Revista de Escalada Fator 2 - nº 28

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N o M u n d o Assinatura & cartas Flavio Daflon e Cintia Adriane Rua Valparaíso, 81 / 401 - Tijuca Rio de Janeiro, RJ. - 20261.130 Tel.: (21) 2567-7105 E-mail: fator2@guiadaurca.com www.guiadaurca.com Assinatura anual: R$ 20,00

Fator2-Fator de Queda Fator 2 é um fator de queda extremo, na qual todos os componentes de uma escalada são submetidos a grande impacto. Este fator é calculado pela altura da queda, dividido pela distância de corda entre os escaladores.

Atenção Escalada é um esporte onde há risco de você se acidentar gravemente ou até mesmo morrer. Esta publicação não é um substituto para um instrutor ou guia de escalada em rocha. Caso você não conheça as técnicas de segurança para a prática do esporte, ou possua dúvidas, procure um instrutor ou guia especializado para lhe ensinar. Acidentes sérios e até fatais podem ocorrer, como resultado de uma má compreensão dos artigos aqui publicados ou da superestimação dos seus próprios limites.

Novo Muro Dia 7 de janeiro inaugurou em Petrópolis um novo ginásio de escalada. Acredita-se que seja o maior muro do Estado do Rio de Janeiro, com 300 metros quadrados, nove metros de altura e com um grande teto de três metros e meio por cinco. Tudo isso dentro de uma área verde de 7.000 m2. Tem ainda área de boulder, salão de palestras e cursos, sala de vídeos e informativos, cantina e vestuário. São seis pontos de top rope, 76 pontos de costuras para vias guiadas, inclinações diversas e 3.500 agarras iniciais. O ginásio localiza-se na Rua 29 de junho, 160, no bairro Valparaíso. Informações: Gláucio Tavares. Tel.: (24) 2237-0821 / (24) 9965-1182 ou por e-mail: ga@glaucioagarras.com

A Fator2 não se identifica necessariamente com as opiniões expressadas por seus colaboradores. Jornalista Responsável: Marcio Carrilho. (20900/122/50)

Distribuição Lojas de equipamento, clubes de montanhismo, academias de escalada, no Jornaleiro da Urca, na Pista Claúdio Coutinho e na entrada do Babilônia, na Urca. Capa: Gustavo Sampaio na Impressionismo Carioca, Pedra da Gávea. Foto: Antônio Paulo Faria. Fator 2 - número 28 - 2006

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N o

M u n d o

Brasileiros

em Chaltén

O clima na temporada 2006 da Patagônia não foi dos melhores; se é que isso possa ser considerado um fato relevante diante de toda tradição local. A verdade é que assim como muitos outros anos anteriores, as janelas de céu aberto não coincidiram às calmarias do vento, o que resumiu a grande maioria das janelas a não mais que 40 horas. Diretamente isso correspondeu, até então, a pouquíssimas ascensões às grandes montanhas da região. Mas nem por isso foi uma temporada calma... muito pelo contrário! Foi diante desse quadro de clima instável e inseguro, e de investidas sem sucesso das maiores feras da escalada alpina mundial, que os brasileiros Ed (Conquista) e Val (patrocinado pela Nômade), juntamente com o argentino Gabriel El Muerto, transformaram alguns dos seus sonhos numa incrível odisséia. Uma estratégia suicida, que envolveu até mesmo linha de pesca para auxiliar no rapel; três dias sem saco de dormir e um paredão de mais de quarenta enfiadas com somente nove friends, que ao final se concluiu na primeira repetição de um clássico patagônico:a via Afanassief. Conquistada há 27 anos, sem repetição até aquela data, e sendo ainda a terceira ascensão da temporada ao cume do Fitz Roy, pode, ou não, ser considerada uma odisséia? Ao menos encheu de orgulho a todos nós brasileiros! (Um relato bem interessante está em www.conquistamontanhismo.com.br) Seguindo a cartilha, a região ainda foi palco de outras estórias fantásticas, como por exemplo, a ascensão do americano Dean Potter, juntamente com os eslovenos Stephen Koch e Marko Prezelj, que em um único tiro de 40 horas escalaram Mochito, El Mocho e Cerro Torre, com um detalhe, Potter carregava nas costas não uma

Ed durante a ascensão do FFitz itz R oy Roy oy..

Ed e V al no cume do FFitz itz R oy Val Roy oy..


Neto, Nicolau e Frederico, na Agulha S.

mochila de ataque, mas um pára-quedas. E aí encara essa? Pois nem Dean encarou, lembrando que na temporada anterior o mesmo havia saltado do cume do El Mocho. Será o fim do rapel? Outro fato curioso foi a realização com êxito, de uma das primeiras ascensões ao Fitz Roy com clientes. Dois guias argentinos realizaram a façanha após três anos de treinamento. Para os gringos a onda era livrar vias até então não encadenadas neste estilo, e o alvo predileto foi a dificílima e enorme Royal Flush que manteve-se sem uma cadena completa em suas mais de quarenta cordadas, algumas de 5.13, por mais uma temporada. Mesmo diante das sempre incríveis estórias gringas, a temporada 2006 foi mesmo “a temporada brasileira”. Em 2006 esteve presente o maior número de escaladores brasileiros na região nestes quase 30 anos da presença brasileira em El Chalten. E graças, a muita competência e afinidade com os deuses, muitas foram as ascensões com êxito. Além do Fitz Roy, Ed, Val e Gabri também foram ao cume da Agulha St. Exupéry pela via Buscaini. Ao mesmo cume, porém por outra face, pela clássica via Claro de Luna, subiram os paranaenses Bonga, Dalinho e Fabio, além do catarinense Ito, que teve a companhia da americana Crystal. Dalinho ainda mandou, juntamente com o também paranaense Irivan, a Agulha de La Media Luna. A paranaense Roberta Nunes em companhia do americano Sean Leary, escalou a Agulha Guillaumet e

