Revista de Escalada Fator 2 - nº 07

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Expediente

Quando se tem facilidade de conseguir algo, um pouco do valor se perde. Talvez isso explique porque nós gostamos tanto do montanhismo. Cada cume, cada via concluída, cada travessia trilhada, nos traz a satisfação de ter conseguido uma vitória pessoal, depois de muita luta e esforço... Isso porque sempre há desafios e provações para se chegar ao paraíso. Quando nós montanhistas buscamos nossos objetivos, sabemos que poderemos enfrentar muita lama, subidas íngremes, muito sol ou muita chuva, mosquitos, medos, contratempos... Contudo são essas coisas que dão sabor as aventuras que vivemos. Mas o que se lucra com isso? Essas experiências nos ensinam a ter paciência, enfrentar os problemas de frente sem ficar nos escondendo, a sermos mais humildes e solidários, mais fortes, mais bem-humorados, mais humanos... O montanhismo é uma provação, e quem passa por ele sai enriquecido espiritualmente, e é essa riqueza de alma e coração que importa a nós somar. Pois essa é a única coisa que podemos ter e levar para sempre e em qualquer lugar. Queremos aproveitar e desejar a todos um Natal maravilhoso e um Ano Novo recheado de novas e boas aventuras sem perder o espirito do Montanhismo. Até o próximo milênio!!!

__Cintia Adriane

Direção, Redação e Diagramação

Flavio Daflon e Cintia Adriane. Assinatura e cartas Flavio Daflon - Rua Valparaíso, 81 / 401 Tijuca - Rio de Janeiro, RJ - Cep 20261.130 Tel.: (21) 567-7105 Veja o anúncio com todas as informações na última página. E-mail: fator2@pobox.com

www.webspace.com.br/cia-escalada/fator2

Fator 2 - Fator de Queda Fator 2 é um fator de queda extremo, na qual todos os componentes de uma escalada são submetidos a grande impacto. Este fator é calculado pela altura da queda, dividido pela distância de corda entre os escaladores.

Atenção Escalada é um esporte onde há risco de você se acidentar gravemente ou até mesmo morrer. Esta publicação não é um substituto para um Instrutor ou Guia de escalada em rocha. Caso você não conheça ou possua dúvidas em relação às técnicas de segurança para a prática do esporte, procure um instrutor ou guia especializado para lhe ensinar. Acidentes sérios e até fatais podem ocorrer, como resultado de uma má compreensão dos artigos aqui publicados ou da superestimação dos seus próprios limites. Capa: Júlio e Hillo na Eclipse Oculto na Pedra do Sino, Teresópolis

Nº7

Outubro / Novembro,


Avalanche Conrad Anker, que sobreviveu a avalanche que matou Alex Lowe e David Bridges contou, após tratar seus ferimentos, que mudou seu modo de ver a escalada. Pretende continuar buscando objetivos difícieis, mas com certeza não será nada parecido com um montanha de 8.000m propensa a avalanches. Sua próxima aventura, depois de se casar na primavera, vai ser surfar no México. A foto ao lado é do local onde ocorreu o acidente, mostrando a área atingida pela avalanche e em que posição encontravam-se os escaladores na hora da tragédia. Mountain Zone

Acidente com montanhistas? Dia 17 de outubro aconteceram, coincidentemente, dois acidentes em montanha. O primeiro foi no PNSO, em Teresópolis onde dois garotos após se perderem na Travessia Petrópolis - Teresópolis resolveram se separar para encontrar ajuda. Um deles, Eduardo da Silva Dias, de 21 anos, morreu depois de cair 30 metros, durante sua tentativa. O outro acidente também fatal aconteceu na Pedra da Gávea, quando o francês Jacques Henry, de 46 anos, residente no Rio, caiu 50 metros. Ele foi resgatado com vida, mas morreu no hospital, devido a traumatismo craniano. Montanhistas??? Ou eventuais aventureiros. É realmente lamentável que novamente o termo montanhista ilustre acidentes tão negativos, o que causa uma má impressão de nossa atividade.

trabalhos de contenção, demarcação, e sinalização de trilhas e bases de vias. Além disso foram plantadas mais de 140 mudas de árvores em pontos estratégicos, ao longo da trilha, e ao redor do morro. Nas áreas de desabamento foram plantados bambus para ajudar a conter a erosão. Em torno de 19 pessoas participaram trabalhando sob um sol tórrido, pois a região é muito árida e quente. Parabéns a todos que se empenharam para realizar este trabalho valioso e ao Maurício Tonto Clauzet que organizou e correu atrás dos detalhes. Quem quiser ver mais detalhes do projeto é só visitar o site do Cuscuzeiro: www.hangon.com.br/soscuscuzeiro.

Mutirão no Cuscuzeiro A Pedra do Cuscuzeiro, em Analândia, interior de São Paulo, foi palco de um mutirão ecológico. Nos dias 30 e 31 de outubro foram realizados

Pedra do Cuscuzeiro, Analândia, SP.


