência de coletivo, e nos inspira a pensar outras formas de ser e estar enquanto organização no mundo. Por ter revisado textos desse trabalho e me ani-


mado muito com cada observação e parabenização. À Amanda Scotton, pela sua força imensurável de ação e materialização, por nos inspirar e completar com sua experiência de vida, que foi tão essencial para nossa construção. Por todo trabalho dividido com muitas risadas e por sempre me sacudir apenas com a sua presença, que me desperta para tanta coisa na vida. À Gabriela Viola, Yumy Pompéia e Raiza Miranda, por terem se entregado a esse projeto e o tomado como de vocês, para construirmos com mais potência, somado a tanto potência que vocês trazem. Às minhas companheiras de graduação, que estiveram comigo desde o primeiro dia de FAU, que foram meu grupo em quase todos os trabalhos e em todas as viradas de projeto. Por cada gargalhada, festa e cafés no almoço. Por deixaram o peso leve ao dividir ele em seis: Julia Pimenta, Beatriz Martinez, Ilana Mallak, Carol Lohnnhoff e Ana Carolina Mello. Sem vocês essa experiência universitária não teria sido metade do que foi. Ao Matheus, por ter me apoiado tanto enquanto esteve ao meu lado e por continuar, mesmo distante, celebrando a cada conquista. Por tanta madeira balsa cortada, jantares cozinhados sozinho, pelas correrias para a gráfica e por todo carinho trocado e crescimento proporcionado. À Isabelle e a Janice, por se fazerem presentes e dispostas a cultivar essa amizade mesmo com os caminhos distintos que tomamos, e assim seguirem compartilhando essa vida toda comigo. Por serem meu elo com Leme e com a criança lemense que tenho em mim, que passava as suas melhores tarde tomando sorvete no coreto da praça, e que conhece o prazer de viver a cidade como se ela toda fosse o seu quintal.

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Sumário Introdução

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Introdução ao CoCriança

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O Projeto Participativo

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A participação da criança

A atuação do CoCriança Projetos desenvolvidos

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Jardim Elisa Maria, Brasilândia

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Vila Anglo, Perdizes

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Linha do tempo das oficinas

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Análise das oficinas

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Método de análise

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Oficinas

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Entrevistas com a rede de atores

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Educadores dos CCAs

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Coordenadora do CCA Sal da Terra

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Vizinhas da Vila Anglo

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Arquiteta da Subprefeitura da Lapa

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Aprendizados obtidos a partir da prática

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Apredizados compilados

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Temas obtidos a partir dos apredizados

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A facilitação do projeto participativo e os Pormenores da experiência

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Práticas lúdicas de aprendizagem e o Enriquecimento da imaginação da criança

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Desenvolvimento de relações favoráveis entre os participantes

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Empoderamento da criança no projeto participativo

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Sensibilização e alinhamento com a rede de atores

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Conclusão

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Referências

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Introdução Em 2017, no meu terceiro ano de graduação, eu, juntamente com mais cinco colegas, criei o CoCriança. A partir desse momento minha formação se direcionou totalmente para esse projeto, que trouxe sentido à graduação que havia iniciado há três anos.

nha forma de trabalhar, assim como construir responsabilidade, comigo, com o outro e com a cidade. Tenho desde então, iniciado uma busca consciente sobre que tipo de profissional eu quero ser e onde e como eu quero atuar.

Hoje, após quatro anos desse início, com todas as nossas integrantes se formando ou formadas, estamos prestes a nos tornar uma associação, desenhando uma orgulhosa trajetória. Trajetória essa que se iniciou em uma disciplina da FAU, se transformou em uma extensão universitária e caminha para uma nova fase, resistindo às dificuldades da prática extensionista.

O processo de escrita desse trabalho tem acompanhado esse momento de entendimento do meu eu enquanto arquiteta e urbanista, talvez pelo período distinto de pandemia e quarentenas, talvez pelo período comum de finalização de uma graduação, talvez pelo momento que estamos no CoCriança ou talvez por todos esses motivos. Esse conjunto de questionamentos foi se refletindo no desenvolvimento desse trabalho, que entre várias mudanças de temas, pude identificar o que mais me desperta para a prática da arquitetura e urbanismo e também para o trabalho do CoCriança em si: o projeto participativo e o codesign.

Quando iniciamos, nossas primeiras ideias foram inteiramente empíricas, não tínhamos nenhuma base teórica sobre processos participativos e muito menos sobre processos participativos com as crianças. Só sabíamos que nada sabíamos da periferia e de como deveriam ser projetados seus espaços públicos. Em um impulso de curiosidade, de querer conhecer aquele território que estava sendo apresentado para nós, criamos a primeira versão de nossa metodologia de projeto participativo com crianças. A partir de estudos estimulados por aquilo que estávamos construindo, fomos criando amplas bases teóricas que sustentam nosso discurso. A cada novo livro, artigo ou tese que lemos, mais nos impressionamos com o que criamos, por percebermos que tudo o que pensávamos e fazíamos estava alinhado àquilo que outros, em todo canto do mundo, estavam pensando e fazendo. Com isso passamos a nos sentir parte de um movimento que vejo cada vez mais presente e em crescimento. Um movimento por uma prática de projeto mais responsável, que não se constrói dentro dos muros de uma universidade, mas em contato com a cidade e as pessoas que as habitam. O CoCriança se transformou em uma escola para mim, nele pude me testar em diversas situações e afinar mi10

Dessa forma abraço minha natureza crítica e proponho aqui um trabalho de análise crítica da de nossa prática, desenvolvida e aplicada nos territórios da Brasilândia e da Vila Anglo no período de 2017 a 2020. A palavra crítica para mim tem um peso bem importante, pois o CoCriança tem se tornado um projeto de vida, que tanto quero ver crescer e se desenvolver. Tenho para mim que a única forma de evoluirmos é olharmos para nossas falhas e acertos e então ponderar sobre eles, construindo uma nova forma de ser que supere as falhas e aprimore os acertos. O meu objetivo com essa análise é justamente identificar os aspectos que precisam ser trabalhados e refinados, para a potencialização da tecnologia social que temos desenvolvido. Com isso proponho neste trabalho um olhar para aquilo que construímos enquanto metodologia e prática ao longo de uma etapa: CoCriação do projeto. Irei primeiramente apresentar o CoCriança, nossa história e objetivos, então me aprofundarei sobre o termo


projeto participativo e sobre a participação da criança, a fim de dar bases para a compreensão de nossa proposta. Com isso retornarei a como atuamos no CoCriança e então apresentarei os dois casos que desenvolvemos até aqui: a Praça Livre para as crianças no Jd. Elisa Maria, Brasilândia e a Praça do Samba na Vila Anglo, Perdizes. Em seguida começarei a analisar oficina por oficina aplicada nesses dois territórios, levantando falhas e reflexões de cada uma delas. Para não limitar a análise à minha visão sobre nossa própria prática, seguirei discorrendo sobre cinco entrevistas que realizei com pessoas que se envolveram no projeto – educadores, coordenadora, vizinhas e arquiteta.

a que falta rigorosidade metódica que caracteriza a curiosidade epistemológica do sujeito. Este não é o saber que a rigorosidade do pensar certo procura. (...) O de que se precisa é possibilitar, que, voltando-se sobre si mesma, através da reflexão sobre a prática, a curiosidade ingênua, percebendo-se como tal, se vá tornando crítica. ” (FREIRE, 2019, P.40)

As entrevistas foram feitas com o objetivo de compreender como foi a experiência destas pessoas ao longo do projeto e como eles enxergaram a nossa prática. Levantarei novamente falhas e revelações de cada uma das entrevistas. Com tudo descrito e analisado compilarei os aprendizados obtidos, a fim de agrupá-los em temas guias para o refinamento de nossa prática. A partir desses temas desenvolverei reflexões e propostas para nós, enquanto grupo, seguirmos em direção a um aperfeiçoamento, com o desejo de que nunca estagnemos em nossa atuação, na contínua busca de formas de somarmos na construção de cidades melhores, de forma coletiva, democrática e que priorize a prática cidadã. Segundo Paulo Freire em A Pedagogia da Autônomia ensinar exige reflexão crítica sobre a prática e é esse papel que busco assumir no decorrer deste trabalho. Com o desejo de dar início a uma estruturação de uma prática reflexiva crítica, que pretendo que se perpetue no CoCriança.

“O saber que a prática docente espontânea ou quase espontânea, “desarmada”, indiscutivelmente produz é um saber ingênuo, um saber de experiência feito, 11


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Introdução ao CoCriança O CoCriança nasceu em 2017 na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) como resultado de um trabalho desenvolvido para as disciplinas obrigatórias de Planejamento Urbano Desenho Urbano e Projeto dos Espaços da Cidade (AUP0282) - e Paisagismo - Projeto da Paisagem (AUP0654). Nesta oportunidade, foi dada aos alunos a possibilidade de escolha do tema que lhes interessasse mais, com a condição de que o projeto fosse desenvolvido no território da Brasilândia. Atentas para a ausência da participação infantil na discussão de planejamento urbano, bem como a ausência da temática da cidade nas instituições de educação, identificamos a necessidade de abrir um canal de diálogo entre arquiteto, urbanista, paisagista, educador e a criança, de modo a construir coletivamente uma cidade mais acolhedora e amistosa. Foi de enorme importância para o desenvolvimento do trabalho o papel das nossas orientadoras Karina Leitão e Catharina Pinheiro, uma vez que elas permitiram e nos incentivaram a olhar de forma cuidadosa para a questão da infância na cidade e com a devida atenção à interdisciplinaridade que a temática requer. Durante a visita de campo, realizada com o apoio de lideranças locais, visitamos diversos bairros e instituições do distrito da Brasilândia, entre eles, o Centro da Criança e do Adolescente (CCA) no Jardim Elisa Maria. O centro era coordenado pela irmã Clara, que realizou a ponte de comunicação entre nós, os educadores e as crianças. Com a temática definida e o apoio local estabelecido, iniciamos um processo de projeto participativo com uma das turmas do CCA, a do educador Bruno César, com crianças que, na época, tinham entre nove e onze anos. No período em que estivemos cursando a disciplina, realizamos duas oficinas com as crianças com o objetivo de projetarmos juntos um espaço próximo ao CCA. Para isso, adaptamos a metodologia de concepção de 12

projeto, ensinada na faculdade de arquitetura, adotando uma linguagem lúdica e acessível às crianças. As oficinas buscavam um mapeamento lúdico dos espaços e a realização de desenhos dos sonhos que tinham para eles. A partir delas, as crianças escolheram uma pequena praça para realizarem o projeto de intervenção. Com estas informações e trocas de sonhos e de desejos, pudemos traduzir a experiência em um projeto arquitetônico que foi apresentado como trabalho final da disciplina. Este, entretanto, era apenas o começo da nossa relação com as crianças do Jardim Elisa Maria, já que, assim como elas, havíamos nutrido o desejo de finalizar o processo e realizar a tão sonhada reforma da praça. A partir de uma vivência profunda e intensa com o CCA, ao término das matérias o grupo continuou atuando como um projeto de cultura e extensão universitária. Dessa forma continuamos a desenvolver nosso projeto, e buscamos incentivar a pesquisa acadêmica nos espaços que a infância ocupa, partindo do olhar da criança e estabelecendo vínculos baseados na escuta e no diálogo. O CoCriança tem atuado propondo que desde a infância a criança seja considerada como cidadã da nossa sociedade, legitimando a apropriação dos territórios que elas pertencem. Nessa trajetória, desenhamos, aplicamos, revimos e redesenhamos uma metodologia participativa com as crianças. A partir dela materializamos os desejos das crianças em dois espaços públicos – A Praça livre para as crianças no Jd. Eliza Maria, em Brasilândia, onde iniciamos nossa atuação, e a Praça do Samba, na Vila Anglo. Em ambos os locais trabalhamos em parceria com o CCA - Centro da Criança e do Adolescente, que oferece atividades sócio-educativas no contraturno escolar para crianças e adolescentes entre os 6 e 14 anos e onze meses de idade. Segundo o site da prefeitura, o público do CCA é composto por “Crianças e adolescentes em situação de trabalho; Crianças e adolescentes reconduzidas ao convívio familiar, após medida protetiva de acolhimento; Crian-


ças e adolescentes com deficiência, beneficiárias ou não do BPC; Crianças e adolescentes oriundas de famílias beneficiárias de programas de transferência de renda; Crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade e risco” (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2013) Nesses quatro anos de história, ampliamos e aprofundamos nossa identidade enquanto coletivo. Para isso, foi muito importante a identificação e definição dos valores e objetivos que norteiam nossa prática. Esse contorno possibilitou que nossa comunicação interna e externa se tornasse mais clara e direta. Nossos pilares falam sobre as matérias em que apoiamos nossa atuação, nossos valores direcionam a forma como atuamos, seja na relação interna da equipe ou na relação com as crianças, comunidade e educadores. Já nossos objetivos, norteiam nossa visão de como queremos atuar no mundo. Além disso, alinhamos nosso impacto com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU como forma de nos comunicar com demandas sociais atuais e colaborar no cumprimento da Agenda 2030. Pilares: Enquanto coletivo que atua com criança e cidade, identificamos uma característica que nos torna únicos enquanto coletivo: nossa atuação duplamente direcionada enquanto um processo de codesign e um processo político pedagógico, que se engaja na educação das crianças e no desenvolvimento de suas múltiplas inteligências, uma vez que as consideramos essênciais para o empoderamento das crianças enquanto cidadãs ativas. Essa atuação duplamente direcionada se converge na nossa metodologia que busca medir seus resultados a partir do espaço construído e do conhecimento adquirido pelas crianças. Dessa forma dividimos nossos pilares em: Construir e Formar Construir porque acreditamos na potência do olhar das crianças na materialização de seus espaços, seus lugares,

nosso mundo. Queremos que seus desejos e necessidades sejam reconhecidos, tornando-se diretrizes para repensar as cidades, seus caminhos e espaços de brincar. Queremos, ainda, incentivar a força do coletivo, fazendo com que as crianças experienciem seu poder de, juntas, transformar o mundo e garantir que as cidades sejam mais gentis e acolhedoras para as infâncias e, assim, para todos. Formar porque acreditamos em uma pedagogia libertadora, que empodera as crianças na busca por entender e atuar no mundo com autonomia. Queremos proporcionar uma educação integral, por meio de aprendizagens vivenciais e contextualizadas que, colocando em constante diálogo o pensar e o fazer, expandam o universo criativo e projetual. Queremos fortalecer uma consciência cidadã que permita a participação ativa e dialógica na construção democrática. Queremos formar pequenos transformadores que, com olhar crítico e curioso, comecem a transformar a realidade desde seu presente, entendendo-se enquanto sujeitos de direitos - à cidade, ao brincar, ao hoje. Valores: 1. Diálogo: Que as crianças usem o poder da palavra como uma ferramenta para a transformação das relações sociais desde a infância. 2. Cooperação: Por uma rede que pensa junto nas resoluções dos desafios de cada projeto e realidade, criando uma força tarefa para a distribuição das energias e potências, pensando e agindo sempre coletivamente. 3. Educação cidadã: Por experiências que contribuam na constituição de um conjunto complexo que abraça, ao mesmo tempo, a adesão a valores, a aquisição de conhecimento e atividades práticas na vida pública, que construam uma formação democrática para cidadania.

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4. Autonomia: Que as crianças possam conquistar um governo de si próprio relacionado à capacidade de tomar decisões e analisar criticamente, permitindo sua autonomia por meio de uma postura ativa de intervenção no mundo. 5. Liberdade: Que as crianças sejam livres para ser hoje, livres para brincar, para caminhar pelas ruas de seus bairros, para crescer brincando, livres para se expressar, para se desenvolver em igualdade de oportunidades e livre para decidir o que querem para si e para a cidade. 6. Escuta ativa: Que as crianças sejam ouvidas, primeiro para serem vistas como parte fundamental da nossa realidade e da construção da nossa sociedade e depois para que se possa entender a experiência delas na cidade, no seu bairro, na sua comunidade. Objetivos: Reconhecer e instrumentalizar a voz das crianças para a autonomia Criar condições para que as crianças sejam protagonistas dos processos de transformação de suas comunidades, desenvolvendo nelas potencial para que se tornem agentes de transformação urbana em seus bairros e as conscientizando enquanto cidadãs ativas que têm voz e que produzem cultura, espaços e sonhos. Assim, buscamos possibilitar, através da experiência e do trabalho com habilidades e competências socioemocionais, que as crianças consigam ter uma dimensão mais prática do que é cidadania, e que isso tenha um efeito duradouro, se não multiplicador, em suas vidas. Diz do trabalho e desenvolvimento da consciência que uma transformação individual e/ou pontual também tem um impacto

coletivo. Fortalecer o uso e ocupação da cidade pelas crianças Buscamos, a partir da criação de espaços mais seguros, diversos, inclusivos, qualificados e verdes, fortalecer o uso e ocupação da criança na cidade por meio do brincar. É a busca por garantir espaços brincantes na cidade, uma vez que o brincar é estabelecido como um dos direitos infantis pelo ECA e pela Convenção Sobre os Direitos da Criança da ONU, e por valorizar essa ação enquanto fundamental às crianças, entendendo a cidade como potencializadora das possibilidades do brincar. Colocamos luz no brincar livre, não dirigido, que segue seu próprio tempo e não necessita – e nem deve – ser controlado, desenvolvendo-se no encontro da criança com o mundo. Promover a inclusão das crianças nos processos de decisão e transformação urbana. Nos propomos a pensar e valorizar a participação, especialmente a infantil, a partir de um lugar educacional, que abre portas para futuros frutos para além do processo participativo de um projeto, entendendo que ampliar a voz e escutar às crianças as impacta desde um lugar de pertencimento, de ser parte importante da realidade em que vivem. O que o processo participativo propõe é a construção de um espaço democrático onde as crianças possam não só se expressar, mas serem ouvidas sem condicionamentos vindos de adultos. Um processo desenhado com total abertura para o sonho emergir. Promover o senso de coletividade entre as crianças, com a afirmação das individualidades Acreditamos que o desenvolvimento de inteligência interpessoal e intrapessoal é fundamental para a formação de transformadores conscientes com potencial de pro-

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mover impacto em seu território. Para isso, propomos atividades de autoconhecimento que ampliam a consciência sobre si e o outro, a fim de promover o reconhecimento dos potenciais únicos de cada criança e a articulação deles em grupo para um fim coletivo.

Missão:

Promover o senso de pertencimento, fortalecendo os vínculos da comunidade com os espaços públicos

Equipe:

Estimular ao máximo o vínculo entre os espaços públicos e a comunidade em geral, a partir das crianças e de sua validação enquanto cidadãs plenas, hoje. Trazer as pessoas para cidade, potencializando sua participação de modo a criar uma consciência cidadã autônoma e estimulando que as crianças usem os espaços e aprendam a conviver com a diversidade, fortalecendo o sentimento de pertencer ao lugar em que habitam.

Promover aprendizagem vivencial para valorizar a voz da criança na cocriação de espaços de brincar inovadores.

Ao longo dos nossos anos de atuação, pessoas entraram e saíram de nossa equipe e agregamos muitos colaboradores. Todos possuem sua marca em nossa história, por isso apresento nossa formação ao longo dos anos até o momento presente. O CoCriança é hoje, uma equipe multidisciplinar composta por oito mulheres.

TABELA 1. INTEGRANTES COCRIANÇA

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Projeto participativo Projeto participativo é um termo usado para denominar metodologias que incluem o envolvimento de todas as pessoas que serão afetadas pelo projeto, com ênfase naquelas que são historicamente excluídas de seus processos decisórios. A metodologia reconhece que cada pessoa envolvida pode possuir importantes contribuições ao projeto, para além do olhar técnico de profissionais de design ou arquitetura e urbanismo. Dessa forma é um processo de criação conjunta, onde pessoas com diferentes atribuições, talentos e vivências trabalham juntas para a busca de uma solução. A produção a partir de um projeto participativo é lenta e prioriza o fazer com cuidado, em contraposição ao produtivismo, e se preocupa principalmente com o cuidado às pessoas que serão beneficiárias do projeto. O fazer com cuidado e com diversidade de olhares é também uma forma de corresponsabilidade sobre as soluções que impactam, em pequena ou grande escala, o mundo, e uma forma efetiva de encontrar soluções criativas para os desafios emergentes. Ezio Manzine em Design, When Everybody Designs: An Introduction to Design for Social Innovation diz que “Em um mundo em rápida e profunda transformação, todos fazem projeto” (MANZINI, 2015, P.15) considerando que nesse cenário todos são chamados para se posicionar enquanto indivíduos, para projetar transformações em suas realidades.

“Isso significa colocar suas habilidades de projeto em ação: uma capacidade de pensar e realizar coisas que envolve reflexão e senso estratégico, que nos conclama a olhar para nós mesmos e para o nosso contexto e decidir quando e como agir para melhorar o estado das coisas”. (MANZINI, 2015, P.15) Nesse contexto, Manzini coloca projetistas como profissionais que devem se capacitar para facilitar processos de criação. Mais importante do que criarem eles mesmo 16

enquanto profissionais, está a capacidade de extrair do outro as reais necessidades do momento, considerando que elas estão em constante transformação. Essa nova forma de pensar e projetar tem como pano de fundo a transição que estamos vivendo para uma humanidade que cuida do planeta e das pessoas, e que portanto busca novos sentidos e soluções mais afetivas e efetivas para os desafios que se apresentam. Manzini discorre sobre o projeto participativo destacando duas funções primordiais do design: a resolução de problemas e a produção de sentido. Ele usa essas duas atribuições como peças chaves para a inovação social, que a partir de um processo coletivo de resolução de problemas passa a atingir uma dimensão cultural e se transforma em uma inovação cultural.

“Se é verdade que as habilidades de projeto são expressas tanto na resolução de problemas quanto na produção de sentido, há muito a ser feito nesses dois lados diante da perspectiva dessa nova civilização”. (MANZINI, 2015, P.17) Assim, um processo participativo não resulta apenas em um resultado pontual, como o projeto de uma praça, mas cria novas funções e novos sentidos para uma praça pública, transformando a forma com que os agentes se apropriam dela e se relacionam com a cidade. Sendo a inovação cultural uma reverberação do design que integra todos os beneficiários do projeto em seu processo.

“Definimos inovações sociais como novas ideias (produtos, serviços e modelos) que atendem a necessidades sociais e, ao mesmo tempo, criam novas relações ou colaborações sociais. Em outras palavras, são inovações que são boas para a sociedade e também ampliam a sua capacidade de ação” (MURRAY, CAULIER-GRICE, MULGAN, 2010, P.3)


As colaborações sociais são colocadas em práticas em encontros colaborativos, onde os participantes trocam e se beneficiam do encontro. O papel do profissional de projeto é dispor da sensibilidade para captar as novas contribuições e dar suporte para que os envolvidos possam imaginá-las. Dessa forma, o designer desenvolve o processo colocando suas habilidades e competências a serviço de guiar a expansão da capacidade das pessoas envolvidas de “encontrarem e porem em prática maneiras de viver e atuar às quais eles próprios, os protagonistas, atribuem valor” (MANZINI, 2015, P.112) A leitura de Ezio Manzini trouxe esse entendimento do projeto participativo. Vale dizer que Ezio discorre sobre o termo sem defini-lo ou diferenciá-lo de outros termos que também são usados na literatura. Para trazer um melhor entendimento sobre os termos e diferenciá-los ao longo dessa monografia, a fim de ser mais certeira em suas colocações, usarei as definições do artigo User involvement in building design – a state-of-the-art review de Michele Caroline Bueno Ferrari Caixeta, Patrícia Tzortzopoulos e Márcio Minto Fabricio, publicado em 2019. Os autores, a partir de uma revisão bibliográfica, exploram as definições dos termos empregados dentro do projeto e a partir dessa análise organizam os termos em três níveis de participação:

Amplo movimento iniciado na Escandinávia, no qual os usuários podem estar a�vamente envolvidos em todo o processo de projeto.

Informa�vo

Consul�vo

Usuários informam proje�stas sobre seus requisitos, necessidades e preferências.

Usuários podem escolher entre opções pré definidas de projeto.

Codesign Usuários atuam como membros da equipe de projeto e desenvolvem soluções de codesign junto a outros membros, como arquitetos e engenheiros.

FOCO: desenvolvimento de soluções

Projeto Par�cipa�vo

FOCO: promoção da democracia

Maior nível de par�cipação do usuário

Menor nível de par�cipação do usuário TABELA 1. CAIXETA, 2019, P. 61

Entendendo que cada nível pode satisfazer necessidades diferentes em contextos diversos, e podem ser aplicados em momentos distintos de um mesmo processo, os utilizarei de acordo com o nível de participação que estarei me referindo. Focando principalmente nos termos de maior envolvimento do usuário, uma vez que esse é o principal objetivo do CoCriança e da exploração dessa monografia: entender como aumentar a participação das crianças no processo de projeto de seus espaços. Por tanto focarei no entendimento dos termos de Projeto Participativo e Codesign, que segundo os autores podem ser aplicados no mesmo nível de envolvimento, dizendo principalmente sobre o tipo de participação exigida. Dessa forma entendo, a partir dessa leitura, que o Projeto Participativo se concentra em tomada de decisão participativa em todo o processo de projeto, e o utilizo de forma mais ampla ao me referir ao método que pretende promover a democracia no processo de projeto. Enquanto que o Codesign foca no operacional do desenho, num sentido mais concreto do projeto daquilo a ser construído, como por exemplo, onde será colocado mobiliário e que mobiliário será. A Participação da criança Para além de um estudo sobre Projeto Participativo e Codesign o objetivo deste trabalho é explorar a participação da criança na criação de um projeto. Para isso, ultrapassando a motivação pessoal de trazer para o produto final o olhar criativo da criança é preciso entender de que forma esse processo pode ser importante para o desenvolvimento da criança em si. Hoje existem variadas bibliografias sobre a importância da escuta da criança e da construção da autonomia desde a infância. Explorarei alguns desses autores para embasar a participação infantil desde um lugar educacional, que abre portas para frutos futuros para além do processo participativo de um projeto. 17


Metodologia CoCriança: os blocos de uma construção coletiva de espaços e de cidadania

No Brasil a infância é o período compreendido entre 0 a 12 anos de idade. Idade onde somos livres para ser e desenvolver nosso eu, absorvendo e exteriorizando aprendizados de maneira muito rápida, antes de atingirmos as próximas fases de desenvolvimento: adolescência, juventude, idade adulta, e assim por diante. A infância no território brasileiro é muito diversa e segue fases de desenvolvimento muito distintas pela influência do meio. Trabalhando no Jd. Elisa Maria (zona norte) e na Vila Anglo (zona oeste) junto ao coletivo CoCriança, pudemos ser testemunhas de como o desenvolvimento dessas crianças se apresentava de forma muito distinta. Mas uma coisa nos foi clara: que dar voz e escuta às crianças as impactava desde um lugar de pertencimento, de ser parte importante da realidade em que vivem. Abrir um canal de diálogo com elas, para tornar possível a cocriação de espaços públicos, nos levou a adentrar um espaço pouco explorado pela sociedade: a conversa legítima e profunda com a criança. Nesse ponto olhamos para a criança como um indivíduo, que desde que nasce, tem a capacidade de ser. Dessa forma nos opomos a um olhar comum que a sociedade dá à criança, o de que ela virá a ser quando adulta. Olhar que Tonucci, em La ciudad de los niños, expõe e questiona:

“A criança é sempre mais jovem, por definição. Isso significa que não se reconhece a ela um direito fundamental, o direito ao presente, ao hoje. A criança vale pelo que será, pelo que virá a ser, não pelo que é, só tem direito ao futuro. É um futuro cidadão, não um cidadão.” (TONUCCI, 1996, P.50). Partindo dessa discordância, nos abrimos para um diálogo verdadeiro com a criança, que de seu ponto de desenvolvimento não é visto a falta, mas sim as potencialidades, principalmente criativas e sensíveis que ela pode acrescentar na construção conjunta. 18

“A primeira e mais importante ação a ser tomada é dar às crianças o papel de protagonistas, dar a elas a palavra, permitir que elas expressem suas opiniões; enquanto os adultos se colocam em uma posição de ouvi-las, de desejar compreendê-las e com vontade de levar em conta o que elas dizem.” (TONUCCI, 1996, P.59). Tonucci também destaca o apagamento da infância nas cidades, que foram sendo ocupadas e construídas para a vida adulta, delegando às crianças o espaço privado, sendo o espaço público não seguro ou estimulante para a ocupação das crianças. Em 1973, brincavam na rua 75% das crianças, em 2006 esse número já havia caído para 15% (SKENAZY, 2009). Com a construção das cidades ignorando a presença das crianças, elas passaram a perder a sua autonomia nas ruas e seus direitos enquanto cidadãs. A criança nesse contexto é colocada na sociedade como agente passivo que só recebe, são os adultos que tomam as decisões por elas e são eles que determinam os lugares pertencentes a elas ou não. Assim, além de desconsiderada enquanto cidadã é passível de ser explorada, uma vez que suas necessidades não são questionadas nem mesmo consideradas, a elas é imposto o que a sociedade demanda para dividir as suas responsabilidades diante da infância. Nessa lógica tradicional de educação a criança tem como objetivo aprender a ler e escrever, de forma que possa se encaixar na sociedade e atender a demandas de produção e consumo. Colocar a criança como agente ativa de participação da cocriação do seu mundo, é dar a ela a oportunidade de verdadeiramente se comunicar, construindo uma educação libertadora, onde a criança passa de reprodutora de palavras para criadora de seu discurso.


“alfabetizar-se não é aprender a repetir palavras, mas a dizer a sua palavra, criadora de cultura” (FREIRE, 1974, P.25). A proposta pedagógica de Paulo Freire nos cabe com muita força nessa discussão. O professor brasileiro trabalhou por uma pedagogia que resgatasse a força de todas as camadas sociais. A começar pelo diálogo e a construção conjunta, de forma a possibilitar o desenvolvimento de uma consciência crítica da realidade em que se está inserido. Dessa forma ele propõe uma educação libertadora, que quebra com os moldes educacionais usados para todos independente do contexto, mas que fortalece os grupos sociais dentro de suas demandas específicas. Na construção do espaço público com as crianças, as colocamos para entender sua realidade. Se é na periferia abandonada pelo poder público elas se fortalecem enquanto agentes de transformação dessa realidade, se colocando como voz ativa na cobrança por um espaço digno a elas. Dessa forma sua educação passa a libertá-las de uma realidade imposta, que a elas não dá o direito de transformar, para uma nova realidade, que as dá acesso ao conhecimento da realidade que as envolve e a ferramentas para descobrirem e expressarem suas necessidades e direitos. Dessa forma podemos verdadeiramente situar as crianças enquanto cidadãs.

“O que faz um sujeito cidadão é o fato de ele ser capaz de criar ou modificar, em cooperação com outros, a ordem social na qual quer viver, cujas leis vai cumprir e proteger para dignidade de todos” (TORO, 2005, p. 52). O que o processo participativo propõe é a construção de um espaço democrático onde as crianças possam não só se expressar, mas serem ouvidas sem condicionamentos vindos de adultos. Um processo desenhado para dar total abertura para o sonho emergir, as colocando como

protagonistas no desenvolvimento dos espaços a elas destinados. E cabe ao desenho da metodologia em si pensar em como se adequar em linguagem e processos para acessar a criança e ser acessado por ela. O discurso da liberdade e expressão só é real quando conseguimos desenhar processos que sejam acessíveis às crianças. E quando criamos um ascendente de desenvolvimento da expressão, acessível a todas as crianças que compõem o grupo a ser trabalhado. Sendo assim a linguagem e as capacidades comunicativas das crianças consideradas, valorizadas e trabalhadas.

“Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém. (...) A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser. (...) É neste sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas de liberdade (FREIRE, 2019, P.105) Na inclusão da criança como agente transformador da cidade ela é inserida na equipe de projeto como outro indivíduo, assim como os facilitadores, arquitetos, técnicos e outros. Ela participa do processo e do desenvolvimento da pesquisa como parte fundamental para atingir os resultados, que vem acrescentar o que só ela é capaz. A criança aqui é parte da comunidade, que vivencia seu território, que frequenta a praça, que brinca no espaço, e só ela pode trazer para a equipe formada o que é essencial ao desenho final. O que é de fato demandado para que o espaço seja usufruído pelos verdadeiros usuários. Assim é o processo participativo, e assim é o processo participativo com a participação infantil, com um adendo: o reconhecimento da criança enquanto cidadã, enquanto indivíduo que possui necessidades e pode expressá-las. Dessa forma cortamos o intermediário e vamos direto a fonte especialista do brincar: de onde emerge a criatividade e o olhar imagético para o espaço, 19


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dado sem filtros para o projetista traduzir em termos técnicos para ser materializado. Qvortrup, em Nove teses sobre a infância como um fenômeno social expõe e questiona o porquê das crianças não serem levadas em consideração, desde uma análise sociológica que as excluem enquanto grupo social, e que as limitam ao âmbito familiar e escolar, não as enxergando enquanto sujeitos individuais ou autônomas o suficiente para participarem de decisões.

‘‘‘se as crianças aprendem somente aquilo que é ensinado... as espécies deveriam ter acabado há longo tempo – talvez depois de uma só geração!’ (Wartofski, 1981, p. 202). Wartofski argumenta que as crianças são criadoras, inventivas, porque se envolvem em ações propositivas. Não acredito que essa afirmação seja difícil de substanciar; o problema talvez seja seu conhecimento para e pela sociedade, porque a tese das crianças como participantes na construção do mundo é radical o suficiente para tornar-se uma ameaça à ordem social, a qual talvez deva esforçar-se para tratar as crianças como máquinas triviais, a despeito da falsidade desse conceito.” (QVORTRUP, 2011, P.206-207) Qvortrup sustentando a importância de ouvir o que elas têm a dizer sobre os rumos de decisões que as influenciam diretamente. Assim, para além da importância de incluir as crianças para seu próprio desenvolvimento, também podemos refletir sobre essa importância para o desenvolvimento do mundo, que pode encontrar na imaginação da criança novos caminhos para se seguir.

