Revista de Escalada Fator 2 - nº 30

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N o M u n d o Assinatura & cartas Flavio Daflon e Cintia Adriane Rua Valparaíso, 81 / 401 - Tijuca Rio de Janeiro, RJ. - 20261.130 Tel.: (21) 2567-7105 E-mail: fator2@guiadaurca.com www.guiadaurca.com Assinatura anual: R$ 20,00

Fator2-Fator de Queda Fator 2 é um fator de queda extremo, na qual todos os componentes de uma escalada são submetidos a grande impacto. Este fator é calculado pela altura da queda, dividido pela distância de corda entre os escaladores.

Atenção Escalada é um esporte onde há risco de você se acidentar gravemente ou até mesmo morrer. Esta publicação não é um substituto para um instrutor ou guia de escalada em rocha. Caso você não conheça as técnicas de segurança para a prática do esporte, ou possua dúvidas, procure um instrutor ou guia especializado para lhe ensinar. Acidentes sérios e até fatais podem ocorrer, como resultado de uma má compreensão dos artigos aqui publicados ou da superestimação dos seus próprios limites. A Fator2 não se identifica necessariamente com as opiniões expressadas por seus colaboradores. Jornalista Responsável: Marcio Carrilho. (20900/122/50)

Distribuição Lojas de equipamento, clubes de montanhismo, academias de escalada, no Jornaleiro da Urca, na Pista Claúdio Coutinho e na entrada do Babilônia, na Urca. Capa: Allan Rodrigues na Mr. Bill, Xc, na Barrinha. Foto: Pedro Stabile. Fator 2 - número 30 - out/2006

Vias novas na Serra Foi conquistada uma via no Cabeça de Peixe, montanha que fica ao lado do Dedo de Deus na Serra dos Órgãos. Ela foi graduada em 7º VIIc E2/E3, mas o grau obrigatório é VIIa, porque o crux pode ser feito com algumas passadas de artificial móvel. Tem cerca de 350 metros e é a primeira via na maior parede da montanha. Foi conquistada por Alexandre Portela, André ‘Bocão’ e Flavio Leone. Em Petrópolis foi conquistada uma nova via na Pedra do Cantagalo chamada A Sombra de Todos os Medos. Esse nome sugestivo Cantagalo foi conferido a 810 metros de escalada com dificuldade média, graduada em D4 5º VIsup A0 E3. Os conquistadores Alexandre Motta, Alex Sandro Ribeiro, Jorge Fernandes, Mateus Reis, Renato W. Mattos, Waldyr Neto a terminaram em agosto deste ano. É uma via com predominância de agarras, alguns poucos lances de aderência, proteções um pouco distantes, algumas horizontais grandes e muitas diagonais. Os rapéis são complicados devido as diagonais e horizontais, e praticamente impossível em caso de chuva, por isso a melhor opção é descer por caminhada. Material necessário: oito costuras grandes, nuts pequenos e médios, friends (tcu’s) pequenos e médios e fitas diversas. Mais informações em www.viacrux.net


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Nova conquista também no Morro dos Cabritos, no Vale dos Frades, Teresópolis. Via aberta por Daniel Bonella, Josemar Sechin e Marcio Torres, tendo na última investida a ajuda de Sucrillho e Leonardo Popaye. A via chama-se Carpinteiro do Universo e teve o grau sugerido em 5º VIIa E3. São mais ou menos 600 metros de escalada entre as vias O Céu é o Limite e a Via Mário Arnaud. Ela acaba na 22ª enfiada do Céu é o Limite, na horizontal depois da chaminé, mas também pode-se caminhar 100 metros para a direita e chegar na via Normal. A via está toda em livre, sem nenhum trecho de clif ou parafuso. Para repetí-la, leve 12 costuras, friends médios e pequenos, camalot do 0,5 ao 3 (repetir o nº2 ajuda) e nuts médios.

Cabeça de Paixe

Vias novas no Rio

Morro dos Cabritos

Foi terminada em 10 de outubro, no Pico dos Quatro, a via Gritos da Torre, uma conquista de Almir Lopes, Daniel Hervet, Flavio Leone e Luiz Paulo Pimentel. Com grau sugerido em 5º VI E2 D2, possui mais ou menos 220 metros. O Material necessário é: nove costuras, um camalot 0,5 e um friend n°3. A caminhada é a mesma para a via Fortaleza, no alto da Estrada do Joá, e depois segue margeando a parede para a


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VI Mostra de Filmes de Montanha

Pico dos Quatro

Pedra Bonita

esquerda. Para chegar a base deve-se subir um costão de 60 metros.

Na Pedra Bonita, Flavio Daflon, Bruno Castelo Branco, Flavio Leone e Marcel Stanley, recém terminaram a conquista de uma via à esquerda da Lionel Terray. Ela tem 250 metros e termina na segunda enfiada da Lionel. O grau é 5º VIIa E3 e é necessário levar um jogo de friends com micro-friend. Mais informações e fotos sobre ambas as vias em www.guiadaurca.com Errata nº 29 Na edição passada ficou omitido um dos patrocinadores da escaladora Francine Machado, a Snake.