Poltergeist Em março de 1995, Helmut Becker (RJ) e André Berezosky (SP), abriram a via Poltergeist , na Serra do Cipó, em Minas Gerais. A intenção era buscar por uma via de 9c, mas no decorrer dos trabalhos para encadená-la depois de toda grampeada, descobriu-se tratar-se de um grau em torno de 10a. Helmut que em 1998 havia obtido sucesso ao encadenar a Coquetel de Energia (no Rio de Janeiro - RJ) resolveu que 1999 seria o ano bom para encadenar a Poltergeist. Muitos dos melhores escaladores já havia anunciado que a via era uma proposta de 10c, após muitas tentativas frustradas. Depois de alguns meses de treino e ralação, Helmut viajou

Helmut Becker na via Coquetel de Energia , no Campo Escola 2000, RJ.

para o Cipó e em 4 dias de investidas e reconhecimentos, finalmente encadenou a via na primeira tentativa do dia 12 de outubro. Como ele mesmo disse: Foi simplesmente inacreditável, me sentia bem, forte e disposto, e estava com a mente tranqüila, me aqueci bem e fui tentá-la sem ansiedade. . E mais: Quanto ao grau, devido a inacreditável facilidade, não consigo constatar com precisão se a via se trata de um novo 10c, embora tenha feito esta com 7 investidas totais, ao passo que para a Coquetel necessitei de cerca de 30 ao todo. É tudo uma questão de amadurecimento atlético... dentre outras coisas. A via está aí, para quem quiser tentar e questionar...

80 Anos de Conquistas CEB O Centro Excursionista Brasileiro completou 80 anos de idade. Fundado no dia 1º de novembro de 1919, o CEB foi a primeira associação do gênero no Brasil e na América do Sul. Não limitando suas atividades unicamente à prática do montanhismo, o Centro Excursionista Brasileiro sempre atuou de forma expressiva no que se refere às ações para preservação da natureza. Para o presidente do CEB Francesco Berardi o clube é a extensão de sua vida, uma história de amor à montanha. Ela tem a capacidade de melhorar a qualidade de vida das pessoas , explica Berardi, que aos 59 anos, pretende concluir o projeto de escalar os 25 maiores picos do Brasil. Faltam apenas três e serão escalados no final do ano. Zozimar Moraes.


Conquista da Inesperado

Subir em estribos, transpor tetos e negativos, pendurar-se em friends, nuts, pitons, cliffs e parafusos é o que oferece a via Inesperado , aos que curtem escalada artificial. Esta conquista que começou em 1996 e teve seu término em 12 de outubro deste ano, localiza-se na Pedra Cabeça de Cachorro (foto abaixo), em Petrópolis (RJ). Os conquistadores Ildinei de Oliveira, Rogério Lima Mattos

e Lourenço Lustosa, graduaram a via em A2+. São 3 enfiadas que totalizam 120 metros num festival de passadas em cliff, parafusos de ¼, fendas em móvel e pequenos trechos de escalada livre até IV. A descida é feita pela esquerda, rapelando a via O Curupira , ou por uma caminhada com alguns lances de desescalada de 2º grau, porque após a primeira parada não é mais possível fazer o rapel. O equipamento utilizado foi: cliffs para buraco de ¼, cordas de 50 metros, plaquetas ou cordeletes para progressão em parafuso de ¼, fitas longas, 2 jogos de Friends (+ 3 friends nº1), 2 pitons U médios e 1 jogo de nuts médios. A escalada é bastante aérea e impressionante... Ildinei de Oliveira.

K2

O tempo ruim no Karakoram neste verão, com ventos fortes e muita neve, impossibilitou as equipes de atingirem o cume do K2. A melhor tentativa veio do italiano Hans Kammerlander, que chegou a 8.300m antes de ser forçado a desistir com neve pela cintura, da mesma maneira que no último ano. A montanha não foi escalada nas duas últimas temporadas. Esse mal tempo também foi o motivo da desistência do brasileiro Waldemar Niclevicz, que tentava também o cume do K2.


A

Yuji Hirayama escalando a Salathé Wall , no El Capitan, Yosemite, EUA.

vista em 8c

Yuji Hirayama passou à vista em Mortal Combate (8c françês - XIa brasileiro) em Nice na França. A via consiste de 45 metros de resistência. Yuji é a primeira pessoa a passar à vista em uma via graduada em 8c. Antes o grau mais difícil que ele tinha realizado nesse estilo eram dois 8b (Xb nosso). Somente cinco escaladores no mundo passaram de primeira em 8b+: Klen Loskot, Elie Cheveux, Garth Müller, Chris Sharma e Katie Brown. Revista Rock n Ice

Primeira mulher em um 8b+ flash A americana Katie Brown, com 1,52 de altura e 39 kg, demonstra ao mundo que a escalada não é só uma questão de envergadura. Ela é sem dúvida uma das melhores escaladoras do mundo. Começou a escalar aos 12 anos, e aos 16 anos já havia encadenado 8b (Xb brasileiro) trabalhado e 7c+ (IXb nosso) à vista. Em 11 de abril se converteu na primeira mulher do mundo (e até agora a única) a escalar a vista um 8b francês, Omaha Beach . Em sua última visita a Espanha encadenou al flash (sem ter visto ninguém fazer ou tentar, mas com explicação dos lances) nada mais, nada menos que Hidrofobia , um 8b+ (Xc nosso), tornandose a primeira mulher a conseguir tal façanha. Katie assegura que sem as informações cruciais que recebeu sobre a via, não seria capaz de encadenar na primeira tentativa. De qualquer maneira tais informações não lhe tiram o mérito. Que outras surpresas nos reserva essa americana de 18 Katie Brown em ação. anos???? Revista Desnivel


Montanha Virgem?!!