fez a travessia para a Agulha Mermoz. Foram dois cumes em menos de 10 horas. Completaram as ascensões brasileiras, nós os cariocas. Serginho Tartari alcançou por duas vezes o cume da Agulha Guillaumet, primeiramente pelo Espolón Fonrouge na companhia do local Pira; e posteriormente pelo lindíssimo Espolón Brenner, sendo este em solitário. Alguém se habilita? Depois escalou junto com o Dalinho a Agulha Mermoz (veja foto no anúncio da Deuter nesta edição). Quem também se deu bem em terras austrais foi o macaense Fred, que juntamente com o petropolitano Nicolau escalaram a Agulha de La S, pela linha Baby Face. Mesma escalada realizada por mim, em cordada com o argentino Lucas. Posteriormente eu e Nicolau ainda escalamos a Agulha Rafael Juarez, também conhecida por Inominata, pela tradicional via Anglo-Americana. Texto: Silvio Neto. Fotos: Frederico Almeida e Edmilson Padilha.

Brasileiros

nos Paines

O Parque Nacional Torres del Paine, na Patagônia chilena é bastante procurado por suas belíssimas caminhadas. Contudo são as grandes montanhas que chamam a atenção dos montanhistas. Três delas inclusive dão nome ao Parque e são um sonho para os escaladores. Nessa temporada de 2006, que não foi das melhores, Flavio Daflon e seu amigo alemão Jörg Schuler escalaram as Torres Norte e Central dos Paines. A Norte feita pela via Monzino levou 15 horas desde o

Jörg na TTor or re Central dos PPaines. aines. orre


Flavio e Jörg no cume da TTorre orre Central dos PPaines. aines.

Abertura da Temporada O tradicional evento de Abertura da Temporada de Montanhismo, será realizado no dia 7 de maio, domingo, das 8 às 18 horas, na Praia Vermelha. Haverá também palestras no CEB no final de abril. Serão elas: Evolução do Montanhismo Brasileiro Brasileiro, com Antônio Paulo, no dia 24 de abril; Regras/Regulamentação e o Impacto no Montanhismo Montanhismo, por Bernardo colares, Kika Bradford, Delson de Queiroz e Antônio Paulo, no dia 25; Conquista de Big Wall Wall, com Gustavo Sampaio, no dia 26; e Escalada das Torres Norte e Central dos PPaines aines aines, com Flavio Daflon, no dia 27. No dia 5 de maio acontecerá a Festa da Abertura no CEB. Veja mais em: www.femerj.org

As TTorres orres del PPaine, aine, Chile.

acampamento Japonês ao cume, e volta. Já a Central foi escalada pela clássica Bonington-Whillans. Eles deixaram o acampamento às 3 da manhã e voltaram às 5:30 da manhã do dia seguinte, num total de 26 horas e meia ida e volta sem bivaque. Percorreram do Japonês ao cume 2000m de desnivel. A subida incluiu trechos escalados sem corda, temperaturas de até -2ºC, fissuras com gelo, fissuras verticais e negativas em artificial móvel, rapéis a noite, e claro, vento. Enfim, algumas das coisas que a Patagônia pode oferecer aos escaladores. Um relato com fotos está no site da Companhia da Escalada: www.guiadaurca.com/ companhia/paines.htm e no dia 27 de abril haverá uma projeção de slides no CEB. Estiveram também nos Paines, os paulistas Filippo Croso da Headwall, e Rodrigo Zuccon. Eles entraram na vertical parede oeste da Torre Norte, mas não conseguiram fazer cume, por causa do constante mau tempo. Vale a pena citar também a escalada de uma equipe belga que fez a terceira repetição da mítica “Riders on the Storm” na Torre Central, uma conquista de Kurt Albert, Gülich e companhia, quase toda em livre. São 36 enfiadas, algumas chegando a 9a. Eles ficaram 11 dias na parede.


Novas

Vias...

O número de vias na cidade do Rio continua crescendo, inclusive em áreas já com muitas vias, como a Urca. No Pão de Açúcar foram quatro. O Diedro Nada Contra, de 20 metros, uma variante da segunda enfiada da Íbis, é uma conquista de Nilton Campos e André Kühner e foi graduado em IVsup Mescladinho. E2. Para ela deve-se levar um jogo de Friends até o Camalot 3,5. Também na face norte foi aberta a via Surpresa da Caixinha, ao lado da famosa Caixinha de Surpresa, por Pita, Diedro Nada Contra Neto e Bernardo Cruz. Está graduada em 7º VIIa E3. Na face oeste foi dada por terminada a via Jegue Sóbrio (7º VIIb E2) de Paulo Bruxo e Eduardo Bittencourt. E nos Tetos, Pedro Bugim e Flavio Lima abriram o Diedro Rainildo Silva, VIsup A2+, com 15 metros de extensão. No Babilônia foi aberta a via Eremita (veja seção de croquis) e as vias Menos um no Orfanato, (Rodrigo e Vinil) e Cidade do Sol (Pedro Aragão e Alexey), respectivamente A2 e VIsup. Elas tem uma enfiada e ficam antes da Orfeu Negro. Já na Pedra da Gávea foi aberta a Impressionismo Carioca (veja na seção croquis) e nos Primatas a Mescladinha (IXa) que alterna trechos em móvel e grampo. Ela foi aberta por Nilton Campos e André Kühner e fica na Agulha Alto. Todas as vias acima estão mais detalhadas, às vezes com foto e croqui em www.guiadaurca.com. Na próxima edição da Fator2 traremos alguns croquis.