“Faz falta estarmos convencidos de que as crianças têm coisas para nos dizer e dar, e são diferentes das que sabemos e somos capazes de fazer e que, portanto, vale a pena deixá-los expressar o que pensam de 20

verdade. Para fazer isso, tem de se ajudar as crianças a libertar-se dos estereótipos, das respostas óbvias e triviais [...]. Tem-se que estimular às crianças a atrever-se, a desejar, a inventar e, então, surgirão suas ideias, suas propostas, suas contribuições. Finalmente, tem que se compreender as crianças indo para além da aparente simplicidade de suas propostas. Então estas ideias nos permitirão não somente ter em conta as exigências das crianças, senão fazer que seja melhor a cidade de todos” (TONUCCI, 2015, P. 59-60). Atuação do CoCriança O Cocriança trabalha a partir da realização de oficinas, desenvolvidas metodologicamente pelo grupo. Elas envolvem a cocriação e são lúdicas, com a finalidade de fazer as crianças sentirem-se à vontade para se expressar e auxiliá-las a desenvolver e organizar uma opinião crítica a respeito do espaço em que vivem, nos permitindo entender sua visão sobre esses espaços e sua percepção enquanto cidadãs. As oficinas, realizadas com as crianças, se deram por meio de diferentes estratégias. Foram utilizados jogos lúdicos para entender suas percepções espaciais e a realidade dos bairros; percursos pelo entorno, passando por possíveis áreas de intervenção com maiores potencialidades e deficiências, ouvindo suas opiniões e desejos; desenhos que expressassem sonhos e desejos para o local; e atividades de retorno à comunidade, através das quais as crianças sentissem-se protagonistas e pertencentes àquele espaço, conscientizando também outras pessoas. As oficinas partem da intenção de exploração do universo infantil quanto aos conhecimentos e saberes adquiridos e construídos por elas em suas vivências e experiências nos espaços públicos cotidianos. As oficinas colocam em evidência seis valores que o grupo CoCriança considera importante: Diálogo, Coopera-


ção, Educação Cidadã, Autonomia, Liberdade e Escuta Ativa para tornar-se um projeto colaborativo que possa devolver o protagonismo às crianças enquanto agentes, usuárias e transformadoras do espaço. A partir desses princípios, seja na escola, nas praças, nos parques, nas ruas, no campo ou na cidade, a criança é escutada e olhada de forma igualitária, respeitosa e consciente. A escolha em trabalhar, inicialmente, as questões da cidade a partir dos elementos existentes nos bairros fez-se por acreditar ser esta a principal escala urbana vivenciada pelas crianças, onde se estabelecem seus contatos mais familiares e diários. A partir dessa leitura, foi possível ampliar as discussões, buscando uma aproximação com a cidade e trazendo novos temas a serem investigados pelas crianças. As oficinas costumam ser estruturadas da seguinte maneira: 1. Aquecimento, 2. Atividade principal e 3. Reflexão. Assim, conseguimos fazer com que os encontros sejam aproveitados ao máximo. Isso porque, para além de um único objetivo, através dos outros dois momentos - o inicial e o final -, costumamos introduzir outros elementos que possam contribuir para o maior aprendizado do grupo de crianças como um todo. Tanto o primeiro quanto o segundo momento da oficina costumam ter abordagem lúdica, nos permitindo desenvolver nossos objetivos principais através de jogos, dinâmicas e da cocriação. Há vezes em que o último momento também se insere numa dinâmica de movimentos, por exemplo, quando fazemos uma roda de ciranda ou uma brincadeira cultural. Entretanto, a última atividade da oficina, a reflexão, costuma acontecer em formato de conversa ou escrita, na qual o grupo faz uma breve avaliação crítica sobre a prática do dia. As nossas oficinas são separadas, dentro da metodologia, em cinco etapas, subdividindo a solução para o problema em objetivos menores. Focando processualmente em cada um desses objetivos, conseguimos, dentro

de cada uma das etapas, alcançar, através das oficinas e atividades com as pessoas envolvidas no processo, uma mudança mais efetiva e assertiva. Apesar das crianças serem as protagonistas, elas não são as únicas envolvidas no processo. Entendemos que precisamos envolver todos que influenciam de forma direta e indireta nossa construção, como os educadores e os moradores do bairro. Além de oficinas com as crianças e ações com os atores da comunidade, incluímos na metodologia etapas que dizem respeito à nossa equipe e aos nossos processos, necessários para a avaliação da nossa atuação e o retorno para os interessados. Etapa I Investigação e percepção dos espaços Esta etapa foi pensada e elaborada devido às necessidades que identificamos ao longo do processo feito no Jd. Elisa Maria e na Vila Anglo. Dessa forma ela ainda não foi aplicada e está em desenvolvimento, mas a criamos a partir da identificação de processos que, se tivéssemos feito anteriormente ao início da cocriação, garantiriam uma atuação mais efetiva e direcionada. O objetivo desta etapa é criar familiaridade e aprender o máximo sobre o território e as pessoas com quem iremos trabalhar. Dividimos nossos objetivos aqui em duas partes: Coleta de dados e aproximação. Etapa II Sensibilização dos atores e formação continuada Tendo sempre em vista ampliar o impacto e a perenidade de nossas ações, percebemos a importância, em nossa metodologia, de trabalhar não somente com a infância, mas com os adultos em seu entorno - sobretudo familiares e educadores. Para criar um efeito verdadeiramente multiplicador, é fundamental explicar os porquês da metodologia aplicada, abrindo diálogo para questões relacionadas ao direito da infância à cidade e ao espaço público, ampliando assim o olhar da comunidade para o reconhecimento das crianças como sujeitos ativos nos 21

1. Etapa descrita com mais detalhes em MUNER, A. COCRIANÇA: experienciar a paisagem para autonomia da criança / Andrea Amato Muner; orientadora Karina Oliveira Leitão. coorientador Catharina Pinheiro Cordeiro dos Santos Lima - São Paulo, 2020.


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processos de transformação urbana e social. Assim, esta etapa busca a sensibilização de educadores, professores, facilitadores, moradores e pessoas em geral que estejam envolvidas direta ou indiretamente com o projeto, com o objetivo de trazer para elas a importância do trabalho e, mais ainda, a importância de ter as crianças como protagonistas nesses processos.

etapa, assim como na anterior, duas abordagens distintas dentro das oficinas: um momento inicial de planejamento e um momento posterior de intervenção. Assim, visando fortalecer a voz das crianças e construir um caminho rumo à autonomia, iniciamos esta etapa com o planejamento das ações junto com as crianças.¹ Etapa V Avaliação

Etapa III Cocriação do projeto Este é o primeiro momento no qual passamos a trabalhar de forma direta sobre a transformação de um espaço significativo para as crianças envolvidas no projeto. A etapa de cocriação do projeto é o momento no qual vamos entender o que as crianças sonham e desejam e onde vamos pensar com elas em um projeto para o espaço. São realizadas nessa etapa sete oficinas e um momento final de celebração. Entendemos que essas oficinas trazem duas abordagens diferentes: uma de investigação e exploração, que diz respeito ao conhecimento do mundo dessas crianças e da sua visão sobre ele; e outra de desejos e projetos, que diz respeito à aproximação dos desejos das crianças para os espaços que utilizam bem como à sua participação na transformação urbana, a partir de sua concepção como sujeitos ativos. O presente trabalho tem como objetivo se aprofundar nessa etapa em específico. Etapa IV Construção coletiva do espaço O objetivo desta etapa é a comaterialização do espaço. Assim como sonhamos em conjunto com as crianças na etapa anterior, na construção coletiva do espaço, nós materializamos com elas o que foi projetado. Essa etapa inicia-se após a reforma estrutural dos espaços (se for necessária, a depender de cada caso) e diz respeito à sua finalização e caracterização: pintura, jardinagem e construção de brinquedos e brincadeiras. Vemos, nessa

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Esta etapa final tem como objetivo fazer um balanço da nossa atuação e olhar criticamente para os resultados obtidos, através de critérios estabelecidos em nossos objetivos, a fim de determinar a assertividade e a relevância de nosso trabalho, além de identificar pontos de melhoria. Apesar de ser a última da metodologia, a avaliação é processual e parte de uma atividade de monitoramento permanente do nosso trabalho, prevista para que possamos fazer de forma consistente e eficiente uma análise final de nossos impactos na criança, na comunidade e no território Entendemos que ao final dos dois projetos piloto, foi possível estruturar a metodologia apresentada. Porém, acreditamos na constante evolução de nossas percepções sobre a cocriação com as crianças e no constante aprendizado que obtemos ao trabalhar com elas, que a todo momento sensibilizam o nosso olhar e ação sobre o impacto que podemos, juntas, ter em cada território. O objetivo dessa monografia é fazer uma análise mais aproximada da Etapa III de Cocriação do projeto, a fim de identificar pontos de melhoria para um trabalho de codesign mais efetivo, que resulte em um projeto que seja cada vez mais reflexo dos desejos das crianças e que resulte em um projeto de espaço de brincar inovador. Para isso começarei apresentando os dois casos onde nossa metodologia de projeto participativo foi aplicada, e analisarei cada oficina, a fim de criar um ampla visão sobre a prática do processo e os aprendizados obtidos através dela.


TABELA 2. METODOLOGIA COCRIANCA. ACERVO COCRIANCA 23


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Projetos Desenvolvidos Neste capítulo, apresentarei os dois projetos desenvolvidos pelo CoCriança entre os anos de 2017 e 2020, resultados dos estudos de caso que avaliarei nesse trabalho final de graduação. Ao longo do texto de relato sobre os casos trabalhados pelo grupo, irei alterar sempre em Jd. Elisa Maria e Vila Anglo, a fim de ir comparando como se deu as atividades nesses dois lugares. Nesta primeira contextualização, apresentarei os dados mais relevantes sendo: uma ficha técnica, o contexto do trabalho e o contexto do local, assim como, a planta do projeto, resultado dessa cocriação.

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MAPA 2. TERRITORIOS LOCALIZADOS EM SAO PAULO

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Jd. Elisa Maria Projeto 1: Praça Livre para as Crianças Local: Rua Rosa Alboni, Jardim Elisa Maria, distrito da Brasilândia – São Paulo, SP Participantes: crianças do CCA Elisa Maria (9 a 11 anos) Parceiros: CCA Elisa Maria, USP, Vereador Eliseu Gabriel, Subprefeitura da Freguesia do Ó e Brasilândia Duração: 16 meses referentes a etapa III Encontros: 8 encontros referentes a etapa III Contexto do trabalho: Como dito anteriormente, o CoCriança é vinculado à Universidade de São Paulo, uma vez que se estabeleceu como grupo de extensão universitária, sendo consequência de disciplina que uniu Planejamento Urbano e Paisagismo, na qual iniciamos o contato com as crianças do CCA Elisa Maria. Elas tinham de nove a onze anos na época, e já tratavam no CCA, com o educador Bruno César, diversas questões importantes relacionadas à direitos humanos, violência contra mulher, diversidade, respeito e diálogo. O projeto iniciou sem pretensões de construção, conforme ele evoluiu nos mobilizamos para a sua materialização. O processo de conquista da verba foi longo, até que finalmente conseguimos verba com o vereador Prof. Eliseu Gabriel em 2019. A demora para conseguirmos financiamento, somado ao tempo demandado pela burocracia e a necessidade de isolamento social dado pela epidemia do Covid-19, resultou na não finalização da etapa IV de Construção até o presente momento. O processo aconteceu na seguinte ordem: 1) contato com o CCA, 2) escolha do lugar, 3) projeto e 4) verba. Contexto do local: O Jardim Elisa Maria pertence ao distrito da Brasilândia, localizado na Zona Norte, periferia de São Paulo. É o bairro com o segundo maior número de favelas do município de São Paulo (Mapa da 26

Desigualdade; SMDU; Geosampa) e possui uma renda per capita de R$ 502,19 (Seade 2020). Possui ruas estreitas e calçadas muitas vezes inexistentes. É o nono pior bairro em quantidade de árvores contabilizadas no sistema viário por área do distrito com 236,5 árvores/km² (Mapa da Desigualdade; SMDU; Geosampa), apesar de ter um elevado número de área verde por habitante devido ao Parque Estadual da Cantareira que se localiza ao norte de seu território. (28,93 árvores/km² Mapa da Desigualdade; SVMA) O local de intervenção é palco de uma disputa territorial entre aqueles que lutam por praças públicas, dado a sua raridade; o tráfico, que ocupa essas praças como ponto de venda; os usuários de drogas em situação de rua, que se instalam nelas e moradores do entorno que querem ocupá-las por motivos individuais. A Praça em é um ponto viciado de lixo (local onde há constante descarte irregular de resíduos) e é ocupada por usuários de drogas, dificultando seu uso pelas crianças. No tempo em que estivemos trabalhando nela, vizinhos tentaram privatizá-la informalmente, transformando-a em praça de alimentação para um trailer de lanches e posteriormente em um estacionamento.


Mapa dos envolvidos Edital Aprender na Comunidade

Construtura vencedora da licitação

Pró Reitoria USP LABPAC LABHAB

Arquitetas da Subprefeitura

Subprefeitura da Freguesia do Ó/ Brasilândia

Poder Público

Comissão de Cultura e Extensão

FAU USP

Vereador Eliseu Gabriel

CoCriança

Comunidade Jd. Elisa Maria

Financeiro FAU

Vizinhança

Ar�stas locais

CCA Elisa Maria

Nossa Vila Limpa

Organizações locais

Abraça Elisa

Coordenação

Educadores

Crianças

Familiares

TABELA 1. SISTEMATEMATIZAÇÃO DA REDE DE ATORES, PROJETO JD. ELISA MARIA.

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Mapa CCA Elisa Maria – Praça Livre para as Crianças

MAPA 2. LOCALIZAÇÃO CCA ELISA MARIA E PRAÇA LIVRE PARA AS CRIANÇAS

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Planta projeto Praça Livre para as Crianças

PLANTA 1. PROJETO PRAÇA LIVRE PARA AS CRIANÇAS, ACERVO COCRIANÇA

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Vila Anglo Projeto 2: Praça do Samba Local: Praça Dr Vicente Tramonte, Vila Anglo Brasileira, distrito de Perdizes – São Paulo, SP Participantes: crianças do CCA Sal da Terra Parceiros: CCA Sal da Terra, USP, Vereador Eliseu Gabriel, Subprefeitura da Lapa, MAVA Duração: 2 meses referentes a etapa III Encontros: 6 encontros referentes a etapa III Contexto do trabalho: Ao conseguirmos o financiamento da Praça Livre para as crianças com o vereador Eliseu Gabriel, fomos convidadas pelo mesmo a iniciar o processo nessa praça, que já havia verba destinada para reforma. Iniciamos, então, o contato com as crianças do CCA Sal da Terra, escolhido devido à proximidade com a praça, intermediado por uma moradora do bairro. A moradora em questão representava uma organização de moradores, o Movimento Amigos da Vila Anglo (MAVA), que deu o primeiro passo para conseguir a verba da emenda parlamentar para a reforma da Praça do Samba. A partir desse contato tivemos 2 meses para concluir a etapa de projeto pelo fato de termos uma data limite para que o projeto fosse para licitação. As crianças do CCA Sal da Terra tinham entre onze e treze anos quando iniciamos o projeto. A instituição desenvolve trabalhos educativos e alguns religiosos, pois é administrada pela Congregação das Irmãs de Nossa Senhora da Consolação desde 2014. O processo aconteceu na seguinte ordem: 1) verba, 2) escolha do lugar, 3) contato com o CCA e 4) projeto Contexto do local: A Vila Anglo Brasileira pertence ao 30

distrito de Perdizes, localizado na zona Oeste de São Paulo, zona privilegiada em termos de infraestrutura e opções culturais. Possui índice de 0 favelas (número total de domicílios em favelas ÷ número total de domicílios x 100) e possui renda per capita de R$ 3.300,27. Possui o 12º melhor número de árvores contabilizadas no sistema viário por área do distrito com 1.101,50 árvores/km². Apesar de ser um bairro privilegiado, a praça de intervenção possui um papel simbólico ao separar a parte alta da vila anglo da parte baixa. A parte baixa, onde se encontra o CCA Sal da Terra, possui uma comunidade em situação de vulnerabilidade, com a presença de cortiços e um cenário distinto da parte alta, onde são comuns sobrados de classe média. Apesar de termos trabalhado com as crianças desse CCA, elas ainda possuem uma outra relação com a cidade se comparadas às crianças do Jd. Elisa Maria. Moram mais integradas ao centro da cidade, em um bairro arborizado com fácil acesso a espaços livres e verdes. O bairro possui diversas associações de moradores, como o MAVA e o Pompéia sem medo, que promovem eventos culturais na praça.


Mapa dos envolvidos Edital Aprender na Comunidade

Construtura vencedora da licitação

Pró Reitoria USP LABPAC LABHAB

Arquitetas da Subprefeitura

Comissão de cultura e extensão

FAU USP

Financeiro FAU

Subprefeitura da Lapa

Pode Público

Vereador Eliseu Gabriel

CoCriança

Comunidade Vila Anglo

Vizinhança

Organizações locais

MAVA

Pompéia sem Medo

CCA Sal da Terra

Coordenação

Educadores

Crianças

Familiares TABELA 2. SISTEMATIZAÇÃO DA REDE DE ATORES, PROJETO VILA ANGLO

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Mapa CCA Sal da Terra – Praça Dr Vicente Tramonte Garcia

MAPA 3. LOCALIZAÇÃO CCA SAL DA TERRA E PRAÇA DO SAMBA

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Planta projeto Praça do Samba PRODUCED BY AN AUTODESK STUDENT VERSION

PRODUCED BY AN AUTODESK STUDENT VERSION

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PLANTA 2. PROJETO PRAÇA DO SAMBA, ACERVO COCRIANÇA

PRODUCED BY AN AUTODESK STUDENT VERSION

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Linha do Tempo Oficinas No Jd. Elisa Maria, nosso projeto piloto, ao mesmo tempo que íamos conhecendo as crianças e entendendo seu território, íamos desenhando nossa metodologia de projeto participativo e codesign com elas. Esse processo foi longo, e com vários empecilhos que diziam respeito a nossa organização e amadurecimento, além da falta de recursos disponíveis para a realização do trabalho. Por esses motivos e tantos outros empecilhos que enfrentamos, a etapa de cocriação do projeto foi desenvolvida ao longo de mais de um ano.

2017

Diferente do projeto na Vila Anglo, onde já estávamos mais confiantes do que estávamos construindo, estávamos mais avançadas na nossa gestão organizacional e de tempo, além de já termos , desde o início, os recursos necessários para a execução do projeto. Por esses motivos, além do prazo de dois meses que tínhamos para entrega do projeto executivo às arquitetas da subprefeitura, a etapa de cocriação do projeto foi feita em apenas dois meses.

2019

2018 Junho

Abril

Maio

Novembro

Maio

Inves�ga�va

Desenhando Sonhos

Cocriação do espaço

Levantamento de recursos

Argumentação Cria�va

Conversando com Atoridades

Abril Inves�ga�va

Desenhando Sonhos

Cocriação do espaço

Vila Anglo Perdizes

Jd. Elisa Maria Brasilândia

2019

8 Junho Argumentação Cria�va

Conversando com Atoridades

Maio

Abril Inves�ga�va

Desenhando Sonhos

Cocriação do espaço

Levantamento de recursos

Argumentação Cria�va

Conversando com Autoridades

Vila Anglo Perdizes TABELA 4. LINHA DO TEMPO DE OFICINAS 34

Levantam de recurs


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Sobre a análise Como bases para a realização das análises das oficinas foram recuperados os roteiros elaborados para a aplicação das mesmas, assim como os relatos do desenvolvimento delas na prática. 1. ALBARDÍA, Maria Teresa Santos. Protagonismo infantil na américa latina: metodologias participativas na vida das crianças das classes populares. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação Interunidades em Integração da América Latina. Orientadora Marilene Proença Rebello de Souza. - São Paulo, 2019; SAWAIA, Camila Pinto de Souza. A cidade como lugar educativo: contribuições do protagonismo e do olhar infantil. (Graduação em Pedagogia) - Instituto Superior de Educação de São Paulo – Singularidades. Orientação: Prof.a Me.Tatiana Schunck. São Paulo, 2019..

A prática foi retomada através dos relatos obtidos dos escrito feitos por outras integrantes do CoCriança¹, do material audiovisual das oficinas e das minhas memórias. O acervo do CoCriança conta com o registro audiovisual de todas as oficinas, sendo que alguns apresentam melhor qualidade que outros, no que se refere à captação de momentos cruciais do ponto de vista do desenvolvimento das crianças. Considerando a qualidade do material e, principalmente, do som dos vídeos, pude transcrever algumas falas que representam e ilustram o argumento que defendo. Assim, trarei falas e fotos como forma de ilustrar o que foi relatado. A análise foi realizado considerando três escalas de objetivos. São estes: - Os objetivos de cada oficina - Os objetivos da etapa de projeto - Os objetivos do projeto CoCriança (sendo este a metodologia completa.) Como forma de garantir a coesão entre as análises, criei parâmetros que ressaltam aspectos que considero essênciais na construção e aplicação das oficinas. A ideia de trazê-los dessa forma foi baseada no artigo Design Facilitation as Emerging Practice: Analyzing How Designers Support Multi-stakeholder Co-creation (AGUIRRE, AGUDELO, ROOM, 2017) onde os autores criam três dimensões de análise de experiências de cocriação: dimensão humana, dimensão de experimentação e dimensão criativa. A partir dessa leitura, busquei elaborar critérios condizentes com os nossos objetivo e prática, de forma a trazer um caráter quantitativo para a análise

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As análises são organizadas da seguinte maneira: Irei analisPrimeiro são recuperados os roteiros elaborados antes da aplicação da oficina, onde consta a descrição das atividades e seus objetivos; tempo; número de crianças esperadas e material necessário. Em seguida, trarei um breve texto que narra o desenvolvimento da oficina e faço um levantamento das ferramentas de facilitação utilizadas nas atividades. Com isso, classificarei a oficina dentro dos parâmetros descritos abaixo. Concluirei as análises com dois aspectos que resumem o que foi compreendido da prática: revelação e falha. Tais, aspectos serão posteriomente compilados em uma análise final e geral dos aprendizados obtidos do processo como um todo. Como forma de ilustrar as atividades, serão apresentadas fotos das oficinas e dos materiais utilizados, assim como falas transcritas das crianças. Parâmetros utilizados:

Objetivo da oficina foi atingido Por fim, o parâmetro final, que diz se conseguimos concluir a missão da oficina, descrita no início de cada roteiro. O objetivo da oficina não foi atingido Pouco - Houve construção em direção ao objetivo da oficina Médio - O objetivo foi atingido parcialmente Alto - O objetivo da oficina foi atingido


Prática da Criatividade

Ativação da Imaginação

Para a criação desse parâmetro me baseei na leitura de “Co-creation and the new landscapes of design” de Sanders e Steppers (2018). Onde os autores descrevem quatro tipos de criatividade que praticamos simultaneamente em diferentes momentos de nossas vidas, a depender de nossa expertise e paixão pela ação. Segundo os autores os quatro níveis de criatividade são:

Para medir o quanto conseguimos dar base para criação e torná-la mais leve e fluida para as crianças. Na criação desse parâmetro levo em consideração que as crianças, mesmo que criativas por natureza e conectadas ao mundo da imaginação, são desacreditadas a imaginar. E por isso é preciso, antes de colocá-las para acessar esse lugar, inspirá-las e incentivá-las a fugir do óbvio e reduzir, assim, os efeitos dos bloqueios criativos que elas podem já ter internalizado. Como, por exemplo, o medo de errar.

4- Criar – inspiração – “expressar minha criatividade! – criando um novo prato 3- Produzir – afirmar uma habilidade – “fazer com minhas próprias mãos” – cozinhar com uma receita 2- Adaptar – apropriação – “fazer do meu jeito” – Embelezar uma refeição pronta 1 – Fazer – produtividade – “concluir uma tarefa” – Organizar meus temperos e pimentas (SANDERS E STEPPER, 2018, P.09, TRADUÇÃO MINHA)

Utilizarei os quatro níveis para medir o nível de criatividade praticado em cada oficina. Considero aqui a importância de se praticar todos os níveis, dando espaço para toda criança praticar a criatividade independentemente do nível que esteja acessando no momento da oficina.

Não houve momentos para o exercício da imaginação. Pouco - houve espaço para o exercício da imaginação. Médio - houve uma atividade para o exercício da imaginação. Alto - houve mais de uma atividade e/ou espaço voltado para o exercício da imaginação.

Mas para fim de análise da oficina irei considerar qual nível de prática o objetivo da atividade exige.

Não houve momento que demandou criatividade. Pouco Houve espaço para a prática do level 1 de criatividade. Médio Houve espaço para a prática do level 2 e 3 de criatividade. Alto Houve espaço para a prática do level 4 de criatividade.

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Coerência entre as atividades

Direcionamento da energia

Um dos momentos mais importantes da oficina é o planejamento dela. O momento em que todas as participantes do CoCriança se juntam e discutem as atividades pertinentes, sua sequência e duração. O bom planejamento da oficina reflete muito sobre seu sucesso, e é importante nela se colocar num lugar de empatia com as crianças, e considerar como se dá seu processo de entendimento e em que tempo. A fim de analisar esse aspecto, irei olhar a partir desse parâmetro se as atividades dentro das oficinas funcionaram bem para a construção do objetivo em questão.

Com esse parâmetro de análise chamo a atenção para a importância de buscar as melhores condições para seu desenvolvimento adequado, no planejamento da atividade, assim como durante sua aplicação. Uma das condições que julgo muito importante pela experiência em campo é a sincronia da energia das crianças com a energia que a atividade demanda. Para isso é necessária atenção em como direcioná-la ao longo da oficina, sabendo que em momentos diferentes precisamos das crianças em estados diferentes, e não conseguiremos, por exemplo, que elas estejam atentas e reflexivas quando estiverem agitadas e querendo brincar.

Não houve coerência entre as atividades Pouco - As atividades dialogaram pouco entre si Médio - As atividades dialogaram entre si mas suas sucessões não criaram uma evolução crescente na construção do objetivo Alto - As atividades dialogaram entre si e apresentaram uma evolução crescente na construção do objetivo

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Não houve cuidado em direcionar a energia das crianças Pouco - Mais da metade das atividades não conseguiram manter as crianças presentes na proposta Médio - Mais da metade das atividades conseguiram manter as crianças presentes na proposta. Alto - Todas as atividades mantiveram as crianças presentes na proposta.


Incentivo a Reflexão Com a proposta de um projeto participativo, que visa incluir as crianças em todos os pormenores da criação, considero de extrema importância incentivá-las constantemente à reflexão. Um dos nossos pilares é a formação de cidadãos ativos, com autonomia para questionar os papéis que ocupam na sociedade, e para atingi-lo precisamos conseguir incentivá-los a questionarem e exporem suas construções individuais, a fim de construírem coletivamente. Considero o incentivo à reflexão da criança sobre a oficina em si tão importante quanto a reflexão sobre o tema da oficina. Sendo o feedback das crianças sobre o que estamos construindo indispensável de ser requerido e incentivado.

Não houve momento de reflexão Pouco - Houve espaço para reflexão Médio - Houve atividade para reflexão individual Alto - Houve atividade para reflexão em grupo

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Metodologia CoCriança: os blocos de uma construção coletiva de espaços e de cidadania

Jardim Elisa Maria 01 - Oficina Investigativa Data: 09/05/2017

Materiais necessários:

Duração: 3h30 13

*folha adesiva

Crianças: 30 aprox. (8 a 11

*caneta de cores

anos) Objetivo Geral: Primeiro contato com as crianças, integração entre os participantes e descobrir sobre o território

*3 tabuleiros *massinhas coloridas *6 cartazes brancos *barbante *2 garrafas de vidro

em questão

1. Crachá lúdico (35 minutos) Objetivo: nos apresentar e conhecer as crianças e um pouco sobre suas personalidades Descrição da atividade: todos pegam um pedaço de folha adesiva e escrevem suas respostas para as seguintes perguntas: nome, idade, qual animal você seria?, qual o seu super poder? Após todos escreverem, sentamos em roda e compartilhamos nossas respostas, explicando o porquê do que foi escrito.

2. Jogo do tabuleiro (55 minutos) Objetivo: Conhecer o percurso das crianças desde casa até a escola e o CCA. Descobrir os detalhes dos caminhos que elas fazem (coisas interessantes, obstáculos, dificuldades, percepções delas sobre o caminho). Conseguir uma descrição mais detalhada dos lugares por onde as crianças transitam desde o olhar delas. Descrição da atividade: O tabuleiro previamente produzido pelas facilitadoras, com informações levantadas com o educador sobre o entorno do CCA, representa uma deriva pelo local de vivência das crianças, com três pontos de referência: casa, CCA e escola. Ao longo do percurso aparecem locais comuns a elas, como escadaria, vielas, lojas, etc. Divididas em 3 grupos, cada um deles será coordenado por dois facilitadores que irão entregar 1 tabuleiro e 1 dado para cada grupo e 1 peão para cada criança. A criança lança o dado e anda pelas casas, cumprindo o desafio pedidos pela casa que cair. Algumas 40

dessas casas exigem que a criança tire um cartão, que possui algum desafio ou questionamento sobre como é esse local, representado no tabuleiro, e de como se sente ao passar por ele. Enquanto as crianças jogam, os facilitadores vão ajudando e anotando no cartaz da parede as impressões/percepções das crianças e os lugares que elas transitam.

3. Criação de propostas em grupo (60 minutos) Objetivo: Estimular a cocriação de soluções que podem ser apresentadas para melhorar o lugar onde elas moram e o percurso que elas fazem diariamente. Descrição da atividade: Com base nas informações levantadas nos 3 cartazes, os facilitadores selecionam os tópicos, conflitos e descobertas dos caminhos das crianças mais recorrentes. Depois de serem selecionadas essas temáticas, as crianças são convidadas a “encenar” o conflito em questão e uma possível solução através de diferentes formas de expressão: música, teatro, desenho ou outra qualquer.

4. Rede de fio (35 minutos) Objetivo: escutar as crianças, conhecer o que elas aprenderam durante a oficina e como elas se sentiram. Estimular a colaboração e cooperação entre elas, para trabalharem em qualquer aspecto das suas vidas, através da dinâmica da rede de fio. Descrição da atividade: uma criança começa falando o que ela aprendeu durante a oficina e como ela se sentiu, enquanto segura o fio de barbante. Então ela prende o fio, com um nó, em seu dedo e lança o barbante para outro colega na roda. A mesma dinâmica é replicada por todas as pessoas que estão na roda até que se forme uma teia entre eles. Com a teia formada, as facilitadoras prendem duas canetas no emaranhado e colocam duas garrafas no chão. A missão do grupo é se coordenar para conseguir enfiar as duas canetas nas duas garrafas, se movimentando em sincronia.

Análise: Essa oficina foi nosso primeiro contato com as crianças do CCA Elisa Maria. Utilizamos elementos lúdicos


de apresentação para descobrirmos seus nomes e um pouco sobre suas personalidades. A forma escolhida para colocá-las para explorar de forma consciente seu território e as sensações que ele desperta foi um jogo de tabuleiro confeccionado com elementos de seu bairro. Para isso mantivemos contato com o educador do CCA que nos auxiliou e direcionou, tendo em vista que conhecíamos ainda muito pouco sobre o território para que pudéssemos fazer bons e pertinentes questionamentos para as crianças. O tabuleiro foi pensado em volta dos três locais que as crianças se deslocam no dia-a-dia, recriando o percurso do seu cotidiano: casa>escola>CCA>casa. Entre as três localidades foram incluídos cenários do bairro. A investigação ficava por conta das cartas de perguntas, onde misturamos perguntas que criavam dinamismo ao jogo, perguntas exploratórias e perguntas reflexivas. A exemplo: ”Você caiu em um buraco e machucou a perna! Chame a ambulância e vá para o AMA” (A AMA era representado por uma casa no jogo), “elegeram você prefeito da cidade! Qual é a sua primeira ação no Jd. Elisa Maria?” e “Calçada bloqueada por lixo! Por que isso acontece? Volte uma casa para conseguir passar” respectivamente. Dessa forma conseguimos criar uma atividade lúdica que fez com que as crianças refletissem sobre seus percursos ao mesmo tempo em que nos introduziam ao seu território e seus sentimentos sobre ele.

dadas a refletir sobre o que mais apareceu e chamou a atenção delas e então a apresentar para a turma de forma crítica. O diálogo encorajado pelo jogo fez com que essa próxima atividade fosse bem fluida, as crianças estavam na mesma página e conseguiram criar ideias de comunicar o que foi discutido com certa facilidade. Utilizamos nessa atividade algo que até hoje consideramos de grande importância para a construção do diálogo com as crianças : abertura para a comunicação em diversas linguagens. Incentivamos as crianças a trazerem suas demandas na linguagem que preferirem, podendo ser desenho, teatro, música, fala e o que mais elas puderem imaginar. Também não houve impedimento entre os grupos de trazerem formas distintas de representação. Em um grupo ,por exemplo, fizeram um rap para apresentar a questão do lixo, colocando como interlocutor o prefeito, enquanto outra participante preferia fazer um desenho e se expressou através dessa linguagem, sem deixar de trocar com os outros integrantes. A boa construção em grupo foi muito bem encerrada com uma atividade com o objetivo de suscitar a reflexão de que apenas trabalhando em conjunto eles chegariam ao objetivo. Apesar do objetivo da brincadeira não ter sido entendido, o que fez com que não fosse bem executada, ela abriu espaço de fala para todas as crianças, que explicitaram que fomos bem-sucedidas em criar uma relação de confiança e em despertar nelas o interesse pelo que estávamos propondo.

Essa atividade tinha como proposta trazer, de forma lúdica, o primeiro momento de início de projeto arquitetônico que aprendemos na faculdade: estudar o entorno. Também julgamos importante trazer de forma a despertar a afetividade da criança por esse entorno, uma vez que o processo de codesign que estávamos sonhando precisava partir de uma consciência afetiva, de cuidado, que alimenta a luta pela mudança. Essa escolha foi muito bem-sucedida, pois segundo o educador o jogo fez as crianças se sentirem importantes e apreciadas ao jogarem um jogo que dizia sobre o território delas. A boa relação conquistada nessa atividade reverberou sobre todo o processo, com uma boa construção de parceria com as crianças A partir do que foi levantado no jogo as crianças foram convi41


Metodologia CoCriança: os blocos de uma construção coletiva de espaços e de cidadania

Conclusão: A ativação da imaginação aconteceu em vários momentos durante a oficina, desde a primeira atividade, passando por demandas do jogo em criar cenários imaginários até a criação final de apresentação. As crianças também estiveram praticando a criatividade a todo momento, e na atividade de compartilhamento colocaram toda a sua criatividade em ação, criando peças de teatro e até raps. O jogo exigiu muita reflexão individual das crianças sobre o seu território e seus sentimentos sobre ele, e a última atividade abriu espaço para reflexão conjunta sobre a oficina como um todo e como se sentiram durante ela. As atividades construíram uma evolução sobre a construção de nossas relações e todo o objetivo da oficina, que foi atingido com as crianças muito interessadas na proposta e engajadas nas atividades. Ativação da Imaginação

Prática da Criatividade

Coerência entre as atividades

Objetivo da oficina

Incentivo à Reflexão

Direcionamento de energia

(Foto arquivo CoCriança, abril de 2017. Turma de crianças, facilitadoras e o educador Bruno).

"Eu vejo lixeiras, eu vejo lixo e só. Muito cachorro, uma lanchonete e muitas casas.” “Eu gostaria que fosse melhor, limpo, sem muita sujeira, sempre tem lixo. Muita gente joga papel de bala no chão.”

Ferramentas utilizadas: Dinâmica de apresentação. Jogo Colaborativo para reconhecimento do território. Apresentação de propostas em linguagem livre. Jogo Colaborativo para reflexão sobre trabalho em grupo. Revelação: Construção de vínculo com as crianças desde a primeira oficina.

“Uma calçada com menos lixo, menos buraco, mais árvore e horta.”

Sucesso em despertar o interesse das crianças pelo território.

(Transcrição de vídeos do arquivo CoCriança, abril de 2017. Falas das crianças do CCA Elisa Maria durante o Jogo de tabuleiro).

Falha: -

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“Eu gostaria que fosse limpo, que limpasse todo dia, passasse água.”


“Meu nome é E., tenho 10 anos, eu queria ser um leão e eu queria ter o superpoder de fazer o mundo melhor”. (Fala das crianças. Transcrição de vídeos do arquivo CoCriança, abril de 2017. Criança se apresentando).

(Foto arquivo CoCriança, abril de 2017. Dinâmica Rede de fios

(Foto arquivo CoCriança, abril de 2017. Tabuleiro do Jogo inventado pelo CoCriança.

“Alô prefeito, eu ‘tô’ ligando, resolva isso que eu não ‘tô’ mais aguentando. É o lixo, é o racismo, use o meio ambiente para ficar limpo. Preste atenção no que eu vou falar: ponha o lixo no seu lugar. Alô prefeito, escuta isso, na frente da minha casa tem um monte de lixo. Chama as meninas, chama os meninos, para o nosso país ficar bonito.” (Transcrição de vídeos do arquivo CoCriança, abril de 2017. Rap criado pelas crianças na atividade de apresentação dos problemas identificados).