Silvia Vidal, Pep Masip e Miguel Puigdomenech (espanhóis) podem se considerar privilegiados, pois ao final do século tiveram o prazer de conquistar uma via em uma montanha cujo o cume não havia sido pisado por ninguém. O nome da montanha é Amin Brakk (foto ao lado), tem 5.850m de altitude e está localizada na cadeia de montanhas do Karakoram no Paquistão, mesma cadeia do K2 e da Trango Tower. O resultado dessa empreitada chamase Sol Solet (A5/6c+/60º) com 1.650m, aberta entre os dias 8 de julho a 8 de agosto, dos quais 19 deles nevou e apenas 4 tiveram tempo estável. Foram 21 enfiadas, quase todas de 70 metros, a maioria em artificial, exceto por alguns trechos em livre, alguns em misto (rocha e gelo) e outros em neve. Revista Desnivel

Medidas no Everest Em 1974 uma expedição chinesa havia feito a medição oficial do Monte Everest, encontrando-se o cume há 8.848,12 metros de altitude. Em 1992 uma outra expedição franco-italiana chefiada por Ardito Desio, prestigiado alpinista italiano, fez nova medição empregando novas tecnologias e encontrou a altura de 8.846,10 metros exatamente 2,02 metros a menos que a oficial. Porém este estudo não foi aceito pela comunidade científica internacional. Agora a altura do Everest foi novamente revisada e anunciada no 87º Congresso do Clube Alpino dos Estados Unidos, em Washington. A referida montanha teria 8.850 metros de altitude, segundo medidas tomadas em 5 de maio por uma equipe de alpinistas formada por: Pete Athans, Bill Crouse e cinco sherpas, que a partir do cume conectaram receptores GPS durante 50 minutos. E agora? Qual será a medida oficial?

Talvez só o tempo poderá responder. Revista Desnivel

Interclubes Para quem não quer perder as reuniões da Interclubes, onde são discutidos assuntos de interesse de toda comunidade montanhística, a Fator2 volta a publicar as data e locais das reuniões para o próximo ano. O horário é sempre as 19:30hs.

Datas para 2000

25/01 - E. E. Limite Vertical 29/02 - C. E. Rio de janeiro 28/03 - Xtreem 25/04 - C. E. Brasileiro 30/05 - C. E. Carioca 27/06 - C. E. Ligth


Escalando nos EUA O escalador carioca Alexandre Portella acompanhado de seu amigo suiço Andy Maag, em recente passagem pelos Estados Unidos estiveram em alguns locais clássicos de escalada. Em North Cascades, perto da fronteira com o Canadá fizeram três cumes. Encontraram vias menos equipadas e o estilo mais próximo ao alpino. Entre as melhores vias que fizeram está a Thin Red Line uma big wall de dois dias em A4. Visitaram ainda Smith Rock, onde fizeram a clássica Astro Monkey (VIIc, fenda) de sete enfiadas. Passaram por Red Rocks e Zyon Canyon, onde escalaram a Moon Light Butress , esta feita duas vezes, uma em artificial C2 (A2 limpo, sem pitons) e outra em livre IXb. Em Yosemite chegaram na base do El Capitan (foto acima) e sem croqui ou informções escolheram a linha mais longa e que não perdesse a verticalidade. Acabaram passando 7 noites na parede. Mais tarde vieram a saber que haviam passado por diversas vias, como a Mescalito , Adrift e Wall of Early Morning . Fizeram algumas enfiadas de A4 e muitas de A3 e A3+. Entraram também na Astroman (VIIb, fenda) e ainda escalaram (revesando pois, o Alexandre teve problemas musculares) toda a The Nose em livre, com exceção de 20 metros em artificial. Na próxima edição publicaremos matéria do Portella contando mais detalhes da viagem e suas impressões.

Croquis Por falta de espaço não foi possível publicar o croqui da via Inesperado e o da via Lacas Loucas (Fator2 nº 6). Porém você pode solicitar ambos pelo telefone (21 567-7105) ou salvá-los do site da Fator2 ( w w w. w e b s p a c e . c o m . b r / c i a escalada/fator2).


? o il t s e u e s o é Qual Escalada Artificial Este é o estilo que nos permite escalar aonde a escalada em livre é impossível. Paredes lisas como o azulejo pendendo a 90 , ou paredes negativas com micro-fissuras da espessura de um palito são bons exemplos de situações reais de artificial. Escalar em artificial significa que você vai utilizar grampos ou peças móveis (friends, nuts,..) como apoio para ganhar altura e não apenas para te protejer em caso de queda. Este estilo exige técnica apurada, muito equipo e raça, claro! O artificial mais simples é o artificial fixo, que seria por exemplo, uma seqüência de grampos de metro em metro. A técnica consiste em subir grampo após grampo com um par de estribos (escadinha feita com fitas e que possui de quatro a seis degraus). Prende-se um dos estribos no primeiro grampo, apoia-se, sobe degrau por degrau até atingir o próximo grampo. Prende-se o segundo estribo neste grampo, retira-se o estribo anterior e repete todo o processo. Assim pode-se subir qualquer tipo de parede. Nos primórdios era muito comum o uso de pitons e até cunhas de madeira, que eram entaladas nas fendas. Desta maneira ganhava-se um tempo considerável na conquista de vias, já que não era necessário furar a pedra para colocar um grampo. Com os anos, inúmeras técnicas foram desenvolvidas para ganhar mais tempo e causar menos impacto na rocha, já que os pitons muitas vezes quebram a beirada da rocha. Foi