Errata dos Primatas Na edição passada publicamos uma notinha sobre o site dos Primatas On Line e deixamos de citar que todo o excelente trabalho de criação do site foi feito pela escaladora Adriana Mello.

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R a l f C ô r t e s O p i n i ã o

Um

Estilo a ser preservado

Num final de semana chuvoso de dezembro de 2005, estava dando uma malhadinha na casa de uma amiga em Niterói, na região de Itacoatiara. Batendo um papo sobre escalada, surgiu o assunto conquista (saindo de baixo em parede) com furadeira. Depois, em casa, fiquei “maquinando” comigo mesmo: “bom, tem que existir um bom senso pra conquistar com furadeira, que inclui desde o lugar onde se vai abrir a via, até como vai ser utilizada essa máquina destruidora do romantismo. Mas e se o cara não tiver bom senso nenhum?!” Muitos exemplos de falta de bom senso já foram vistos por aí, como as variantes das variantes das variantes (...); regrampeação freqüente de vias grudadas no mar, deixando suas marcas de ferrugem na pedra; agarras artificiais em rocha; grampos em vias de outros, e outros tirando grampos de vias alheias; etc. No fundo, isso tudo ainda acontece, confirmando aquela velha história em que nossa atividade, e seu ambiente, sofrem por causa dos excessos de alguns. Acho eu que, hoje em dia, justamente por ser hoje em dia, temos que respeitar a fundo as decisões tomadas

pelas federações, e principalmente por escaladores locais, que criam a ética local exatamente para preservar o romantismo e a pureza da escalada em rocha. Por isso, a minha opinião é de que, listar lugares “clássicos”, proibindo o uso de furadeira, e até impedindo novas conquistas nos setores lotados de vias, é justo, pois já foi a época deles. Com tanto lugar a ser explorado no Brasil, e até mesmo no Rio de Janeiro (sempre respeitando a ética dos primeiros conquistadores, e o bom senso, claro!), não vejo razão para massificar uma mesma área. Faz algum tempo que me entreguei à praticidade da máquina, claro que conquistando da minha maneira, e mais claro ainda, usando o bom senso. Dependendo do pique, e no fim da bateria, ainda bato um ou outro grampo na mão. Mas digo, galera, que não há nada mais prazeroso do que chegar ao final de uma via conquistada no mais puro estilo, com a marreta numa mão e o punho na outra. Cito aqui algumas vias que me proporcionaram isso, dentre outras: “O Último dos Moicanos” e “Festa na Floresta”, em Niterói; “Colé Cumpadi”, “Hippie Reciclado” e o “Batman Nunca Mais”, em Salinas. Nesta última, conquistada com Tartari, levei a furadeira (um peso F.P.) e, na hora H, descobri que a bateria tava quebrada. Acabou saindo tudo na mão mesmo! É a melhor coisa que tem, não tem máquina que substitua. Exalto aqui, sinceramente, minha admiração aos conquistadores de punho e marreta na mão, pois é um estilo a ser preservado. Ralf Côrtes. Apoio: Fabiano Ressolas, Equinox e Agarras V12.


W a l d e c y C o l u n a

d e

M a t h i a s C a m i n h a d a

S e r ra d o s O r g ã o s No mês de novembro, o Parque Nacional da Serra dos Órgãos completou 66 anos de existência. Muito antes da Serra dos Órgãos virar Parque, suas montanhas já eram freqüentadas por montanhistas, principalmente estrangeiros. A Pedra do Sino foi pela primeira vez visitada por um botânico escocês de nome George Gardner em abril de 1841. Gardner tinha como objetivo subir o Papudo, que de Teresópolis, pensava-se ser a montanha mais alta da Serra. Grande desilusão quando chegou lá, pois avistou a Pedra do Sino, mais alta que o Papudo. No dia seguinte, partiu em direção a ela e o curioso é que não obteve maiores dificuldades em chegar ao cume: utilizou uma trilha de antas, animal muito comum na época, e hoje já extinto no Parque. Mas foram nos anos 1930 que a maioria das montanhas da Serra dos Órgãos foram conquistadas. Coube a Emerico Ungar conquistar um punhado delas, a saber: Santo Antonio, São João, São Pedro, Garrafão. Nesta época, a maioria dessas montanhas tinham nomes diferentes. O Garrafão chamava-se Fagundes, o Santo Antonio era conhecido como

Garrafão, o Papudo era Morro Açú e o São Pedro e São João levaram estes nomes por terem sido descobertos no dia do Santo de cada um. Desta época, outro desbravador da Serra que não pode ser esquecido é Raul Fioratti, cujo raio de ação prolongava-se também nas montanhas de Petrópolis. Os acessos a essas montanhas eram por caminhos diferentes do que se pratica hoje. Havia também uma enorme dificuldade com relação ao transporte e infra estrutura, já que não existia ainda o Parque. Nos anos 1940, uma safra de guias do CEB viraram “especialistas” em Serra dos Órgãos: Ájax Alves Correa, Almy Ulissea, Paulo Carvalho, Ghunter Buccheister e Costa Leite. Vencidas todas as montanhas da Serra dos Órgãos, estes “desbravadores” criavam travessias espetaculares com poucas ou nenhuma repetição, infelizmente pouquíssimo documentadas. Um novo Plano de Manejo para o Parque já está em andamento, com a participação de nós montanhistas, representados pela nossa Federação, FEMERJ. O Plano de Manejo é uma espécie de constituição do Parque, por isso é muito importante a participação efetiva de montanhistas na elaboração deste Plano. Afinal, somos também “especialistas” em Serra dos Órgãos. Waldecy Mathias Lucena


Texto: Silvio Neto. FFotos: otos: Bernardo Oliveira, Bernardo Cruz e Flavio Daflon.