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Metodologia CoCriança: os blocos de uma construção coletiva de espaços e de cidadania

Tempo livre! Avance uma casa e nos conte aonde você foi brincar

Você tem que atravessar uma rua sem semáforo! Fique uma rodada sem jogar, esperando os carros pararem!

Ops! Você desviou do seu caminho. Volte uma casa e nos conte para onde você foi?

Na vendinha do seu zé, uma senhora parou para puxar papo. Ela começou a contar como era a Bransilandia antes de você nascer. O que ela te disse?

Ixe! Calçada bloqueada por lixo! Por que isso acontece? Volte uma casa para conseguir passar.

Você acabou de achar 5 reais no chão. Nos conte a onde você vai gastar.

Uma amiga te chamou para brincar na praça. Para qual você prefere ir?

Você encontrou lixo na rua. Avance 2 casas até a lixeira mais próxima!

Um ET te abduziu! O que você vê no seu bairro aí de cima

Vamos jogar bola, aonde a gente vai?

Final de semana! Convide um amigo para sua casa e nos conte o que vocês vão fazer. (o amigo escolhido deve voltar ou avançar para a casa que você está)

Durante o seu trajeto algo te incomodou. Avance uma casa e nos conte o que te incomoda

Chegou um novo morador na sua rua. Explique a ele como as coisas funcionam por aqui!

Você caiu em um buraco e machucou a perna!

Chame a ambulância e vá para o AMA

Choveu muito e o bueiro alagou! Nos conte o que você faz nessa situação e avance uma casa

Você achou uma máquina do tempo! Ao entrar nela acabou indo para o futuro. Como é a Brasilândia do futuro?

Você estava andando pela rua e algo te deu medo. Nos conte o que foi?

Elegeram você prefeito da cidade! Qual é a sua primeira ação no Jd. Elisa Maria?

(Arquivo CoCriança, material de oficina. Cartas do jogo)

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(Foto arquivo CoCriança, abril de 2017. Tabuleiro do jogo)

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Metodologia CoCriança: os blocos de uma construção coletiva de espaços e de cidadania

Vila Anglo 01 - Oficina Investigativa Qual lugar você nunca foi? Qual você quer muito conhecer?

Data: 24.04.2019

Materiais necessários:

Duração: 2h30

*etiquetas

Crianças: 20 aprox. (11 a 13

*canetas de coloridas

Qual lugar você acha que faz mais barulho/calor/bonito?

*3 bases de mapa A2 *3 pranchetas A4

O que você vê de positivo no seu bairro e que você gostaria que tivesse mais?

*lápis/giz de cera

O que você considera negativo?

anos) Objetivo Geral: Primeiro contato com as crianças, integração entre os participantes e descobrir sobre o território em questão

*rolo de barbante *2 garrafas de vidro

1. Apresentação (PIF-PAF de nomes) (30 minutos) Objetivo: Conhecer e estabelecer o primeiro vínculo com as crianças. Descrição da atividade: Primeiro faremos uma rodada de nomes, onde cada criança canta o seu nome e faz seu movimento preferido. Em seguida, todos da roda repetem. No Pif-Paf, as crianças vão ficar em uma roda e uma de nós no meio. A pessoa do meio aponta para uma criança aleatória e diz “pif!”. A criança apontada tem que abaixar o mais rápido possível e as duas do lado devem apontar uma para a outra e falar o nome da outra. Quem falar o nome mais rápido, vence. A criança que “perder”, fica sentada e vai fazendo a etiqueta do nome enquanto o jogo continua com as outras. Vamos repetir o jogo duas vezes. Na segunda vez, a criança que vencer da primeira vez, ficará no meio e será quem vai apontar o “pif!”

2. Mapa Afetivo do bairro (55 minutos) Objetivo: incentivar as crianças a expressarem sua percepção do bairro. Descrição da atividade: Levaremos um mapa que contenha o entorno da praça e do CCA - elementos principais do entorno -, deixaremos em aberto para que as crianças intervenham nele identificando aspectos dos caminhos, como nome de estabelecimentos, problemas existentes, lugares de convivência, etc. Quais pontos vocês identificam nesse mapa? Qual seu lugar preferido do mapa?

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Qual lugar só os adultos vão? Ou eles não vão?

3. Compartilhamento (30 minutos) Objetivo: compartilhar os olhares, conhecimento e experiências individuais sobre o bairro Descrição da atividade: cada equipe apresenta, de forma livre - com qualquer forma de expressão escolhida pelo grupo, o seu mapa para o restante da turma. Após as apresentações todos sentam em roda e discutem juntos os assuntos abordados, uma bola lúdica será usada como bastão de fala, para incentivar a escuta das crianças.

4. Rede de fio (30 minutos) Objetivo: Escutar as crianças, conhecer o que elas aprenderam durante a oficina e como elas se sentiram. Estimular a colaboração e cooperação entre elas, para trabalharem em qualquer aspecto das suas vidas, através da dinâmica da rede de fio. Descrição da atividade: Uma criança começa falando o que ela aprendeu durante e oficina, como ela se sentiu, enquanto segura o barbante de fio. Tendo amarrado o fio com um dedo só, quando terminar sua fala, lança o barbante para uma próxima pessoa da roda. A mesma dinâmica é replicada por todas as pessoas que estão na roda. Quando a rede de fio estiver pronta, 2 facilitadores colocam 2 garrafas de vidro no chão e penduram 2 canetas na rede. Facilitadores explicam a missão do grupo, que é se coordenar para conseguir enfiar as duas canetas nas duas garrafas, se movimentando em sincronia.

Análise: Como primeiro contato com as crianças do CCA Sal da Terra utilizamos de outra dinâmica de apresentação, que julgamos mais apropriada para a idade mais avançada das crianças, que já estão entrando na fase da adolescência.


O jogo Pif Paf, foi muito apreciado por elas, que se divertiram bastante e pediram depois, em outras ocasiões que se repetisse. Foi possível por ele aprender o nome delas, assim como elas os nossos. E ter uma primeira impressão de suas personalidades. A interação com elas permitiu entendermos que as crianças estavam ainda desconfiadas da nossa presença e objetivos. Após o jogo iniciamos o reconhecimento do território, que aconteceu dessa vez, com um mapeamento afetivo. Durante essa atividade pode-se já perceber a dinâmica da turma, os conflitos entre grupo e as repressões que aconteciam. As crianças tenderam a fazer um mapeamento territorial, apontando os estabelecimentos, e desenvolvendo pouco as suas impressões afetivas sobre o espaço, sendo que ficou por conta das facilitadoras insistirem nas informações mais preciosas. Por essa atividade conseguimos identificar que nem todas as crianças da turma moravam no bairro, e essas não conheciam o entorno, também entendemos que as crianças em geral tinham pouca ligação com a praça em questão, e tinham dificuldade em reconhecê-la. A apresentação foi mais uma vez em linguagem livre, dois grupos apresentaram como peças de teatro, um como entrevista e outro com um rap sobre o bairro. Na apresentação para a turma as reflexões sobre afetividade foram ainda mais escassas. As crianças, diferente da outra turma que havíamos trabalhado, tinham muito mais amarras com exposição, e se limitavam a falar o mínimo e mais concreto, sem expor pensamentos mais subjetivos, e quando isso acontecia era comum haver repressão por parte das outras. Para encorajá-las, as facilitadoras incentivaram-nas a contar o que haviam conversado nos grupos menores, e assim pudemos fazer a atividade fluir melhor. O jogo de finalização foi o mesmo escolhido na primeira aplicação da oficina, e mais uma vez o jogo em si não funcionou. Mesmo sendo o objetivo do jogo ser colaborativo, as crianças entravam em modo de competição, o que pode trazer ricas reflexões sobre o jogo não funcionar dessa maneira. Com as falas de reflexão finais sobre a oficina em geral, percebemos que as crianças ainda não estavam compreendendo muito bem a proposta e o que pretendíamos com esses encontros.

Conclusão: Começar o dia com uma atividade que esquentava as crianças, tornou difícil fazer com que elas se concentrarem na próxima atividade, que exigia que ficassem paradas trabalhando em um mapa. O resultado foi que as crianças ficaram pedindo, por várias vezes, para jogarem de novo Pif-Paf, sem se atentarem para o concluir, de forma dedicada, o objetivo da oficina. Foi exigido que as crianças fizessem uma atividade de criação sem que houvesse atividades de ativação da imaginação anteriormente. Houve espaço para a reflexão individual durante a elaboração do mapa e a reflexão coletiva, na mesma atividade e também durante a atividade final. Tivemos momentos de nos conhecer e conhecer o território e conseguimos um mapeamento do território, apesar de termos ficado desejosas de mais informações relacionadas ao sentimento das crianças sobre ele. Ativação da Imaginação

Prática da Criatividade

Coerência entre as atividades

Objetivo da oficina

Incentivo à Reflexão

Direcionamento da energia

Ferramentas utilizadas: Jogo de integração. Mapeamento afetivo. Apresentação de propostas em linguagem livre. Jogo Colaborativo para reflexão sobre trabalho em grupo. Revelação: Compreensão das dinâmicas de grupo. Adequado contorno de bloqueios e direcionamento da atividade rumo ao seu objetivo Falha: Não flexibilizar o roteiro da oficina, uma vez que o grupo não estava correspondendo à dinâmica.

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Metodologia CoCriança: os blocos de uma construção coletiva de espaços e de cidadania

NOSSO MAPA | VILA ANGLO

CRIE A SUA LEGENDA:

A AVENID

(Arquivo CoCriança, material de oficina. Base do mapa afetivo)

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“Aqui é o escadão, por que quando a gente está indo para a avenida Pompéia tem uma padaria e descendo você tem aquela entrada que você vai para o posto, e tem o posto aqui na avenida. Coloca posto de gasolina, é o Ipiranga.” (Transcrição de vídeos do arquivo CoCriança, abril de 2019. Falas das crianças do CCA Sal da Terra durante o Jogo de tabuleiro)

“A gente localizou nossas casas, tem o shopping Bourbon, tem a avenida Pompéia, a Dona Deola, o postinho. ” “A gente estava conversando e a gente anotou umas coisas que a gente fez, tanto pra melhorar a nossa rua, tanto o que foi melhorando durante o tempo. Antes aqui era meio perigoso, era praticamente uma favela, agora tá bem melhor, porque não tem tanto perigo como antes. ”

(Foto arquivo CoCriança, abril de 2019. Crianças produzindo mapa afetivo).

“Outra coisa é que não muita coisa para fazer no fim de semana, só ir na casa de alguém.” (Transcrição de vídeos do arquivo CoCriança, abril de 2019. Falas das crianças do CCA Sal da Terra durante o Jogo de tabuleiro)

“Uma coisa boa para a gente é que no posto do Brasil tem bastante coisa, tem petshop, tem mercado. ” “Se não me engano na localização ali há um escadão, e um pouco mais embaixo tem uma praça, ela não é muito legal, mas é mais bonita do que a abaixo do CCA. ” (Transcrição de vídeos do arquivo CoCriança, abril de 2019. Falas das crianças do CCA Sal da Terra durante o Jogo de tabuleiro) (Foto arquivo CoCriança, abril de 2019. Jogo PIF-PAF).

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Metodologia CoCriança: os blocos de uma construção coletiva de espaços e de cidadania

Jardim Elisa Maria 02 - Desenhando os sonhos Data: 25/05/2017

da representação gráfica, a

Duração: 2h30min

imaginação e a capacidade de

Crianças: 30 aprox. (8 a 11

pensar e projetar a paisagem.

anos)

Materiais necessários:

Objetivo Geral: Reconhecer

*35 pranchas A4

o espaço e percorrê-lo com um olhar atento. Estimular a

*material de desenho *folhas sulfite

observação do espaço através

1. Conhecendo o entorno guiadas pelas crianças (150 minutos) Objetivo: Mapear potenciais locais de intervenção e observar como as crianças interagem com esses locais. Descrição da atividade: Todos saem do ambiente do CCA para uma breve caminhada em um trajeto pré-determinado que termine em um espaço livre residual. Em cada um desses locais é proposta uma atividade de observação. Praça 1. Desenho ou expressão livre sobre o papel do que você vê na praça e o que você gostaria de ver. Praça 2. Brincadeira em roda. O que eu quero e o que quer o meu companheiro? Uma criança deve começar a falar um elemento que gostaria ter nessa praça, a próxima deve repetir o que os companheiros anteriores desejaram antes de se manifestar o seu pedido/ necessidade, e a assim deve seguir. Praça 3. Divididas em três grupos, as crianças foram convidadas a escrever 10 coisas que avistavam na praça e 10 coisas que achavam que faltava.

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Análise: Nessa segunda oficina, a intenção era complementar a experiência de pesquisa do espaço urbano, passando do tabuleiro para o próprio terreno. Antes de irmos para lá, havíamos combinado rapidamente com o educador um pequeno roteiro que ele fez: íamos passar por três praças que ele costumava levar as crianças no dia da semana em que elas saem do CCA para algum lugar. Desenhamos uma atividade para ser feita em cada praça, com o objetivo de colher informações sobre como as crianças enxergavam um determinado lugar. Pudemos também testar diferentes formas de obter essas informações, como desenhos e jogos, vide a descrição da atividade no roteiro. A atividade de desenho foi a que conseguimos melhor captar a atenção das crianças, que se dedicaram na execução da tarefa. Porém, pudemos perceber que o desenho sobre como gostariam que a praça fosse não apresentou elementos inovadores. As crianças desenhavam o que conheciam e não conseguiam imaginar, sozinhas, novas possibilidades. Enquanto facilitadoras, insistíamos que elas poderiam trazer qualquer tipo de ideia, sem limitações, o que resultou em respostas mais interessantes nas outras praças, onde elas não tinham que desenhar. Outro dificultador na criação de novos cenários foi exigir delas certa habilidade de representação. Como as outras atividades exigiam muita escuta das crianças, elas tenderam a dispersar, mas ainda assim cumpriram com a proposta. Após a deriva com as crianças, finalizamos a atividade indo com elas para a única praça no entorno onde havia brinquedos, que tinha sido recentemente reformada pelo Nossa Vila Limpa. Os brinquedos já não estavam a pleno funcionamento, o gira-gira estava afundado e o balanço já tinha os parafusos com folga, porém, ficou clara a carência dessas crianças por espaços públicos de lazer pela euforia com que corriam e brincavam no pequeno espaço residual transformado em praça. Com toda a informação coletada na oficina, escolhemos a praça de intervenção, sendo ela a da primeira atividade, onde foram realizados os desenhos. Várias reflexões surgiram e foram determinantes na hora de realizar esta escolha, entre outras, a proximidade da praça com o CCA e a viabilidade do espaço para realizar um projeto inovador, que não ficasse numa simples reestruturação do espaço,


Conclusão: A atividade estaria mais adequado se seu objetivo fosse apenas explorar o repertório das crianças sobre o que já conhecem e desejam e fosse complementada com outra atividade de criação através do desenho. Como não foi esse o caso, o momento de criação não trouxe ideias inspiradoras e factíveis de criação, principalmente relacionada a brinquedos, uma vez que a ativação da imaginação não foi devidamente desenvolvida, com discussões, referências e outros apoios. A atividade também se limitou em sensibilizar o olhar atento da criança sobre o território, explorando o que vejo e o que queria ver e não desenvolveu reflexões mais profundas sobre os espaços. Apesar de ter existido abertura por parte das crianças, que trouxeram várias falas importantes sobre suas percepções sobre o espaço, especialmente relacionadas ao lixo. Ela também não abriu um espaço de reflexão sobre o dia, para o entendimento da evolução das crianças a partir dessa oficina, uma vez que a finalizamos brincando numa quarta praça. A oficina foi finalizada dessa forma pela compreensão de que as crianças já estavam cansadas e desjandp. A atividade foi muito bem facilitada, as crianças se mantiveram atentas e se divertiram com todas as dinâmicas. Ativação da Imaginação

Prática da Criatividade

Coerência entre as atividades

Objetivo da oficina

Incentivo à Reflexão

Direcionamento de energia

Revelação: Entendimento da carência das crianças por espaços de brincar. Compreensão da intimidade da criança com o território.

Falha: Não ativar a imaginação da criança antes da prática da criatividade.

Ferramentas utilizadas: Deriva pelo espaço. Desenho de análise. Desenho de imaginação. Brainstorming.

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Metodologia CoCriança: os blocos de uma construção coletiva de espaços e de cidadania

“A praça da Rosa Alboni, ela é muito suja, as pessoas não dão valor. As pessoas acham que é só pra ficar de enfeite, mas não, é para as crianças se divertirem. As pessoas não pensam nas crianças.” (Transcrição de vídeos do arquivo CoCriança, maio de 2017. Falas das crianças do CCA Jd. Elisa Maria, durante a visita a Praça Rosa Alboni).

(Foto Arquivo CoCriança, maio de 2017. Deriva com as crianças pelo bairro).

(Foto Arquivo CoCriança, maio de 2017. Atividade de desenho).

(Arquivo CoCriança, material de oficina. Desenhos produzidos pelas crianças).

A grande maioria dos desenhos representaram lixo como o que viam e a lixeira como o que gostariam de ver (Arquivo CoCriança, material de oficina. Desenhos produzidos pelas crianças). 52

O grafitte protagonizou muitos desenhos do que viam e queriam ver


“É muito bom ficar aqui. Eu gosto bastante. O ruim dessa praça é que não tem muito brinquedo para fazer exercício. Aqui não dá para brincar muito, mas dá pra aproveitar.” (Transcrição de vídeos do arquivo CoCriança, maio de 2017. Falas das crianças do CCA Jd. Elisa Maria, durante a visita a Praça Rosa Alboni).

(Foto Arquivo CoCriança, maio de 2017. Atividade de desenho).

(Arquivo CoCriança, material de oficina. Desenhos produzidos pelas crianças).

O elemento água apareceu diversas vezes. Como lago/bebedouro e parque áquatico. (Arquivo CoCriança, material de oficina. Desenhos produzidos pelas crianças).

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Metodologia CoCriança: os blocos de uma construção coletiva de espaços e de cidadania

Vila Anglo - Oficina Desenhando Sonhos Data: 26/04/2019

da representação gráfica e a

Duração: 2h30

imaginação e capacidade de

Crianças: 20 aprox. (11 a 13

pensar e projetar a paisagem.

anos)

Materiais necessários:

Objetivo Geral: Reconhecer

*60 folhas A4

o espaço e percorrê-lo com um olhar atento. Estimular a observação do espaço através

*30 pranchetas *canetas coloridas *caixa de som

1. Gato e Rato (30 minutos) Objetivo: possibilitar que as crianças explorem a praça enquanto se escondem e se divertem. Descrição da atividade: A atividade será uma brincadeira de polícia e ladrão tradicional, instigando que as crianças explorem toda a área da praça.

Descrição da atividade: As crianças são convidadas para caminharem pelo espaço, percebendo o próprio corpo: como ele está, se tem alguma parte tensa, algum machucado… Então elas serão convidadas para perceberem o ritmo do próprio caminhar: se estão aceleradas, se estão cansadas… As crianças são convidadas para acelerarem e diminuírem o próprio ritmo, e começarem a prestar atenção nos detalhes sobre o entorno, também. Em seguida, as crianças começam a receber comandos para realizar diversos movimentos: 1: dá um pulo 2: muda a direção da caminhada 3: bate uma palma 4: caminha de costas 5: dá um grito 6: faz o movimento favorito

2. Observação desenhada (40 minutos) Objetivo: Estimular um olhar crítico e imaginativo para a praça. Descrição da atividade: Primeiro, as crianças receberão folhas sulfite para desenharem a praça de forma sintética, realçando aquilo que consideram mais emblemático. Em outra folha, as crianças desenharão aquilo que desejam ver na praça no futuro. Nestes desenhos serão estimuladas a imaginar novas possibilidades, imaginárias e concretas.

3. Inventando brinquedos: corpo, espaço, afetividades e possibilidades (30 minutos) Objetivo: incentivar a criança a experimentar o espaço que deseja ocupar, ao nível corporal e comportamental; descobrindo, por meio de várias dinâmicas as possibilidades de interação com o território. Esta atividade convida a criança a imaginar diferentes caminhos para revitalizar o espaço público, saindo dos rígidos esquemas propostos pelos brinquedos estruturados. A criança, é, então, possibilitada para propor o brincar desde a sua autonomia e necessidades físicas e emocionais. 54

7: experimenta uma parede! encosta nela, percebe o que você sente 8: fica agora a posição que mais vontade tiver, em qualquer lugar do espaço 9: inventa uma brincadeira, agora, com o primeiro objeto que você encontre no seu caminho 10: sente o espaço com alguma parte do corpo que nunca antes você testou. Será que é a cabeça? O joelho? O seu coração? 11: caminha com uma perna só 12: dá a mão para um/a colega, e inventem uma forma de caminhar juntos 13: para, na frente de um/a colega, e olha no olho dele/a. Fica se conectando com essa pessoinha até o próximo comando 14: para, na frente de uma pessoa -diferente-; e inventem juntos uma brincadeira, com algum elemento do espaço. 15: para, na frente de uma pessoa; e convida o/a colega para compartilhar com você qual a posição, forma de caminhar ou brincar, que experimentou nessa praça. Escuta primeiro, depois fala para ele/a sobre o seu momento favorito neste jogo também


5) Após as crianças trocarem figurinhas sobre as infinitas possibilidades de interação na praça, construídas ao longo do processo, elas são convidadas para apresentarem, com o próprio corpo, a proposta preferida do outro para o brincar sobre esse espaço. A ideia fundamental, nesta última parte da dinâmica, é resgatar o psicodrama como uma ferramenta para expressar as próprias vontades e desejos em relação ao local. *Se uma criança imaginou que seria um brinquedo que a permitiria sobrevoar a praça, a criança que representa a ideia pode imitar um pássaro com o corpo.

4. Compartilhamento de objetos e sonhos (30 minutos) Objetivo: que as crianças se apropriem de fragmentos da praça e compartilhem seus sonhos com as demais Descrição da atividade: propõe-se que as crianças façam uma saída rápida para coletarem um objeto que achem interessante ou representativo. Com esse objeto em mão elas farão uma roda onde vão descrever o objeto que pegaram, sem falar o nome do objeto; o porquê escolheram esse objeto; e quais são seus sonhos para a praça.

quedos com as crianças. A atividade pretendia levar as crianças a explorarem os movimentos do corpo e assim relacioná-los ao brincar. O objetivo dessa atividade não foi atingido, por alguns motivos: a atividade é um ativador da imaginação, e portanto, deveria vir antes da prática da criatividade mas ao fim da atividade não houve reflexão sobre a exploração e o que poderia ter sido entendido pelas crianças se perdeu no processo; a atividade também não foi bem explicada e as crianças não sabiam o que deveriam esperar ou se atentar durante a mesma. Pelo seu mau desenvolvimento, sua última parte não foi feita, justamente a mais importante que traria trocas e reflexões. A última atividade foi de difícil execução. Após os movimentos da anterior, as crianças estavam agitadas e tiveram dificuldades de sentar em roda e engajarem em uma atividade de reflexão. Apesar disso conseguimos concluir com a reflexão sobre o espaço e o que sonham para ele. Aqui muitas informações foram perdidas, uma vez que incentivou a imaginação das crianças sobre o espaço, sem haver registro ou desenvolvimento em criação.

Análise: O jogo da primeira atividade tinha como objetivo representar uma deriva e observar como as crianças ocupam o espaço. A segunda atividade, igual a dada no Jd Elisa Maria, apresentou o mesmo resultado: as crianças engajaram na atividade, e passaram muito tempo observando o espaço para desenhá-lo, mas a criação do que gostariam de ver no espaço em poucos desenhos fugiu de um senso comum, com a representação de brinquedos convencionais. Apesar de as crianças, mais velhas e moradoras de espaços com mais equipamentos, tivessem mais repertório para criação, algumas delas se limitaram a repetir o que viam na praça, e outras trouxeram novos elementos, incentivadas pelas facilitadoras que iam de criança em criança fazendo perguntas a fim de incentivá-la a imaginarem além. A próxima atividade foi uma exploração da equipe, que teve como desejo desenvolver um processo de codesign de brin55


Metodologia CoCriança: os blocos de uma construção coletiva de espaços e de cidadania

Conclusão: Apesar da terceira atividade não ter sido bem-sucedida e estar numa ordem pouco favorável para oficina, ela pretendia ativar a imaginação das crianças sobre o corpo e o brincar. E, assim como na oficina anterior, não houve ativação da imaginação das crianças antes da prática de criatividade, que exigiu criação por parte delas. Não houve momento de reflexão coletiva e nem sobre o dia de atividade, porém as crianças foram incentivadas à reflexão individual ao observar o espaço e representá-lo e também ao escolher um objeto representativo na última atividade. Ativação da Imaginação

Prática da Criatividade

(Foto Arquivo CoCriança, abril de 2019. Atividade de desenho). Coerência entre as atividades

Objetivo da oficina

Incentivo à Reflexão

Direcionamento da energia

Ferramentas utilizadas: Jogo de integração. Desenho de observação. Desenho de imaginação. Jogo de exploração do corpo no espaço. Reflexão sobre elemento isolado do espaço Revelação: Adequado manejo ao lidar com erros durante o percurso das atividades. Falha: Não encadear com coerência a ordem das atividades e falta de clareza na explicação delas.

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(Arquivo CoCriança, material de oficina. Desenhos produzidos pelas crianças).


(Arquivo CoCriança, material de oficina. Desenhos produzidos pelas crianças).

(Arquivo CoCriança, material de oficina. Desenhos produzidos pelas crianças).

(Foto Arquivo CoCriança, abril de 2019. Atividade de desenho).

(Arquivo CoCriança, material de oficina. Desenhos produzidos pelas crianças).

Entre os desenhos sobre “como eu gostaria que fosse”, os pedidos vieram na proporção de: 11/19 brinquedos convencionais

5/19 ciclovia

7/19 quadra

5/19 plantas/horta

7/19 mesas e bancos

4/19 arrumar brinquedos

5/19 lixeiras

2/19 casa na árvore

57


Metodologia CoCriança: os blocos de uma construção coletiva de espaços e de cidadania

Jd. Elisa Maria 03 - Cocriação do espaço Data: 17/11/2017

projeto a partir de modelos

Duração: 2h30

3D da praça.

Crianças: 30 aprox. (8 a 11

Materiais necessários:

anos)

- maquetes da praça

Objetivo Geral: Revisitar

- massinha, cola, papel color

o que foi produzido nas oficinas anteriores e focar a cocriação na praça escolhida para o projeto conjunto. Iní-

- tesoura, cola, papel colorido - canetas coloridas - desenhos das crianças - fita

cio do desenvolvimento do

1. Exibição do vídeo (30 minutos) Objetivo: Relembrar o que foi vivido nas duas primeiras oficinas desenvolvidas por CoCriança no CCA Eliza Maria para discutirmos a nossa escolha da praça e as possibilidades de realizar uma intervenção na Praça Rosa Alboni (Praça 01).: Descrição da atividade: exibição de um mini documentário feito pelo grupo sobre as duas últimas oficinas, relembrando que na segunda oficina – percurso pelo bairro – o grupo visitou 3 praças, a fim de discutir sobre a escolha da Praça Rosa Alboni. Serão questionados sobre a escolha para entendermos juntos se a intervenção nesse local faz sentido ou não. “Vocês voltaram na praça da Rosa Alboni? Como ela está agora? Vocês acham que com a nossa ajuda ela pode ser transformada num território das crianças do CCA? Vocês acham que vão poder aproveitá-la mais nos percursos que fazem para chegar no CCA?”

guintes perguntas: Ainda concorda com as ideias que teve? Pensou em alguma outra coisa nesse tempo? Qual seu maior desejo para a praça?

3. Crianças projetando a sua praça (30 minutos) Objetivo: conseguir uma proposta de intervenção para que a Praça Rosa Alboni seja das crianças do CCA e tenha o que todas elas precisam para se apropriarem dela. Descrição da atividade: Divididas em grupos, cada um receberá uma maquete base da praça, além de material de intervenção, para juntos, construírem uma proposta do que desejam que tenha na praça. As perguntas chave para a construção das maquetes serão: O que não pode faltar na Praça Rosa Alboni para ela ser das crianças? O que a Praça Rosa Alboni precisa ter para você se sentir à vontade de ir lá? O que a Praça Rosa Alboni poderá te oferecer que você não consiga achar em outros lugares do Jd. Eliza Maria? Após a finalização das maquetes cada grupo deve apresentar suas ideias para o restante da turma.

4. CoCriança apresenta (15 minutos) Objetivo: Apresentar para as crianças as ideias que a equipe Cocriança teve a partir dos desenhos e conversas tidas nas oficinas passadas. Descrição da atividade: A equipe de CoCriança, que também brincou de maquete, mostrará e irá expor as suas ideias para as crianças neste momento.

2. Conexão com a atividade anterior (20 minutos) Objetivo: Revisitar os desenhos feitos na Praça Rosa Alboni na última oficina e relembrar as ideias que foram apresentadas neles. (Praça 01).: Descrição da atividade: Com os desenhos previamente colados na parede, as crianças que se sentirem à vontade, poderão se voluntariar para explicar o que quiseram manifestar com as representações que fizeram. Conduzimos com as se58

5. Projeto Coletivo (20 minutos) Objetivo: Unificar as ideias em comum das 3 maquetes feitas por elas, resgatando as diferenças em cada maquete, a fim de identificar o que é mais importante para cada grupo e para todas elas em comum. Juntar tudo em uma maquete e chegar numa proposta de intervenção em comum. Descrição da atividade: As crianças sentarão em roda e no


meio dela serão colocadas todas as maquetes produzidas. Convidaremos as crianças a identificarem o que mais gostam em suas maquetes e nas maquetes dos colegas e a escolherem entre opções apresentadas o que querem levar para o projeto final.

6. Encerramento | Check out (15 minutos) Objetivo: Encerrar a oficina e avaliar em conjunto como foi a atividade. Descrição da atividade: As crianças serão convidadas a partilhar em roda: Uma palavra para definir como elas se sentiram durante a oficina de codesign; e o que gostariam de fazer no próximo encontro para continuarmos a projetar uma intervenção coletiva na Praça Rosa Alboni.

Análise: Houve um longo período de pausa entre a oficina anterior e essa e por esse motivo a oficina iniciou com atividades de encadeamento, onde relembramos a crianças o que foi construído até aqui, para podermos retomar. Durante esse tempo houve também mudança nas turmas do CCA, que a cada semestre pode variar de integrantes e dessa forma foi necessário também que apresentássemos o projeto às novas crianças, entendendo que começaríamos do zero com elas em relação ao engajamento.

novas e mais velhas, idosas, famílias e jovens, a se colocarem no lugar deles e projetar também para eles. Conseguiram incluir na maquete diversas ideias, modelando tudo o que imaginavam para a praça. Nos foi surpreendente o tanto de coisas que pensaram em colocar na praça, como piso tátil, brinquedo para bebês, placas informativas, entre outros. Sem esquecer, inclusive, de itens de segurança, como o guarda corpo. As possíveis dificuldades que poderíamos enfrentar após ter interrompido o fluxo de criação por 7 meses, não aconteceram nesse momento. Encontramos as crianças com ainda mais vontade de fazer acontecer, e com todas as informações das oficinas passadas assentadas, elas criaram com muita clareza de qual era o objetivo, e do que queriam para seu espaço. Após a atividade, apresentamos para elas algumas ideias de projeto que havíamos pensado, a partir do que foi discutido nas oficinas anteriores para serem incluídas na elaboração da maquete final. Escolhemos levar essas ideias a fim de enriquecer a elaboração do projeto, mas depois elas criaram seus próprios projetos, a fim de não influenciar na ideia delas. Conseguimos unir as diferentes maquetes em uma única, em uma roda de conversa onde todos foram apontando o que gostaram na maquete do outro e o que preferiam que fosse para o projeto final. Ficou evidente que as crianças estavam muito interessadas nas ideias que levamos querendo trabalhar em cima delas e deixando mais de lado suas próprias ideias. A reflexão final foi muito rica e todas as crianças se mostraram engajadas e animadas para continuar o trabalho.

Para isso, passamos um vídeo com as filmagens feitas das oficinas anteriores, para que elas relembrassem e se conectassem com o projeto através das próprias imagens delas falando e criando. Após isso levamos os desenhos feitos na praça escolhida para a reforma e voltamos a discutir o que elas haviam representado como o que viam e o que gostariam de ver naquele espaço. A partir dessa revisita e reflexão inicial, elas iniciaram a criação das maquetes. De todas as linguagens já exploradas com essa turma, a tridimensional foi a que melhor conseguiram trabalhar. As crianças engajaram na tarefa e trabalharam sem conflitos e de forma fluida. As incentivamos a todo momento a considerar os outros usuários da praça, como crianças mais 59


Metodologia CoCriança: os blocos de uma construção coletiva de espaços e de cidadania

Conclusão: As atividades de encadeamento no início foram bem-sucedidas em conectar as crianças no que elas já estavam exercitando de forma imaginativa para a praça e dessa forma, elas foram para a atividade de criação focadas em apresentar o que tinham em mente. Os grupos trabalharam imersos sem muita discussão no que deveria ser colocado na maquete ou não, eles apenas estavam respeitando o que cada um colocava, e adicionando suas próprias contribuições. A reflexão sobre o resultado das maquetes, que antecedeu a criação da maquete final, nos mostrou como estavam todos alinhados nos quereres para o espaço, chegamos facilmente em um consenso final sobre o projeto da praça. Apesar de, assim como na oficina passada, não ter havido um exercício da imaginação a fim de trazer novas ideias e inspirar as crianças no projeto, elas foram extremamente criativas nas suas proposições e nos surpreenderam de muitas formas. A maquete com as ideias das facilitadoras poderia ter servido de inspiração para as crianças trabalharem em cima, de fato não foi esse o pensamento que tivemos no momento, estávamos preocupadas em não influenciar as crianças, mas por conta disso acabamos, talvez, por deixar de inspirá-las em suas próprias criações. Vale considerar também que o que propomos foi fruto do que ouvimos das crianças nas atividades anteriores, e talvez fosse mais interessante levarmos essas reflexões de projeto para elas, a fim de enriquecer o repertório delas, ao invés de levar uma maquete com as ideias já fechadas nele. Ativação da Imaginação

Prática da Criatividade

Coerência entre as atividades

Objetivo da oficina

Ferramentas utilizadas: vídeo-documentário das oficinas passadas. Reflexão sobre desenhos. Criação com maquetes. União das maquetes em uma única. Reflexão sobre a atividade Revelação: Afinidade das crianças com a representação tridimensional. Falha: Não encadear com coerência a ordem das atividades, propondo o exercício de imaginação depois das crianças já terem elaborado suas próprias propostas.

Facilitadora: “Por que a gente precisa de brinquedos? Por que a gente precisa da estrutura da praça?”

(Foto Arquivo CoCriança, novembro de 2017. Roda de compartilhamento das maquetes produzidas).

“Para deixar a praça mais bonita.” Incentivo à Reflexão

60

Direcionamento de energia

“Para deixar a praça mais colorida.”


“Tinha que ter mais brinquedos pras crianças brincar e luz lá embaixo.”

(Foto Arquivo CoCriança, novembro de 2017. Maquete produzida pelas crianças).

“Para todo mundo ver que a gente conseguiu reformar a praça e ver que pedimos a ajuda de todos.”

(Foto Arquivo CoCriança, novembro de 2017. Maquete produzida pelas crianças).

“Minha mãe não deixa eu ir na pracinha. “ “Pode ser até para os adulto brincar.” “Tem o xadrez também para eles.” (Transcrição de vídeos do arquivo CoCriança, novembro de 2017. Falas das crianças do CCA Jd Elisa Maria durante a criação das maquetes).