Parte VI assim que surgiram os famosos móveis: stopers, hexentrics, friends, tricams, entre outros. Estas peças permitem hoje em dia uma escalada mais limpa. É claro que é necessário que hajam fissuras na parede, e normalmente há. A dificuldade consiste em colocar as peças móveis, pois não é fácil, exige-se muito cuidado. Muitas vezes algumas peças aguentam somente o peso do corpo. É uma escalada muito lenta. O guia sobe metro após metro colocando, testando e apoiandose em cada peça. O objetivo é escalar cada enfiada da maneira mais limpa possível, sem deixar vestígios. O perigo está na queda do guia, pois é possível que ocorra o efeito fecho eclair , em que algumas peças são arrancadas até que o voô seja interrompido em uma proteção a prova de bomba . Nesse tipo de escalada o segundo da cordada segue jumareando (subindo pela corda, com o auxílio de um par de ascensores) e retirando os móveis. E quando a parede não


possui fendas, lança-se mão do artificial de cliff. Esta peça em forma de gancho pode ser usada sobre agarras naturais ou em pequenos furos abertos pelo escalador. Funciona como qualquer outro artificial: apoiase o cliff com o estribo numa agarra ou buraco, sobe, alcança outra agarra (ou buraco), coloca-se outro cliff e outro estribo, retira-se o debaixo e assim por diante. A escalada artificial é tão diferente da livre que até a graduação difere: começa em A0 e termina em A5 (A0, A1, A1+, A2, A2+, A3, A3+, A4, A4+, A5), e leva em consideração basicamente o efeito fecho eclair e o local da queda. Quanto mais precárias as proteções e pior a

aterrissagem, maior o grau. A escalada artificial exige muito preparo físico e psicológico, concentração, técnica e manuseio de equipamentos. A força de vontade é imprescindível, pois é um estilo de muita ralação , onde enfrenta-se as vezes dias em uma parede, a mercê do clima e das dificuldades de uma vida pendurado. A parede escalada em artificial mais famosa do mundo é o El Capitan na Califórnia. São dezenas de vias de A2 a A5 e com até 1000 metros de extensão. São as famosas Big Walls : paredes escaladas ,predominantemente, em artificial e que pelo trabalho exigem pelo menos alguns dias na montanha. No Brasil há poucos A4 e alguns big walls, p.ex. na face sul do Corcovado no Rio, no Garrafão e na Pedra do Sino em Teresópolis, entre outras. O número de vias de A3 tem aumentado bastante nos últimos anos com mais escaladores aderindo a este estilo.


Texto e fotos de Gustavo Sampaio.

A penas duas semanas após o quase trágico acidente, no qual testemunhei meu amigo Eduardo Barão cair de uma altura de mais de100 metros durante uma escalada no Garrafão , eu já voltava à região para escalar a Pedra do Sino por sua face mais negativa: a face oeste. C om a devida permissão do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, iniciamos a nossa aventura no dia 1º de agosto de 1999. Chegamos ao Parque por volta das 10 horas, nos organizamos no estacionamento e começamos a carregar as doze mochilas rumo ao abrigo 3 (que não é abrigo). Recebemos a solidariedade do Márcio Rodriguez que muito nos ajudou com o transporte dos equipamentos no primeiro dia. Seguimos os cinco - Gustavo Sampaio (eu), Júlio Campannella , Luís Cláudio Pita, Hillo Santana e o cinegrafista Guilherme Rodrigues - até a base da encosta numa empreitada que levou três dias. Não tínhamos outra maneira se não fazer viagens sucessivas em um mini mutirão, que durava o dia todo e parte da noite também. Quando nos deparamos com a parede enorme em nossa frente, entreolhamo-nos em busca de algum sinal de confirmação. Ninguém parecia abalado. Muito pelo contrário, não víamos a hora de dar início a escalada. Ainda no dia três do mês - e da expedição - Júlio Campanella e Luís Cláudio Pita saíram na frente conquistando os primeiros 40 metros da escalada. Acampamos no local mais plano que encontramos próximo à base da escalada. Penduramos um porta-ledge em uma árvore e prendemos lonas de plástico para nos proteger da chuva e das goteiras. Eu, como o cheff da expedição, preparei arroz carreteiro e

lentilhas com salaminho. N o dia seguinte, enquanto Júlio e Pita avançavam na conquista, eu cuidava de transportar tudo o que pudesse para o ponto mais alto possível. Ainda deu tempo para eu começar a terceira enfiada antes que o sol se pusesse. À noite choveu. Eu dava continuidade ao trecho iniciado na tarde anterior, e quando eu menos esperava, a rocha cedeu ao meu peso. Despenquei surpreso e só tive tempo de gritar alertando Hillo, que me dava segurança, e que então conseguiu recolher umas braçadas de corda diminuindo a queda. Maldito cliff! A joelheira de nada adiantou. Tirei um bife de cada joelho ao ralar na pedra até que os 2 friends duvidosos que eu havia colocado me parassem uns 10 metros abaixo. Durante a queda também machuquei o meu punho não sei bem como. Devo ter batido em algo durante o vôo. O fato é que a conquista estava encerrada para mim. Ou pelo menos nos próximos dias até que eu me recuperasse. Imediatamente troquei de posição com o Hillo, que agora levava a ponta da corda, enquanto eu, mesmo com dor, dava-lhe segurança. Não tardou e o Pita chegou trazendo mais suprimentos trocando de lugar comigo e me liberando para o conforto do acampamentobase. Ao final do dia Hillo e Pita desceram e à noite cogito voltar para fazer uma renovação, já programada, nos suprimentos e nas baterias. I niciaríamos no dia seguinte, o meu retorno relâmpago juntamente com o Guilherme que reclamava de dores fortes no joelho decorrentes da caminhada de aproximação. Dito e feito: no outro dia, após


Ă€ esquerda Hillo limpando uma das enfiadas; abaixo a vista da Baia de Guanabara; mais abaixo os porta-ledges com o GarrafĂŁo ao fundo.