Às 07:30h da manhã, quando tocou o celular, eu não acreditei... Quem poderia estar ligando àquela hora, justamente neste sábado, ao qual me reservei o direito de dormir o merecido, isto é, muito? Entretanto era um chamado... Preste atenção no que eu disse, um “chamado”! Passar o dia escalando numa ilha, proposta tentadora, que o sono a princípio me fez relutar. Somente despertei decidido, depois que percebi que atender ao telefone a cada 10 minutos seria pior. Primeiro o Nado, depois o Daflon e em seguida o Bernardo; pensei comigo mesmo, é complô. Daí fui! Juntei-me a eles e ao Zé, dono da lancha, no iate clube às nove horas. Últimos detalhes resolvidos e às 10 horas estávamos partindo em direção à Cotunduba. Diante de todo o visual impressionante visto desde a Baía de Guanabara em direção ao Pão de Açúcar, meu sacrifício em sair da cama, já estava válido. Se dali nosso capitão Zezinho resolvesse dar meia volta, já me dava por satisfeito. Ora, todo aquele visual que por quase uma década admiro incessantemente; agora observado por um ângulo até então inédito pra mim. Irado, radiante... Assim como o sol que logo logo viria nos fritar! Chegamos à ilha com um vento bem forte, que encrespava o mar, mas fizemos uma aproximação e um acesso tranqüilo. Algumas idas e voltas com equipamentos e outros utensílios, intercalados por ridículos pulos no mar, que nos faziam agradecer a Deus por não viver do salto ornamental; e já estávamos todos bem animados com o pouco que víamos até então. A parte da ilha voltada para o mar aberto está repleta de blocos alucinantes! Boulders de todos os tipos, com abaulados, regletes, fendas, tetos... Além de highballs, paredes que mais pareciam mosaicos e outras formações rochosas esculpidas com perfeição! Passado o momento do reconhecimento geral, fomos ao que interessa, já que ali há muito o que escalar. Logo que começamos escutamos assobios e sonidos de apitos... que assim como

meu telefone pela manhã, tinha a intenção de despertar. O que dessa vez, ao menos a princípio, não ocorreu! Passado pouquíssimo tempo, o Nado entrou num boulder de lances incríveis, saindo do chão nuns abaolados grandes, com um domínio bem negativo de uma barriguinha direto numa fissura frontal de entalamento de punhos. Alucinante! Todavia, de alucinar mesmo foi a visão que teve o Nado do topo do bloco. Nem ele terminara o movimento de esticar o braço e apontar em direção ao mar, e todos já olhavam. Agora, claramente, e pela segunda vez no dia, eu escutei um chamado. Socorro!!! Pronto, aí estava uma verdadeira escalada de aventura! A diferença é que a aventura foi o salvamento de quatro pessoas! Enquanto o Zé voou para sua lancha, afim de socorrer pelo mar; nós pegamos as bóias e coletes salva-vidas e corremos até o ponto da ilha próximo aos náufragos, se assim pode-se dizer, e sua lancha emborcada. De perto podemos perceber que três eram mulheres, todas com a resistência em frangalhos, e todos de meia-idade, se assim também me permite a expressão. Inclusive uma das senhoras mantinha o braço erguido, segurando um rádio de comunicação; pois naquela hora cada qual agarrava-se no que lhe convinha, o que me fez lembrar o que diz um amigo. “Na m.... até jacaré é tronco!” Creio que foi nesse sentido que o coroa não desgarrava da borda da lancha emborcada. Logo que nos aproximamos, - tanto nós na ilha, quanto o Zé no mar - veio a sensação de que o pior já havia passado. Todavia foi nesse momento em que as cenas mais horripilantes se passaram. Enquanto uma das senhoras resolveu subir na lancha do Zé justamente pela hélice do motor, outra estava sendo esmagada entre uma e outra lancha. Sinistro!!! Aos poucos a situação foi sendo controlada, e mesmo com as senhoras definitivamente esgotadas foi possível colocá-las todas com vida na lancha. Pois é, mas enquanto as senhoras lutavam pela vida, o nada esgotado coroa não desgarrava de “sua lanchinha”.


Teimoso queria de qualquer forma desvirar a lancha sozinho. Com tudo aparentemente sob controle pulamos na água afim de ajudá-lo, mas mesmo conseguindo virá-la, logo ela voltou a emborcar. Pouco cansado o insistente coroa nadou até a lancha do Zé afim de convencê-lo a arriscar sua própria lancha próxima às pedras, para poder rebocar a carcaça da lancha. Sem êxito junto ao Zé, que já havia comunicado à capitania e solicitado o reboque, o coroa cheio de disposição pulou no mar novamente e foi atrás da lancha, queria salvar o motor que segundo ele custava 10.000 reais. Mas a essa hora a lancha espatifavase junto às pedras na costa da ilha, tudo sob nossos olhares. Mais aventura e cenas chocantes foram o resultado deste novo intento. O coroa agarrava-se à borda da lancha enquanto essa era sacudida pelas ondas. Em determinado momento uma onda jogou a lancha bem alto nas pedras e depois o repuxo voltou com tudo trazendo a lanchinha destruída e o desnorteado do coroa que desceu de peito, literalmente, um costão repleto de ouriços e pedras pontudas. Sinistro de novo!!! Foi aí que resolvemos nos meter novamente, alertandoo para que saísse dali, que ele iria se matar pela lancha,