(Foto Arquivo CoCriança, novembro de 2017. Maquete produzida pelas crianças).

“ As cadeiras tão tudo quebradas e tem pessoa que não pode nem jogar um xadrez.” “Não tem lazer.” 61


Metodologia CoCriança: os blocos de uma construção coletiva de espaços e de cidadania

Vila Anglo Oficina 03 - Co-criação do espaço Data: 08.05.2019

de modelos 3D da praça.

Duração: 2h00

Materiais necessários:

Crianças: 20 aprox. (11 a 13

*desenhos da oficina 02

anos)

*fita e cola

Objetivo Geral: Revisitar o

*canetas coloridas

que foi produzido na oficina anterior e iniciar o desenvolvimento do projeto a partir

*3 maquetes da praça *massinha *tintas e pincéis *folhas coloridas e tesoura

1. Apresentação dos desenhos (15 minutos) Objetivo: relembrar o que foi trabalhado na oficina anterior. Descrição da atividade: Iremos expor os desenhos feitos na oficina anterior. As crianças que quiserem, podem apresentar os seus. Iremos anotar numa folha A3 quais foram os elementos principais que surgiram no desenho de desejos.

2. Criando as maquetes (75 minutos) Objetivo: Incentivar as crianças a criarem espacialmente quais seriam os seus desejos para a praça. Descrição da atividade: Primeiro caminharemos até a praça, onde a atividade acontecerá. Levaremos três maquetes de base da praça, divididas em três grupos, as crianças serão convidadas a intervirem na maquete inserindo elementos que gostariam que existissem na praça.

3. Compartilhamento (30 minutos) Objetivo: Compartilhar os olhares, conhecimento e experiências individuais sobre o bairro. Descrição da atividade: Cada equipe apresenta, de forma livre - com qualquer forma de expressão escolhida pelo grupo, a sua maquete para os outros grupos. Após as apresentações todos sentam em roda e discutem juntos os assuntos abordados. 62

Análise: Diferente da nossa experiência no Jd. Elisa Maria, as oficinas na Vila Anglo aconteceram sem pausa e portanto num único fluxo de criação. Dessa forma continuamos a atividade de onde paramos na oficina passada. Relembramos os desenhos feitos por elas e as incentivamos a discutir sobre os elementos que haviam trazido em seus desenhos e aqueles que viam nos desenhos dos colegas. Usamos esse momento para conectá-las à criação que havia acontecido na semana passada, e depois fomos todos para a praça a fim de fazermos as maquetes do projeto. A dinâmica foi pensada para acontecer de forma semelhante ao Jd Elisa Maria, porém aconteceu muito diferente. As crianças não engajaram na atividade, tiveram problemas em trabalhar em grupo, não chegando em consenso sobre a criação e criando conflitos entre si. Algumas crianças antes da metade do tempo da atividade já haviam desistido dela, pedindo para brincar na praça, e ficou claro que não estavam criando pensando no real objetivo da atividade e estavam levando como uma lição que deveriam entregar, sem muita vontade. Também pudemos observar que havia muita preocupação, por parte de quem estava engajado, em deixar a maquete bonita, pintando a rua, o entorno, etc, ao invés de representar o que gostaria que fosse construído na praça. Não colocando nela nem o que já haviam pensado e colocado nos desenhos. Com muita intervenção das facilitadoras conseguimos ir engajando algumas crianças que foram trabalhando na maquete e concluíram a atividade. Porém houve muito desgaste de todas as partes e com o fim da atividade achamos melhor encerrar o dia, sem a reflexão final. Já havíamos percebido que seria mais trabalhoso engajar essa turma, e fomos levando as atividades esperando que isso aconteceria de forma natural, conforme iríamos conquistando a confiança das crianças. Com essa última atividade entendemos que não poderíamos seguir com o que fizemos no Jd. Elisa Maria e precisaríamos fazer uma correção de rota e trabalhar focado na relação interpessoal das crianças, a fim de melhorar o relacionamento da turma, antes de incentivar a cocriação.


Conclusão: Apesar dos entraves consequentes do relacionamento da turma, também vale a reflexão da criação com pouco cuidado no exercício da imaginação. Logo no início da oficina, quando revimos os desenhos, percebemos a falta de interesse na turma, em observá-los e conversar sobre eles. Também não houve nenhum momento de inspiração com referências para inspirá-las. Houve muita apatia das crianças em relação à atividade, que podemos atribuir a vários motivos como: bloqueio criativo, falta de confiança no que estava sendo feito, problemas de relacionamento entre eles, entre outros. Percebemos durante a atividade que elas realmente não haviam entendido que íamos de fato reformar a praça e que íamos reformá-la de acordo com o que elas propusessem durante as oficinas. Ativação da Imaginação

Prática da Criatividade

Coerência entre as atividades

Objetivo da oficina

Incentivo à Reflexão

Direcionamento da energia

Ferramentas utilizadas: Reflexão sobre desenhos. Criação com maquetes. Revelação: Clareza sobre as correções necessárias para que as dinâmicas colaborassem com o andamento do projeto. Falha: Não intervir na atividade de cocriação, uma vez identificados atritos entre os integrantes dos grupos.

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Metodologia CoCriança: os blocos de uma construção coletiva de espaços e de cidadania

“Isso aqui é o que eu quero na praça. Eu quero uma horta, um bebedouro, plantas e sanitário.” (Transcrição de vídeos do arquivo CoCriança, maio de 2019. Falas das crianças do CCA Sal da Terra durante a criação das maquetes).

(Foto Arquivo CoCriança, maio de 2019. Maquete produzida pelas crianças).

“Queria uma quadra de tênis e eu não desenhei, mas também queria que tivesse uma pista de bicicleta.” (Transcrição de vídeos do arquivo CoCriança, maio de 2019. Falas das crianças do CCA Sal da Terra durante a criação das maquetes).

(Foto Arquivo CoCriança, maio de 2019. Crianças produzindo suas maquetes).

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“Queria um vaporizador, aqueles que tem na Villa Lobos, aqueles que sai água.” “Mais balanços, casa na árvore, ciclovia, trocar brinquedos e colocar mais, mais mesas e grafites.” (Transcrição de vídeos do arquivo CoCriança, maio de 2019. Falas das crianças do CCA Sal da Terra durante a criação das maquetes).

(Foto Arquivo CoCriança, maio de 2019. Maquete produzida pelas crianças).

“A onde só tem terra, colocar flores.” “Essa parte aqui dos brinquedos, aqui tem algumas mesas, banheiro, aqui é a escada, aqui a gente fez rampa, a quadra, um laguinho com peixes e um jardim.” (Transcrição de vídeos do arquivo CoCriança, maio de 2019. Falas das crianças do CCA Sal da Terra durante a criação das maquetes).

(Foto Arquivo CoCriança, maio de 2019. Maquete produzida pelas crianças).

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Metodologia CoCriança: os blocos de uma construção coletiva de espaços e de cidadania

Jd. Elisa Maria 04 - Levantamento de recursos Data: 14/05/2018

Materiais necessários:

Duração: 2h30

*bola lúdica

Crianças: 30 aprox. (8 a 11

*folhas A4

anos) Objetivo Geral: Conhecer as novas crianças e iniciar o levantamento de recursos disponíveis para a intervenção

*folha A1 com detalhes da *canetas coloridas *giz *materiais

anteriormente

produzido pelas crianças

na Praça Rosa Alboni.

1. Apresentação (10 minutos) Objetivo: O objetivo é retomar contato com a turma e conhecer as novas crianças. Descrição da atividade: Teremos uma bolinha circulando pela roda, as pessoas passam de uma para a outra, a modo de “bastão de fala”. Perguntas para a apresentação: Nome, idade, se você pudesse pedir um desejo agora, qual seria? 2. Contação de histórias (30 minutos) Objetivo: Entender o que as crianças perceberam do trabalho do CoCriança até o momento, como é a sua conexão afetiva com o projeto e com a nossa presença no CCA. Auxiliá-las a relembrarem todos os acontecimentos desde o início do nosso trabalho e a contarem para as novas crianças. Descrição da atividade: Começaremos a contar a história a partir de um roteiro, mas incentivaremos as crianças a contribuírem com a construção coletiva do conto. São elas que falarão para os colegas novos, tudo o que vem acontecendo. As facilitadoras só ficam de olho para apoiar a fala delas, caso não se lembrem da sucessão das oficinas. Para contribuir com a sequência dos fatos, iremos mostrar um elemento representativo de cada oficina que desenvolvemos no CCA, para as crianças se lembrarem das atividades que já participaram. 3. Mapeamento dos recursos | Fluxonomia 4D (50 minutos) Facilitadora convidada: Ana Borba, especialista em Fluxonomia 4D Objetivo: Mapear os recursos que temos disponíveis para fa66

zer a reforma da praça acontecer. O objetivo é que as crianças se apropriem da ideia de fazer uma intervenção na praça, e reconheçam os recursos envolta delas. Descrição da atividade: Levaremos as crianças na praça e facilitaremos um processo de cocriação com o método da fluxonomia 4D, auxiliadas pela Ana Borba, convidada especialista no método. A Fluxonomia é baseada em 4 dimensões (social, ambiental, cultural e econômica), dando lugar a 4 tipos de economias (colaborativa, compartilhada, criativa e multi-moedas). Neste sentido, a Fluxonomia pretende valorizar recursos intangíveis (talentos, aptidões, capacidades, locais aos que temos acesso, recursos humanos, recursos naturais, etc.) como fontes de riqueza, que temos à nossa disposição, mas com as quais normalmente não contamos. O mapeamento de recursos será feito a partir de seis grandes áreas de atuação: Jardim, Brinquedos, Arte, Reforma, Lixo e Luz. 4. Mapeamento de propostas para a comunicação do projeto (40 minutos) Objetivo: Mapear as diversas possibilidades de apresentarmos o projeto de reforma da praça para os moradores da comunidade. Descrição da atividade: Seguindo o formato de apresentação através de diversas formas de arte, as crianças serão divididas em 3 grandes grupos, para pensarem, em colaboração, qual a melhor forma de levar a projeto da reforma para os moradores. Assim, quaisquer tipos de forma de expressão poderão ser escolhidos por elas. Após 20 minutos cada grupo terá 5 minutos para apresentar para o restante da turma. 5. Check-out | Roda de apreciação (15 minutos) Objetivo: Encerrar o dia e fazer uma avaliação conjunta das atividades. Descrição da atividade: De volta ao CCA As crianças serão convidadas para falarem uma palavra sobre o que tem sentido e o que gostariam de fazer na próxima oficina


Análise: Após a última oficina, onde fechamos o projeto da praça com as crianças, voltamos nosso tempo para correr atrás de possibilidades para a reforma do espaço. Não tínhamos ainda nada encaminhado e julgamos ser necessário voltarmos já com algo em perspectiva, para não decepcionarmos as crianças. Por conta disso, demoramos mais um tempo para voltarmos ao CCA. Foram outros 7 meses que ficamos sem trabalhar diretamente com as crianças e quando retornamos tivemos que, mais uma vez, trabalhar a memória e o engajamento delas. Para isso tivemos uma roda de apresentação e de contação de histórias, tendo como tema o projeto desde a primeira oficina. Voltamos com a mentalidade de que para construir o espaço precisaríamos agir junto com as crianças, e inclusive dando protagonismo para elas nessa busca. A principal meta da atividade foi despertar a possibilidade de que todos os recursos utilizados na revitalização do espaço urbano procedessem tanto da população local quanto dos fundos arrecadados em diversos eventos organizados pelo grupo de pesquisa; assim como, em um segundo momento, chamar para o investimento público-privado, que conseguisse sustentar com os custos mais elevadas sobre a infraestrutura da praça. Neste sentido, a finalidade foi de incentivar um sentimento geral de pertencimento à iniciativa proposta e de articular diversos atores para se responsabilizarem com o cuidado do espaço público.

suas capacidades para contribuir com cada necessidade específica. Assim, o exercício foi útil não só para o coletivo ter uma noção da viabilidade para materializar o projeto de reforma da praça, mas também para que cada criança e facilitadora se sentirem parte e protagonistas ativas das contribuições que poderiam ter para com o projeto. A Fluxonomia 4D funcionou muito bem enquanto ferramenta de mapeamento de recursos, porém ela trazia muitos conceitos novos e complexos, e as crianças encontraram muitas dificuldades em entendê-los em apenas uma atividade de uma hora. Outra dificuldade foi que ela aconteceu na praça, com o objetivo das crianças poderem visualizar o que era preciso pensar, mas no dia a praça estava com muito barulho, dificultando ainda mais a escuta e compreensão do conteúdo que estava tentando ser passado. Essas dificuldades fizeram com que muitas crianças dispersassem, enquanto outras se esforçavam para entender e engajar. A forma de aplicação com um dado despertou nas crianças a sensação de estar brincando, o que colaborou para criar vontade nelas de participar e consequentemente de buscar as soluções propostas.

O mapeamento foi feito utilizando o método Fluxonomia 4D, uma ferramenta criada por Lala Deheinzelin, futurista, mobilizadora social e pioneira em economia criativa, que combina Estudos de Futuro com Novas Economias (Criativa, Compartilhada, Colaborativa e Multimoedas) para atender as necessidades do mercado e da sociedade do século XXI. A partir de um diagrama de fluxo desenhado no chão da praça e um dado. O dado foi jogado por cada criança, que adotava uma área, e em seguida era questionada com quais recursos disponíveis, tangíveis ou intangíveis poderia contribuir nesse campo. O dado de seis faces representou cada uma das áreas de atuação na praça (arte, brinquedos, reforma, lixo, luz e jardim); e com base nisso as crianças foram brincando e apontando as 67


Metodologia CoCriança: os blocos de uma construção coletiva de espaços e de cidadania

Conclusão: Houve ativação da imaginação através do conteúdo da Fluxonomia 4D, que exigiu das crianças o entendimento de conceitos a princípio abstratos para elas. A prática da criatividade ficou por conta de mapear os recursos, não exigindo criação, apenas fazer, escrever os recursos mapeados. A reflexão foi incentivada, individualmente e coletivamente, a partir da nova concepção de recursos que estávamos trazendo a elas. Porém a reflexão final não aconteceu muito bem. Como dito anteriormente, houve muitas dificuldades na oficina, de barulho e de como explicar conceitos complexos em tão pouco tempo. Essas dificuldades desgastaram muito as crianças e as facilitadoras, fazendo com que as facilitadoras decidissem terminar a oficina com o término do mapeamento, entendo que a partir dali seria pesado para as crianças continuarem. O fato de que era necessário desenhar uma oficina com o objetivo de mapear, mas precisando retomar todo o processo, foi um empecilho para uma oficina com coerência entre todas as atividades, e também a ocupando muito para além da busca do objetivo em si. Outro ponto importante foi a presença de novas crianças, que ainda não haviam experienciado o projeto e nem construído relação com ele e as facilitadoras. As duas primeiras atividades não foram suficientes para engajá-las, fazendo com que principalmente elas dispersassem bastante.

Ferramentas Utilizadas: Dinâmica de apresentação. Contação de história. Fluxonomia 4D Revelação: Valorização da rede que se forma ao redor da criança para a materialização do que foi cocriado no projeto. Falha: Não atentar para importantes fatores de conforto no ambiente da oficina, uma vez que a dinâmica exigia atenção e absorção de explicações teóricas.

Ativação da Imaginação

Prática da Criatividade

Coerência entre as atividades

Objetivo da oficina

Facilitadora: “Você vai pegar uma da sua casa e colocar na praça?”

Incentivo à Reflexão

Direcionamento de energia

“Lata de tinta!”

(Foto arquivo CoCriança, maio de 2018. Dado com os elementos para reforma e as quatro dimensões de recursos.)

(Transcrição de vídeos do arquivo CoCriança, maio de 2018. Falas das crianças do CCA Jd Elisa Maria, durante o mapeamento de recursos).

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Facilitadora: “Uma lata de lixo? Onde a gente consegue uma lata de lixo? “ “Reciclando!” “Casa!” (Transcrição de vídeos do arquivo CoCriança, maio de 2018. Falas das crianças do CCA Jd Elisa Maria, durante o mapeamento de recursos).

(Foto arquivo CoCriança, maio de 2018. Facilitadora organizando lousa com os recursos sugeridos pelas crianças).

Facilitadora: “O depósito que a gente precisa para colocar o lixo é um depósito, certo? Ele é um objeto e tudo que é objeto vai estar aqui no ambiental.” (...) “Também precisa motivar!“

(Foto arquivo CoCriança, maio de 2018. Crianças com o dado.)

Facilitadora:“motivar para que?” “Para não jogar lixo! Para jogar na lata.” “Motivar para usar a lata então. (...) “ “Podemos também falar com o Nossa Vila Limpa!” “ Sim! Eles dão saco de lixo!”

Facilitadora: “Eu acho que para colocar lixeira na praça é preciso de....” “Reciclado. “ “ Eu sei! Precisa de balde! “ (Transcrição de vídeos do arquivo CoCriança, maio de 2018. Falas das crianças do CCA Jd Elisa Maria, durante o mapeamento de recursos).

“Pra mim eu acho que eles que mudaram o Elisa Maria.” (Transcrição de vídeos do arquivo CoCriança, maio de 2018. Falas das crianças do CCA Jd Elisa Maria, durante o mapeamento de recursos).

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Metodologia CoCriança: os blocos de uma construção coletiva de espaços e de cidadania

Vila Anglo 04 - Oficina Aquário Eles querem só construir a praça ou fazer o projeto? A importância de trabalhar em grupo - “nós mais do que eu”.

Data: 15.05.2019

logo com as crianças sobre o

Duração: 2h00

objetivo do projeto e o real

A importância da empatia, de se colocar no lugar do outro.

interesse delas em fazer parte.

Importância de construir um lugar/praça como criança.

Crianças: 20 aprox. (11 a 13 anos) Objetivo Geral: Abrir diá-

Materiais necessários: *papéis cortados *caneta

3.Vestindo os outros caminhos (30 minutos) Objetivo: aproximar as crianças e incentivá-las a contar suas histórias.

1. Check-in (20 minutos) Objetivo: praticar a escuta e a empatia. Descrição da atividade: Em roda, as crianças serão convidadas a falar: nome, alguma coisa que despertou algum tipo de sentimento - um positivo e outro negativo - para elas durante a semana. Depois repetir qual foi o sentimento que o amigo do lado direito teve. Vamos deixar papeizinhos durante o resto do dia, para quem quiser escrever um recado para o amigo. Não precisa assinar. Vamos entregar no final do dia.

2. Roda de conversa | aquário (30 minutos) Objetivo: Relembrar o que foi trabalhado na oficina anterior e discutir o projeto final da praça. Além de ir percorrendo o espaço da praça para imaginar como será. Descrição da atividade: A atividade acontecerá com a dinâmica do aquário - estrutura para incentivar conversas, que vai administrando de forma gradual e orgânica o número de intervenções. Quatro cadeiras são colocadas no meio da sala, das quais uma sempre deverá ficar livre para poder ser ocupada pelas falas “pulsantes”. Nós, as facilitadoras, começaremos falando como nos sentimos a respeito da oficina passada. Pontos que devemos levantar para as crianças refletirem: Eles querem mesmo fazer o projeto da praça? Ou querem deixar que o MAVA faça? 70

Descrição da atividade: Cada criança coloca seu par de sapato no centro da roda e escolhe um outro. Depois, veste o escolhido e caminha com ele pensando qual é a história desse tal sapato, o que ele já passou, por onde ele já foi, como ele chegou ao dono, etc. Por fim, sentamos em roda novamente e cada um conta um pouco do sapato que vestiu, tentando adivinhar a história. Quem for o dono real do sapato vai ouvir e depois contar, o que quiser, sobre a sua verdadeira história.

Análise: A situação da Vila Anglo foi muito diferente da que tivemos no Jd Elisa Maria. Enquanto na Brasilândia tivemos que correr atrás da viabilidade do projeto, na Vila Anglo já tínhamos todos os recursos necessários para viabilizá-lo. Dessa forma a oficina de mapeamento de recursos não era necessária. Mas apesar de não termos essa demanda, tínhamos outra, a de ajudar as crianças a comunicarem melhor suas necessidades e sentimentos, além de entender, a partir disso, a real vontade delas de continuarem o projeto. Por esse motivo, desenhamos a oficina Aquário, que leva o nome da principal ferramenta de diálogo que utilizamos. O método, cunhado pelo australiano Harrison Owen em seu livro Tecnologia do Espaço Aberto, Manual do Usuário (1983), pretende promover um diálogo participativo, criando possibilidade de poder se expressar e de praticar a escuta ativa. A atividade toda se desenvolveu em uma sala confortável, silenciosa e reservada, propícia para mantê-las atentas e que criava um ambiente de segurança para as crianças. Iniciamos incentivando elas a nomearem sentimentos que sentiram


no dia e dessa forma começamos introduzindo qual seria a temática da oficina. Então utilizamos do método Aquário a fim de fomentar um diálogo mais profundo entre as crianças sobre suas dinâmicas de relacionamento. A atividade aconteceu de forma natural, em nenhum momento o objetivo da conversa se desviou, e ficamos muito surpresas com a iniciativa das crianças mais introvertidas de falarem; estava claro o quanto precisavam serem ouvidas. Assim como os mais extrovertidos permaneceram atentos o tempo todo e respeitaram, sem dificuldades, a dinâmica e o espaço de fala. Com a atividade todos se ouviram e falaram sobre a necessidade de mais respeito sobre as opiniões e de maior escuta dos colegas. Também falaram sobre a importância que viam no projeto e que realmente gostariam de engajar na proposta. Finalizamos com uma atividade para promover a empatia e a aproximação entre as crianças. Foi um fechamento muito significativo, após as crianças exporem seus incômodos em relação aos colegas foi importante criar uma conexão de um lugar empático através de suas histórias, de uma forma lúdica utilizando seus sapatos.

Conclusão: A oficina não pretendia ser de criação, o objetivo de incentivar a reflexão e o diálogo foi atingido e as atividades de abertura e fechamento funcionaram muito bem para potencializar os ganhos da atividade Aquário. Como a oficina pretendia criar diálogo atento e escuta ativa era importante manter as crianças calmas e focadas, e assim todas as atividades trabalharam para a manter a energia delas em sintonia com o objetivo. Com a oficina trabalhamos diretamente nos objetivos “Reconhecer e instrumentalizar a voz das crianças para a autonomia” e “Promover o senso de coletividade entre as crianças, com a afirmação das individualidades”. Conscientizando as crianças para a importância do diálogo, empatia e da construção coletiva e trabalhando com elas a capacidade da conversa construtiva, da escuta ativa e da expressão de seus sentimentos e ideias. Coerência entre as atividades

Objetivo da oficina

Incentivo à Reflexão

Direcionamento da energia

Ativaçãoo da imaginação

Prática da criatividade

Ferramentas Utilizadas: Check-in focado em sentimentos, Aquário, dinâmica da “Troca de lugar” Revelação: Disposição das crianças em dialogar e resolver conflitos. Falha: -

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“Para mim é importante, por que se a gente fizer uma praça dos sonhos assim, a minha irmã e um monte de criancinhas vai querer ir nessa praça, por que eu vi que lá não tem muita gente e eu queria que ela ficasse com um monte de pessoas. E pra mim é uma coisa mesmo diferente, é porque tipo, não vai ser que nem as outras praças que só tem árvore, escorregador e balanço, vai ser coisas que saiu de mim. Eu não frequento essa praça, mas se essa praça ficar muito linda eu vou começar a frequentar. ” (Transcrição de vídeos do arquivo CoCriança, maio de 2019. Falas das crianças do CCA Sal da Terra durante a oficina Aquário).

(Foto arquivo CoCriança, maio de 2019. Crianças e educadora participando da atividade aquário.)

“A gente põe o que a gente quer, e também dá pra saber o que as pessoas querem também, e o jeito que elas são e o jeito que elas pensam. ” (Transcrição de vídeos do arquivo CoCriança, maio de 2019. Falas das crianças do CCA Sal da Terra durante a oficina Aquário).

(Foto arquivo CoCriança, maio de 2019. Crianças na dinâmica dos sapatos.)

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“É difícil colocar a nossa opinião, por que muitas vezes a gente pensa muito o que os outros vão pensar sobre a nossa opinião, então a gente prefere ficar quieto e não falar nada.”


“Eu também concordo que é difícil, eu concordo com ela.” “A gente aqui às vezes tem muito medo do que a pessoa vai achar e a gente acaba ficando quieto.” “E foi isso que aconteceu comigo, porque tipo, eu queria colocar uns negócios na praça e ninguém ouviu minha ideia, ninguém gostou também dela, e achei até que ninguém ia gostar depois.” Facilitadora: “Vocês acham que é importante o trabalho coletivo, a gente aprender a trabalhar em coletivo?”

(Foto arquivo CoCriança, maio de 2019. Sapatos no centro da roda no começo da dinâmica.)

“Eu acho que a gente tem que aprender a fazer uma coisa coletiva.”

“É porque querendo ou não vai levar para o futuro e é muito bom para refletir.”

(Transcrição de vídeos do arquivo CoCriança, maio de 2019. Falas das crianças do CCA Sal da Terra durante a oficina Aquário).

“E pode ter quem vai gostar do que a gente pensou em colocar e não colocou.“ (Transcrição de vídeos do arquivo CoCriança, maio de 2019. Falas das crianças do CCA Sal da Terra durante a oficina Aquário).

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Jd. Elisa Maria 05 - Argumentação Criativa Data: 06/2018

rarem de forma discursiva

Duração: 2h30

do seu projeto e poderem,

Crianças: 30 aprox. (8 a 11

elas mesmas, defenderem

anos) Objetivo Geral: Tendo o projeto pronto e os recursos necessários levantados, o objetivo dessa oficina é praticar

a

argumentação

ele para aqueles que podem ajudá-las a construir a praça. Materiais necessários: *fichas de cada ODS *folhas A4 *canetas

para as crianças se empode-

atingir o desenvolvimento sustentável ao nível global, a partir de ações locais. Assim, cada problema e soluções das comissões serão alinhadas com os ODS, a partir disso começaremos a discussão sobre os aspectos fundamentais que o projeto está levando para a comunidade, o bairro e a sociedade como um todo. 3. As facilitadoras, também apresentam diversas perguntas para as crianças refletirem sobre a missão de cada comissão, com maior grau de profundidade: -Por que você escolheu essa comissão? -Como a sua comissão pode ajudar na reforma da praça?

1. Check-in (35 minutos) Objetivo: Atividade de abertura para prática da escuta ativa. Descrição da atividade: Fazemos duas rodas concêntricas, os de dentro olham para fora e os de fora olham para dentro. Formamos duplas onde primeiro uma fala sobre como foi o seu dia enquanto o outro apenas escuta, depois invertemos os papéis. Voltamos para a roda geral e cada criança será convidada a partilhar para a turma como foi o dia do seu companheiro.

2. Comissões e suas soluções (20 minutos)

-Quais recursos são necessários? -Onde e com quem obtenho esses recursos? -Por que a reforma da praça é importante para mim? Para minha família? Para meu vizinho? Para as crianças do CCA Elisa Maria? Para todos os moradores do Jd. Elisa Maria

3.Tribunal (55 minutos) Objetivo: Praticar a argumentação para conquista de seus espaços e direitos. Descrição da atividade: As crianças serão divididas em 3 grupos Guardiões da Paz, Apoiadores e contrários a praça.

Objetivo: retomar as soluções que foram escolhidas na oficina anterior por cada um dos grupos e levantar os principais questionamentos, desafios e oportunidades de cada comissão.

Guardiões da Paz – 2 de cada comissão = 6 guardiões

Descrição da atividade: Tendo 3 comissões definidas: Reforma e Brinquedos, Arte e Lixo e Luz e Jardim, a ideia será com que cada criança, pertencente a cada grupo, se aprofunde nas duas questões que irá tratar ao longo do desenvolvimento do projeto. Para facilitar a compreensão das possibilidades de cada comissão, associaremos os aspectos do nosso projeto e de cada comissão aos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU). A atividade seguirá da seguinte forma: 1. As crianças são divididas nos grupos das comissões. Terá (pelo menos) 1 facilitadora por comissão.

Cada grupo terá um tempo para se reunir e pensar em seus argumentos.

2. As facilitadoras apresentam os 17 objetivos da ONU para 74

Apoiadores – 3 de cada comissão = 10 apoiadores Contrários – 3 de cada comissão = 10 contrários

Os Guardiões da Paz, com uma facilitadora, acompanharam o debate atentamente e tomarão notas para futuramente chegar em um julgamento. Os Apoiadores, junto com 2 facilitadoras, devem pensar em argumentos a favor da praça e em argumentos contrários para rebater. Os Contrários, junto com 2 facilitadoras, devem pensar em argumentos contrários à reforma da praça.


No debate participarão 2 representantes dos favoráveis e 2 dos contrários. Dinâmica da discussão: Argumento contra - argumento a favor (réplica) - argumento contra (tréplica) - argumento a favor (finalização) Acordo – Consenso: Guardiões da paz vão encontrar possibilidades de contemplar e satisfazer ambos os lados. Grupos se posicionam a favor ou contra a solução apresentada, mostrando o posicionamento deles com os dedos, até atingir um consenso do grupo como um todo.

4. Apresentação para festa (35 minutos) Objetivo: Com o fim do processo de cocriação do projeto daremos uma festa na praça para apresentá-lo à comunidade. O objetivo dessa atividade é propor que as crianças pensem formas de apresentar o processo que elas têm passado para o restante da comunidade. Descrição da atividade: Abriremos uma roda de conversa sobre tudo o que descobrimos hoje sobre argumentação e deixaremos as crianças com a tarefa de começarem a pensar como querem apresentar o projeto para a comunidade, e em qual formato – música, desenho, teatro, entre outros. Para na próxima oficina nos aprofundarmos nessa elaboração.

Análise: Tendo mapeado os recursos necessários na oficina anterior, sabíamos que precisaríamos de terceiros para materializar o espaço, assim como para mantê-lo. Com a proposta do processo de design participativo, e o objetivo de criar processos verdadeiramente democrático, colocando as crianças a frente do projeto, a quinta oficina tinha como objetivo “Reconhecer e instrumentalizar a voz das crianças para a autonomia” a fim de “Promover a inclusão das crianças nos processos de decisão e transformação urbana” (objetivos CoCriança). Para isso a oficina iniciou com uma atividade de aquecimento, onde as crianças foram chamadas atenção para a prática da escuta ativa. Logo após, nós as convidamos a entender o impacto global, do projeto local, que estão desenvolvendo junto

com o CoCriança. Essa reflexão foi feita a partir dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, a fim de refletirem sobre as similitudes entre as metas propostas pela Organização das Nações Unidas e o projeto local do qual elas mesmas estão sendo protagonistas. Para além de servir como um exercício de conscientização, em relação ao cuidado para com a sociedade da qual fazemos parte, esta dinâmica pretendia auxiliar as crianças a se enxergarem como verdadeiras agentes de transformação social, que conseguem gerar um impacto global desde a proposta local em que trabalham. As crianças se mantiveram atentas e ativas na atividade, curiosas a entenderem cada objetivo e os impactos que suas ideias do projeto e as atividades desenvolvidas podem ter em cada um delas. A próxima atividade propunha pensar nas vantagens e possíveis desvantagens da reforma da praça, se colocando no lugar dos moradores que poderiam argumentar a favor e contra o projeto de revitalização do espaço. Ela tinha como objetivo entender os desafios que o projeto poderia ter que enfrentar, ao longo do processo de intervenção urbana, e assim trabalhar na construção do senso crítico das crianças, a fim delas construírem autonomia para argumentarem a partir de suas próprias visões de mundo sobre o projeto. Com essa prática convidamos as crianças a se colocarem no papel de anciãos, pais, mães, usuários de droga, adolescentes, pessoas em situação de rua, prefeitos, empresários e todo tipo de personagens, que fazem parte da rede de pessoas que estão, compulsoriamente, envolvidas no processo do qual estávamos construindo. Os grupos foram convidados para estabelecerem um diálogo entre as diferentes frentes. Entre exposições, réplicas e tréplicas, a meta proposta pelas pesquisadoras foi a de buscar, utopicamente, um consenso entre todas as partes, para fazer a reforma da praça acontecer de forma pacífica e sendo uma intervenção social positiva para todos os moradores do bairro. As crianças engajaram na atividade e elas próprias conseguiram mapear a rede afetada pelo projeto. O debate foi muito rico, com as crianças encarnando cada papel e buscando empatizar com cada um deles, a fim de entender suas necessidades individuais e coletivas e como isso afetaria suas visões 75


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sobre o projeto. Essa atividade evidencia que, nós enquanto projetistas praticamos, na escala de participação, o projeto participativo com as crianças, enquanto as crianças, como projetistas, praticaram o nível de participação informativa (CAIXETA, TZORTZOPOULOS, FABRICIO, 2019, P.18), em relação aos outros usuários da praça, usando o que as crianças possuem de informação deles no projeto que conceberam. E dessa forma praticam, nessa atividade, como apresentar seu projeto como designers focados no usuário. Dessa forma, seguindo a construção da defesa de projeto, a última atividade teve o objetivo das crianças se apropriarem dos benefícios dele para o bairro como um todo, sendo capazes de comunicar a intervenção de forma efetiva para os moradores do bairro. Teatro, música, pintura, escrita, ou qualquer forma artística foram sugeridas como ferramentas para as crianças trabalharem em como contariam a história que estavam vivendo com o CoCriança para os membros do bairro, em uma festa de celebração que iria acontecer ao longo das semanas sucessivas.

Conclusão: A atividade, apesar de não ser de criação de projeto, foi de criação de discurso, portanto exigiu certa prática de criatividade das crianças, que recebeu amplo suporte das ODS na sua construção. O incentivo à reflexão aconteceu em toda a oficina, começando pela prática da escuta ativa, passando pela importância e impacto global e local do projeto à relevância do discurso na apresentação, para engajar parceiros locais e externos à comunidade. A prática da empatia, ao se colocarem no lugar desses parceiros exigiu muita imaginação das crianças, ativada na reflexão e discussão sobre os impactos do projeto, onde puderam trocar e entender mais amplamente o alcance dele. Podemos correlacionar esse processo com a oficina anterior, onde as crianças mapearam, através da Fluxonomia 4D seus recursos e, ao pensarem sobre os recursos humanos puderam começar a tatear quem são as pessoas que envolvem esse projeto, e onde elas se posicionam em relação a ele. Dessa forma podemos supor que o sucesso dessa oficina deve muito a ativação da imaginação e a reflexão da oficina passada. As crianças permaneceram a todo momento engajadas na oficina, que apresentou uma evolução contínua dentro de seu objetivo. Ativação da Imaginação

Prática da Criatividade

Coerência entre as atividades

Objetivo da oficina

Incentivo à Reflexão

Direcionamento da energia

Ferramentas utilizadas: dinâmica de escuta ativa. Dinâmica de relação das ODS com o projeto CoCriança. Tribunal. Brainstorm. Revelação: Alto nível de compreensão das crianças sobre a rede que é impactada pelo seu projeto. Falha: 76


“ Para todo mundo ver que a gente conseguiu reformar a praça e ver que pedimos a ajuda de todos. ” “As cadeiras tão tudo quebradas e tem pessoa que não pode nem jogar um xadrez.” “Não tem lazer.” “Tinha que ter mais brinquedos pras crianças brincar e luz lá embaixo.” “Minha mãe não deixa eu ir na pracinha.“ (Foto arquivo CoCriança, junho de 2018. Cartaz com os ODS.)

“Pode ser até para os adultos brincar.” “Tem o xadrez também para eles.”

“Colher o que plantamos e distribuir nas casas. O trabalho decente e o crescimento econômico tá ligado em tudo.”