levar uns 50 litros d àgua para o platô, partimos rumo ao Rio de Janeiro eu, o Guilherme e o Bruno Gandelman, um amigo que apareceu para uma visita e para ajudar. Bruno tinha uma barraca no abrigo 4 e foi lá que dormimos. No caminho subimos no cume do Sino para ver o pôr do sol mais visual, enquanto Júlio e Pita se revezavam na conquista do terceiro esticão que consumiu uns três dias. N o outro dia pela manhã, partimos do abrigo 4 em direção ao Rio. Dezenove horas na civilização e eu já estava de volta à Serra dos Órgãos, desta vez na companhia de três amigos que se dispuseram a ir ajudar, Flávio Carneiro, Miguel e o América dividiram comigo a carga de suprimentos que havíamos deixado para esta ocasião. Subimos rapidamente (umas 3 horas) até o abrigo 4 onde o Hillo nos aguardava para ajudar no transporte até a base não muito longe dali. Nos despedimos do Flávio e do Miguel e fomos de encontro ao resto do grupo, Pita e Júlio que ficaram morgados na base aproveitaram o dia meio chuvoso para descansar. A essa altura o meu punho já estava um pouco melhor e com a energia renovada no dia seguinte fui direto conquistar o final do quarto segmento da escalada, empregando justamente a mesma técnica que na última vez me pusera 10 metros abaixo quando a rocha cedeu. Fiz os buracos de cliff com um diâmetro maior só para garantir. A parede tornou-se levemente negativa e seria assim até o cume. Estávamos frente a frente com o maior negativo que já escalamos. Algo parecido com o head-wall (negativo) do El Capitan (Yosemite), sem exagero. Enquanto conquistava o trecho liso e que emendava duas fendas alucinantes eu observava de cima a movimentação dos outros que faziam o transporte de tudo até o platô do escorpião comum à duas outras vias: a Francobrasileira (A2+) e a via Terra de Gigantes (A4) ambas conquistadas em 89 e que marcaram uma nova era do esporte no país. Desci à tardinha e , como de praxe , preparei o jantar

para o batalhão. O visual agora era diferente. Nos sentíamos como em uma mesa suspensa com a visão privilegiada das luzes do Rio. Uma imensa mancha negra salpicada de pequenos pontos luminosos era sem dúvida a Baía de Guanabara, margeada por luzes incandescentes onde vivem milhões de pessoas, inclusive nós. Na manhã do dia seguinte, Pita sentiu-se muito mal e teve que ir embora subitamente. Nesse dia, Hillo conquistou a fenda cordialmente deixada por mim no dia anterior. A noite no platô lamentamos o retorno do Pita, mas concluímos também que ele seria uma boca a menos para beber e comer e de certa forma isso nos tranquilizou. Tranquilos estávamos também com relação ao dia do fim do mundo que viria a ser o dia seguinte . Hillo terminou de conquistar o seu esticão e o mundo não havia acabado ainda. O Júlio conquistou mais uma enfiada curta porém difícil (A3) chegando na base de várias fendas que eu agradeceria no dia seguinte, na minha opinião o dia mais gratificante de toda a escalada. Conquistei a única enfiada do head-wall sem perfurar nada , 45 metros de fendas boas e muita criatividade. Cheguei em uma bancada natural protegida por um negativo e que seria a base do nosso acampamento avançado nos próximos 7 dias. Ainda descemos para o Escorpião por uma via de descida feita pelo Júlio e que objetivava tanto a descida quanto a subida. Uma linha reta composta de três cordas fixas totalmente aéreas até o platô do Escorpião. De noite após jantar macarrão com carne-de-soja decidimos subir até a estância alcançada e montar o acampamento vertical arrojado. Acordamos cedo e passamos boa parte do dia puxando nossas tralhas parede acima em jumareadas no vazio. O Hillo ainda conquistou uma fenda perfeita colocando a corda 35 metros acima do acampamento avançado, antes que a tempestade se instaurasse. Nos dias seguintes ficamos hibernando em nossos porta-ledges, ouvindo rádio sem parar e conquistando conforme a disposição. Subia


À esquerda Hillo e Gustavo Sampaio na proteção do porta-ledge;

abaixo

a

tradicional foto de cume; Mais abaixo o acampamento vertical.


quem estivesse mais disposto. Eu ainda subi para terminar a enfiada começada pelo Hillo no dia anterior e parei em um platôzinho logo mais acima. O frio era intenso e eu não via a hora de descer para o conforto da barraca. As fendas se escassearam e apesar de estar a apenas 80 metros do cume tínhamos muito trabalho pela frente. No outro dia o Júlio subiu mas não durou muito. As goteiras que escorriam do negativo o deixaram encharcado e com os dedos da mão duros de tanto frio. O nosso acampamento era mesmo o local mais seco naquele ecossistema, observamos as goteiras caindo como uma cortina d água a pouco menos de 10 metros de nosso vilarejo vertical. Resolvi então utilizar a poderosa arma que guardávamos para tal momento. A furadeira veio a calhar e a menos de duas gélidas horas, durante as quais progredi em furos, parafusos e peças móveis, foram o suficiente para endurecer meus dedos. Naquele momento o conforto do acampamento falou mais alto. Desci, coloquei todas as minhas roupas e me confinei no saco-de-dormir só com o nariz para fora, quando isso. Foi então que o locutor da rádio declarou o dia como sendo o mais frio dos últimos três anos. As barracas amanheceram com gotículas congeladas, mas logo o tempo deu uma estabilizada e o Júlio subiu com o Hillo e atingiu o último platô da escalada a 35 metros do cume. Eu fiquei para organizar o acampamento , fazer um chekc-up nas provisões e subir uns equipamentos. Constatei que a água estava para acabar, pois havia apenas 2 litros e meio. Nos arrependemos de não termos captado a água das goteiras durante o mau tempo. Tarde demais! Neste dia ainda roubei 1 litro de água das bromélias locais porém quando descia de volta ao acampamento, a garrafa com o líquido precioso se desprendeu da coroinha e mergulhou no vazio quicando umas duas vezes na base da parede. Paciência! Assisti calmamente a sua trajetória. Sabíamos que o cume estava perto e nos precipitamos em