onde na verdade o mais importante, que eram as vidas, já haviam sido salvas! Abatido o coroa abandonou a idéia e juntou-se a nós na ilha. Prontamente nos pediu desculpas, já que até há pouco dizia bravamente que a única coisa que não poderíamos ter deixado acontecer era a lancha entrar em contato com as pedras. O que na hora deu raiva, logo virou pena! Desculpas aceitas, o mais impressionante ainda estava por vir. O que ocorreu? O que faziam eles ali? Pois é. Naquele dia ensolarado, Ary, como viemos a saber, estava juntamente com as três senhoras indo jogar próximo à ilha, as cinzas do falecido Armandinho, (que Deus o tenha!) o verdadeiro dono da lancha! Cacete... Por essa ninguém esperava... Não é que o Armandinho armou pra cima dos amigos. Disse Ary, que subitamente o motor apagou, o vento jogava a lancha em direção as pedras, a âncora não pegou fundo e o mar sacudiu e

virou a lancha. Isso sim foi sinistro!!! Depois de todo o episódio voltamos a escalar. Daí em diante foram sendo abertos os bouders mais sugestivos: O Sobrenatural; Shacelandia (o nome da lancha), Vai que eu fico; Estória fadada, entre outros. A ilha apresenta também algumas opções de escaladas curtas com proteções móveis bem interessantes. Pra quem não conhece, a Ilha da Cotunduba, é aquela ilha que fica bem ali de frente pra pista Cláudio Coutinho, na Urca. Pra quem tem disposição, uma boa opção é ir de caiaque desde a praia vermelha, mas fica esperto, com mar e escalada não se pode dar mole, imagine então com coisas que surgem do além! Brincadeirinha! Nesse caso, assim como em clássicas histórias do meio da escalada, a própria, a escalada, ficou em segundo plano. Mas aí há uma moral da história pra escalador preguiçoso como eu: quando algum parceiro ligar para escalar, nem que seja de madrugada, não relute. Essa ligação pode ser um Chamado! Neto tem o apoio da Osklen, da Equinox e patrocinio Restaurante La em Casa.





“...as escaladas urbanas ofer ecem desafios extr as que nunca oferecem extras for am descritos em nenhum manual de escalada...” foram P or: Antônio PPaulo aulo FFaria aria

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o Brasil existem escaladores que praticamente só escalam vias urbanas, sendo que muitas delas ficam, literalmente, dentro das grandes cidades Por outro lado, muitos têm medo de escalar em lugares remotos, pois sentem-se mais seguros escalando na cidade, onde, em caso de acidente, o socorro é mais rápido. Porém, estas escaladas urbanas oferecem desafios extras que nunca foram descritos em nenhum manual de escalada. Muitas situações bizarras e cômicas já acontecerem e certamente muitas outras ainda vão acontecer, se levarmos em conta o crescimento absurdo do número de praticantes e, principalmente, o crescimento ainda mais absurdo da violência no país. A realidade para muitos é que, antes mesmo de escalar nessas áreas, e independentemente da dificuldade e da proteção das vias, já ficamos estressados com o que poderá acontecer antes e depois da escalada, e às vezes até mesmo durante. Daria até para escrever um livro sobre o assunto, mas aqui serão narrados apenas alguns exemplos de situações reais.

parede, para fumar um baseado e curtir o pôr-do-sol. E foi isso o que ele fez. Porém, como já estava escurecendo e ele permanecia sentado no platô, alguém o viu de um dos apartamentos próximos e pensou que estivesse com problemas. A pessoa resolveu chamar o Corpo de Bombeiro para socorrê-lo. Quando estava no melhor de sua “viagem”, eis que surge na sua cara um daqueles holofotes enormes de milhares de watts de potência e alguém berrando: “Aê! Não se preocupe que nós vamos te resgatar, fique calmo aí rapaz”. Dá para imaginar a cara do sujeito quando desceu da via, com toda aquela multidão olhando, equipe de TV filmando e ele lá, com aqueles olhos vermelhos...

Aliás, já imaginou durante a escalada você ver um fogão passando ao seu lado, fazendo um barulho enorme?

Ajudas inesperadas Algumas escaladas no Rio de Janeiro ficam tão próximas dos edifícios que é possível para um observador assistir à toda a escalada de dentro dos apartamentos, podendo ser da sala, do quarto ou mesmo da cozinha. Os moradores às vezes até conversam com os escaladores. Certa vez, um colega cujo nome será omitido aqui por motivos óbvios, resolveu escalar sozinho (em auto-segurança) uma via no morro do Cantagalo, que fica entre Copacabana e Lagoa. A idéia era chegar a um platô confortável, no meio da

Coisas que vêm de cima e de baixo Não é raro em certas escaladas a gente ver objetos caindo, às vezes até acertando nossas cabeças. No Pão de Açúcar e no Corcovado, por exemplo, são muitos os relatos de latinhas de cerveja voadoras. Aliás, já pensou, no meio de uma a escalada, ver um fogão passando do seu lado, fazendo um barulho enorme? Pois é, na base de uma via do Corcovado até fogão e sofá tem. Isso também ocorre em outros morros e montanhas cariocas, onde há mirantes, residências ou igrejas no cume. No morro do Turano, na Tijuca, dois amigos escalavam a via Cortiço, que tinha acabado de ser conquistada, quando uma senhora de um edifício que fica muito próximo começou a berrar: “Ah, então são vocês, seus moleques, que ficam pichando nosso prédio? Vou chamar a polícia!”. Logo, um outro morador, que também era velho, foi à janela para ver o que estava acontecendo e acabou entrando na maluquice