(Transcrição de vídeos do arquivo CoCriança, junho de 2018. Falas das crianças do CCA Jd. Elisa Maria, durante a construção de argumentos favoráveis a praça).

“Quando a gente planta árvores melhora o ar.” (Transcrição de vídeos do arquivo CoCriança, junho de 2018. Falas das crianças do CCA Jd Elisa Maria, sobre o objetivo 12 – consumo e produção responsável).

Facilitadora: - Por que a gente precisa de brinquedos? Por que a gente precisa da estrutura da praça? “Para deixar a praça mais bonita.” “ Para deixar a praça mais colorida.” (Foto arquivo CoCriança, junho de 2018. Esquema sugerido pelas crianças relacionando a reforma com os ODS.)

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Metodologia CoCriança: os blocos de uma construção coletiva de espaços e de cidadania

Facilitadora “Quem que existe que vocês acham que pode ser contra a praça? ” “ Por causa do barulho que pode ter nela? ” Facilitadora “Que que elas vão falar? Finge que você é um morador que não quer ter barulho perto da sua casa, o que você falaria? ” “Ah, vai embora para outro lugar, vai causar mais barulho, não quero as crianças fazendo barulho.” “ É que nem quando eu tô indo dormir e começa a ter funk. Funk pode ser um problema.”

“Vocês falaram que com a reforma irei quebrar minha janela e minha parede, então, que disse que irei perder minha casa? ” “E esses brinquedos? Só vão se machucar”. “Aqui é meu ponto de usar droga”. “E o desperdício de água e energia, como fica? ” “Se tiver que escolher entre uma praça e uma AMA, a AMA ganha”. (Transcrição de vídeos do arquivo CoCriança, junho de 2018. Falas das crinças do CCA Jd. Elisa Maria, durante a construção de argumentos contrários a praça).

“ É, pode falar que se tiver funk assim na minha porta eu ligo para a polícia.” “ Também pode ter muita poluição, e aí vem aquele fedor para dentro de casa.” “ Pode ser também que tão montando um time de futebol e aí um que tem pé torto, sem maldade, joga a bola lá para cima e aí bate na janela do homem e aí quebra e ele tem que mandar pagar.”

(Foto arquivo CoCriança, junho de 2018. Construção da esquematização da relação entre a reforma e os ODS)

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“Com o barulho, incentivar um certo horário para fazer barulho e depois não ter. Colocar placas para não ter lixo e a vizinha que mora perto ajudar a limpar também. Porque quando a gente faz junto é para melhorar. Porque se ela ajudar, a praça não vai ficar suja, então não vai ter como ela reclamar”. (Transcrição de vídeos do arquivo CoCriança, junho de 2018. Falas das crianças do CCA Jd. Elisa Maria, durante a conclusão dos guardiões da paz).

(Foto arquivo CoCriança, junho de 2018. Construção da esquematização da relação entre a reforma e os ODSII)

“As drogas é uma coisa assim que acaba muito com a sua saúde, a gente não pode transformar você, por exemplo, se você não quer sair das drogas, tá bom, mas as crianças precisam de um espaço pra elas também, pra elas poder brincar. Porque elas ali brincando, por exemplo, e vocês ali fumando droga, elas vão ter um incentivo e vão querer fazer também e isso vai acabar com o futuro delas”. “A vizinha também aproveita porque é bem perto, a pracinha pra você ir com a sua família, para você brincar. Porque tem muita gente que não tem um praça perto de casa”.

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Vila Anglo 05 - Argumentação Criativa Data: 23.05.2019

para aqueles que possuem

Duração: 2h00

interesse próprios pelo

Crianças: 20 aprox. (11 a 13

projeto da praça.

anos)

Materiais necessários:

Objetivo Geral: praticar

*maquete final do projeto

a argumentação para as crianças se empoderarem de forma discursiva do seu projeto e poderem, elas

*3 cópias das fichas das ODS *folhas A4 *canetas coloridas

mesmas, defenderem ele

1. Apresentação do projeto unificado (15 minutos) Objetivo: Relembrar o que foi trabalhado na oficina anterior e discutir o projeto final da praça. Além de ir percorrendo o espaço da praça para imaginar como será. Descrição da atividade: Iremos apresentar o projeto resumo feito por nós, que tenha abordado todos os principais elementos apresentados. Convidaremos as crianças a darem seus pareceres sobre nossa síntese de seus projetos.

2. Aprofundamento nas comissões e as suas soluções | ODS (25 minutos) Objetivo: Separar a turma em comissões de trabalho, retomar as características do projeto que precisam de soluções e levantar os principais questionamentos, desafios e oportunidades de cada comissão. Estimular e fornecer elementos para a argumentação das crianças. Descrição da atividade: Levaremos o projeto das maquetes dividido em 3 comissões principais. Essas comissões dizem respeito aos elementos estruturais do projeto que são indispensáveis, são eles: - Brinquedo e mobiliário - Jardinagem e intervenções artísticas - Quadra e desnível

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A ideia será com que cada criança, pertencente a cada grupo, se aprofunde nas questões que irá tratar ao longo do desenvolvimento do projeto. Cada criança deverá conseguir enxergar e analisar os elementos com que irá trabalhar de forma efetiva, para assim conseguir comunicar a missão do projeto para a comunidade como um todo. Para facilitar a compreensão das possibilidades de cada comissão, tentaremos associar as vantagens do nosso projeto e de cada comissão aos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU). Desta forma, estaremos ajudando as crianças a enxergarem o impacto global do projeto em que estamos trabalhando, a partir de iniciativas locais. 1. As crianças são divididas nos grupos das comissões. Terá (pelo menos) 1 facilitadora por comissão; 2. As facilitadoras apresentam os ODS, 17 objetivos da ONU para atingir o desenvolvimento sustentável ao nível global, a partir de ações locais. Assim, cada problema e soluções das comissões serão alinhadas com os ODS, e começaremos a discussão sobre os aspectos fundamentais que o projeto está levando para a comunidade, o bairro e a sociedade como um todo. 3. As facilitadoras, também apresentam diversas perguntas para as crianças refletirem sobre a missão de cada comissão, com maior grau de profundidade: Por que você escolheu essa comissão? Como a sua comissão pode ajudar na reforma da praça? (Por que precisamos de plantas na praça? Para que precisamos de Luz? Por que queremos arte nas paredes?) Quais recursos são necessários? Onde e com quem obtenho esses recursos? Por que a reforma da praça é importante para mim? Para minha família? Para meu vizinho? Para as crianças da Vila Anglo? Para todos os moradores da Vila Anglo?

3.Tribunal (60 minutos) Objetivo: praticar com as crianças a argumentação quando forem defender o seu papel na praça como agentes transformadores, como usuárias e beneficiárias.


Descrição da atividade: As crianças serão divididas em 3 grupos: Guardiões da Paz, Apoiadores e Críticos. Guardiões da Paz – 2 de cada comissão = 6 guardiões Apoiadores – 3 de cada comissão = 10 apoiadores Críticos – 3 de cada comissão = 10 críticos Cada grupo terá um tempo para se reunir e pensar em seus argumentos. Os Guardiões da Paz, juntos com 1 facilitadora, irão prestar atenção e tomar notas para futuramente chegar em um julgamento. Os Apoiadores, juntos com 2 facilitadoras, devem pensar em argumentos a favor da praça e em argumentos contrários para rebater. Os Críticos, juntos com 2 facilitadoras, devem pensar em argumentos contrários à reforma da praça (argumentos de prefeitura, de moradores, da polícia...) Dinâmica da discussão: Argumento contra - argumento a favor (réplica) - argumento contra (tréplica) - argumento a favor (finalização) Acordo – Consenso: Guardiões da paz vão encontrar possibilidades de contemplar e satisfazer ambos os lados. Grupos se posicionam a favor ou contra a solução apresentada, mostrando o posicionamento deles com os dedos, até atingir um consenso do grupo como um todo.

Análise: Após a oficina Aquário, que não estava inicialmente prevista nas oficinas de cocriação, voltamos o foco na construção do projeto. Com o diálogo da oficina passada encontramos as crianças muito mais engajadas e animadas para o que viria a seguir. Assim demos continuidade seguindo com a próxima oficina, que se assemelha a dada na Brasilândia.

ficamos, nas maquetes, o que as crianças estavam pensando em relação ao projeto, e levamos referências dessas vontades, para assim elas poderem definir, mais especificamente, o que queriam. Também levamos uma nova maquete com alguns elementos que haviam sido apontados por elas e outras sugestões de soluções projetuais propostas por nós. Dessa forma pudemos enriquecer a discussão sobre o projeto. Após muitos levantamentos concluímos a discussão e ficamos de trazer o projeto compilado para a próxima oficina. Com os grupos das frentes separadas começamos a conversa sobre as ODS e relacionamos seus objetivos com os possíveis impactos do projeto que estávamos construindo, e então fomos para a prática argumentativa com o tribunal. A atividade rendeu uma discussão menos rica que no Elisa Maria, e os motivos podem ser vários, como a vivência das crianças ou a diferente prática educacional que recebiam em suas escolas e CCAs . Mas a minha percepção é que as atividades, assim como o encadeamento das oficinas, não auxiliaram de forma suficiente essa construção das crianças, e tem muito potencial de ser melhor sucedida após essa experiência. Uma das coisas que também podem ter influenciado diretamente é o fato que essas crianças não se aprofundaram nos aspectos que rodeiam a construção da praça, como a origem dos recursos, os tipos de recursos necessários e as pessoas que estão envolvidas nesse processo. Não havia necessidade, para elas, de mobilização de recursos para a materialização do projeto, e justamente por isso elas também não tiveram a oficina de Fluxonomia 4D que as auxiliaria nessa discussão. Apesar desse entendimento, as crianças se mantiveram atentas e engajadas nas atividades, trocaram muito bem em grupos e pudemos ouvir todas as vozes na discussão nos grupos menores. Constatamos, assim, o efeito positivo da última oficina.

Como na oficina de maquetes não houve uma troca sobre os projetos feitos, iniciamos essa atividade retomando as maquetes. Expomos elas e em roda discutimos sobre o que cada grupo havia representado nela, o que gostariam de ter colocado a mais e o que mais gostaram em todas as maquetes. Para enriquecer a discussão, na preparação da oficina, nós identi81


Metodologia CoCriança: os blocos de uma construção coletiva de espaços e de cidadania

Conclusão: Com a primeira oficina de criação da maquete síntese as crianças tiveram que praticar o nível 2 e 3 de criatividade, revendo as maquetes e adaptando-as, criando a partir das referências trazidas. Apesar de termos trazido o final da oficina passada para o começo dessa, fazendo com que não houvesse uma atividade de introdução ao tema da mesma, ainda assim as atividades foram coerentes entre si, e o contato inicial com o projeto pode ter ajudado na discussão, ao relembrar os aspectos físicos da praça. Com a falta do momento de mapear os envolvidos da praça e entendê-los empaticamente, houve, nessa oficina, menos ativação da imaginação das crianças, que ainda assim foram incentivadas a refletir em todas as atividades sobre aspectos diferentes do projeto. Ativação da Imaginação

Prática da Criatividade

Coerência entre as atividades

Objetivo da oficina

Incentivo à Reflexão

Direcionamento da energia

Revelação: Resolução dos conflitos em grupo que impediam a produtividade e engajamento das crianças. Falha: Não incentivar as crianças a compreenderem quem são as pessoas que compõem a rede impactada pelo projeto e necessária para a construção da praça.

(Foto arquivo CoCriança, maio de 2019. Apresentação de referências para projeto.)

“Eles estão discutindo que vai ter muito movimento na praça, muita criança significa muito barulho e falta dinheiro para isso” “Eles falaram para não colocar muito balanço por que as crianças podem se machucar” “Se é praça vai ter barulho” “E sobre destruir a praça, como vai ser o que as pessoas vão gostar, elas não vão destruir, por que elas vão gostar e vão querer sempre estar usando” “E sobre essa questão de se machucar pode ter sinalização, tipo escrito placa como um de cada vez, e acho que os pais também teriam juízo né” “E também tem que quem vai fazer os brinquedos tem que pensar na segurança né” (Transcrição de vídeos do arquivo CoCriança, maio de 2019. Falas das crianças do CCA Sal da terra, Guardiões da paz discutindo sobre os argumentos que estavam sendo construídos).

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“Na minha opinião a praça tem que ser construída porque vai ajudar no entretenimento das crianças e também não é por conta que a antiga praça que fizeram foi destruída que essa também vai ser, a gente tem que dar uma chance para praça. E também vai ajudar muito na saúde das pessoas que as pessoas também vão estar praticando muito mais esportes e fazendo escolhas mais legais, mais animadas, vão estar saindo mais de casa, essas coisas.” (Foto arquivo CoCriança, maio de 2019. Retomada das ideias sugeridas nas maquetes e maquete síntese.)

“Vai ajudar na plantação e na natureza também” “Não é por que que outra vez a praça ficou muito suja que essa também vai ficar.” “E quem vai cuidar eu sei que vocês tão pensando nisso, a gente mesmo pode cuidar da praça. Toda vez que ir levar um lixo, pegar e recolher e levar para uma lixeira, simples.” (Transcrição de vídeos do arquivo CoCriança, maio de 2019. Falas das crianças do CCA Sal da terra, durante a construção de argumentos favoráveis a praça). (Foto arquivo CoCriança, maio de 2019. Exercício de compreensão dos ODS.)

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Jd. Elisa Maria 06 - Conversando com autoridades

Descrição da atividade: Com as crianças sentadas em roda, uma facilitadora conta, em forma de histórias, o funcionamento do sistema de arrecadação de impostos, expondo a importância do acesso à verba pública para o cuidado dos espaços públicos. Convidando as crianças a refletirem e fazerem perguntas.

Quatro cadeiras são colocadas no meio da sala, das quais uma sempre deverá ficar livre para poder ser ocupada pelas falas “pulsantes”. Em volta da roda, todas as pessoas presentes no local ficam do lado de fora, formando círculos concêntricos e tendo sempre a possibilidade de participar da discussão, simplesmente ocupando a cadeira livre. Quando a cadeira é ocupada, uma das outras integrantes do debate deve liberar seu lugar, para assim haver sempre uma cadeira livre convidando novas pessoas a integrarem a discussão. As falas pulsantes são todos aqueles discursos de qualquer pessoa presente na sala, que sinta à vontade ou necessidade de colocar na roda alguma questão para ser debatida. Assim, na roda, sempre tem 3 pessoas conversando sobre algum aspecto concreto, que vão entrando e saindo dos círculos que ficam de fora, abrindo espaço para novas ideias e sempre respeitando um lugar livre para qualquer indivíduo entrar na discussão. Ao fim do debate as crianças serão convidadas a elegeram 2 colegas, um menino e uma menina, para serem representantes da turma em uma conversa com um vereador sobre financiamento da obra da praça.

2. Reflexão (35 minutos)

4. Check-out (20 minutos)

Objetivo: convidar as crianças a refletirem sobre argumentos concretos, que poderiam ser usados na hora de conversar com o vereador, com quem vamos nos reunir nas semanas sucessivas.

Objetivo: avaliarmos como foi o dia de atividades e se todas as crianças estão confortáveis com as decisões tomadas.

Data: 08/2018

Objetivo Geral: Auxiliar

Duração: 2h30

as crianças no processo de

Crianças: 30 aprox. (8

se aprontarem para iniciar

a 11 anos)

o contato com as autoridades locais, que precisam ser acionadas para a efetiva revitalização da praça.

1. Políticas Públicas no Brasil (35 minutos) Objetivo: informar as crianças sobre os processos das políticas públicas no Brasil e a importância de elas olharem para a garantia dos direitos dos cidadãos.

Descrição da atividade: A turma será dividida em 4 grupos, onde poderão refletir sobre o que aprenderam e pensar em argumentos. Depois deverão selecionar um representante para colocarem as ideias levantadas pelo coletivo, em uma roda de conversa final.

3. Debate (60 minutos) Objetivo: convidar as crianças a debaterem entre si os argumentos elaborados na atividade anterior. Descrição da atividade: o debate acontecerá na dinâmica do aquário: estrutura para incentivar conversas, que administra de forma gradual e orgânica o número de intervenções. 84

Descrição da atividade: Em roda convidamos as crianças a se manifestarem sobre como se sentiram com as atividades e se todas estão de acordo e felizes com a escolha dos dois representantes. Informamos detalhes sobre como será a reunião com o vereador e sobre como está sendo a busca por financiamento da obra. Análise: Entre a última oficina e essa conseguimos contato com um vereador que, interessado no projeto, poderia nos ajudar destinando recursos públicos para a sua materialização. Assim seguimos trabalhando o discurso das crianças, com foco agora na visita ao vereador, ainda com o objetivo de colocar as crianças à frente do projeto e auxiliá-las no entendimento de todo o processo, para um efetivo empoderamento para assumir a autoria do que estavam construindo conosco.


Inauguramos a oficina, oferecendo algumas informações sobre os processos das políticas públicas no Brasil e a importância de elas olharem para a garantia dos direitos dos cidadãos, e portanto, das crianças de toda comunidade e região. Assim, em forma de contação de histórias foi detalhado o funcionamento do sistema de arrecadação estadual, e exposta a importância do acesso à verba pública para o cuidado dos espaços públicos. O objetivo foi incentivar as crianças a refletirem sobre a importância das políticas públicas e do auxílio da prefeitura para fazer o nosso projeto acontecer e assim refletirem sobre a importância de colocarem sua voz ativa na busca por seu direito ao espaço público. Em seguida, a turma foi dividida em quatro grupos, onde as crianças refletiriam sobre argumentos concretos, que seriam usados na hora de conversar com o vereador, com quem iríamos nos reunir nas semanas sucessivas. As crianças foram convidadas para se colocarem no lugar do outro, dessa desconhecida autoridade local, para entenderem quais argumentos poderiam surgir ao longo das conversas. Quatro representantes, um de cada grupo, foram selecionadas por meio de votação, para colocarem as ideias levantadas pelo coletivo, em uma roda de conversa final. Assim, o convite foi para começar um debate, que seria aberto pelos políticos, representados pelas quatro crianças selecionadas, para continuar com a intervenção da fala cidadã sobre a questão, representada por todas as outras crianças da turma.

Elas, crianças, assumiram e protagonizaram a primeira conversa com as autoridades locais, peça chave para a revitalização do espaço trabalhado pelo Método CoCriança, e foram elas as que abriram as portas para a o projeto da reforma acontecer para além do papel. As crianças engajaram muito na atividade, incorporando as autoridades em seus discursos. Após o término da oficina continuaram brincando de discurso político enquanto se filmavam, rendendo incríveis vídeos, registrando a evolução de seu discurso sobre a importância de seus direitos de ocupar o espaço público. O check-out final foi de grande importância, pois temíamos que alguma criança ficasse chateada por termos que escolher apenas dois representantes, ou até chateadas com os votos de seus colegas. De fato, essa situação ocorreu, e a conversa final cuidou de todas as crianças para que saíssem bem e felizes com a escolha. As crianças escolhidas também cuidaram muito bem dos sentimentos dos colegas não escolhidos, e se comprometeram em ser voz da turma toda e dividir com eles tudo o que aprendessem e vivessem nessa aventura.

Para facilitar o diálogo recorremos ao método do Aquário, já explicado anteriormente na oficina 04 ocorrida na Vila Anglo. O debate que teve o maior sucesso entre as crianças e permitiu que elas entendessem que existem diversos pontos de vista sobre um mesmo assunto. O encerramento da oficina aconteceu com a realização de uma votação geral, para escolher duas crianças que iriam conversar, de fato, com as autoridades locais da prefeitura, num encontro que tinha sido marcado por nós. As crianças iriam apresentar, diante do gabinete da subprefeitura, suas necessidades, desejos, percepções e experiências sobre o espaço, desmantelando as dinâmicas tradicionais, nas quais os adultos decidem sobre o que é bom para as crianças, sobre o que elas desejam para o seu brincar. 85


Metodologia CoCriança: os blocos de uma construção coletiva de espaços e de cidadania

Conclusão: Houve uma construção progressiva no objetivo da oficina, iniciando com informações e esclarecimentos para as crianças, de como funciona o financiamento do poder público para obras, através das emendas parlamentares, seguindo com reflexões e discussão em pequenos grupos sobre o que foi aprendido e sobre como usar esse mecanismo em favor do nosso projeto, para finalmente promover um debate com toda a turma. A breve explicação do início enriqueceu o debate e o discurso das crianças que puderam associar as informações recebidas com suas vivências e praticar a criatividade na construção de argumentos, inclusive opostos aos seus, a fim de empatizar com o possível representante do poder público que iriam dialogar. As crianças engajaram muito na atividade, acompanhando sua evolução e, inclusive, criando brincadeiras próprias com o que foi praticado. Ao final, com as câmeras na mão, simularam entrevistas com os representantes escolhidos pela turma, e continuaram praticando a argumentação por muito tempo para além da atividade. Ativação da Imaginação

Prática da Criatividade

Coerência entre as atividades

Objetivo da oficina

Incentivo à Reflexão

Direcionamento da energia

“Sr. Prefeito, nós aqui do CCA Elisa Maria, zona norte de São Paulo, a gente veio falar sobre nosso lazer, sobre nossa cultura, da pracinha que a gente tem e ao mesmo tempo que a gente não tem. Por causa que a gente precisa arrumar ela para o lazer das crianças”. “Conversamos também sobre a importância das duas praças, precisa todo mundo ter direito às praças”. “Queremos nosso dinheiro para construir nossa pracinha, porque vocês vão construir outra pracinha. A gente quer brinquedos, luz, reforma, lazer”. “Hoje, tem um moço gentil que paga a luz da pracinha da casa dele, mas a gente podia ajudar ele” (Transcrição de vídeos do arquivo CoCriança, junho de 2018. Falas das crianças do CCA Jd. Elisa Maria, durante a construção de argumentos para levar as autoridades).

Revelação: Sucesso da utilização de brincadeiras de representação para a compreensão de temas complexos. Falha: Não trabalhar a compreensão das crianças sobre a escolha de representantes antes das atividades.para que aborrecimentos fossem evitados.

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(Foto arquivo CoCriança, agosto de 2018. Discussão em pequenos grupos.)


“E se ele decidir ajudar uma praça, uma praça só e a outra praça, como você vai ficar? ” “Eu vou ficar muito brava, mas eu vou falar, por que que ele tem tanto dinheiro por que ele não pode dar dinheiro para reformar as duas praças? ” “Isso, falou tudo! Mais uma pergunta. É assim, mas se ele não quiser nenhuma, nenhuma? ”

(Foto arquivo CoCriança, agosto de 2018. Crianças apresentando o projeto da praça para o assessor do vereador.)

“Se ele não quiser nenhuma, nós vamos fazer protesto, porque a gente precisa dos nossos direitos, da nossa cultura, da nossa natureza e a gente precisa do nosso lazer. ”

“Eu vou perguntar agora, senhorita A. como foi ser escolhida? ”

“Falou tudo! É, câmera, o que você quer dizer, falar, faz uma pergunta para ela. ”

“Então, eu tô muito feliz por que, por ter a confiança de todos vocês por deixar eu ser escolhida, e eu vou representar vocês muito bem tá bom. ”

“Candidatura, o que você quer para as crianças e para o seu futuro? ”

“Eu vou perguntar para ela o que que ela vai falar lá na frente, né. ” “Eu vou falar que a gente precisa ter nossos direitos. ”

“Eu quero mais lazer para as crianças e para os adultos e também por que a gente não pode só, por que sem a pracinha, por exemplo, por que a pracinha tá toda destruída, ninguém vai querer brincar lá, e também as crianças vão perder o futuro delas por que elas não vão ter onde brincar. ”

“Mas a tia falou para a gente que ela foi lá e ele falou assim que está construindo outra praça, que não dá, então o que que você vai tentar colocar na cabeça dele que tem que ajudar a gente? ”

“Mas por que a pracinha é importante para você? ”

“Que tem que construir, reformar as duas praças, porque as duas praças são importantes.”

(Transcrição de vídeos do arquivo CoCriança, junho de 2018. Falas das crianças do CCA Jd. Elisa Maria, durante a construção de argumentos para levar as autoridades).

“Não só para mim como para todos nós, por que precisamos ter nosso lazer, nosso direito para poder ser uma pessoa boa no futuro. ”

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Vila Anglo 06 - Conversando com a Comunidade Data: 29.05.2019

de, a fim de fazer ajustes e

Duração: 2h10

adequações a fim de atender

Crianças: 20 aprox. (11 a 13

a todos os interessados.

anos)

Materiais necessários:

Local: Praça Dr. Vicente

*maquete final do projeto

Tramonte Garcia Objetivo Geral: Discutir o projeto desenvolvido pelas

*prancha A2 de cada comis-

Descrição da atividade: Dividiremos os representantes da comunidade dentro dos grupos de comissão das crianças, conforme interesse:

são

*Mobiliário e brinquedo

*canetas

crianças com a comunida-

1. Objeto simbólico (30 minutos) Objetivo: Estabelecer um primeiro contato entre os dois grupos - ouvir e ser ouvido. Descrição da atividade: Os participantes serão convidados a andar pela praça em busca de um objeto que chame sua atenção. Depois, vamos todos sentar em roda - a depender do número de pessoas, 2 rodas - e cada um vai falar sobre seu objeto sem nomeá-lo, descrevendo sua textura, tamanho, o que chamou sua atenção, etc.

2. Apresentando o projeto para o MAVA (60 minutos) Objetivo: praticar com as crianças a argumentação quando forem defender o seu papel na praça como agentes transformadores, como usuárias e beneficiárias. Descrição da atividade: Reunir todos em roda com a maquete do projeto no meio. Convidar as crianças, de cada comissão, a apresentarem para os representantes do MAVA o que pensaram para a praça. Nesse primeiro momento as crianças apenas contam sobre o seu processo, atualizando o MAVA sobre o que foi produzido até aqui.

3. Divisão por interesses / levantamento de recursos (40 minutos) Objetivo: que as crianças consigam, em grupos menores, apresentar um pouco de cada elemento presente no projeto; 88

que eles se aproximem em grupos menores; e que as discussões já sejam feitas em menor escala antes de levar para o grupão.

*Jardinagem e intervenções artísticas *Quadra e desnível Com uma facilitadora em cada grupo, vamos discutir quais serão os elementos elencados para a praça de acordo com os recursos presentes, ou não, no bairro e na comunidade, que possam ser levantados para ajudar na reforma da praça. Para isso, teremos o auxílio das perguntas nas pranchas. Cada facilitadora vai preenchendo os itens que estão presentes nas pranchas.

4. Fechamento (30 minutos) Objetivo: Encerrar as atividades propostas, levando para o grupo um momento de conexão e partilha coletiva. A ideia será engajar o grupo para a reforma que irá acontecer, convidando a todos para entender a importância da sua participação ativa nos próximos passos. Descrição da atividade: vamos fazer uma conversa sobre o projeto. Propor 3 perguntas para serem refletidas por cada participante, para compartilhar na roda: O que você precisa para continuar junto, acompanhando nesta iniciativa? A praça não seria praça sem…. O que você faria nesta praça se você não tivesse medo de nada? Análise: Enquanto que na sexta oficina no Jd. Elisa Maria as crianças se prepararam para conversar com as autoridades, em busca de financiamento para a obra da praça, na Vila Anglo, onde já tínhamos o recurso de uma emenda parlamentar


destinada para a praça, a necessidade era colocar as crianças para apresentar e discutir o projeto com os membros do MAVA. O MAVA (Movimento Amigos da Vila Anglo) foi quem conquistou a verba da emenda parlamentar destinada para a praça em questão. Nós do CoCriança fomos colocadas em contato com eles pelo vereador que direcionou a emenda e foi a partir desse contato que o projeto se iniciou. Antes de começarmos a trabalhar com as crianças sabíamos que o MAVA tinha desejos próprios para o projeto, assim como era um grupo composto pelos vizinhos próximos da praça e principais cuidadores dela. O nosso objetivo com a oficina passada foi preparar as crianças para essa oficina, onde convidamos representantes do MAVA, para comparecerem e trocar com as crianças, entender o projeto que havíamos desenhado e buscar um consenso sobre ele. Nossa principal preocupação, ao elaborar a oficina passada, era de que as crianças se sentissem, de alguma forma, oprimidas pela presença dos adultos e não colocassem seus desejos e argumentos durante essa oficina. Dessa forma praticamos com elas e as empoderamos da importância do que estava sendo feito a fim de enriquecer essa dinâmica. Assim como dito na oficina 05 do Jd Elisa Maria, as crianças até aqui têm praticado, na posição de designers em relação aos outros usuários da praça, o nível de participação informativo. Com essa oficina elas puderam praticar o nível consultivo (CAIXETA, TZORTZOPOULOS, FABRICIO, 2019, P. 18) recebendo a opinião dos outros usuários da praça e interessados no projeto, e a partir disso sugerir adaptações. Enquanto nós, facilitadoras do CoCriança, promovendo o codesign, trabalhamos para enriquecer o design dialógico, colocando os interessados no projeto para “ouvirem uns aos outros, a fim de mudar suas mentes e convergirem em direção a uma visão comum” (MANZINI, 2016, P.7).

praça que diziam respeito a ela. As crianças a princípio foram bem tímidas, jogando para o outro a responsabilidade de falar, mas ao falar explicaram de forma clara o projeto, articulando cada aspecto dele, explicando por exemplo, o funcionamento de uma composteira e um jardim de chuva. Houve dificuldades no diálogo pois, apesar das crianças já estarem atentas ao momento de falar e de ouvir, as novas pessoas muitas vezes cortavam as falas ou desviavam do objetivo da atividade. Algo importante de se observar, uma vez que, apesar de estarmos promovendo essa aproximação, não conseguimos, de forma efetiva, equalizar a interação dos dois grupos. Para a discussão sobre o projeto, dividimos as convidadas entre os grupos das comissões, deixando-as livres para escolher qual preferiam. Com a ajuda de uma prancha, previamente produzida, que continha todas as informações a respeito da comissão, assim como algumas referências trazidas por nós, os grupos puderam discutir cada detalhe projetual. Juntos acertaram cada aspecto e chegaram num projeto final que futuramente foi compilado e encaminhado para as arquitetas da Subprefeitura. Ao final, o momento de reflexão sobre a atividade foi ocupado por uma fala do MAVA, e assim finalizamos a etapa das oficinas de projeto.

A primeira atividade permitiu, que num primeiro momento, todos pudessem ouvir as vozes de todos, dando início a aproximação desses dois grupos, que nunca haviam se relacionado. Após isso convidamos as crianças a apresentarem seu projeto para as convidadas. Com uma maquete, levada pronta por nós, cada comissão apresentou os aspectos da 89


Metodologia CoCriança: os blocos de uma construção coletiva de espaços e de cidadania

Conclusão: Não era objetivo da atividade a criação, uma vez que, tanto as crianças quanto o MAVA já tinham seus desejos para a praça formados. Foi necessário, a partir de uma proposta de design dialógico, o fazer e adaptar os projetos para um, onde todos ficassem satisfeitos com o resultado. A reflexão foi incentivada, uma vez que era necessária por ambas as partes para conseguirem dialogar, e foi desenhado uma atividade final com o objetivo de todos refletirem como a atividade aconteceu. Porém essa atividade não se desenvolveu da forma como gostaríamos, e o momento final de reflexão não aconteceu. As atividades dialogaram entre si, mas a dificuldade em manter os convidados focados na cocriação do design e diálogo igualitário demonstra que, apesar de termos atingido o objetivo de chegar a um projeto, onde todos concordaram, o design dialógico não aconteceu de forma ideal. Portanto há de se pensar na possibilidade de que, as primeiras atividades deveriam ter sido focadas na construção desse lugar, para além apenas de colocarem eles para falarem sobre a praça. Esse esporádico desvio de objetivos durante as atividades, assim como a monopolização da fala fez, muitas vezes, com que as crianças se dispersassem, apesar de elas se manterem interessadas no objetivo da oficina.

Ativação da Imaginação

Prática da Criatividade

Coerência entre as atividades

Objetivo da oficina

Revelação: Fala das crianças demonstrando domínio sobre o projeto. Atenção das crianças ao diálogo construtivo e tempo de fala. Falha: Não sensibilizar os representantes da comunidade sobre o projeto participativo e o design dialógico antes da cocriação. Não intervir para a manutenção do foco nas atividades. Ferramentas utilizadas: reflexão sobre objeto escolhido. Dinâmica de apresentação. Troca em pequenos grupos.

(Foto arquivo CoCriança, maio de 2019. Cartaz com possibilidades de intervenção no projeto.) Incentivo à Reflexão

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Direcionamento da energia


(Foto arquivo CoCriança, maio de 2019. Crianças conversando com a vizinhança e com a coordenadora do CCA.)

(Foto arquivo CoCriança, maio de 2019. Crianças pedindo espaço para opinar sobre o projeto.)

(Foto arquivo CoCriança, maio de 2019. Crianças com a maquete do projeto final da praça.)

(Foto arquivo CoCriança, maio de 2019.Criança escrevendo suas ideias no cartaz.)

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Metodologia CoCriança: os blocos de uma construção coletiva de espaços e de cidadania

(Scanner arquivo CoCriança, maio de 2019. Cartaz com possibilidades de intervenção no projeto.)

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(Scanner arquivo CoCriança, maio de 2019. Cartaz com possibilidades de intervenção no projeto II.)

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Metodologia CoCriança: os blocos de uma construção coletiva de espaços e de cidadania

TABELA 1. RESUMO OFICINAS DE PROJETO JD. ELISA MARIA

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TABELA 2. RESUMO OFICINAS DE PROJETO VILA ANGLO

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Metodologia CoCriança: os blocos de uma construção coletiva de espaços e de cidadania

Entrevistas A fim de obter um olhar holístico de como se deu a prática da metodologia do CoCriança, considerei a importância de olhar, não só as oficinas e a interação com as crianças em si, como também para aqueles que influenciaram essa construção e foram influenciados por ela. Para isso eu realizei entrevistas com ao menos uma pessoa de cada categoria que se envolveu diretamente conosco durante esse processo – Educadores, Coordenadoras do CCA, Arquitetas da Subprefeitura e vizinhos da praça Meu objetivo inicial era entrevistar ao menos dois de cada – um representante de cada território. Porém não foi possível completar a tarefa, devido ao tempo e a indisponibilidade de quem gostaria de entrevistar, mas consegui ao menos uma pessoa de cada categoria, o que rendeu um material rico de percepções sobre o nosso trabalho. 1. A entrevista semiestruturada é caracterizada por um conjunto de questões previamente estabelecidas. Mas, diferente da estruturada, também permite que o entrevistador inclua outro conjunto de questões ao decorrer da entrevista, não planejadas inicialmente

As entrevistas foram semiestruturadas¹ e duraram em média 20 minutos. Escrevi, junto ao meu orientador, perguntas que considerava pertinente e a partir das respostas fui direcionando livremente a entrevista. Ao início de toda entrevista inicie explicando meu objetivo: entender a experiência de cada um no trabalho do CoCriança e coletar críticas pertinentes ao nosso trabalho, para que possamos usá-las como ponto de reflexão para melhorar a nossa relação com a rede de trabalho que precisamos estabelecer, para tornas as oficinas possíveis e bem sucedidas. Irei apresentar o roteiro e discutir cada uma das entrevistas, trazendo meu entendimento sobre o que foi discutido e levantar, em cada uma delas, dois aspectos de resumo sobre o que foi compreendido por mim como uma revelação e uma falha do processo desenvolvido pelo CoCriança, a fim de compilar os aprendizados.

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Educadores: Foi possível fazer a entrevista com um de cada território. Um educador do CCA Elisa Maria e uma educadora do CCA Sal da terra.