declarar o próximo dia como o último na parede. E scalamos até as 21h e 30m quando desisti a 5 metros do cume. Dava para ver a virada súbita do cume; faltava pouco mesmo. Descemos um pouco frustrados de volta ao acampamento e nem comemos comida quente para economizar água. Não falamos muito. Todos estavam exaustos e o dia seguinte tinha cheiro de cume. Deixamos de cozinhar e deglutimos calados nossa última comida fria que consistia em duas latas de atum, algumas frutas secas e doce-de-leite. Tudo acompanhado de míseros goles d água, que com certeza não supriram a nossa necessidade real de reposição. Encontrávamo-nos em situação crítica e o tempo se mantinha instável como nos últimos 6 dias anteriores e a sede começou a aumentar. Guardamos apenas meio litro d água para o dia do ataque final. Neste dia acordamos cedo e logo o Júlio e o Hillo subiram para a décima e última enfiada com um único objetivo: chegar no cume. Enquanto isso, eu fiquei encarregado em desmontar todo o acampamento vertical resumindo-o em dois haul-bags cheios e mais uma mochila cargueira. Ao final de 4 horas compactando e organizando as tralhas me despedi do platô e me lancei no pêndulo negativo rumo ao platô onde o Júlio se encontrava. Chegando lá , por volta das quatro da tarde, constatei que o Hillo ainda não havia atingido o cume, porém encontrava-se próximo. Algum tempo depois ficamos calmos em saber que a corda estava fixa e o cume era nosso. O Júlio subiu limpando enquanto eu fiquei preparando e liberando a carga para ser içada. Chegamos no cume as 18h e só deu tempo de separar o equipamento de bivaque antes de partirmos sedentos rumo ao conforto hidratante do abrigo 4. Cozinhamos e comemos bastante. Ainda tentei ligar para a família e amigos para anunciar o término da escalada e descolar um resgate, porém o telefone não funcionou. Estávamos felizes e tranqüilos mas ainda havia muito trabalho pela frente. Grande parte do equipamento foi


deixado por nós no final da via. A cordamos na hora que nos sentimos dispostos e após um café da manhã reforçado voltamos ao final da escalada para remover nossas mochilas e tirar uma foto de cume. O dia estava magnífico e era possível ver com nitidez o contorno montanhoso da cidade maravilhosa. Apesar de bem dispostos julgamos desnecessário tentar levar os quase 200 quilos sozinhos, o que levaria uns dois ou três dias. Nem comida tínhamos mais . Preferimos esconder no mato a maior parte dos equipamentos e voltar com amigos e com a alma renovada alguns dias depois. Foi então que de forma mística, e justamente no momento em que escondíamos o equipamento, avistamos nossos amigos que já sabiam do nosso êxito. Juca, Pita, Bruninho e até mesmo o Barão (que teve seu baço extraído havia apenas 1 mês), foram ao nosso encontro para amenizar nosso retorno ajudando com o transporte dos equipamentos. Assim sendo voltaríamos no dia seguinte permanecendo no abrigo 4 mais uma noite. Aproveitamos o final da tarde para irmos até um mirante natural de onde se avistava a parede que acabávamos de escalar. Ao lado

no cenário, estava também a montanha do Garrafão que marcou minha vida e quase tirou a do Barão. Este ao avistar a montanha e o local do acidente pela primeira vez caiu em lágrimas inevitáveis. Que bom que ele podia estar conosco naquele momento! - pensei. O abrigo 4 estava cheio . Era feriado prolongado e o clima era de confraternização e missão cumprida. No dia seguinte, o vigésimo segundo da aventura, compactamos tudo em todas as mochilas e após 4 horas de trilha pesada, virávamos as chaves dos carros no estacionamento do parque rumo à minha casa de Friburgo para um churrasco comemorativo. Batizamos a via com o nome de Eclipse Oculto porque estávamos lá durante o tal eclipse apocalíptico de 1999 e também em homenagem à música de mesmo nome do grande compositor brasileiro Caetano Veloso cuja poesia sempre nos acompanhou durante as escaladas. A empreitada contou com o patrocínio da Montcamp e do Restaurante Dito e Feito. Para saber mais sobre escalada artificial leia no artigo Qual é o seu Estilo? .

Sabedoria é a qualidade que nos impede de nos metermos em situações em que iríamos precisar dela. Doug Larson


Resultados

Carioca Amador de Dificuldade

Ranking Carioca ficou a seguinte: Boulder Oficial Após as etapas que rolaram no Masculino CEB, em Niterói, no Escalada Café e em Petrópolis a colocação dos 5 primeiros no Ranking Amador de Dificuldade de 1999 do Rio de Janeiro foram:

Masculino

1. Alexandre Flores - 225 pts. 2. Helmut Becker - 200 pts. 3. Fábio Muniz - 200 pts. 4. Alexandre Aguiar -198 pts. 5. Gustavo Agostine -141 pts. 6. Alexandre Galvão-120 pts. 7. Diego Gonçalves- 110 pts. 8. Tadeu Scaf - 105 pts. 9. Alexandre Aragão - 80 pts. 10. Daniel A. Gaspar- 77 pts.

Feminino

1. Camilla Santos - 245 pts. 2. Mônica Pranzl - 200 pts. 3. Ana L. Makino - 145 pts. 4. Grigri - 80 pts. 5. Gabriela Saliba - 65 pts. 6. Solange Dias - 55 pts. Thais Makino - 55 pts. 8. Bianca Castro - 51 pts.