Este artigo foi publicado originalmente na extinta revista Universo Vertical (#8), mas foi reescrito e modificado pelo autor para a Fator2.


da coroa: “É isso mesmo, seus marginais, moleques, vamos chamar a polícia!”. Em seguida, este senhor passou a jogar objetos nos coitados – o velho devia ser doido! -, que acabaram por descer da via – ela, aliás, passou a ser pouquíssima freqüentada, por razões óbvias. É triste ser confundido com pichadores... E por falar em velho doido, uma vez na Praia da Joatinga aconteceu algo, por assim dizer, curioso. André Ilha, Kika e Yuri estavam conquistando uma via em uma das paredes, quando André fazia o furo para o segundo grampo, um velho doido chegou na varanda da sua casa, que ficava bem no topo, e começou a berrar: “Desçam já daí, isto é área particular e vocês vão arrumar problema!”. Eles ainda tentaram argumentar dizendo que a área era pública e que o André precisava colocar o grampo para descer. Mas não adiantou: “É meu! É meu!”, continuou gritando e gesticulando o velho. Logo depois, os três ouviram o som de um tiro, que vinha da praia, e a cena que sucedeu foi bizarra, quando um terceiro homem começou a arrastar pela praia o que estava com a arma na mão, que deveria ser o filho doido do velho doido. Os escaladores finalmente conseguiram fixar o grampo e desceram, mas o caso foi parar na polícia. Esperamos que este caso, que recebeu o nome de “O tiro que saiu pela culatra”, tenha um final feliz e apropriado - para nós, escaladores, é claro. O pior mesmo é quando certo tipo de “lixo orgânico” vem de cima. Um caso estranho aconteceu no Cantagalo, em 2004 - aliás, muitas coisas estranhas acontecem por lá, eu não sei se você já notou. Um tempo atrás, algumas pessoas estavam reclamando que havia dias que um cachorrinho latia muito e parecia vir de um platô da parede do Cantagalo. Uma senhora que conhecia o Hillo Santana resolveu chamá-lo para resgatar o bichinho. Foram lá o Hillo e o Marius Bagnati, que subiram por uma caminhada e rapelaram. Ao chegar no platô, os dois pegaram o cachorrinho, mas notaram que havia também sacos plásticos grandes e cheios, além de ossos espalhados... Bem, quando desceram, abriram um saco de onde saiu o cachorrinho em disparada e que logo sumiu. Porém, de dentro rolou também um crânio humano. Eu sabia de muitas coisas do Hillo, mas não sabia de sua queda por arqueologia. O Hillo voltou lá com a polícia e usaram até um helicóptero, de onde rapelaram até o platô. O laudo oficial foi que o tal do platô era um cemitério clandestino. Os corpos eram jogados do topo do morro.

O medo Em 1985, Marcelo Braga e eu fomos escalar a Patrick White (6º VI A0), situada na face norte do Irmão Maior do Leblon, que é voltada para a favela da Rocinha. A via era muito difícil para a época e todos os escaladores a respeitavam muito. Os grampos, além de muito distantes uns dos outros, estavam velhos e enferrujados, o que era uma outra preocupação. Eu estava receoso com as condições da escalada, mas teria ainda outras preocupações pela frente, porque começamos muito tarde, por culpa da preguiça extrema do Marcelo. Para chegar à base, tínhamos que atravessar a Rocinha andando. Eu não conhecia a favela e tinha péssimas referências - e olha que isso foi há 20 anos! Ou seja, estava mesmo era com muito medo. Enquanto atravessávamos os becos da favela, ia cumprimentando todas as pessoas que encontrava – “Boa tarde!” - e ainda fazia uns carinhos nas criancinhas. Finalmente, chegamos na base da parede, que também intimidava por causa da inclinação de quase 90 graus e dos diedros bem verticais. Estava tudo indo bem na escalada, mas, quando estávamos a uns 100 metros de altura, ouvimos berros que vinham de baixo: “Desce daí! Vamos mandar tiro aí pra cima!”. Eu, que já estava adrenado com a escalada, depois daquela intimação quase me borrei todo. Resolvemos continuar, já que o plano era chegar ao cume e descer pelo outro lado, por fora da favela. Agora, eu, que já tinha várias preocupações, pois estava escurecendo, não tínhamos lanternas e ainda achava que os grampos não eram muito confiáveis, estava com medo de servir de tiro-ao-alvo. Cerca de uma hora depois, alguém soltou fogos de artifício, cujo som se parecia com tiros, pelo menos naquele momento eu pensei que eram. Estava escalando quando ouvi os estalos e, obviamente, perdi a concentração e o equilíbrio. Eu tremia. Faltando uns 50 metros para terminar a escalada, chegamos a uma enorme faixa de rocha molhada, justamente por onde devíamos passar. Era um trecho bem exposto e vertical, na base de um teto. O Marcelo fez a primeira tentativa. Subiu bastante e, depois de um longo silêncio, ouvi aquela voz alta e trêmula gritar “segura que vou cair!”. Não deu nem tempo de me ajeitar quando ele despencou lá de cima, e caiu bastante. Consegui segurá-lo com a corda passando pelo meu ombro, era assim que a gente dava segurança

- Desce daí. Vamos mandar tiros aí pra cima! - Eu que já estava adrenado depois daquela intimação, quase me borrei.