Roteiro: 1 - Quando você pensa no CoCriança qual é a primeira coisa que vem em sua mente? 2 - Qual aspecto você acha mais positivo sobre o processo que o CoCriança desenvolveu com as crianças? 3 - Qual aspecto você julga não ter sido bem desenvolvido pelo CoCriança? 4 - O que você pensa sobre a sua participação no processo das oficinas enquanto educadora das crianças? Gostaria que algo tivesse sido diferente? 5 - O CoCriança te impactou de alguma forma enquanto educadora/mãe/cidadã? 6 - Você percebeu alguma mudança, comportamental ou de discurso, significativa nas crianças, em momentos fora das atividades do CoCriança? Lembra de algum exemplo? 7 - Você passou por alguma situação durante o processo que você gostaria que tivesse sido diferente? 8 - Você recebeu algum feedback positivo vindo das crianças sobre o nosso trabalho em algum momento? Você recebeu algum feedback negativo vindo das crianças sobre o nosso trabalho em algum momento? 9 - Você recebeu algum feedback positivo vindo dos familiares das crianças sobre o nosso trabalho em algum momento? 10 - Você recebeu algum feedback negativo vindo dos familiares das crianças sobre o nosso trabalho em algum momento?


Educador Elisa Maria O educador Bruno foi o primeiro a trabalhar conosco, ele nos inspirou muito no desenvolvimento da metodologia e na construção de nossos valores, e foi sempre muito solícito, nos ajudando em todo o processo. Foi uma experiência muito marcante para mim essa conversa, pela grande admiração que tenho por ele, pelo trabalho que ele desenvolvia com as crianças. A palavra que ele usou para definir o CoCriança foi “criança” e então ele emendou “e vem vocês, a imagem de vocês, por que além das crianças, vem a luta de vocês, a luta que vocês fizeram para isso acontecer”. Sobre o aspecto positivo ele citou: “Eu acho que foi que eles (as crianças) reconhecerem um espaço deles, sabe, deles entenderem que aquela praça ali não era uma questão de entulho de lixo e sim uma praça deles, para eles se apropriarem daquilo”. Sobre o aspecto negativo ele disse que não vê nada que não foi bem desenvolvido e diz “acho que a única questão, que pode ter atrapalhado um pouco, que pode ter dificultado para vocês, é vocês não pertencerem ao lugar, mas vocês ainda tiraram de letra. Até as crianças porque viam que vocês não eram dali, e talvez isso intimide um pouco, um pré-conceito né, mas acho que vocês tiraram de letra e conseguiram passar despercebidas”. Questionado sobre sua percepção de como foi sua participação e inclusão no processo por nós ele diz: “Eu acho que a gente firmou uma parceria bem legal assim, por que vocês pediam feedback das crianças sempre e como eu estava com as crianças todos os dias ficava mais fácil, e a gente conseguiu entender, tipo, eu acho que eu fiz a ponte entre vocês e as crianças. Eu falo que com o projeto CoCriança eu aprendi muito mais do que eu pude talvez ensinar. Por que eu cresci naquele bairro, apesar de morar em outro bairro, eu cresci naquele bairro e através de vocês eu fui aprendendo a me identificar um

pouco mais àquela praça, na luta, de fazer algo, não só com as crianças, por que o projeto começou sim com as crianças, mas era um benefício para toda a comunidade né, e isso me despertou. Aí eu acho que vocês me ajudaram mais do que eu podia ajudar vocês. ” Seguindo as perguntas e querendo aprofundar mais sobre como o CoCriança o impactou enquanto educador, ele apontou que: “No começou eu pensei assim, que acho que vou trabalhar muito mais, ai depois eu vi que era algo muito prazeroso de estar fazendo, eu ficava ansioso até de nossos encontros acontecerem, e aí vocês foram me mostrando um outro lado também, por que assim, a gente sempre fala da questão do meio ambiente, de economizar recursos, de reciclar o lixo, mas acho que vocês mostraram um outro lado. Tipo, quando a gente participou, vocês participaram daquele evento de construção dos brinquedos com lixo² aquilo me mostrou um outro lado da questão do meio ambiente.” “O CoCriança me ajudou muito também como educador, eu comecei a entender um outro lado das crianças, não só das demandas que eles traziam, mas um outro lado mais acolhedor. E enquanto cidadão me mudou em muitos hábitos que eu tinha, me fez repensar muito como eu tratava o lixo, de que maneira eu via as praças, minha própria comunidade, me ajudou muito mesmo a me reconhecer nos meus próprios questionamentos em relação a comunidade. Me ajudou a responder a muitas dúvidas que eu tinha, me fez enxergar uma nova luta que eu acho que tinha que encarar ali com a comunidade e a também enxergar muitos gastos que eu tinha com o meio ambiente. Eu sabia o básico e fui me aprofundando muito mais com a ideia da revitalização da praça”. A fala do educador traz com clareza o cumprimento de um de nossos objetivos: “Promover o senso de pertencimento, fortalecendo os vínculos da comunidade com os espaços públicos”, considerando que ele, além de educador é parte da comunidade e traz em sua fala um grande impacto nele enquanto cidadão no bairro. 97

2. Desafio Mobiliza Breton – Concurso que buscava uma ideia de negócio que desse um novo destino às matérias-primas que sobram da produção de móveis e embalagens das lojas Breton


Metodologia CoCriança: os blocos de uma construção coletiva de espaços e de cidadania

3.Bairro ao lado do Jd Elisa Maria

Na fala sobre sua mudança enquanto educador, me chamou atenção quando ele diz que o ajudou a ser mais acolhedor, então o questionei sobre isso e ele desenvolveu:

fala me faz refletir novamente sobre como não conseguimos engajar os educadores no processo e na importância dele.

“Quando você está todo dia no mesmo lugar você acaba, querendo ou não, fica muito automático, algumas coisas passam despercebido, e aí quando você vem de um outro lugar, de outro território, vocês chegam com aquelas crianças que vocês nunca viram e as acolhem de uma forma, assim como elas também acolheram vocês de uma forma, que eu pensei, caramba, eu estou muito no automático. Porque mesmo indo lá e dando toda a atenção possível, a gente deixa passar alguma coisa, e aí quando vocês vêm e fazem as oficinas, me mostram um outro lado, sabe, acho que tem que fazer outras coisas também. Eu falo para todo mundo da festa na praça que a gente fez. Tem o lado bom da gente ter construído com as crianças e o lado ruim de os próprios membros do CCA não terem participado sabe. (...) me fez pensar sobre a representatividade, não adianta só ter gente de fora fazendo algo, se quem está no bairro não vem fazer junto, não sai do automático”.

Questionado se gostaria que algo tivesse sido diferente ele diz: “Eu gostaria de ter ajudado muito mais, eu acho que com tudo eu ajudei, eu sei que eu poderia ter ajudado muito mais, ter participado muito mais. Não sei como está sendo com a nova orientadora e a nova turma, mas eu sempre me cobro, preciso voltar, preciso me reaproximar. Por que eu sinto muita falta, de verdade, por que é algo que mexeu muito comigo, eu falo para todo mundo desse trabalho e eu queria participar muito mais, eu sei que eu deveria ajudar muito mais, é isso que eu tenho em mente”.

A fala sobre as outras pessoas da instituição me chamou atenção, pois é algo que já havia refletido em outra ocasião, porque nós só conseguíamos trabalhar com uma turma e não havíamos, ainda, compreendido como incluir outras turmas e seus educadores no processo. Assim o questionei sobre possíveis feedbacks de outros educadores nesse sentido. Ele então me contou que quando foram decidir internamente quem participaria do projeto, a coordenação deixou bem aberto, e decidiram pela turma dele, pois entendiam que era uma turma mais aberta. E consequentemente os outros educadores não quiseram se envolver, porque entenderam que seria uma demanda a mais. “Eles queriam saber o que estava acontecendo, mas era tipo, legal o que tá acontecendo mas não vou me envolver (...) até porque teve vezes em que chegamos a sair depois do horário e até fazer atividades aos sábados. ” Essa 98

O educador em questão mudou de CCA no meio do processo, e por isso ele diz sobre se reaproximar. A fala me chama atenção sobre como conseguimos engajá-lo no trabalho com muito sucesso e de que ele foi de fato uma pessoa de grande importância para nossa construção, me fazendo refletir sobre como foi, exatamente essa construção conjunta, de parceria, que o engajou tanto na proposta. Realmente cocriamos juntos o processo, entendo juntos a melhor forma de trabalhar com as crianças. Acredito que essa relação e seu sucesso tem muito a nos dizer em como engajar melhor os educadores das crianças. Sobre se ele havia notado alguma transformação nas crianças fora das atividades do CoCriança, ele respondeu: “Sim, bastante. Acho que muita na questão da forma que eles começaram a enxergar a praça. Antes a gente não ia muito naquelas praças lá por perto, por que, elas eram muito cheias de lixo, e a gente ia sempre lá para o Vista Alegre³, que é a onde eu moro, que é uma distância significativa para eles, e se a gente for analisar tem os riscos também, por que atravessa a rua, buracos e cachorros, o caminho todo, tem bastante riscos. Aí eles começaram a falar do por que ao invés de ir para lá, a gente não ia para a praça mas perto, ‘as meninas do CoCriança mostraram


para gente que a gente pode usar aqui’. Eu achei muito bacana isso, por que eles reconheceram aquele espaço como deles, e foi através do CoCriança. É algo que eles estavam ali, todos os dias, mas não tinha essa importância, não tinham essa ideia, até vocês chegarem e mostrar para eles. ” O educador reflete nessa fala um de nossos objetivos de “Fortalecer o uso e ocupação da cidade pelas crianças” que nos leva a buscar, por meio do nosso trabalho, a garantia de mais espaço de brincar na cidade, e potencializar a ocupação pelo brincar que se desenvolve no encontro da criança com o mundo. Sobre feedbacks negativos, ele apenas apontou das crianças das outras turmas, que por vezes cobravam de participar do projeto. Por muitas vezes já havíamos tido ciência que as crianças de outras turmas queriam poder fazer parte do projeto, infelizmente nunca conseguimos incluir mais crianças, por falta de braços e até por estar sendo um projeto piloto. Nós precisávamos manter certo controle e o número de crianças que estávamos trabalhando já era máximo dentro das limitações que tínhamos. E positivo ele diz: “Eu via o brilho no olhar deles a alegria de ver vocês, de apresentar algo para vocês, eu lembro de toda vez que vocês iam para o CCA eles queriam cantar uma música, mostrar alguma coisa. Então era bem bacana para eles isso, a participação de vocês. E volto a dizer sobre eles reconhecerem aquele espaço como deles, é muito positivo, acho que é a coisa mais positiva que tem, e de eles também cobrarem os pais deles de estarem juntos no projeto”. Foi muito recompensador ouvir a fala do Bruno sobre a relação das crianças conosco, realmente conseguimos construir uma relação de amizade e confiança muito forte com as duas turmas que trabalhamos, do Jd. Elisa

Maria e da Vila Anglo. O que nos comprova que estamos no caminho certo em como trabalhar com elas, nos colocando como iguais, como facilitadoras de um processo que é delas, para elas. Assim conseguimos construir uma relação de troca e gratidão, tanto do nosso lado, por elas toparem a aventura com a gente e se entregarem às atividades, quanto pelo lado delas pelos benefícios que enxergam em participarem do nosso processo. Engatei a pergunta sobre feedback dos pais, aproveitando o comentário dele sobre as crianças cobrarem dos pais participação no projeto. O educador disse que tinha alguns pais que procuravam saber mais, sobre quando ia acontecer a reforma, as reuniões e sobre a festa que fizemos para apresentar o projeto para a comunidade. Ele diz: “Eu acho que eles gostaram de participar, na comunidade não tinha muito isso, da inclusão dos pais, por que assim, a gente tem a escola lá, que faz uma festa de vez em nunca, que são as festas que tem que ter no calendário, a mesma coisa o CCA. Mas aí os pais participarem de um momento diferente com os filhos, não só da festa da praça como também de estar na luta para ajudar a reformar a praça. E teve bastante feedback disso, falando de querer ajudar, de estar junto, e a curiosidade deles de saber quem são vocês, de onde vocês vêm. Os pais vinham falar que as crianças sempre chegavam falando das ‘tias do CoCriança’ e queriam saber quem eram vocês, e aí o momento de conhecer vocês foi na festa e os encontros que fizeram na praça que tinha os pais que participaram né”. Questionei mais uma vez se havia recebido algum negativo e ele disse que nunca chegou nada para ele. A festa citada por ele, foi planejada logo após a finalização das oficinas de projeto. Fizemos mais duas oficinas de planejamento e divulgação da festa com as crianças e então promovemos a festa, num fim de semana, para recebermos os pais e comunidade do entorno da praça. Foi um momento de encontro muito legal, onde as crianças apresentaram o projeto para as pessoas presentes em 99


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forma de teatro e apresentaram duas músicas. Fizemos trocas de brinquedos e convidamos artistas locais para grafitarem uma parede da praça, um rapper local e uma banda de forró externa para se apresentarem, as crianças se divertiram muito ocupando a praça. ¹(incluir fotos da festa da praça). A fala sobre os pais me chama atenção no mesmo sentido sobre a fala dos educadores, principalmente por que não tínhamos conhecimento da curiosidade deles e vontade de engajarem. Vejo também como um grande aprendizado, pois a força dos familiares das crianças no projeto teria feito toda a diferença se tivéssemos investido mais tempo em incluí-los desde o início.

Revelação: Efetivo engajamento do educador no processo. Efetivo engajamento das crianças na ocupação da praça. Falha: Não engajar os outros educadores. Não engajar os familiares das crianças.

Educadora do CC Sal da Terra A palavra que a educadora usou como a primeira que vinha em sua mente ao pensar no CoCriança foi trabalho, e se explicou: “Acredito que trabalho por que, o projeto que vocês fizeram com as crianças, foi um projeto no qual elas tiveram grande engajamento né, então elas saíram de um estado de repouso e colocaram a mão na massa, para dizer a modo grosso, elas colocaram a mão na massa, elas trabalharam, de modo lúdico é claro, elas adoraram, mas trabalharam”. Ela pontuou como aspecto mais positivo do processo ter sido um trabalho integral “Porque eu me recordo que primeiro vocês faziam uma atividade assim sobre sentimentos, sobre relações, sobre comunicação, aí depois vocês partiam para uma questão teórica e aí depois vocês iam para a parte prática, né?”. Nas duas falas a educadora reflete nossos dois pilares, o de colocar as crianças como cidadãs ativas, superando o lugar passivo que elas costumam ocupar, para construir o mundo que desejam e o de formar, a partir de uma aprendizagem experiencial, incentivando uma educação integral. Sobre o aspecto negativo ela respondeu: “Ah isso eu não consigo responder, sinceramente, eu sou muito sincera com qualquer coisa, mas eu não tenho uma visão negativa do trabalho, eu admiro muito, demais, eu não tenho realmente o que falar. Foi excelente. O único problema que aconteceu nesse percurso foi que a turma foi diminuindo, então chegou no finalzinho e tinham menos crianças do que no início. Mas é por conta da região, da idade das crianças, e tudo o mais, mas não tem nada a ver com a questão do projeto.” Ela fala sobre um processo que costuma acontecer com a última turma do CCA, a qual estávamos trabalhando. Como era a turma mais velha, conforme eles iam atingindo a idade máxima de participação iam saindo do CCA, e por conta disso a turma foi diminuindo pelo tempo que o projeto se desenvolveu.

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Sobre a participação dela em específico ela julgou que nossa inclusão foi positiva, mas que ela mesma não estava tão aberta de início “Eu acho que assim no início, eu não estava aceitando muito a questão de ter voluntários, de ter que parar por exemplo o meu projeto, não parar, mas assim, deu uma distanciada no meu projeto para a gente ter entrado em outro né? Então de primeiro momento eu deveria ter aceitado mais, porque foi uma coisa positiva, as crianças gostavam muito, eu gostava muito, depois que fui conhecendo melhor. Então eu acho que eu deveria ter deixado entrar antes.” Minha intenção com a pergunta foi descobrir se nós, enquanto CoCriança, incluímos bem a educadora no projeto e apesar da fala dela ter sido de autocrítica, considero uma pertinente crítica ao nosso trabalho, que falhou em engajar a educadora no projeto desde o início. Também vejo uma oportunidade de que poderia ter sido construída de conhecer o projeto que ela já estava desenvolvendo com as crianças, a fim de criar diálogo entre as duas construções. Sobre o impacto que o CoCriança causou nela ela disse bastante sobre “o jeito das integrantes, que foge muito da minha realidade e da realidade das crianças”, “as questões ecológicas, as vestimentas”, “até para as crianças inclusive foi um impacto”, uma outra realidade, são outras pessoas, outros ares”. A educadora fala muito sobre como nós, enquanto pessoas, trouxemos novas visões de mundo e de se colocar nele. Sobre a mudança que ela pode ter percebido em relação às crianças ela cita uma “naturalização”, “sobre a forma de ser de vocês, o bairro é periférico e as crianças têm outras referências”. Ela cita então um contato com algo que é diferente, e uma naturalização de outra forma de ser, antes desconhecida por elas. Então eu aprofundei perguntando sobre o trabalho desenvolvido sobre as relações das crianças e o trabalho em grupo, se ela percebeu uma melhora após nossas atividades:

“Sim, com certeza, houveram umas dinâmicas que mudaram completamente o foco da turma, a turma que vocês pegaram inclusive, que era a turma da tarde, tinham mais adolescentes, e tinha uma briga muito grande, principalmente entre as meninas. Tiveram umas dinâmicas, umas atividades que vocês fizeram que esclareceu algumas coisas entre elas, que depois desse tempo elas começaram a se dar bem, ficou um clima bem mais tranquilo, um clima saudável na sala, por que no começo eles eram bem complicados.” A educadora fala da Oficina 04 - Aquário, onde trabalhamos com foco nas relações da turma. Ela contextualizou que era uma turma nova para ela, que era a primeira turma que pegava sem ser estagiária, e a correria e as adaptações estavam dificultando para ela ter que lidar com as relações que não estavam bem desenvolvidas nessa turma, dessa forma fomos uma ajuda para ela nesse sentido. Quando questiono se ela gostaria que algo tivesse sido diferente ela diz que acredita que aconteceu o que tinha que ter acontecido e que foi um grande aprendizado. Aprofundei a pergunta questionando o que seriam essas coisas que ela diz terem sido um aprendizado. Ela então narrou um episódio que aconteceu na volta da Oficina 03 – Cocriação do espaço, onde produzimos as maquetes. Ela contou que, na volta da praça para a instituição, as meninas dificultaram a volta, causando transtornos para ela. Disse que foi uma situação complicada e que teve que chamar as mães de todas elas. Ela contextualizou que foi um dia que elas brigaram durante o trabalho na praça, e isso inflou os ânimos das adolescentes. “Foi uma situação chata, mas eu tinha que passar pela experiência, e elas (as meninas) também. Foi importante, tudo mudou depois disso, então passou”. Durante a oficina citada nós entendemos que não podíamos continuar cocriando com as crianças antes de ajudá-las a dialogarem, e a partir dela foi que criamos e aplicamos a Oficina 04 - Aquário. A fala dela me chamou atenção para uma coisa: nessa atividade, justamente pelo 101


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desgaste que causou em todas as partes e pelo atraso de sua finalização, nós, do CoCriança, não voltamos junto com a educadora para o CCA e fomos embora direto da praça, criando para ela uma experiência ainda mais desgastante de ter que, sozinha, acompanhar 20 crianças infladas pelas ruas de volta para o CCA. Questionada sobre possíveis feedbacks das crianças sobre o trabalho ela diz “positivos diversos, as crianças gostavam muito. No início desse ano elas foram perdendo um pouco o gás, por que a turma se misturou, saindo muitas e entrando novas, e então eles começaram a perder a empolgação. Mas foi só nessa mudança, antes não via nenhuma reação de negativa”. Ela conta também que as crianças gostavam muito das dinâmicas em grupo que as provocavam a falar sobre sentimentos. Inclui a pergunta sobre feedback dos pais, tanto para os educadores quanto para os coordenadores, a fim de suprir uma vontade minha que era de conversar diretamente com alguns deles, e que infelizmente não foi possível no tempo de escrever esse trabalho. Mas entendi que qualquer feedback a respeito do nosso trabalho chegaria até os educadores ou a coordenação e que eu poderia acessar algo através deles. A educadora disse que nunca recebeu nenhum feedback e que inclusive, não teve a experiência de trocar com pais mais interessados sobre as atividades desenvolvidas com as crianças.

Coordenadoras: Infelizmente não foi possível entrevistar a coordenadora do CCA Elisa Maria, que com certeza teria muito a acrescentar em minha análise. Mas consegui conversar com a Coordenadora do CCA Sal da Terra, e acredito que sua fala reflete muito a relação que construímos com a coordenação do CCA Elisa Maria. Roteiro: 1- Quando você pensa no CoCriança qual é a primeira coisa que vem à sua mente? 2- O que você pensa sobre a sua participação no processo enquanto coordenadora do CCA? Gostaria que algo tivesse sido diferente? 3- Você passou por alguma situação durante o processo que você gostaria que tivesse sido diferente? 4- O CoCriança te impactou de alguma forma enquanto educadora/mãe/cidadã? 5- Você percebeu alguma mudança, comportamental ou de discurso, significativa nas crianças, em momentos fora das atividades do CoCriança? Lembra de algum exemplo? 6- Você recebeu algum feedback positivo vindo dos familiares das crianças sobre o nosso trabalho em algum momento? Você recebeu algum feedback negativo vindo dos familiares das crianças sobre o nosso trabalho em algum momento?

Revelação: Efetiva sensibilização da educadora sobre os nossos pilares. Falha: Não sensibilizar a educadora sobre o nosso trabalho desde o início dele. Não atentar para a sobrecarga da educadora.

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7- Você vê benefícios no trabalho do CoCriança? Qual a importância desses benefícios?


Coordenadora CCA Sal da terra - Vila Anglo Como primeiras palavras que vinham em sua mente ela listou: “ajuda, valorizar o potencial da criança e também, dentro dessa perspectiva do meio ambiente, eu acho que é uma formação, um despertar, é formar desde uma conscientização sobre o meio ambiente”. Em suas palavras ela trouxe a nossa máxima: valorizar a voz da crianças, além de um dos nossos pilares: formar cidadãos ativos e conscientes de suas ações no mundo. Questionada sobre como avaliava sua participação no projeto enquanto coordenadora do CCA, ela respondeu: “Eu enquanto coordenadora, acho que minha participação nem foi tão ativa assim, foi bem relaxada, por que entre tantas coisas que a gente tem em mãos, não consegui, de repente estar na praça junto e fazer junto com vocês, que eu acho que teria sido muito interessante. (...) Mas eu gostaria e inclusive esse ano (referindo-se a 2020) a gente já estava com tudo esquematizado, os dias, para ir junto, cada dia ia uma Irmã, mas aí veio a pandemia né. (...) agora no sentido de acolher vocês, de deixar à vontade para a execução do trabalho, o que eu podia fazer, da melhor forma e confiando né, por que eu tenho uma característica assim, se eu delego, eu abro as portas e a pessoa faz (...) eu fico bem ligada, mas não sou de ficar em cima, a pessoa tem que ser autônoma, criativa e responsável, e dessa parte vocês são nota dez. (...). Mas acompanhava as crianças, o que contavam e também os feedbacks de vocês, foi bem bacana. ” Mais uma vez a resposta para essa pergunta veio com uma autoanálise da própria participação da pessoa. A fim de entender melhor se nosso jeito de trabalhar atendeu da melhor forma, eu afirmei que sabemos das múltiplas atribuições, e para não acrescentar mais trabalho a coordenação, sempre tentávamos ser o mais autônomas possíveis. Então perguntei se essa forma de trabalho a atendeu bem, ela respondeu: “Uma vez que vocês vieram conversar, por que vocês sempre explicaram, olha

vamos fazer tal coisa, nossa ideia é essa, isso para mim tranquilo. E eu acho que sim, foi muito boa essa parte da autonomia de vocês, de levar, de criar”. Nós temos como protocolo sempre manter a coordenação informada sobre nossos objetivos e passos, além de enviar por e-mail os roteiros de oficina e nosso calendário, a fim de deixá-los confiantes a respeito de nosso trabalho e poder assim desenvolver com mais autonomia as atividades. A fala dela me fez acreditar que estamos no caminho certo, em construir uma relação de troca dentro possível de acordo com a agenda, nem sempre fácil, da coordenação. Vale destacar que ela sempre foi muito presente, inclusive participou da oficina 06 – conversando com a comunidade, assistindo e depois dando seu feedback sobre ela. Foi uma troca muito interessante que tivemos, desde o início quando fomos apresentar o projeto para ela a fim de desenvolvê-lo com as crianças do CCA que coordenava. Questionada se gostaria que algo tivesse sido diferente, ela retoma a respeito de sua participação e pontua que tudo foi muito novo, que ela não tem parâmetro de comparação e dessa forma tudo foi muito bom. Ela também me revelou que o tema preparado para o ano de 2020 no CCA era sobre meio ambiente, e pegando o gancho do que foi desenvolvido na praça, elas estavam bolando para que todas as atividades fossem direcionadas a levar as crianças para lá, a fim de continuarem a desenvolver o trabalho. Também contou sobre uma ocasião em que estavam bolando o calendário anual, e lendo um documento sobre o meio-ambiente, decidiram colocar em prática, indo todas as irmãs para a praça limpá-la. “Deixamos a praça, Camila, que você nem reconhecia, limpamos tudo!”. Sobre o impacto que o CoCriança teve sobre ela enquanto educadora e cidadã ela respondeu: “Eu sou muito voltada para essa discussão sobre o meio ambiente, para esse cuidado e para essa formação de consciência. E me impactou muito no sentido de jovens, no caso vo103


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cês que estão aí dirigindo, formando esse tipo de ação com crianças, e não só naquela coisa teórica, né, isso me impactou muito, por que as vezes a gente só fala, e não, vocês fizeram o show. Uma coisa muito bonita que eu achei, por exemplo, o processo de sentar e imaginar, o que vocês querem, o que vocês não querem, isso é viável, isso não é viável, gerando uma reflexão, e depois quando construíram a maquete, vendo que tem ali a mãozinha deles, o dedo deles. A pedagogia que foi usada, a metodologia que foi usada me impactou bastante. E tudo assim, de jovem para jovem, e é isso que fica né, tanto é que, esse ano na reunião de pais, eu falei bastante de vocês, falei da praça para os pais. Tem uma mãe que vai toda semana varrer lá a praça, toda semana ela vai com os filhos, entendeu, então achei super legal, por que o processo que vocês fizeram, fez a gente, como Sal da Terra, como as crianças, como os pais, meio que sentir assim, preocupação, vamos manter limpos, não vamos jogar o lixo, vamos recolher. É bonito ver como a coisa passou, esse trabalho de vocês com a criança, dentro dessa perspectiva de conscientização do meio ambiente, pra mim foi uma coisa que impactou demais.” Puxando o gancho de sua fala sobre os pais, emendei a perguntar sobre feedbacks que ela pode ter recebido dos pais, negativos ou positivos. “Negativo não, depois daquele encontro que a gente teve, uma festa, que vocês apresentaram a maquete e tudo, depois disso eu ouvia ‘nossa que legal, foram elas que fizeram, isso vai ser feito na praça’, sabe assim, eu senti essa coisa do envolvimento positivo, não ouvi nada negativo, sempre foram coisas positivas. E tanto é que, como eu disse para você, a primeira reunião de pais que a gente fez em fevereiro a gente sentiu dos pais muito envolvimento, de querer abraçar a causa e ajudar os filhos. E tinha sim, tinha gente muito empolgada”. Ela contou também que tinham decidido nessa reunião fazer a festa junina na praça do samba, por sugestão dos pais. 104

Durante a entrevista relatou que no final do ano de 2019 a Congregação das Irmãs de Nossa Senhora da Consolação, atual associação que administra o CCA, fez um congresso no Brasil, e foram conhecer o bairro e ver como estava acontecendo o trabalho da instituição “Veio gente dos quatro continentes” e que ao conhecerem o trabalho realizado pelo CoCriança, ficaram muito impactados “Olha que revolução que vocês causaram”. Contou que elas, andaram pelo bairro com as irmãs e as crianças e em certo momento passaram pela praça, e então as crianças a relator o que foi feito para os convidados, ”tinha gente da Escócia, da Itália, da Argentina, da Coréia, e eles com o jeito deles de contar, tinha uma tradutora ali perto né, foram falando ‘isso daqui foi a gente que fez, isso daqui foi a gente que criou, isso aqui a gente que pensou’’’. Ela seguiu compartilhando que, depois na congregação, em campanha que eles tem todo ano chamada Missões Consolação, as irmãs, empolgadas com o que as crianças contaram para elas, propuseram uma campanha de envolver todas as irmãs, de 22 países, a buscar uma praça, revitaliza-la e transformá-la num espaço de convívio. “Por isso eu disse para você, esse ano nós íamos estar no gás, dando força para essa realidade acontecer (...) Isso que vocês, o CoCriança, fizeram despertou para algo internacional, algo que ainda será feito, se Deus quiser em 2021, mas nasceu com essa ideia, a partir do trabalho de vocês”. A fala dela foi realmente muito animadora, de ver que os frutos do nosso trabalho podem crescer muito além do que imaginamos. E também de saber sobre o feedback dos pais, que não obtive na conversa com a educadora, que provavelmente tem menos contato com eles do que a coordenadora. Em relação aos pais e a própria coordenadora podemos claramente ver nosso objetivo “Promover o senso de pertencimento, fortalecendo os vínculos da comunidade com os espaços públicos” sendo atingido. E me chamou atenção o relato sobre as crianças contando, empoderadas de seu trabalho, para os adultos que vieram visitar o bairro, refletindo outro de nosso objetivo, de “Reconhecer e instrumentalizar a


voz das crianças para a autonomia”. Além de “Fortalecer o uso e ocupação da cidade pelas crianças” estar presente em sua fala a todo momento, ao nos contar a transformação que estava ocorrendo no método pedagógico da escola, propondo continuar a ocupar a praça com as crianças, até o relato de pais que estavam levando seus filhos com mais frequência para a praça. Continuei questionando se ela havia reparado em mudanças comportamentais nas crianças: “Em relação ao cuidado com a natureza sim, isso sim, é um chamando a atenção do outro, falando ‘olha, isso não pode, vai poluir, isso vai degradar, isso sim, várias vezes eu ouvi. Inclusive quando eles iam para praça, várias vezes sem estar junto com vocês, eles tinham essa disciplina de jogar no lixo, as vezes ficavam bravos que tinha lixo, que jogam no chão”. Ela narra uma transformação de cuidado com o espaço público, que nós defendemos como consequência do nosso trabalho, uma vez que sentimos pertencimento, passamos a cuidar como se realmente fosse nosso.

partilhou sobre a vontade de envolver mais as famílias, de promover ações no sábado para finalizar a praça com todos juntos. Ela trouxe em suas falas um reflexo muito forte sobre os nossos pilares de “formar” e “construir”, compreendendo de forma muito clara o nosso trabalho e afirmando os benefícios desse caminho, de não só conscientizar, mas também materializar essa nova consciência no mundo.

Revelação: Efetivo impacto da metodologia do CoCriança sobre todo o CCA e sua pedagogia. Falha: Não engajar os familiares das crianças.(No Jd Eliza Maria promovemos 3 encontros de sábado na etapa de construção, para envolver a comunidade e familiares na materialização do espaço sonhado pelas crianças)

Mesmo depois de tanto falar coisas positivas sobre o nosso trabalho, insisti em fazer a última pergunta, se ela via benefícios do trabalho do CoCriança e qual a importância desses benefícios, a fim de buscar uma síntese em sua fala: “Bom eu acho que sim, vou repetir, mais do que repetir o que eu disse, eu vou animar vocês, a nunca desistirem desse trabalho, de mão na massa, de fazer junto e de formar, aí desde a criança e do adolescente, por que isso é o que fica. Eles vão crescer já com essa consciência né, e é muito legal assim a forma com que vocês fazem, a metodologia que vocês usam, de envolvimento, por que é aquela coisa, eles construíram juntos, eles se sentem parte e quando a gente se sente parte a gente muda de atitude e de comportamento. Então sim, vejo e as animo para que vocês nunca desistam disso.” Ela também com105


Metodologia CoCriança: os blocos de uma construção coletiva de espaços e de cidadania

Vizinhança: Foi possível fazer entrevista com duas moradoras da Vila Anglo, vizinhas de frente da praça. Ambas são integrantes do MAVA – Movimento Amigos da Vila Anglo e nos acompanharam no processo desde o início, também estando presentes na oficina 06 – Conversando com a comunidade. Elas são duas senhoras que moraram a vida toda na região, foram responsáveis por conquistar a verba para a reforma e são grandes ativistas do movimento que coordenam no bairro. Foi muito relevante ter essa conversa pós-projeto com elas, porque elas representaram um grande desafio para nós em como articular com a comunidade. Convictas de suas ideias e de difícil diálogo, ao mesmo tempo que eram muito engajadas, interessadas e enérgicas, nos trouxeram muitos aprendizados sobre essa indispensável articulação. Representantes de uma organização local, elas acabaram sendo as únicas que mantivemos diálogo direto durante a revitalização, por ser nosso contato dentro do bairro e as principais agente da vizinhança próxima da praça. Tivemos que mediar seus interesses com a proposta que trazíamos de uma cocriação, uma vez que o MAVA já possuía um projeto descrito para a praça e uma dinâmica de organização local que nós não compreendíamos totalmente. Com essa contextualização sigo a relatar a entrevista, que também trará alguns detalhes da experiência. 1- Quando você pensa no CoCriança qual é a primeira coisa que vem à sua mente? 2- O CoCriança te impactou de alguma forma enquanto cidadão? 3- O que você pensa sobre a sua participação no processo enquanto morador da comunidade e vizinho da praça do CCA? Gostaria que algo tivesse sido diferente? 4- Você passou por alguma situação durante o processo que você gostaria que tivesse sido diferente? 5- Você percebeu alguma mudança em relação a apropriação do espaço da praça pelos moradores do entorno? 6- Você recebeu algum feedback positivo vindo dos seus vizinhos sobre o nosso trabalho em algum momento? 7- Enquanto morador, você possui alguma reflexão sobre o nosso trabalho que gostaria de compartilhar?

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Vizinhas da Praça do Samba - Vila Anglo Elas começaram relatando como foi o início do sonho pela praça, que surgiu por ter sido nela que o movimento começou a se reunir para se articular sobre a lei de zoneamento, a fim de manter a zona predominantemente residencial do bairro. Com isso elas começaram a se organizar, escrever um projeto com os desejos do MAVA e a buscar um vereador que realizasse a reforma. Vale repetir que chegamos a essa praça por meio desse vereador, que cedeu a emenda parlamentar para elas. Ele nos convidou para coordenar o projeto e através de seu assessor, nos colocou em contato. Quando fomos apresentadas, elas não entenderam a proposta de primeira e se mostraram, durante todo o processo, muito resistentes a deixarem o projeto, que já haviam pensado, ser repensado de outra forma. Continuando, ela relata que, enquanto trabalhavam para conseguir a verba para a praça, elas conheceram o Plano de Bairro que as “brilharam os olhos”, e descreveram como “juntar tudo, organizar a sociedade e a comunidade. Aqui a criança nasce, cresce, casa...” e quando chegamos com nossa proposta pensaram “legal, vamos caminhar em direção a isso (...) quando vocês chegaram, era o sonho, aquele sonho pedagógico”. Para a pergunta sobre a primeira palavra que vinha em suas mentes a resposta foi inovação, e elas trouxeram vários relatos e sentimentos sobre o trabalho a fim de argumentar pela escolha: “O projeto de vocês, que consideramos revolucionário, serve para preencher uma lacuna que temos hoje, de atender as necessidades das crianças.” (...) “em relação ao CoCriança você via as crianças brincarem, e serem crianças, e os aniversários, é maravilhoso de ver, as festinhas na praça. “ (...) “O que evoluiu, o que melhorou é fora de série. ” , “Não tem um vizinho reclamando, estão todos felizes e aproveitando”.