O Cine Odeon, no Rio de Janeiro, apresentará nos dias 9, 10 e 11 de novembro a VI Mostra Internacional de Filmes de Montanha. Esse ano ela trará os melhores filmes do 30º Banff Mountain Film Festival e a Mostra Competitiva, onde foram selecionados 12 filmes nacionais: “3,2,1... Fui!” , de Luiz Sabiá Tapajos (RJ); “A Conquista uma aventura”, de Gustavo Sampaio (RJ); “Aconcágua - Cume das Américas”, de Aníbal Sciarretta (RJ); “Além de Quimeras”, de Luiz Felipe Matos (DF); “Arenales - Escalada na Cordilheira dos Andes”, de Eduardo Sobrosa e Julie Bagnati (SC); “Céus!” , de André Pinto (PE); “Leste”, de Christian Steinhauser e Priscila Botto (RJ); “Morada dos Deuses”, de Toni Nogueira e Arthur Veríssimo (SP); “O Monte Sarmiento”, de Mônica Schmiedt e Mirella Martinelli (RS); “Paulo Bastos “Macaco” - uma vida”, de Marco Terranova (RJ); “Pedindo por Clemenzo, de Maurício Clauzet (PR); Smooth Operations, de Marcello Cavalcanti (RJ). Paralelamente acontecerá uma exposição fotográfica e o lançamento do livro do escalador carioca Antônio Paulo, Montanhismo Brasileiro: Paixão e Aventura. Ele conta a evolução do montanhismo e da escalada no Brasil do século XVIII até os dias atuais e deve custar entre 35 e 40 reais. Haverão três sessões, às 17h, 19h e 21h e os ingressos custarão R$ 14,00 (inteira) R$ 7,00 (Meia). O passaporte que dá direito a assistir três sessões no mesmo dia custará R$ 35,00. O evento tem o patrocínio da Equinox e apoio da Link Digital. Mais infromações: www.9dproducoes.com.br


A Pedra do Sino, com 2.263 metros e localizada no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro, é a mais alta montanha de toda a Serra do Mar. Em sua face sudeste localizam-se alguns dos mais difíceis big walls brasileiros, o que confere a ela um lugar especial entre as montanhas do País, sobretudo devido às histórias de seus pioneiros exploradores. Abaixo, uma lista das vias desta belíssima montanha e uma foto com seus traçados: A – Nefelibatas (A2+ VI D6 350 metros) - Conquistada em junho de 2002, por Hillo Santana, Cristiano Truffi e D. Guimarães. B – Porta Para o Infinito (A2+ V D6 450 metros) Conquistada em julho de 1997, por Hillo Santana, Alexandre Fitaroni, Flávio Soares e Gustavo Silvano. Esta via, que tem em comum as duas primeiras enfiadas da Terra Brasileira, é muito perigosa em caso de chuva. A água que vem do topo, ou ante-cume, canaliza numa chaminé formando uma enorme cachoeira em questão de minutos, não dando chance aos escaladores de se retirar a tempo. C – Terra Brasileira (A3 VI 460 metros). Tem dez enfiadas, conquistadas em maio de 1998, por Hillo Santana, Alexandre Fitaroni e Domingo Alvares, em três dias de escalada. Requer o uso de porta-ledge.

D – O Poder do Silêncio (A4 VII) – Com oito enfiadas, também é muito conhecida como Táxi Lunar. Foi conquistada em setembro de 2001, por Hillo Santana, Marius Bagnati e Stanley Costa. Requer de quatro a cinco dias de escalada e o uso de porta-ledge. E – Eclipse Oculto (A3 VI +- 550 metros) - Foi conquistada em agosto de 1999, por Hillo Santana, Júlio Campanella, Gustavo Sampaio e Luis Cláudio Pita. Um pequeno rapel de dez metros dá acesso ao Platô do Escorpião. Também requer de quatro a cinco dias de escalada e o uso de portaledge. F – Franco-Brasileira (A2+ V) – Seus primeiros 200 metros, até o Platô do Escorpião, foram conquistados inicialmente por Alexandre Portela e Sérgio Tartari. Depois, acabou sendo finalizada por um grupo de franceses, liderado por Yannick Seigner, em dezembro de 1985. Exige de quatro a cindo dias de escalada e o uso de porta-ledge. G – Terra de Gigantes (A4 VI) – Começa no Platô do Escorpião e possui 14 enfiadas. Foi conquistada por Alexandre Portela e Sérgio Tartari, em 1985. Outra que exige de quatro a cindo dias de escalada e o uso de porta-ledge. Texto e foto: Hillo Santana (hillosantana@yahoo.com.br)

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Normalmente depois de escalar várias vezes uma mesma via, a escalada torna-se não apenas mais fácil, como também mais rápida. Terminando uma via com energia e tempo de sobra, alguns escaladores se perguntaram porque não ir para outra via e escalar um pouco mais?