1. Tadeu Scaf 262 pts. 2. Diego Mager 211 pts. 3. Daniel Guimarães 202 pts. 4. Gustavo Agostine -173 pts. 5. Marlus Werneck - 151pts. 6. Leo Franco 149 pts. 7. Daniel A. Gaspar 106 pts. 8. Pedro Bugim 100 pts. André Martins 100 pts. Daniel Rabeliais - 100 pts.

Feminino

1. Camilla Santos - 360 pts. 2. Ingrid Nascimento 190 pts. 3. Marcella Santos - 116 pts. 4. Solange Dias 100 pts. Ana Luisa Makino 100 pts. 6. Thais Makino 80 pts. 7. Grigri 65 pts. Ana Alvarenga 65 pts. Bianca Castro 65 pts. 10. Gabriela Saliba - 51 pts.

Feminino

1. Sara Aylwin (Chile) 2. Paloma Cardoso (Brasil) 3. Andrea Velasco (México) 4. Julia Compean (México) 5. Rosita Belinki (Brasil)

1º Campeonato Indoor de Caxias do Sul - RS Aconteceu 30 de outubro na Academia Estica Vida. Foram 3 categorias: Masculino Iniciantes e Master e uma Feminino. Aqui publicamos apenas o master masculino e o Feminino.

Masculino

1. Thiago Balen (Caxias-RS) 2. Naoki Arima (Ivoti-RS) 3. Marcos J. de Lima (PR)

Feminino

1. Paula R. Amaral (P. Alegre) 2. Lucia Kinak (P. Alegre) 3. Ana P. Setter (Sap. do Sul)

Ranking de Campinas

Nos dias 20 e 21aconteceu esta Campeonato Continental etapa no Muro da UNICAMP. De 11 a 14 de novembro esta Publicamos apenas os 3 competição reuniu no Equador primeiros colocados do Ranking atletas de vários países. Abaixo Regional na categoria master. Ranking Carioca o resultado do master: Masculino

Amador Oficial

Após as etapas que rolaram no CEB, em Niterói, no Escalada Café e em Petrópolis a colocação dos 5 primeiros no Ranking

Masculino

1. Juan J. Fernández (Chile) 2. Bonfilio Saravia (México) 3. André Berezoski(Brasil) 4. Flavio Canteli (Brasil) 5. Pablo Puruncajas (Equador)

Próximas competições

1. Carlos Henrique - 100 pts. 2. Albert Foldes - 80 pts. 3. Fernando DallAg - 65 pts.

Feminino

1. Vanessa Lopes - 100 pts. 2. Shannon Chistina - 80 pts. 3. Lúcia Minami - 65 pts.

. Campeonato de Escalada Esportiva Casa de Pedra e Pé na Trilha - dias 18 e 19 de dezembro em São Paulo. Inscrições e maiores informações: www.casadepedra.com.br . Campeonato Amador de Boulder no CEB - dias 24 e 25 de fevereiro (à confirmar). Inscrições com a AAERJ ou no CEB.


na

L

Segurança: Considerações finais.

embra que falamos do mosquetão direcionador, aquele que nos permite dar uma segurança mais cômoda e confiável (exemplo na fig. 1). Pois é, há um caso em que não devemos utilizá-lo. Sim, não devemos clipar mosquetão algum quando estamos dando segurança ao guia e com um Gri-Gri preso a cadeirinha. Imagine a mesma figura 1, só que ao invés do oito o Gri-Gri. Se o guia cai depois de costurar algum grampo, ele puxa o participante (que está dando a segurança) para cima de encontro ao mosquetão direcionador e aí está o perigo. Pode acontecer de o mosquetão direcionador se chocar com a alavanca do Gri- Gri destravando-o. Daí o motivo de não usar o direcionador. Mas ao mesmo tempo você vai dizer que, sem o direcionador, se o guia cai antes de fazer a primeira costura, todo o impacto da queda será sobre a sua cadeirinha e conseqüentemente sobre a sua solteira. Não é preciso nem dizer que aí está um outro perigo. Neste

caso você deve fazer um backup da solteira com a própria ponta de corda na qual está encordado, basta para isso um mosquetão de rosca e a volta do fiel (fig. 2).

U

m outro ponto a ser abordado tem tudo a ver com o parágrafo de cima: o GriGri. Tal aparelho não é recomendado para escalada tradicional. O Gri-Gri é um freio estático (a corda praticamente não desliza numa queda) e por isso transmite um força muito grande as proteções. Ele foi desenvolvido para a escalada desportiva,

1

2


onde as proteções oficializadas pela UIAA devem aguentar 2500 quilos e as quedas não chegam a ser extremas. Na escalada tradicional, em muitos casos, a maior parte das proteções não chega nem próximo deste valor e as quedas são bem mais sérias. O oito e o ATC são freios dinâmicos (a corda pode deslizar de 50cm a 3m) e inicialmente podemos pensar que são melhores para tais escaladas. Porém, também devem ser usados com cuidado, pois um deslizamento de corda de tal tamanho pode queimar a mão de quem dá segurança. Neste caso o ATC tem mais uma vantagem sobre 3 o oito: pode-se

utilizar dois mosquetões e assim obter mais poder de freio.

A

gora vamos voltar ao mosquetão direcionador. Repare que na figura 1 ele está em um das proteções da parada. Assim deve ser se a proteção for a prova de bomba ou se não há risco de um fator de queda realmente 2. Caso contrário o direcionador deve estar no ponto central da ancoragem para que o impacto seja dividido em ambas as peças.