“A grande sacada de vocês foi perguntar para a criança o que vocês querem, e dialogar com elas durante aquelas oficinas todas, até construírem aquela maquete... sonharam com a árvore, sonharam com a floresta, sonharam com o tobogã. Coisas que elas jamais sonhariam se não fosse pela intervenção de vocês. (...) vocês foram a fundo no inconsciente dos desejos delas de criança (...) aquela construção toda foi muito de criança mesmo, me fez lembrar da minha infância, por que o que eles fizeram foi o que eu imaginava quando eu era criança.” “A palavra é inovação para a criança da cidade grande” “vocês trouxeram para cá a zona rural, pensar nas plantinhas, pensar em brinquedos que não se compra em loja” “Vocês fizeram as crianças pensarem, essas crianças que passaram pelas mãos de vocês com certeza serão profissionais amanhã nessas áreas, que ficaram dentro delas nesse trabalho” Ao longo da conversa, que se estendeu por uma hora, elas relembraram os conflitos, nos trazendo como passaram a enxergá-lo com o fim do processo: “Eu até queria me desculpar pelos problemas que tivemos, eu acho espetacular o CoCriança, mas que tem que aperfeiçoar tem, porque perfeição é todo dia toda hora”. Sobre o impacto que o CoCriança causou nelas, enquanto cidadãs, responderam: “Impactou fortemente nós do MAVA, impactou fortemente nossa cidadania, por que cidadania vem de cidade, hoje nós temos que viver em cidade, cidade significa o que a praça hoje nos oferece, graças a vocês. ” “O mais importante é a reflexão, o CoCriança nos leva a reflexão nos leva a pensar nos leva a construir e isso é cidadania. ” “É uma política pública integrada, que é o que a gente

batalha todo mundo junto, integrar os políticos para fazerem e nós, trabalhando juntos. ” Com essa última fala, elas reforçaram: “O CoCriança colabora para criação de políticas públicas, o CoCriança é política pública para criança, a um custo muito barato, que vai dar um retorno muito alto. Porque uma vez que você investe na criança, no lúdico dela, na alegria dela, o retorno será outro. Nós precisamos de brasileiros que passem pelo CoCriança. Esse para nós é a contribuição de vocês para a sociedade, a cidadania e a construção de uma cidade mais feliz.” A pergunta sobre o que pensam sobre suas participações no processo, e se gostariam que algo tivesse sido diferente nos permitiu olhar para essa construção que tivemos: “Eu lamento uma coisa, a nossa comunicação não foi boa. Eu não tive habilidade, por que eu não entendia o CoCriança na revitalização da praça, nós pedimos uma verba para fazer a revitalização da praça e pensávamos na quadra, na caminhada, dos exercícios e de reformar o parquinho.” Ficou claro para mim durante as falas que, apesar de terem críticas sobre como foram integradas no processo, elas ficaram muito satisfeitas com o resultado final, o que as fizeram reconhecer o trabalho e sua importância: “Para nós a participação nossa foi que foi nossos sonhos e vocês terem entendido nosso sonho.” “Tivemos nossas dificuldades, mas isso foi entendido do processo, aquele meu jeito todo estabanado, de falar, de não entender, mas foi atingido o objetivo que nós pensávamos” Elas emendaram contando como tem sido o uso da praça, e a apropriação pelos vizinhos: 107


Metodologia CoCriança: os blocos de uma construção coletiva de espaços e de cidadania

“Esses dias eu peguei uns livros na minha casa e eu trouxe e botei em cima das mesas, sabe o que um morador fez? Trouxe da casa dele uma estante de madeira, improvisou e botou os livros dentro da estante, no meio da sala, que fica entre as crianças e perto dos equipamentos de ginástica, achei uma iniciativa tão extraordinária, até botei uma papelzinho lá cumprimentando”. Contou que promoveram rodas de conversa com vereadores na praça “teve uma que foi espetacular, tinha um vereador do PSOL e outro de um partido totalmente o contrário. Os moradores trouxeram melão, banana, extraordinário”. “Pela verba que a gente teve acho que a gente fez coisa de mais, e o povo está muito agradecido, você vê a alegria, vê a praça, aquela coisa, você pegou uma coisa morta e agora ela está viva. ” “Uma coisa muito importante o pessoal do próprio bairro, inclusive o pessoal do sal da terra vindo, varrendo a praça” E continuou a desenvolver sobre como se deu nossa construção: “O grande erro foi nós não termos compreendido o papel do CoCriança no contexto da revitalização da praça, por que isso teria evitada uma série de estresses (...) eu trabalhei em grandes organizações, dei aula na universidade por 25 anos, eu tinha uma visão completa do projeto. ” 4. Pompeia Sem Medo é um coletivo de luta e resistência localizado no bairro da Pompeia, Zona Oeste de São Paulo. fonte: facebook.com/ pompeiasemmedo/

Mesmo agora reconhecendo o trabalho e sua importância, elas pontuaram o que acharam que não foi bem desenvolvido e levantaram a discussão de não terem entendido, principalmente, qual papel nós cumpríamos em relação às arquitetas da subprefeitura. Disseram que no primeiro momento, tendo as arquitetas, não entendiam onde entravámos, até por não confiar em nós, estudantes, para fazer um trabalho onde fosse necessário conhecimento de engenharia, arquitetura e urbanismo. Também trouxe seu ponto de vista de como deveria se dar a dinâmica: 108

“O MAVA, é a sociedade, cliente da prefeitura, vocês, junto com as arquitetas da prefeitura, eram as executoras” (...) “Queria ter recebido o layout da praça toda, ter entendido o portão da quadra” Uma visão que, acredito ser muito delicada e possível de se estender em ricas discussões sobre as desconstruções necessárias a serem feitas para o sucesso de um projeto participativo em contextos diferentes de organizações locais. Discussão muito relevante para nós, para entendermos os melhores caminhos a se percorrer no trabalho com as organizações locais dos territórios que viermos a atuar, para assim sermos capazes de articular, de forma horizontal, aqueles interessados no espaço público, a fim de aproximar seus interesses. Nos esforçamos muito para fazer essa aproximação, e acredito que seja devido a esse esforço o grande contentamento delas com o projeto final, onde tivemos o cuidado de estar sempre olhando para seus interesses, apesar de não termos tido sucesso em sensibilizá-las para o processo de cocriação quando ele estava sendo feito. Uma falha que hoje podemos enxergar em nosso processo foi ter limitado nosso contato com a comunidade, para além das crianças, por vias do MAVA. O bairro possui vários coletivos que ocupam a praça e promovem eventos nela, e fomos tomando esse conhecimento ao longo do caminho, quando, por conta dos 2 meses que tínhamos para entregar o projeto executivo, não havia mais tempo hábil para promover a articulação e a inclusão na cocriação. Apesar disso conseguimos conversar com alguns coletivos em uma festa promovida na pra4 ça pelo Pompéia Sem Medo , onde estavam presentes diversos moradores desvinculados do MAVA. Pudemos nessa festa, conversar com algum deles e apresentar o projeto. Recebemos desses moradores apoio pelo esforço de fazer um projeto democrático, o que nos fez ter um sentimento de validação para continuar, apesar dos entraves iniciais com o MAVA. Seguindo com a entrevista, como a pergunta sobre a


apropriação da praça pelos moradores já havia sido respondida com vários relatos, passei para a próxima pergunta, a fim de saber dos feedbacks que poderiam ter recebido de outros vizinhos. Uma delas contou que após a reforma, conversou, por vários dias, com os frequentadores da praça, a fim de coletar feedbacks: “Coletei só coisa boa, não tive nenhum feedback negativo”. Com a última pergunta, questionei se teriam alguma reflexão sobre o nosso trabalho que gostariam de compartilhar: “Nós desejamos que esse trabalho de vocês seja aperfeiçoado em cada lugar que vocês passarem, e que seja introduzido no currículo mínimo da educação infantil ao ensino médio, que ele vá amadurecendo desde a criança até o ensino médio.” “A minha proposta é que fosse amadurecido, mas de maneira multidisciplinar, vocês interagindo com a faculdade de educação, de engenharia, o ECA, que vocês construíssem e botassem o CoCriança num projeto, já que estão dentro da universidade, pegando todas as partes que é possível sentar e conversar juntos”. “Refletindo sobre isso, a base de uma educação, uma alfabetização ampla, reflexiva, crítica, nasce nos princípios do CoCriança”. “Foi bem mais de 95% do que esperávamos, quem sabe a gente ainda possa terminar o projeto” “Eu acho que quem trabalha com o lúdico, da criança, mexe com todo o universo da nossa sociedade” “O CoCriança trabalha com o concreto, o concreto é muito importante para a educação” “Essas crianças daqui a dez, vinte anos, cada vez que elas passarem, elas vão passar e lembrar, eu participei, então são coisas que são raízes, são coisas muito profundas, por exemplo, eu estudei na (inaudível), quando eu passo

lá só falta eu chorar, por que são minhas raízes, e essas raízes é o que fica, do começo ao fim da vida da gente, é muito importante.” A entrevista foi muito esclarecedora e tranquilizadora, por saber que, apesar dos desafios dados, fizemos um bom trabalho que se apresentou satisfatório para o MAVA. Acredito que um projeto participativo não significa consenso e que as tensões geradas podem ser relevantes para a construção de processos democráticos. Rachel Luck em seu artigo Participatory design in architectural practice: Changing practices in future making in uncertain times (2018) discute sobre o agonismo em projetos participativos e a importância das tensões que são provocadas pela prática.

“Não existe pretensão de se chegar a um consenso em decisões compartilhadas coletivamenteatravés do diálogo. Em vez disso, as práticas do projeto participativo que causam provocações e desacordos dentro de um grupo, são vistas como formas construtivas de gerar reflexões sobre o que conta. É importante ressaltar que, tanto como uma tática de Projeto Participativo e como uma visão política, o agonismo escala além de um único projeto. Ele se reflete no confronto entre Projeto Participativo e as relações com instituições, autoridades e públicos. 'A democracia agonística não pressupõe a possibilidade de consenso e resolução racional de conflitos. Em vez disso, a hegemonia da autoridade dominante é potencialmente desafiada por múltiplas disputas vigorosas, mas tolerantes, entre públicos apaixonadamente engajados'''. (Bjorgvinsson, Ehn et al., 2012a).” (LUCK, 2018a P.11, tradução minha) Apesar dos conflitos, conseguimos construir com elas o entendimento de nossa proposta e enfim engajá-las num processo democrático de projeto. Tanto vejo esse entendimento e sensibilização conquistado, que em suas falas 109


Metodologia CoCriança: os blocos de uma construção coletiva de espaços e de cidadania

elas se mostraram atentas aos nossos pilares de formar e construir, e confirmam a conquista de quatro de nossos cinco objetivos: “Reconhecer e instrumentalizar a voz das crianças para a autonomia “, “Fortalecer o uso e ocupação da cidade pelas crianças”, “Promover a inclusão das crianças nos processos de decisão e transformação urbana” e “Promover o senso de pertencimento, fortalecendo os vínculos da comunidade com os espaços públicos”

Arquitetas da Prefeitura: Tive a oportunidade de entrevistar uma das duas arquitetas que trabalharam conosco no projeto da Vila Anglo. Ela trabalha há 15 anos na prefeitura e atua como arquiteta da Subprefeitura da Lapa. Trabalhamos muito próximas a ela, principalmente após coletarmos os desejos para a praça e iniciarmos o desenho executivo. Também a acompanhamos em toda a obra da praça, tirando dúvidas do processo e buscando garantir que ele fosse executado da forma que foi projetado.

Falha: Não sensibilizar a comunidade externa ao CCA sobre os nossos objetivos.

Roteiro:

Revelação: Expectativas da comunidade alcançadas pelo projeto final.

1- Quando você pensa no CoCriança qual é a primeira coisa que vem à sua mente? 2- Qual aspecto você acha mais positivo sobre o processo que o CoCriança desenvolveu? 3- Qual aspecto você julga não ter sido bem desenvolvido pelo CoCriança? 4- O que você pensa sobre a sua participação no processo enquanto arquiteta responsável/representante político? Gostaria que algo tivesse sido diferente? 5- Você passou por alguma situação durante o processo que você gostaria que tivesse sido diferente? 6- Pela experiência que tiveram trabalhando conosco, qual próximo passo acha que deveríamos dar para a nossa equipe atender melhor as demandas da população? 7- O que o CoCriança tem de particular?

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Arquiteta Vila Anglo

Sobre o aspecto negativo ela continua:

Questionado sobre uma palavra que representasse o CoCriança para ela, ela respondeu: “Para mim foi uma grande ajuda, a palavra seria essa, foi uma cooperação, uma coisa muito positiva para a gente. Acho que agregou muito, pelo fato da gente não poder fazer esse trabalho, esse trabalho de reunir, de entrevistar, de fazer as oficinas, né, a gente muitas vezes não tem essa disponibilidade. Então assim, a palavra eu definiria como uma cooperação, super positiva.

“Sinceramente eu acho que nada. Tem alguns aspectos de convivência em sociedade que são complicados né, teve aqueles conflitos”. Ela se refere aos conflitos narrados na entrevista com as vizinhas da praça.

Sobre o aspecto positivo, ela apontou o processo do projeto participativo em si, de entender o espaço e projetá-lo com os próprios usuários da praça: “Para a gente é muito importante entender o uso do espaço livre e saber o que propor. Ai eu acho que esse trabalho, que vocês fizeram pré-obra, foi o aspecto mais importante, assim de tentar entender os usos, de uma forma tão detalhada, que você sabiam até assim, os locais da praça que deveriam ser para certa atividade, conseguiram definir muito bem isso né, essa divisão do espaço. Muitas vezes no trabalho público, a gente comete alguns erros nesse sentido. Muitas vezes a gente define um espaço, propõe um espaço para uso X e de repente aquele espaço já é usado para a população para uma outra atividade. Por uma falta de comunicação com todo mundo, a gente comete esses erros. ” Ela discorre justamente sobre um dos principais problemas que o projeto participativo tenta solucionar, do fazer e construir algo que não é o ideal para o território e os usuários em questão. Com um processo democrático de como pensar o espaço, o projeto participativo busca atender as necessidades reais e potencializar o uso e a apropriação do espaço, ao mesmo tempo em que valoriza os recursos que são colocados nessa construção, a fim de minimizar construções que não sejam efetivas em seus objetivos.

“Falei que ia ser bem sincera e para mim só foi ajuda mesmo, foi bem positivo. Se a gente tivesse a oportunidade de ter esse trabalho em todas as obras que nós fizéssemos eu acho que as coisas sairiam muito mais, assim, a gente acertaria muito mais, por conta dessa pré-análise toda, desse trabalho prévio que vocês fizeram. ” Ela, assim como os outros entrevistados, fez uma reflexão de autocrítica quando questionada se desejava que algo tivesse sido diferente: “Eu diria que o que poderia ter sido diferente seria mais da minha parte mesmo, talvez se tivesse disponibilidade de participar um pouco mais. Justamente assim, no sentido que eu estou trabalhando já há uns 15 anos né, na prefeitura, então a gente tem bastante experiência com todos esses conhecimentos. A gente também tem a parte de conhecimento do próprio serviço da prefeitura né, como ele acontece, o que que dá para fazer, o que não dá, o que a gente consegue contemplar o que a gente não consegue. ” “Mas eu acho que vocês foram super bem também nesse sentido né, a gente passou para vocês o que a gente poderia fazer, tinham diversos itens lá que estavam previstos e que a gente não consegue orçar, não consegue incluir né. E eu acho que foi mais da nossa parte mesmo, de participar um pouco mais e até de fazer esse meio de campo, entre o pessoal do bairro e vocês.” Insisti na pergunta a fim de buscar alguma dica ou observação que pudessem vir como construtiva para o nosso trabalho:

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“O que eu não tive que fiquei de certa forma curiosa, é um feedback da população, sabe. Não sei se para vocês ocorreu isso né, para mim eu não tive muito essa visualização do que que deu certo, o que que não deu. Não sei se vocês fizeram um trabalho posterior né, com as crianças principalmente, os usuários da praça, etc.” De fato, quando desenvolvemos esse trabalho, ainda não tínhamos indicadores ou um método de avaliação. Conseguimos, através do MAVA, alguns feedbacks da vizinhança, e na etapa IV da nossa metodologia, de construção, estávamos a todo momento coletando feedback das crianças sobre a praça e o processo. Hoje estamos desenvolvendo uma forma de avaliação, que começa no início do processo e se estende até seu término, para conseguirmos um retorno consistente do potencial de transformação do nosso trabalho. Ainda na pergunta sobre se gostaria que algo tivesse sido diferente, eu aprofundei em uma questão que diversas vezes me veio como questionamento – se a nossa proposta representou trabalho extra para as arquitetas, dentro do que elas já desenvolviam. Meu objetivo era entender se existia algo que poderíamos mudar nessa troca, a fim de melhorar a experiência para ambos os lados. Ela então respondeu: “Não, de forma alguma, pelo contrário, eu acho que ajudou muito nosso trabalho, muito mesmo. E ajudou assim, as coisas serem direcionadas para dar certo. É um tipo de análise que eu gostaria muito de fazer, sabe, eu sinto que eu perco um pouco nos projetos que eu desenvolvo justamente por não conseguir fazer essa análise. Vou dar um exemplo do meu TFG, eu fiz o projeto de um parque linear e eu ia noite e dia lá, de fim de semana, para entender como que realmente eram os usos, e com isso a gente entende demais, né, e conversa com um, conversa com outro. Por incrível que pareça agora que eu trabalho fazendo, efetivamente colocando isso em prática, a gente não consegue né, por que é aque112

la maluquice, chega o dinheiro eu tenho que montar o processo em dois dias, para contratar, para tudo. Então quando a gente tem esse processo prévio que vocês fizeram é super favorável. ” “Então o que eu tenho, a minha base, é que vocês são fantásticas, e foram super abertas a entender, né, a trazer para a realidade da prefeitura, talvez pela outra experiência que vocês tiveram na outra subprefeitura, eu senti que realmente vocês vieram preparadas, vocês já sabiam o que eram os serviços que a gente podia contemplar. Então talvez se tivesse sido diferente a equipe, que viessem com ideias de faculdade, né, de fazer coisas que não dão certo em áreas públicas, que realmente não dão certo dentro do contexto que a gente vive... Então foi só ajuda, Camila, só ajudou o nosso trabalho, eu diria ai que vai, cortou nosso trabalho por uns trinta, quarenta por cento, sabe, foi uma boa ajuda sim. ” Ela retomou a palavra ajuda que havia trazido no início da entrevista e mensurou o impacto que tivemos em seu trabalho. A resposta dela me deixou muito contente, por entender que, além de somarmos com nossa proposta, nós também conseguimos ser suporte no trabalho das arquitetas. Essa reflexão me trouxe o aprendizado de que, dentro de como trabalhamos com elas, poderíamos estender mais a troca sem prejudicá-las em seu trabalho, podendo buscar por mais ajuda técnica. Ela continuou tentando pensar em algo que poderia ter sido diferente, a fim de me dar críticas construtivas sobre o nosso trabalho: “Estou tentando pensar em alguma coisa aqui, mas eu acho que não, até a metodologia, o cronograma que a gente estabeleceu, as reuniões na praça, eu acho que deu tudo certo. A gente até fez uma coisa diferença no percurso dessa obra, que foi colocar vocês direto em contato com o empreiteiro, a gente nunca faz isso tá, mas assim, eu acho que estava tão coerente o trabalho de vocês com a realidade, vocês estavam tão a parte de tudo,


de planilha do que foi orçado dos serviços, que a gente fez isso e também deu certo. Então consigo pensar em nada que poderia ter sido diferente. Foi super bacana. ” Tentamos acompanhar as obras com finalidade de aprendizado e também para garantir que nosso projeto fosse respeitado, uma vez que estávamos responsáveis pelo projeto perante as crianças e aqueles que cocriaram conosco. Tivemos, ao longo das obras, muita dificuldade de comunicação e por conta disso algumas coisas não foram executadas da forma como gostaríamos. Por esse motivo, em certo momento da obra, as arquitetas permitiram que tivéssemos contato direto com o empreiteiro, para podermos garantir a boa execução do nosso trabalho sem depender do tempo de resposta delas. A Arquiteta continuou buscando alguma crítica construtiva que pudesse trazer a fim de contribuir com essa análise do nosso trabalho: “De repente uma coisa que podia ter sido um pouquinho diferente e que seria um pouco mais favorável a tudo, se a gente tivesse tido um contato antes de vocês terem tido um primeiro contato com o público, né, com os usuários da praça. Porque né, justamente para de repente não criar algum tipo de expectativa que não vai poder ser atendida. Eu acho que não aconteceu isso nessa praça, mas poderia ter acontecido” “É que eu também não te garanto e eu não sei, se vai ter uma equipe assim aberta de conversar em todos os lugares que vocês forem trabalhar do serviço público, para mim seria bacana a gente ter esse primeiro contato. A gente tem um sistema da prefeitura, do 156, que recebe um monte de demanda da população, a gente podia ter consultado isso, de repente passado. Não foi o caso dessa praça, mas pelo o que aconteceu a gente se conheceu e vocês já estavam fazendo o trabalho com eles, então a gente pegou isso já andando.” A Ana trouxe em sua fala algo que nós sempre discuti-

mos, sobre a importância de nós não nos colocarmos como alguém que realizará algo por eles, e sim como cocriadoras de um processo onde juntos iremos conquistar um espaço sonhado. Essa mudança de fala se faz muito importante para que, essas expectativas que a arquiteta fala não sejam criadas. Nós incentivamos as crianças a sonharem com o espaço e as incentivamos a pensarem na viabilidade ou não de cada item e caminhos para viabilizá-los. Também não nos limitamos aos recursos conquistados pela emenda parlamentar, a fim de não limitarmos o projeto, mas abrimos os desafios de conquista para os envolvidos, a fim de também co-criar essa materialização. Mas apesar de termos essa cooperação e construção da autonomia da conquista, como valores do nosso trabalho, achei muito pertinente a fala dela no sentido de alinhamento da equipe de trabalho. Tivemos contato com as arquitetas após o início do processo, o que, a partir dessa observação trazida por ela, entendi que não é o ideal. Porque apesar de acreditarmos na cocriação de recursos, deveríamos ter nos alinhado naquilo que tange o trabalho delas. Foi no momento de fechamento de projeto que tivemos, pela primeira vez, contato com a tabela de custos da EDIF⁵. E, através, da consulta dessa tabela, pudemos alinhar todo o projeto com aquilo que é executável pela prefeitura. O processo de adaptação foi simples, mas se tivéssemos buscado antes conhecer a tabela e seus itens com certeza poderíamos ter a explorado melhor a fim de criarmos de forma mais criativa com base nela. Por fim a questionei sobre o que o CoCriança tem de particular das referências dela de outros grupos de trabalho similares. “Eu não tenho muita experiência com grupos de trabalho externo, tive alguns e para mim foi bem bacana o CoCriança comparando com os outros. (...). Eu achei que vocês, da equipe do CoCriança especificamente, tinham 113

5. O Departamento de Edificações, sigla EDIF, tem a responsabilidade de projetar, programar, executar e fiscalizar a construção, os reparos e os serviços de manutenção de edifícios públicos


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um conhecimento e um desejo muito parecido com o que eu penso, e eu acho que é pela formação mesmo, acho que isso foi bem favorável.” A Ana é também formada pela FAU USP e por isso relaciona as nossas formações e visões sobre o espaço público. “Estou lembrando de um outro grupo que eu participei, que apesar das ideias serem boas, elas não eram muito favoráveis para o espaço público e para o ambiente em que a gente vive, que a gente tem que pensar em tudo, inclusive nas más utilizações do espaço, né?!” Apesar do projeto ser cocriado e desenharmos a partir das vontades das crianças e de termos, em certo grau, cautela em trazer nossas opiniões para não influenciar as vontades delas, quando estamos discutindo projeto não deixamos de opinar sobre suas vontades, levantando reflexões sobre o mau uso do espaço. Por exemplo, no projeto da Vila Anglo houve um momento em que foi levantada a vontade por uma casa na árvore, diante disso pude provocar a criança a refletirem como poderia ser essa casa na árvore, e do por que não seria bom que ela fosse fechada. Essa vontade se traduziu na Casa do Tarzan, possível de ser comprada pela tabela EDIF da prefeitura. Principalmente na Praça do Jd. Elisa Maria tivemos que trazer muito dos nossos conhecimentos como estudantes de arquitetura e urbanismo a fim de minimizar o uso irregular do espaço público, no esforço de tornar a praça um lugar mais seguro para as crianças. Para isso fizemos um projeto mexendo nos níveis da praça, aumentando o campo de visão da rua para ela e tirando muros que criavam pontos cegos. Essas soluções não foram pensadas pelas crianças, mas discutimos com elas cada uma delas, a fim de refletirmos as questões de disputa do território juntos. No fim da entrevista inclui uma última pergunta, questionando se o nosso trabalho impactou sua visão enquanto arquiteta do espaço público:

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“Eu acho que, em questão de projeto, como eu falei, a gente estava muito alinhado, eu olhava para aquele projeto e parecia algo que eu fiz (...) Parecia que a gente trabalhava a anos, uma coisa meio natural, pra mim foi muito natural (...) O que foi realmente favorável foi abrir essa importância na nossa cabeça desse diálogo todo com a comunidade, na real a gente sabe que é importante, mas não acontece tanto quanto deveria (...) Mas em questão de projeto acho que foi muito bacana, pelo menos para mim parecia que a gente estava ali na mesma mesa de trabalho, na mesma prancheta desenhando juntas”

Revelação: Diminuição da carga de trabalho das arquitetas da subprefeitura. Falha: Não alinhar o trabalho com as arquitetas antes do início da cocriação de projeto.


Aprendizados obtidos a partir da prática Ao final das análises das oficinas e das entrevistas realizados levantei dois aspectos de cada oficina/entrevista: falha e revelação. Com falha me refiro a algo que não foi bem desenvolvido pelo grupo na elaboração da oficina ou em sua aplicação. Com revelação quero dizer sobre algo que foi muito bem desenvolvido, e que se revelou um potencial em nossa metodologia e prática Com isso, pretendo compilar as falhas e revelações trazendo-os como aprendizados, uma vez que utilizei esses aspectos como forma de sintetizar os aprendizados obtidos com a prática e a análise dela. Tendo os aprendizados compilados, irei reorganizá-los por tema, a fim de mais uma vez, sintetizá-los. Com estes temas revelados, irei discorrer sobre cada um dele, a fim de explicitar as reflexões que tive. e os autores que me permitiram maior aprofundamento nelas. Tenho como objetivo ir além de trazer minha análise de nossa prática, mas também de transformar todos os aprendizados em revelações que nos sirvam de diretrizes para a lapidação de nossa metodologia e prática.

“É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto, que quase se confunda com a prática. O seu “distanciamento epistemológico” da prática enquanto objeto de sua análise deve dela “aproximá-lo ao máximo”. (FREIRE, 2019, P.40)

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Aprendizados compilados

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Temas obtidos a partir dos aprendizados

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A facilitação do projeto participativo e os pormenores da experiência. O grupo de revelações e falhas os quais eu agrupo no tema da facilitação resultam nesse texto, a fim de refletir sobre os atributos necessários no momento de facilitar um processo em grupo. Neste sentido, o objetivo é o de introduzir a continuação o que virá a ser esse trabalho de constante lapidação da metodologia do CoCriança e da nossa aplicação da mesma.

A partir da minha experiência percebi que os passos dados foram muito além das atividades descritas em cada oficina, e das oficinas descritas em cada etapa. E acredito que são exatamente esses passos, nas entrelinhas das subjetividades das interações e nas surpresas dos acontecimentos, que devem ser lidos atentamente no processo de facilitação.

Enquanto projetistas que propõem um discurso de trazer o processo de criação para uma linguagem acessível, assumimos a responsabilidade de guiar uma experiência, ainda desconhecida e surpreendente para aqueles que irão experienciá-la. Tendo o participante, ainda, nenhum controle sobre como acontecerá a experiência, é de nossa responsabilidade guiá-lo pelo processo vivido, atento ao seu desenvolvimento dentro dele. Segundo Caio Vassão, em seu texto Metadesign, Jogos e Transformação Cultural:

Lendo as revelações e falhas que agrupo nesse tema, me atento para algumas características da facilitação que percebo presentes, ou ausentes, mas que são sempre necessárias para a atingir o propósito da atividade. São elas: a percepção ativa, a criticidade e a criatividade. A percepção ativa se constitui na assunção de uma postura atenta e consciente em relação ao ambiente e às interações que nele acontecem, a tempo de corrigir a proposta ou as orientações, caso uma dinâmica não esteja convergindo para o objetivo principal. Uma vez que essa percepção esteja presente, é necessária a criticidade para julgar se a rota deve ou não ser corrigida. E então ser inventivo na elaboração de uma alternativa:

“O FACILITADOR é aquele que conduz a atividade, observa a qualidade da interação entre as pessoas, se baseia nas “regras” (propostas por ele ou ela mesma, ou propostas por outras pessoas). E, caso perceba que a interação não está correndo com a qualidade que poderia, o facilitador interfere na situação em andamento — até mesmo nas “regras do jogo” — para que a interação aconteça com o máximo de qualidade. (VASSÃO, 2020)” Vassão fala sobre garantir que o jogo seja jogado conforme a proposta, no nosso caso, associo as regras do jogo com a nossa metodologia e os nossos objetivos, sendo eles divididos entre os objetivos de cada oficina e de cada etapa. Como descrito neste trabalho, esses objetivos encadeados pretendem construir os nossos objetivos maiores. Partindo do anterior, o nosso papel enquanto facilitadoras é principalmente identificar os passos necessários para chegar ao objetivo geral, e então anunciá-los de forma clara aos participantes. 118

“o facilitador atua como INVENTOR, e altera ou ajusta as regras e os elementos em jogo para que a qualidade da interação seja restabelecida, alguma meta seja atingida, ou seja feito um ajuste de rota para que NOVAS METAS sejam atingidas.” (VASSÃO, 2020)” O ato de reiventar os passos, rever a metodologia e mudar as atividades, é um posicionamento, de que qualquer um/a pode cocriar, e qualquer bloqueio no caminho é apenas uma oportunidade para o aprendizado da facilitação, é uma questão de método, que pode ser aprimorado com criticidade e criatividade. Proponho aqui um olhar sobre as falhas e as revelações, a fim de destacar os aprendizados, que nos guiarão para um aperfeiçoamento na responsabilidade de facilitar um processo que seja cada vez mais acessível e efetivo. Um olhar que se atente


para as distinções de cada território, de cada turma e de cada criança, e que a partir das experiências consiga se reposicionar onde seja necessário, com o único objetivo de fazer de cada experiência única e a mais efetiva possível. Destaco a importância de nos atentarmos para as distinções entre as crianças de uma mesma turma. Uma vez que, se tratando de indivíduos únicos com facilidades e dificuldades próprias, se faz necessário um cuidado individualizado no processo de aprendizagem e criação. Essa atenção também engloba nosso enquanto facilitadora, que deve se atentar em oferecer experiências relevantes em qualquer level de entendimento e criação. Retomo aqui os níveis de criatividade, usados como parâmetros de avaliação das oficinas. Os utilizei nas avaliações pensando nas atividades em si, mas, segundo Sanders e Stappers (2018), os níveis de criatividade acessados em uma prática são próprios de cada pessoa, a depender de sua expertise e interesse pelo assunto, sendo papel do facilitador adequar a experiência e dar suporte a expressão da criatividade em seus diferentes níveis.

cumprimento. O conforto é possível antever, uma vez que sempre pudemos optar pela atividade ser na praça ou no CCA, no pátio ou na sala de aula. Mas para entender o tempo das crianças é preciso exploração e sensibilidade, uma vez que cada turma trabalhada pode ter um tempo distinto. Tempo para entender, tempo para entrar em ação, tempo para absorver, tempo para integrar, tempo para realizar... tempo para sonhar. Estar atenta aos pormenores da experiência considero como uma contrapartida àqueles que estão dispostos a se entregar em nossa proposta, como um acordo, uma troca onde o outro se entrega e nós cuidamos, para que a entrega seja o mais positiva e agregadora possível.