naquela época. Às vezes ficávamos com as mãos queimadas quando a corda corria. Não dava para subir naquelas condições e estava escurecendo. Os meus nervos estavam em frangalhos. Rapelamos no escuro e com a preocupação de sermos alvejados por tiros a qualquer momento. Já havia passado muito tempo e nada de tiros. Era noite quando chegamos na base da escalada e ainda precisávamos cruzar a favela de novo, só que à noite. Por sorte, atravessamos sem o menor problema, nada aconteceu e tudo não passou de gozação de umas pessoas que estavam observando a gente lá de baixo. Porém, situações muito mais dramáticas já aconteceram naquele local, não muito diferentes das que vêm a seguir. O terror Novamente, mais um episódio envolvendo o Cantagalo e cachorro. Um grupo, formado por Chiarelli, Trindade, Juratan e Salgado, foi escalar no Cantagalo, onde, do outro lado, há uma favela de mesmo nome. Eles fizeram uma via fácil e resolveram ir até o cume, o que se revelou um grande erro. Dois traficantes armados estavam no topo e um deles tinha um cachorro. O grupo foi rendido quando chegou ao topo e logo depois começou o interrogatório: - O que vocês tão fazendo aqui? - Ô companheiro, a gente só estava escalando. Tá vendo o material aqui? - É, tô vendo! Aí, camarada, acho que eles tão limpo – disse um dos bandidos. - É, acho que tão – respondeu o outro. Mas, o cachorro que acompanhava um dos traficantes não tinha a mesma opinião. Começou a rosnar e avançou sobre o Salgado, mordendo-lhe. O dono correu e o segurou, evitando maiores problemas: - Calma aí, Vingador! - Au, au, au… Grrrrrrr.

- Fica quieto, Vingador! Ihhh, aí, o meu cachorro não gostou de você não! O quê você tem aí? - Tenho nada não, moço – respondeu o Salgado, que tinha a pele escura e pensou que talvez o cão tivesse algum preconceito contra pessoas dessa cor, obviamente alimentado pelo dono. O traficante, porém, reparou em um detalhe: o escalador usava uma camisa azul marinho. - Tira a camisa ai, cumpadi! – ordenou. O pobre coitado do Salgado tirou e o problema foi resolvido. É que o cachorro tinha sido treinado para avançar sobre os policiais militares, que no Rio de Janeiro usam farda azul... Em 2004, aconteceu um caso no Pão de Açúcar que já foi bem relatado. Os escaladores Paulo Henrique e Rosana foram escalar e acabaram sendo surpreendidos por assaltantes na trilha. Os dois foram amarrados e amordaçados com meias usadas. O Paulo conseguiu se soltar e desceu correndo por dentro da mata, acionando a polícia. Os assaltantes, com exceção do líder, foram presos e o material recuperado, o problema foi o gosto que ficou nas bocas das vítimas... Um outro incidente famoso ocorreu na Agulinha do Inhangá, também situada na já bem assaltada Copacabana. Em dezembro de 1984, um grupo, formado por André Ilha, Fernando Fajardo, Marcelo Braga, Gabriel Fonseca e Juarez Fogaça, foi escalar a via Chamonix, que é curta e tem o início negativo. O Marcelo conseguiu subir e desceu logo em seguida, para os outros tentarem de top rope. Foi a vez de o André subir. Ele escalou até certa altura e caiu, ficando pendurado a cerca de oito metros do chão, mas sem alcançar a parede. Naquele momento três bandidos chegaram, um deles com uma escopeta e outro com um revólver. Eles haviam ido até lá para matar um grupo rival e pensavam que os escaladores eram do tal grupo. Mas, logo perceberam o engano e um deles disse: “Tudo bem rapaziada, fiquem tranqüilos, nós só viêmu aqui pra apagar uns cara. Nós já vâmu sair”. Outro sujeito, o da escopeta, resolveu colocá-la no peito do Fernando e disse: “Tudo bem nada! Eu sou é assaltante e

...o escalador usava uma camisa azul-marinho... Tira a camisa aí cumpadi. ... o Cachorro tinha sido treinado para avançar sobre policiais militares, que no Rio de Janeiro usam farda azul.


não vou perder a viagem, eu vou é fazê a limpeza aqui. Passa o cordão aí, mermão!”, ordenou. Enquanto isso, o André estava pendurado exatamente sobre a cena do crime e o Juarez o segurava pela corda. Caso o assaltante encrencasse com o Juarez, o André poderia se esborrachar no chão. O bandido que não queria realizar o assalto ficou preocupado com a situação do André e interveio, não deixando que isso acontecesse. O quase assalto terminou e os bandidos desceram. Um deles ainda pediu desculpas pelo comportamento do colega. Depois disso, não havia mais clima para escalar e os cinco resolveram descer. Já embaixo, quando saíam da trilha e entravam numa ruazinha, uma empregada ainda gritou da varanda de um edifício próximo: “Ei, vocês aí, cuidado com os ladrões!”. É que o prédio tinha acabado de ser assaltado e a polícia cercou a área. Como eles estavam saindo do mato, com mochilas e vestidos de short, camiseta e tênis, acabaram sendo rendidos pela polícia e aí foi toda aquela negociação para provar quem eram de fato. Para não complicar mais a situação, eles ocultaram o assalto do qual foram vítimas. Uma questão de segurança pública? No Brasil existem algumas cidades que possuem escaladas urbanas. O maior problema que tememos nessas áreas são os assaltos e, infelizmente, já ocorreram muitos, alguns até violentos. Porém, não é só no Rio de Janeiro que eles ocorrem, já houve casos em Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Espírito Santo, Pernambuco e provavelmente em outros estados. Como a maior concentração de escaladores e vias urbanas fica na cidade do Rio de Janeiro, é de se esperar que a maior taxa de ocorrência desses crimes ocorra nela.