P

ara fechar, vale a pena falar que o UIAA (nó dinâmico) pode substituir seu aparelho de segurança, caso você perca o seu. Pode ser usado para dar segurança ao guia e ao particpante, além de servir para o rapel também. É só lembrar que para travar uma queda o ângulo entre a corda que entra no nó e a que sai dele deve estar próximo do zero para garantir um melhor bloqueio (fig. 3).


Roberta Nunes Idade: 27. Anos de escalada: 7. Ocupação: trabalhos que envolvem escalada e fabricação de equipos. Peso: 53. Altura: 1,70. Patrocínio: Snake. Apoio: Stone Age, Mont Blanc, Alto Estilo, Ticcolor e Manaslu. Cidade: Curitiba -PR. Alguns feitos:1º e única repetição da via Los Encardidos (Marumbi - PR); Cordada feminina na Agulha Guillaumet (Patagônia); Repetição da Velho Oeste (Pão de Açúcar RJ); E dedicação total a médias e grandes paredes.

Você andou escalando pela Patagônia. Como é escalar por lá? Como são as vias que você fez? É verdade, a Patagônia é minha paixão. A escalada lá não é nada fácil, pois requer um bom preparo físico e psicológico, e saber manejar bem a técnica em fendas e fissuras, pois 80% da escalada é em móvel. Simplesmente alucinante o visual e a qualidade da rocha. Imprescindível uma iniciação em gelo (cursos), porque as aproximações às Agulhas são todas por glaciar. Em 97, foi o meu primeiro contato com a Patagônia Chilena. Tentei com o Ingo, a Torre Norte (Torres del Paine), mas sem sorte, devido ao clima. Nesta temporada de 99, tive um pouco mais de sorte, participei da abertura de uma nova via na Mermoz (2.754m), mas não concluímos. Repeti o Couloir NE da Agulha Guillaumet (2.593m) com uma escaladora suiça, Barbara Regli, e com muito mau tempo. Ao todo foram 15 subidas (5 horas de glaciar) ao Passo Superior até as covas de gelo. As condições climáticas da Patagônia são realmente radicais. Você foi sozinha ou tinha já um parceiro de escalada? Parti do Brasil sozinha, mas já tinha contatos na Argentina. Só a Barbara que foi uma surpresa. Já estava indo embora de Chaltén quando a conheci e convidou-me a escalar. Conseguiu patrocínio para seu projeto ou foi dinheiro do bolso mesmo? A SNAKE deu uma super força, 70% do dinheiro,

o resto foi do meu bolso, claro aplicando a boa filosofia dos ratos de montanha. Gastei em 6 meses U$ 900,00, solamente! Tem participado de algum campeonato? O que acha deles? Não, o último foi no final de 97. Gosto mais de ver do que participar. Não sou nada competitiva... Mas acho importante para o crescimento do esporte. Você se considera uma escaladora em que estilo? Uma escaladora chegada em roubadinhas ... Pratico bastante escalada em médias e grandes paredes, nunca fui muito desportiva. Me encanta estar bem longe do chão, mas estou me preparando para entrar no mundo do gelo e das big-walls. O que acha da ética que rola no Brasil sobre escalada, grampeação, etc.? Razoável, com exceção de alguns loucos que grampeam vias já conquistadas por falta de capacidade e coragem para realizá-las como são, isto é um absurdo. Para o tema da ética melhorar, só organizando uma federação. E as clássicas roubadas ? Qual foi a maior? Sem dúvida a conquista da Mermoz. Entramos na via em quatro escaladores: 1 chileno, 2 argentinos e eu. Solamos uma piendente de neve, onde não dava para proteger, para poder chegar na base da Agulha. Depois duas enfiadas de misto (gelo e rocha) nada fácil. Subimos num processo meio lento, tinha alguns grandes blocos soltos e justo quando chegamos na metade da parede, veio uma baita tormenta patagônica. Tivemos que rapelar muito rápido para poder


chegar as covas de gelo sem o risco de sermos carregados pelo vento. Uma grande roubada, dormi 20 horas seguidas depois. Já teve algum acidente? Grave, nenhum até hoje. Só uma queda de 8 metros no Marumbi, onde fui rolando e perdendo a pele dos braços e pernas. No Brasil qual o melhor sítio de escaladas para você? Eu adoro o Rio de Janeiro. Lá tem de tudo, parede big wall , 5.13, boulder, roubadinhas e claro Salinas !!! O que leva uma garota a ser escaladora? Acha que existe alguma diferença na maneira de escalar entre homens e mulheres? Creio que a mesma vontade de conhecer a rocha. A montanha é igual para os dois, homens e mulheres. Existe uma diferença bem evidente nas escaladas de risco e aventura, onde é raríssimo encontrar mulheres, uma grande pena! Neste ponto os homens se entregam muito mais! Quais foram seus melhores companheiros de cordada? Aprendi muito com o Ingo Müller, Chiquinho... gosto de escalar com o Domingos Alvarez, Tartari, Barbara Regli, e a galera do Rio que está de nota 10. O que você acha que precisa para evoluir mais? Acha que ainda tem muito a aprender ainda? Aprender acho que sempre. Me falta muito o contato com gelo e a neve, aperfeiçoar-me nas paredes, melhorar meu desempenho na escalada livre (ficar um pouco mais forte) e artificial. Mas isso só é possível com muita dedicação. Vontade não falta!!!! O que acha da galera nova que está começando a escalar? Acho que está faltando um pouco o pique de aventura e descoberta nos novos escaladores. Estão muito preocupados somente com a inclinação das vias e o grau. Muito ego.





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