“Liderar as pessoas que estão no nível de criatividade de “fazer”. Guiar as pessoas que estão no nível de criatividade de “adaptar”. Fornecer andaimes que apóiem e atendam às necessidades das pessoas no nível de criatividade de “produzir”. Oferecer um quadro em branco àqueles no nível de criatividade de “criar”.” (SANDERS e STAPPERS, 2018, P.14) 1. Como melhor aqui considero, dentro das possibilidades de cada criança, o melhor de sua atenção, criticidade, reflexão, criatividade, entre outras competências requeridas nas atividades

Ainda quando falo em experiência, penso também nos pormenores dela, que considero que são os cuidados necessários para que ela seja agradável para todos, a fim conseguir obter o melhor¹ de cada um, dentro do que estiver ao nosso alcance. Como por exemplo cuidar do conforto, para que incômodos físicos, sonoros ou térmicos não atrapalhem o processo, e cuidar do tempo, para que ele seja suficiente para a absorção da proposta e seu 119


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Práticas lúdicas de aprendizagem e Enriquecimento da imaginação da criança Atuamos em diversos papéis ao longo do desenvolvimento do nosso trabalho no CoCriança. Além de facilitadoras, descrito no capítulo anterior, também assumimos o de arquitetas educadoras. Ao trabalhar com crianças, não pretendemos apenas guiar um processo, mas também oferecer novas perspectivas e futuros possíveis. Dessa forma, nos colocamos no papel de educadoras enquanto arquitetas que educam com e a partir do espaço e da vivência na cidade. Tenho buscado compreender melhor o conceito de ser arquiteta educadora e de como refletir esse entendimento teórico em nossa prática. Na minha construção sobre o tema, extraído a partir dos aprendizados das oficinas, tenho acumulado várias questões que se abrem cada vez mais em cada nova descoberta. Discorrerei sobre algumas destas, que até aqui têm me chamado atenção para a lapidação de nossa prática. Iniciarei contando sobre minhas descobertas na exploração sobre o desenvolvimento da criança e seu processo de aprendizagem, a partir de Vygotsky e Piaget, passando por Winnicott no processo de intervenção no mundo através da brincadeira. Levantarei questões sobre a nossa prática lúdica de aprendizagem e intervenção no espaço, trazendo questões sobre métodos usados a fim de fazer essa prática mais acessível e educativa e por fim, retomando o designer Ezio Manzini, refletirei sobre a nossa intervenção, enquanto arquitetas, na cocriação do projeto junto às crianças. Explorei a respeito do desenvolvimento da criança com o intuito de compreender quais potencialidades devem ser trabalhadas e estimuladas nas crianças, de acordo com suas fases de vida, para promover aquisição no processo de ensino e aprendizagem. A fim de descobrir caminhos para lapidar nossa metodologia enquanto um processo de aprendizagem vivencial. A discussão em torno dos processos de desenvolvimento e de aprendizagem envolve diferentes teorias. Dentre 120

os teóricos, destaca-se o psicólogo e biólogo suíço, Jean Piaget (1896-1980) e o psicólogo russo, Lev Vygotsky (1896-1934). Tanto Piaget quanto Vygotsky concebem a criança como um ser ativo, atento, que constantemente cria hipóteses sobre seu ambiente. Há, no entanto, grandes diferenças na maneira de conceber o processo de desenvolvimento. Piaget privilegia a maturação biológica e Vygotsky, o ambiente social. (Pedagogia ao Pé da Letra, 2013) Para Piaget, os fatores internos preponderam sobre os externos e portanto postula que o desenvolvimento segue uma sequência fixa e universal de estágios. Para ele, o desenvolvimento biológico é a base e suporte para que o processo de aprendizagem ocorra. Para Vygotsky, o ambiente social em que a criança nasceu tem papel fundamental no seu desenvolvimento e variando esse ambiente, o desenvolvimento também variará. Neste sentido, para esse teórico, não se pode aceitar uma visão única e universal de desenvolvimento humano, uma vez que a aprendizagem é quem precede o desenvolvimento. Segundo os postulados de Piaget, a capacidade de organizar e estruturar a experiência vivida vem da própria atividade das estruturas mentais que funcionam seriando, ordenando, classificando e estabelecendo relações. O desenvolvimento, portanto, é um equilíbrio progressivo, uma passagem contínua de um estado de menor equilíbrio para um estado de equilíbrio superior. (PIAGET, 1985, P.11) No nível estrutural tal funcionamento produz o que Piaget denomina: os estágios de desenvolvimento cognitivo. Os estágios expressam as etapas pelas quais se dá a construção do mundo pela criança. São eles: estágio da inteligência sensório-motora (até, aproximadamente, os 2 anos); estágio da inteligência simbólica ou pré-operatória (2 a 7-8 anos); estágio da inteligência operatória concreta (7-8 a 11-12 anos); e estágio da inteligência for-


mal (a partir, aproximadamente, dos 12 anos). Piaget ainda aponta três fatores gerais do desenvolvimento das funções cognitivas. O primeiro fator a considerar é a maturação nervosa. A maturação aparece como condição necessária para o desenvolvimento de certas condutas. O segundo fator é o do exercício e da experiência adquirida na ação sobre os objetos e acontecimentos, e o terceiro fator é o das interações e das transmissões sociais. Dessa forma, Piaget considera os fatores externos à criança no seu desenvolvimento, mas postula que, para assimilar é preciso ter desenvolvido estruturas de assimilação. Ou seja, os aprendizados só são possíveis e eficazes quando apoiados sobre estruturas já presentes, que são desenvolvidas ao longo desses 4 estágios. Especificamente em nossa prática, trabalhamos com crianças na idade da Inteligência Operatória Concreta (7-8 anos a 11-12 anos). Essa fase está relacionada à aquisição da habilidade de solucionar problemas concretos, ao declínio no egocentrismo e ao aparecimento da capacidade da criança de interiorizar as ações, ou seja, ela começa a realizar operações mentalmente e não mais apenas através de ações físicas. Segundo Piaget, no estágio de inteligência operatória concreta, a criança possui estrutura para estabelecer relações que permitam a compreensão de pontos de vista diferentes. A capacidade de reflexão aperfeiçoa-se, mas sempre baseada em situações concretas e lógicas: para ocorrer a compreensão, são necessárias comparações do que é aprendido com o que já é conhecido ou está sendo fisicamente visualizado, ainda não compreendendo hipóteses. Com essas novas estruturas as crianças passam a ser capazes de cooperar com o outro e aperfeiçoa-se a capacidade de trabalho em grupo. Partindo para o próximo teórico, Vygotsky diz que o desenvolvimento da aprendizagem está diretamente li-

gado aos estímulos que o ambiente oferece e como o organismo se adapta aos mesmos. Esse processo gera mudanças que acarretam em desenvolvimento e consequentemente em aprendizagens, passando por fases de maturação no decorrer da vida. Para ele, pensamento e linguagem tem uma ação direta no processo de aprendizado “puxando” ciclos de desenvolvimento e fases de maturação ao decorrer da vida. Nessa concepção, pensamento e linguagem surgem da interação social e de estímulos que o ambiente oferece, e, aos poucos, vão constituindo um novo modo da criança lidar com a realidade conforme se adapta a eles. Nesse sentido, o brinquedo tem uma função privilegiada, pois é por meio de atividades lúdicas que a criança constrói o mundo interior e modifica o mundo ao seu redor. De acordo com Vygotsky, por meio do brinquedo a criança consegue realizar o que na situação real seria limitado.

“A primeira manifestação da emancipação da criança em relação às restrições situacionais” (VYGOTSKY, 2007, P. 117) O brinquedo, nessa perspectiva, é visto como uma possibilidade de estimular o desenvolvimento de uma criança. A brincadeira faz com que a criança internalize conceitos do meio social e adapte suas funções psicológicas, ou seja, é pelo ato de brincar que a criança se desenvolve.

“No brinquedo a criança sempre se comporta além do comportamento habitual de sua idade, além de seu comportamento diário; no brinquedo é como se ela fosse maior do que é na realidade”. (VYGOTSKY, 2007, P. 117). 121


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“É através do brinquedo que a criança atinge uma definição funcional de conceitos ou de objetos, e as palavras passam a se tornar parte de algo concreto” (VYGOTSKY, 2007, P. 110). Nessa perspectiva, o desenvolvimento é visto como um processo evolutivo em que as funções psicológicas originam-se nas relações entre indivíduos humanos e se desenvolvem ao longo de internalizações de cultura e comportamento. A partir dessa ideia, nasce a concepção de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). De acordo com Vygotsky, a Zona de Desenvolvimento Proximal:

“é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes”. (VYGOTSKY, 2007, P. 97). Dessa forma, o processo de aprendizagem pode ser definido como o modo de adquirir novos conhecimentos, por um processo integrado, interno e externo, que provoca uma transformação na estrutura mental. Como um embate entre o interno e o externo, onde o interno reelabora constantemente as relações reais externas, as quais, por sua vez, impulsionam o psiquismo individual a retrabalhar em si próprio. Assim, a criança nasce com as funções psicológicas elementares e a partir do aprendizado da cultura elas se transformam em funções psicológicas superiores: as ações conscientes, a atenção voluntária, o pensamento abstrato e o comportamento intencional. A partir dessa leitura revisito as nossas atividades com um olhar crítico sobre aquilo que colocamos em práti122

ca com as crianças. Piaget me ajuda a entender as linguagens acessíveis a cada crianças de acordo com seu estágio de desenvolvimento e Vygotsky me provoca a desafiar esses limites. Justamento enquanto facilitadoras e/ou arquitetas-educadoras trabalhamos na Zona de desenvolvimento Proximal descrita por Vygotsky, potencializando o aprendizado através da conscientização de problemas e da condução para sua compreensão e quando ao nosso alcance, a sua resolução. Dessa forma desafiamos os limites internos das crianças, provocando-as a reelaborar as relações com o mundo externo. Para apoiar as citações que trago de Vygotsky sobre o brincar e o aprendizado da criança, Winnicott, outra grande referência no estudo sobre aprendizagem da criança, traz em seu livro O Brincar e a Realidade (1975), uma visão complementar na qual ele defende que para controlar a realidade material: “há de se fazer coisas, não simplesmente pensar e desejar, e fazer coisas toma tempo. Brincar é fazer (WINICOTT, 1975, P.63). Considero essa leitura de Winnicott complementar a que tive sobre Vygotsky, pois ele traz a reflexão que a brincadeira, para além de um mecanismo de crescimento da criança, é também um mecanismo de intervenção no mundo. É a manifestação de um impulso criativo, da vontade de criação, de construir uma existência e de comunicá-la ao mundo. No CoCriança falamos muito sobre a linguagem lúdica, a fim de trazer métodos de cocriação estimulantes para a criança, como por exemplo, quando transformamos o estudo do entorno, do processo projetual, em mapa afetivo. Quando olho para o compilado de aprendizagens, percebo os sucessos que obtivemos nesse sentido. Por exemplo, quando trazemos a linguagem representativa para auxiliar as crianças a entenderem interações sociais complexas. Se para criança é natural brincar de “mamãe”, podemos provocá-la a brincar de prefeito ou a entender disputas territoriais ao fingir que é um vizinho da praça, ou a se colocar no lugar de juiz para ponderar entre diferentes quereres.


“Nós adultos temos a impressão de que a criança, em suas brincadeiras, se propõe a imitar o mundo adulto, seus códigos e valores. Subestimamos a dimensão inspiradora da imitação como uma capacidade de compreender um determinado contexto e de apoderar-se dele para construir novas interpretações que de outra forma não surgiriam. A criança, ao se apropriar das referências adultas, o faz com originalidade; ao imitar, projeta-se adiante, descobre-se, entende e supera estas referências à sua maneira.” (NUNES, 1999 P. 62 APUD NASCIMENTO, 2009 P.38) Também descobrimos, na prática, a afinidade da criança com a linguagem tridimensional. Apesar do desenho ser uma linguagem natural da criança, é usual que ela use representações bidimensionais, como pudemos observar nos desenhos de oficina. Quando necessário representar seus quereres espaciais com habilidades de representação ainda bidimensionais, é possível que ocorra frustrações que a impossibilitem de expressar tudo o que gostariam. Com essa experiência percebo que pode ser melhor a escolha por uma linguagem menos exigente, mesmo que mais sofisticada, como a elaboração de maquetes, ao invés de uma linguagem simples como o desenho. Pois em uma maquete ninguém espera que seja feito uma obra de arte com massinhas, enquanto que é possível fazer um desenho bem acabado apenas com um lápis e um papel, o que pode vir a intimidar crianças e adultos. Podendo também fazer com que os participantes usem o tempo para acabamento do desenho em detrimento de expressar propostas para a cocriação. Somando a compreensão espacial que uma maquete possibilita, a facilidade de transformá-la em uma atividade leve e divertida, percebo-a como uma atividade chave para a cocriação e a compreensão da totalidade do projeto pelos participantes, especificamente as crianças.

Percebo também nossa falha com a atividade de desenho “o que vejo/ o que gostaria de ver” na Oficina 02 - Desenhando Sonhos. Como visto com Piaget, as crianças nessa idade devem trabalhar com situações concretas, já conhecidas ou exemplificadas. Quando pedimos para elas desenharem o que gostariam de ver, o esperado é que elas apenas reproduzam aquilo que já conhecem, como de fato foi visto nos desenhos: quadra, brinquedos padrão, casa na árvore, entre outros. Com isso, para auxiliá-las a expressarem seu potencial criativo, devemos muni-las de referências e experimentações antes das práticas de criação, a fim de impulsionarmos elas para além do senso comum enquanto auxiliamos na prática do pensamento abstrato, através de linguagens de representação. Através de práticas de cocriação acessíveis e estimulantes para as crianças e para cada criança dentro de suas especificidades, podemos criar um processo de projeto participativo mais efetivo e democrático dentro de nossa proposta de trabalho. Pois para a cocriação acontecer é necessário promover a compreensão do espaço de intervenção, e oferecer ferramentas de representação e criação que possibilitem uma comunicação horizontal entre os participantes envolvidos na cocriação do projeto, a fim de alcançarmos o processo participativo e o projeto cocriado que nos interessa:

“O projeto que aqui nos interessa não é nem aquele objetivamente concebido pelo arquiteto e nem o criado pela imaginação da criança, é o que está na fresta desses dois mundos. Ao ultrapassar a troca e dispor-se a criar junto, e descobrir outros modos de conceber e produzir o espaço é que o diálogo entre arquiteto e criança se intensifica, já que apenas da disponibilidade para o novo é que uma outra linguagem pode surgir, como uma criação coletiva. É este processo, que se origina do encontro e provoca a transformação e crescimento de todos que partici123


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pam dele indistintamente e que contribui para um aprender coletivo, que chamaremos como prática projetual e espacial com a criança. ” (NASCIMENTO, 2009, P. 58) O trecho extraído da dissertação de mestrado A criança e o arquiteto: quem aprende com quem? (2009) me leva ao último ponto de reflexão sobre as falhas apontadas. No trecho, ela destaca a junção entre o projeto concebido pelo arquiteto e o criado pela imaginação da criança. Em nossa prática, por muitas vezes tivemos medo em manipular a criação das crianças ao trazer nosso repertório enquanto arquitetas. Como por exemplo, na Oficina 03 - CoCriando o Espaço, optamos por apresentar nossas ideias somente após as crianças elaborarem suas maquetes. Essa decisão foi tomada porque temíamos engessar as crianças em suas contribuições. Hoje, classifico a decisão como uma falha, pois enxergo a importância de nos apropriarmos do nosso papel de arquitetas urbanistas na cocriação, para além de facilitadoras, e principalmente de exercer esse papel com o intuito de somar no diálogo proposto por Nascimento, que dá vida a uma nova linguagem projetual. Ezio Manzini traz essa discussão em seu artigo Design Culture and Dialogic Design, por meio da expressão “Participation-ism” a fim de refletir sobre como tem se dado a prática de codesign.

“Participação-ismo é uma espécie de afonia cultural que induz os especialistas em design a se absterem de se expressar. Neste caso, também, o ponto de partida é uma ideia extremamente importante: o reconhecimento de que todo processo de design é codesign, e que portanto, deve fornecer espaço para os pontos de vista e a participação ativa de muitos atores diferentes. No entanto, esta ideia original se desenvolveu em uma ideologia que também é limitada e limitadora. Em sua adoção em processos de 124

codesign, o papel do especialista em design é reduzido a uma atividade administrativa restrita, onde as ideias criativas e a cultura do design tendem a desaparecer. Especialistas em design dão um passo para trás e consideram seu papel simplesmente como o de “facilitadores de processo ”, pedindo a opinião e desejos de outros atores, escrevendo-os em pequenos pedaços de papel e colando-os na parede e depois sintetizando-os, seguindo um processo mais ou menos formalizado. Podemos chamar os resultados desta forma de pensar e fazer um “design de post-it”. ” (MANZINI, 2016, P. 58 tradução minha) Destaco com isso, a importância de não nos esquecermos da nossa formação quando guiarmos o processo com as crianças mas usá-la a favor da construção de projetos inovadores para a cidade e a criança. Entretanto, é importante que haja o comprometimento na compreensão de como somar de forma a não prejudicar uma construção horizontal, trazendo ideias e reflexões de forma acessível e construtiva. Com isso retomo a importância de compreendermos como se dá o desenvolvimento da criança e como estimulá-la a ter a curiosidade de entender a concepção do projeto e tudo o que o envolve, desde um lugar de cidadania ativa que propomos. Por isso destaco a importância de explorarmos nossos erros e acertos na criação de dinâmicas acessíveis e estimulantes para proporcionar a elas meios de participação plena, podendo compreender e serem compreendidas. Para assim somarmos enquanto arquitetas educadoras em uma “prática projetual e espacial com a criança.” (NASCIMENTO, 2009, P.58) Com isso, finalizo apresentando a primeira leitura que me fez refletir sobre os aspectos que discorro nesse texto, me provocando a pensar sobre a nossa importância enquanto educadoras arquitetas em ajudar as crianças a expandir suas ideias e expressá-las:


“Faz falta estarmos convencidos de que as crianças têm coisas para nos dizer e dar, e são diferentes das que sabemos e somos capazes de fazer e que, portanto, vale a pena deixá-los expressar o que pensam de verdade. Para fazer isso, tem de se ajudar as crianças a libertar-se dos estereótipos, das respostas óbvias e triviais [...]. Tem-se que estimular às crianças a atrever-se, a desejar, a inventar e, então, surgirão suas ideias, suas propostas, suas contribuições. Finalmente, tem que se compreender as crianças indo para além da aparente simplicidade de suas propostas. Então estas ideias nos permitirão não somente ter em conta as exigências das crianças, senão fazer que seja melhor a cidade de todos (TONUCCI, 2015, P. 59-60).”

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Desenvolvimento de relações favoráveis entre os participantes O que me inspira a escrever este texto é a experiência que tivemos na Vila Anglo, especificamente na oficina 04 – Aquário. Em nossa primeira experiência, no Jd. Elisa Maria, não tivemos nenhuma dificuldade relacionada à construção do grupo, uma vez que esse aspecto era amplamente trabalhado pelo educador das crianças, dentro das dinâmicas do CCA. Com isso, somado à nossa inexperiência enquanto facilitadoras, não nos atentamos para esse importante fator no processo de cocriação. Assim, quando a nova turma na Vila Anglo se apresentou, aprendemos na prática a importância de cuidarmos deste importante aspecto. Fica claro na análise das oficinas o quanto os desentendimentos da turma da Vila Anglo impossibilitaram a construção conjunta; e como a partir da oficina 04 houve uma grande mudança nesse aspecto. Hoje, com mais experiência prática e teórica sobre a facilitação, sabemos da importância do fortalecimento de um grupo para iniciar um processo que requer troca entre diferentes pessoas, com diferentes histórias e personalidades. Dessa forma, é necessário olhar atentamente para a qualidade das conversas e interações, pois a troca proposta pelo projeto participativo é, antes de tudo, uma troca de conhecimento, entre diferentes grupos e também entre aqueles que constituem o grupo em si. Assim como escrevo sobre a busca pela troca horizontal entre nós, do CoCriança, e as crianças; é de igual importância promover uma troca horizontal também entre as próprias crianças. Que dessa vez não diz respeito à idade e formação, mas sobre as diversas personalidades e suas diferentes formas de se colocar no mundo. Destaco a importância da conscientização delas sobre tudo aquilo que abraça o conceito de diálogo: ouvir atentamente, auto regular o tempo de fala, respeitar a opinião do outro, encadear as próprias ideias com as dos colegas, entre outros. Ao trabalhar esses conceitos com as crianças da Vila Anglo percebemos uma incrível evolução nas relações e na qualidade das trocas, isso por que as crianças na idade com que trabalhamos estão em 126

seu momento de entender as relações sociais e se mostram sensíveis perante esse assunto. Vejo isso como uma oportunidade chave para o nosso trabalho: trabalhar as relações interpessoais e intrapessoais das crianças, a fim de formar cidadãos atentos às relações saudáveis e, consequentemente, à práticas democráticas. Com essa experiência, proponho prestar atenção à construção do grupo anteriormente a qualquer prática de criação, a fim de enriquecer as trocas que geram a cocriação e a própria construção das relações, através de uma conscientização inicial que elimina do modo automático as interações, dando oportunidade para os participantes se auto avaliarem constantemente. Atento também para as falhas que tivemos no Jd. Elisa Maria, no momento em que acabamos causando uma competição entre as crianças pela escolha de dois representantes da turma. Mesmo que essa construção do senso de grupo já estivesse sendo trabalhada pelo educador, a competição gerada é um fator a se olhar com atenção. Pois uma prática de fortalecimento de grupo também abarca um entendimento de que todos possuem contribuições raras e únicas ao que está sendo cocriado, contribuindo para o reconhecimento das especificidades individuais, numa construção de admiração mútua, que leva ao respeito por aquilo que o outro tem a somar e, consequentemente, à diminuição de uma relação competitiva por um papel. Assim concluo, nas palavras de Madalena Freire em A construção do grupo (1998), a importância de se trabalhar as relações interpessoais e intrapessoais dos membros de um grupo em um trabalho que pretende promover uma construção coletiva. “Um grupo se constrói através da constância da presença de seus elementos, na constância da rotina e de suas atividades. Um grupo se constrói na organização sistematizada de encaminhamentos, intervenções por parte do


educador, para a sistematização do conteúdo em estudo. Um grupo se constrói do espaço heterogêneo das diferenças entre cada participante: da timidez de um, do afobamento do outro; da serenidade de um, da explosão do outro; da seriedade desconfiada de um, da ousadia do risco do outro; da mudez de um, da tagarelice do outro; do riso fechado de um, da gargalhada debochada do outro; dos olhos miúdos de um, dos olhos esbugalhados do outro; de lividez de um, do encarnado do rosto do outro. Um grupo se constrói enfrentando o medo que o diferente, o novo provoca, educando o risco de ousar. Um grupo se constrói não na água estagnada do abafamento das explosões, dos conflitos, no medo em causar rupturas. Um grupo se constrói, construindo o vínculo com a autoridade entre iguais. Um grupo se constrói na cumplicidade do riso, da raiva, do choro, do medo, do ódio, da felicidade e do prazer. (...) Um grupo se constrói com ação exigente, rigorosa do educador. Jamais com a cumplicidade autocomplacente, com o descompromisso do educando. Um grupo se constrói no trabalho árduo de reflexões de cada participante e do educador. No exercício disciplinado de instrumentos metodológicos, educa-se o prazer de se estar vivendo, conhecendo, sonhando, brigando, gostando, comendo, bebendo, imaginando, criando e aprendendo juntos, num grupo. ” (FREIRE, 1998, P.23)

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Empoderamento da Criança no Projeto Participativo Caixeta, Patrícia e Fabricio no artigo User involvement in building design – a state-of-the-art review (2019), definem e distinguem os termos codesign e projeto participativo. Os autores relacionam codesign à prática de concepção do espaço construído, e projeto participativo à um conceito mais amplo, relacionado à compreensão do todo que abarca o projeto, como um exercício da democracia. Em nossa metodologia praticamos as duas formas de participação. O codesign através do entendimento do espaço enquanto matéria física - em termos de brinquedo, mobiliário, iluminação, entre outros; e o projeto participativo através do entendimento do território enquanto espaço social, que influencia nas interações da sociedade, que é palco de disputas territoriais e que carece de investimentos públicos. Propomos não apenas integrar o olhar da criança como inspiração para projetos, mas empoderá-las enquanto cidadãs ativas e conscientes. Conscientes das causas e consequências do projeto e de todos os empecilhos que enfrentamos, assim como do porquê eles existem e de como podemos contorná-los. Com isso, buscamos construir e praticar a criticidade das crianças, que se faz presente na compreensão de um todo, que então cria possibilidades de indagações. As guiamos no entendimento do território, das pessoas que são inevitavelmente impactadas por ele, dos recursos despendidos para a intervenção na matéria, e dos esforços precisos para a construção e engajamento da rede necessária para uma intervenção territorial. Buscamos construir com elas bloco por bloco o que é a prática cidadã, a importância da cidade e de ser cidadão ativo na conquista de territórios democráticos de lazer e encontros.

“O educador democrático não pode negar-se o dever de, na sua prática docente, reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua insubmissão. (...) É exatamente nesse sentido que ensinar 128

não se esgota no “tratamento” do objeto ou do conteúdo, superficialmente feito, mas se alonga à produção das condições em que aprender criticamente é possível. ” (FREIRE, 2019, P.14) Utilizo no tema desse texto a palavra “empoderar” a fim de destacar o poder que a autonomia traz para o indivíduo. Com as práticas descritas, buscamos construir autonomia para as crianças se fazerem livres para ser e intervir; compreender e projetar. Por isso, trago como base Paulo Freire em Pedagogia da Autonomia:

“Um esforço sempre presente à prática (...) o de persuadir ou convencer a liberdade de que vá construindo consigo mesmo, em si mesma, com materiais que, embora vindos de fora de si, reelaborados por ela, a sua autonomia. É com ela, a autonomia, penosamente construindo-se, que a liberdade vai preenchendo o “espaço” antes habitado por sua dependência. Sua autonomia que se funda na sua responsabilidade, que vai sendo assumida” (FREIRE, 2019, P.91). Na prática, através das análises das oficinas e principalmente das entrevistas, pude constatar muitas aquisições nesse sentido. Apesar das falhas que fui apontando ao longo deste trabalho, ao final percebemos como o todo funcionou e cumpriu com todos os nossos objetivos maiores. Conseguimos que as crianças ocupassem a praça e se apoderassem do projeto cocriado, vide entrevista com a coordenadora. Conseguimos que elas compreendessem a rede de atores, no caso do Jd. Elisa Maria, e que soubessem discutir o espaço com pleno entendimento daquilo que estava sendo feito, vide oficina 06 – Conversando com a Comunidade na Vila Anglo. Como falha aponto a falta de atenção à construção da compreensão da rede de atores, ocorrida na Vila Anglo. Com isso, atento à importância de reconhecer o território também em seus moradores, compreendendo quem


mora no entorno da praça, a ocupa e tem interesses por esse lugar. Essa importância se dá por que para atingir os objetivos dessa construção coletiva se faz necessário compreender as circunstâncias locais, que dizem sobre a história e cultura de um bairro.

sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto. A assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. É a “outredade” do “não eu” ou do tu, que me faz assumir a radicalidade de meu eu.” (FREIRE, 2019, P.42)

“O projeto participativo está enraizado em uma preocupação com responsabilidades locais (Suchman 2002), onde cada projeto é contextualmente relevante, o que significa que cada aplicação é projetado/elaborado para se adequar às características e circunstâncias locais (SIMONSEN, SVABO ET AL., 2014).” (LUCK, 2018B, P.3 TRADUÇÃO MINHA). Assim, retomo Paulo Freire para destacar que o reconhecimento dessa rede de atores não se faz importante só em termos processuais do projeto participativo, como também na educação cidadã possibilitada por ele. Essa prática permite despertarmos a curiosidade das crianças por aqueles que dividem com ela seu território, participam dia-a-dia de sua construção física e cultural e, portanto, são potenciais aliados na prática cidadã, e precisam que sua presença e necessidades sejam consideradas e contempladas na concepção de espaços de convivência. Dessa forma a criança se descobre enquanto ser social, que afeta e é afetada por aqueles que a rodeiam, e então se empodera para ocupar seu lugar dentro dessa rede de interações:

“uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com outros e todos com o professor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico, como pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. Assumir-se como 129


Sensibilização e alinhamento com a rede de atores Ao longo desses textos conclusivos já falei sobre o nosso papel enquanto facilitadoras, projetistas e arquitetas educadoras. Neste último, abordarei um último papel: o de articuladoras. Com a prática entendemos que não basta envolver somente as crianças em um projeto participativo se elas ainda dependem de toda uma rede de apoio, que inclui seus familiares e educadores. Entendemos também que não adianta engajar apenas um grupo na revitalização de uma praça, uma vez que ela é ocupada por vários outros que nela intervêm. Com os entendimentos que obtivemos sobre a prática enquanto grupo, anteriormente à escrita deste trabalho, reorganizamos nossa metodologia incluindo duas etapas que dizem respeito ao tema: a etapa I Investigação e percepção dos espaços e a etapa II Sensibilização dos atores e formação continuada. Ambas etapas ainda não foram aplicadas nem tiveram suas oficinas desenvolvidas, porém, foram concebidas retomando aspectos que percebemos faltantes ao longo das etapas da metodologia já aplicadas (etapa III Cocriação do projeto; etapa IV Construção coletiva do espaço). A etapa de investigação reflete a descoberta da importância de pesquisarmos, anteriormente ao início do projeto participativo, quem é a rede de atores do território, quem são as crianças com quem iremos trabalhar e qual a história desse lugar e a sua cultura. Apesar de pretendermos descobrir muitas dessas questões com as crianças em nossas oficinas, percebemos que, ao buscar essas informações no início do processo, podemos aplicar a metodologia de forma mais efetiva, ao contextualizá-la e direcioná-la para as especificidades descobertas sobre cada território.

“Em termos de nossa metáfora anterior, do bando de pássaros, os facilitadores de design não estão apenas voando ao lado de outros participantes. Antes de se juntarem ao bando, eles antecipam cuida-

dosamente os padrões detalhados dos movimentos do bando durante o próximo evento. Eles também materializam sua intenção por meio de ferramentas de facilitação contextualmente projetadas. Mas durante o evento, as intenções anteriores implícitas em suas ferramentas de facilitação predefinidas, atendem às diferentes interpretações dos participantes em tempo real. Essa dinâmica permite o tipo de cocriação emergente que caracteriza a prática de facilitação de design de serviço sistêmico. A análise dos fluxos dimensionais antes ou depois dos eventos pode oferecer aos designers um portal para uma compreensão mais profunda da prática emergente de facilitação e, possivelmente, para a própria emergência.” (AGUIRRE, AGUDELO, ROOM, 2017, P.207 TRADUÇÃO E GRIFO MEU) Dessa forma, ao iniciar a prática com as crianças, saberemos quem são os interessados no projeto, a fim de os incluirmos na participação; e saberemos quais são seus interesses nele, a fim de os engajarmos na cocriação. Com esse entendimento, passamos para a próxima etapa proposta, que prevê a sensibilização desses atores e uma formação continuada. Apesar de reconhecermos a importância de incluirmos outros atores, ainda destacamos como objetivo principal em nossa proposta dar protagonismo às crianças. Dessa forma, essa etapa se faz crucial, pois ela pretende engajar a rede de atores não de forma a incluí-los na cocriação, que fazemos com as crianças através das oficinas, mas sim de sensibilizá-los na importância de darem suporte às crianças ao longo do projeto e posteriormente a ele. Assim, a sensibilização e formação continuada pretende cocriar com os atores seus lugares de participação no projeto que tem como protagonista as crianças, e formar com eles o entendimento de que pensarmos em cidades acolhedoras para crianças é também pensar em cidades mais acolhedoras para todos. (TONUCCI, 1996)

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Como isso, acreditamos que nosso trabalho se expandirá para além das crianças, atingindo famílias, escolas e a comunidade. O que se faz essencial, uma vez que não são as crianças os responsáveis pelas nossas cidades terem se desenvolvido de forma hostil para elas, e sim os adultos que as rodeiam. Dessa forma, empoderamos as crianças para reivindicar seu espaço na cidade, mas também sensibilizamos esses adultos a pensarem a cidade a partir da perspectiva da criança e a partir de uma perspectiva cidadã de construção da coletividade e convivência harmônica. Essa sensibilização tem ocorrido ao longo do nosso projeto, como podemos constatar a partir das entrevistas feitas. As vizinhas da praça da Vila Anglo, por exemplo, no início e durante uma parte do processo, mostraram resistência à nossa proposta: “Eu lamento uma coisa, a nossa comunicação não foi boa. Eu não tive habilidade, por que eu não entendia o CoCriança na revitalização da praça (....)”. Mas conforme o projeto foi evoluindo e essa sensibilização foi naturalmente ocorrendo, elas aprovaram o projeto e o apoiaram “Tivemos nossas dificuldades, mas isso foi entendido no processo(...)”, “O mais importante é a reflexão, o CoCriança nos leva a reflexão nos leva a pensar nos leva a construir e isso é cidadania”. Podemos também constatar esse processo de sensibilização nas entrevistas com os educadores, sendo que ambos afirmaram terem apresentado resistência no início, mas depois compreenderam a importância do processo e se engajaram nele. Retomando a fala da educadora da Vila Anglo: “Eu acho que assim no início, eu não estava aceitando muito a questão de ter voluntários, de ter que parar por exemplo o meu projeto, não parar, mas assim, deu uma distanciada no meu projeto para a gente ter entrado em outro né? Então de primeiro momento eu deveria ter aceitado mais, porque foi uma coisa positiva, as crianças gostavam muito, eu gostava muito, depois que fui conhecendo melhor. Então eu acho que eu deveria ter deixado entrar antes”. 140

A proposta dessa reflexão é destacar a importância de trabalharmos a sensibilização e o engajamento desses atores logo no início do projeto, para que ele se desenvolva em sua máxima potência, tendo apoio dos familiares, vizinhos, educadores, entre outros que somam à proposta. E, assim, trabalhar para minimizar conflitos de interesse, como afirmam as vizinhas da Vila Anglo: “O grande erro foi nós não termos compreendido o papel do CoCriança no contexto da revitalização da praça, por que isso teria evitado uma série de estresses (...)”. Dessa forma, também temos a oportunidade de aprender com esses atores como melhor conduzir o processo, já que são eles que possuem conhecimentos essenciais sobre o local e as crianças que trabalharemos. E então cocriar com eles não só/ou necessariamente o projeto do espaço em si, mas também o próprio processo participativo, através da interação, numa troca de sensibilização e formação, onde não apenas a nossa proposta é importante, mas também o que os diferentes agentes têm a contribuir com ela.

“(O projeto participativo) também prioriza a aprendizagem mútua onde ocorre o desenvolvimento epistêmico na construção do conhecimento, que não é apenas uma troca de informações. Isso envolve conhecer e respeitar uns aos outros em todas as diferenças de posição, perspectiva, conhecimento e habilidades. Aprender em projeto participativo é um processo iterativo, que ocorre por meio de uma intervenção e, em seguida, uma reflexão sobre o que é revelado durante essa interação. (Kensing e Greenbaum 2013). (LUCK, 2018B, P.5 TRADUÇÃO MINHA)


Conclusão Esse trabalho foi uma primeira análise crítica da nossa prática enquanto facilitadoras, arquitetas educadoras e articuladoras de um projeto participativo e de codesign. Foi também, a primeira vez que me permiti sistematizar tudo aquilo que percebia, ao longo da aplicação de nossas oficinas. A formulação desse trabalho me permitiu formar bases e obter segurança, para continuar explorando formas de transformar reflexões em críticas construtivas para o desenvolvimento da atuação do CoCriança. Considerando que esse é apenas o início de uma reformulação que pretendo dar início em nossa metodologia, a partir dos aprendizados que destaquei ao longo deste trabalho, e outros que ainda estão para serem descobertos. Durante o ano de 2020, passamos por uma consultoria com a Ventura - Monitoramento e Avaliação, que nos deu apoio na formulação de nossos indicativos e métodos de monitoramento e avaliação. Este processo, que foi muito enriquecedor, nos fez perceber a necessidade de uma “rigorosidade metódica” para amadurecermos enquanto um trabalho de impacto social, como sugere Paulo Freire (2019, P.40). Temos desde então estado atentas às informações que precisamos coletar a cada passo, a fim de podermos estar constantemente nos avaliando para compreendermos efetivamente o impacto que causamos. Ao passo que efetivarmos essa construção sistemática de coleta de dados, garantiremos um material rico para podermos nos avaliar ao longo do processo. O que possibilitará outras descobertas, considerando que a produção deste trabalho foi feita sobre registros que não foram organizados ou que possuíam baixa qualidade. Dessa forma caminhamos em direção de podermos contribuir também, com a coleta e processamento de dados, para o tema da participação da criança nos processos de decisão e transformação urbana.

Para além das oficinas descritas, ainda foi aplicada Etapa IV Construção coletiva do espaço, além de outros processos vividos, como o trabalho conjunto às arquitetas das subprefeituras, os acompanhamentos de obra e no caso da Brasilândia, a festa de divulgação de projeto, escolha do nome e aprovação do projeto de lei, que batizou a praça como Praça Livre para as Crianças. (Projeto de Lei nº 325/19 do Vereador Eliseu Gabriel, publicado em 26/06/2020) Apesar do recorte deste trabalho, todas essas etapas foram desenvolvidas dentro de uma proposta de projeto participativo, e são relevantes para a análise total da nossa atuação. Assim, reafirmo a continuidade do trabalho de reflexão crítica, não apenas para os próximos projetos, como também para o que já foi desenvolvido. Destaco também a importância do apoio à extensão universitária, assim como outros editais, que nos possibilitaram viver essa experiência de uma prática social da arquitetura – Programa Aprender com a Comunidade, Edital ODS-ONU, entre outros que são fomentados dentro da USP. O apoio financeiro e de orientação desses programas foram indispensáveis para a construção e o desenvolvimento desse trabalho, que enriqueceu de forma inquestionável minha formação e de outros tantos discentes. Concluo esse trabalho com a expectativa de continuar desenvolvendo nossa atuação, a fim de impactar muitos outros territórios. E em cada ação levar a importância do apoio da universidade, para o nascimento e desenvolvimento de muitos outros trabalhos, que possibilitem a prática social e política-pedagógica da arquitetura e urbanismo.

Vale ressaltar que essa monografia se debruçou em apenas uma parte do trabalho desenvolvido pelo grupo. 141


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Referências AGUIRRE, M. & AGUDELO, N. & ROMM, J. Design Facilitation as Emerging Practice: Analyzing How Designers Support Multi-stakeholder Co-creation. She Ji: The Journal of Design, Economics, and Innovation, 2018. 3. 198-209. 10.1016/j.sheji.2017.11.003.

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