Nós também temos alguns problemas em relação aos acessos às montanhas, por causa do surgimento de favelas, dos fechamentos de ruas que se tornam condomínios e dos proprietários que fecham os acessos em seus terrenos. A justificativa é a falta de segurança. Eu já conquistei vias de escaladas que foram desativadas porque surgiram favelas na base, como é o caso da Mula Demente (3º IV), no morro do Itanhangá, na Barra da Tijuca. A última vez que tentei repeti-la já faz uns 17 anos. Alguém invadiu o terreno para construir um barraco e colocou um cachorro bravo de guarda, bem na base da via. Correr de cachorro? Ora, quantas vezes e em tantos lugares... Tinha até um desgraçado de um dobermann na trilha de subida do morro Dona Marta. Mas essa é outra história... Existem algumas montanhas e morros que devem ser evitados. Mas, de vez em quando, a gente acaba aceitando um convite e, por precaução, leva o pior material que tem, como corda velha puída, mosquetões que não fecham direito, sapatilhas furadas, mochilas rasgadas, cadeirinhas e fitas de costura que já estão pra lá de perigosas, etc. A situação do material às vezes é tão precária que se a via fosse escalada em solo daria no mesmo. E, pensando bem, até que a situação da segurança pública nas escaladas urbanas não é tão perigosa assim, levando-se em conta a péssima situação do material de escalada que muitos usam com a maior tranqüilidade. Enfim, são todos esses elementos que tornam algumas das escaladas urbanas tão “emocionantes” quanto escalar uma via 7º E4 no Pico Maior de Salinas, em Friburgo. E ainda tem gente que se sente mais segura escalando nas áreas urbanas do que em montanhas remotas. Sendo assim, boa sorte urbanóides e abram os olhos, urcanistas!


T é c n i c a Stick improvisado... Acho que todo mundo conhece pelo menos uma via esportiva em que o primeiro grampo está bem alto e o lance para chegar até lá não é nada fácil. O Capenga, na Pedra do Urubu (Urca), e a Sinos, na Serra do Cipó (MG), são dois exemplos clássicos deste tipo de via. Nestes casos, há apenas duas opções: escalar e fazer a costura (com muito cuidado para não cair!), ou então costurar do chão e começar em top rope. No segundo caso, um stick pode ser bastante útil. Muitos já o usam, e quem ainda não conhece vai ver como é fácil fazer um. Primeiro, é preciso uma vara – de madeira, alumínio, bambu ou algum material leve e resistente - com um comprimento que alcance o grampo. Depois, prende-se uma costura na ponta da mesma com a ajuda de um esparadrapo, usando o mínimo necessário. É possível também prender a costura sem o esparadrapo, bastando abrir uma forquilha na ponta da vara para encaixar o mosquetão. Com a costura presa, basta clipar a corda no mosquetão inferior. Em seguida, para manter o mosquetão de cima aberto, usa-se um pequeno graveto, de preferência em forma de Y, como na foto. Agora, basta levantar o stick e passar o mosquetão dentro do olhal do grampo. O graveto que prendia o gatilho vai cair e o mosquetão estará clipado. Para finalizar, é só puxar a vara que o esparadrapo irá se soltar. Pronto: hora de se encordar e começar a escalar. Se desejar algo mais moderno, existem sticks manufaturados, como o Stick Clip, da Epic Sport (www.epicsport.com/products.400.html), feito em alumínio e com alcance de cinco metros. Alguns sticks podem não só colocar como também retirar a costura do grampo, além de passar a corda numa costura pendurada. É o que promete, por exemplo, o modelo La Xriba, da Sonoran Mountain (www.sonoranmountain.com). Texto e fotos: Flavio Daflon.


C r o q u i s 13 Eremita 4º VIIa A0 E3 D1 Foi conquistada no Morro da Babilônia uma via chamada Eremita, por Flavio Leone, Almir Lopes e Rodrigo Demuti. Ela começa na primeira enfiada da Entropia, no final da horizontal. Após duas enfiadas curtas e fáceis chega-se ao melhor trecho da via, uma fenda toda protegida em móvel. Depois a via segue em lances expostos e nem sempre sólidos. Vale a pena uma visita a fenda, mesmo que não se queira escalar o restante da via. Material móvel sugerido: 1 jogo de friends, podendo repetir o nº 0,5 e alguns stoppers médios/grandes.

Rosane Vilela no platô da terceira parada e a fenda em móvel da quarta enfiada. Foto: Flavio Daflon.


C r o q u i s Impressionismo Carioca 5º VIIa E2 Antônio Paulo e diego da Gama abriram em outubro uma nova via na Pedra da Gávea. Chama-se Impressionismo Carioca e está graduada em 5º VIIa E2. Ela começa alguns metros antes do famoso portal da Pedra da Gávea, numa bonita fenda, a capa desta edição da Fator2. É fácil localizar a via, mesmo porque tem uma chapeleta para chegar a primeira fenda. Além da paisagem, a via impressiona pela beleza dos seus lances. Em todas as enfiadas é necessário utilizar friends ou stoppers. Na segunda enfiada há uma vairante da via original, mais difícil e com um lance ligeiramente negativo. Na P2 e P3 a parada é feita num platô com boas opções para móveis. E da P4 bastam alguns passos para chegar ao topo. Um jogo de Camalots (pequenos incluídos) até o nº 3,5, stoppers médios e grandes e fitas longas são suficientes. Estas e outras fotos a cores podem ser vistas em www.guiadaurca.com

Na foto acima Adrian Giassone e nesta Gustavo Sampaio. FFotos: otos: Antônio PPaulo. aulo.





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