‘pilhado’, saíram do Rio numa moto para escalar em Petrópolis. Fizeram a face norte do Mãe D’Água (5º Vsup 400 metros) no vale do Bonfim, não foram ao cume, desceram do último grampo, dirigiram até a Estrada do Contorno e fizeram a Minotauro (5º VIsup 330 metros), o Paredão Amizade (5º IVsup 350 metros) e o Cão Pastor (3º IV 250 metros) e ainda voltaram para o Rio no mesmo dia. Durante a escalada usaram uma corda fina de 80 metros para ganhar tempo.

Foi mais ou menos assim que no mundo e no Brasil surgiu a idéia de se escalar duas vias grandes ou duas montanhas num mesmo dia. Com o passar do tempo este encadenamento de vias Em Salinas, no ano de ou montanhas foi ficando 1986, como se não bastasse mais apimentado, com os o tamanho das paredes por escaladores tentando cada lá, Marcello Ramos e Carlos vez vias mais longas e Ribeiro Filho escalaram num difíceis. Nos Alpes ficaram mesmo dia duas das vias famosos inúmeros mais clássicas do local, a encadenamentos e trilogias, CERJ (5º A0/VIsup) no como a que realizou o Capacete com 400 metros francês Christophe Profit, e a Leste (5º A0/VIsup) do em 1985, quando escalou Pico Maior com 700 metros. Cume da Agulha do Diabo as três faces nortes mais Já em 2004, Álvaro Loureiro Foto: Antônio Paulo famosas dos Alpes (Eiger, escalou também essas duas Cervino e Grandes Jorasses) vias, mas em solitário. Saiu em 48 horas. das barracas às nove da manhã e voltou antes das No Rio de Janeiro, talvez quem tenha começado, com cinco da tarde. essa idéia de ‘maratona’ tenha sido o Sérgio Poyares e o Sérgio Bruno. No início dos anos 80, eles escalavam Salomith, Roda Viva, IV Centenário e Soleil, no Babilônia, uma após a outra. No Irmão Menor escalavam Sombra e Água Fresca, Marizel e Paulista e seguiam para o Baden Powel no Irmão Maior. Fizeram também a Singra no Morro da Urca e depois a Italianos no Pão de Açúcar, entre outras. Alexandre Portela lembra que em 82, ele e o Sérgio Bruno, que segundo o próprio Alexandre era o

Ainda em Salinas, em 2002 os paranaenses José Luis ‘Capachão’ e Marcus França escalaram no Pico Maior a Decadence avec Elegance (5° VIsup A0, 700 metros), rapelaram e escalaram a Leste (5º A0/VIsup, 700 metros). Levaram 13 horas desde que saíram do Refúgio da Águas e retornaram. Em 2004, Sérgio Tartari e o argentino Luciano Fiorenza escalaram também essas duas vias e adicionaram mais uma outra de 700 metros, a Arco da Velha (6º VIIa), somando ao todo cerca de 2100 metros de escalada – 50 enfiadas. Saíram do


Refúgio das Águas a uma hora da manhã e estiveram em atividade por 18 horas. No Pão de Açúcar Tartari e Portela fizeram algumas vezes, desde a década de 80, o Waldo (6º VIIa, 360 metros) e o Lagartão (6º VIIa, 300 metros) no mesmo dia. Chegaram a fazer o tempo de uma hora e quarenta minutos para o Waldo e uma hora e meia para o Lagartão. Vários escaladores repetiram a façanha depois, apesar de não baixarem o tempo de escalada. Bernardo Colares, em 2006, resolveu fazer não só o Waldo, na face norte, e o Lagartão, na face sul, mas também a Italianos, na face oeste e a Bhoemia, na face leste, completando assim as 4 faces do Pão de Açúcar. Com dificuldade para encontrar um parceiro decidiu ir sozinho, e assim o fez. Destaque para o Lagartão, onde levou apenas uma hora e cinqüenta minutos e para a Bohemia que fez em solo. Ele levou ao todo onze horas entre caminhadas e escalada.

Via Leste no Pico Maior e CERJ no Capacete

Verruga do Frade Foto: Antônio Paulo

Meses depois me juntei a ele para fazermos ‘as 4 faces upgrade’. Começamos pelo Waldo (6º VIIa, 360 metros), onde levamos 1h50m para chegar ao cume, fomos para a Pássaros de Fogo, emendando pelo Cisco Kid até o cume de novo (6º VIIa, 280 metros) em 2 horas, depois Lagartão (6º VIIa, 300 metros) em 1h55m e para terminar, descendo pelo Costão, a Iemanjá (4º Vsup, 430 metros) em 1h15m. Apesar de nunca termos escalado juntos antes, levamos, do início da primeira via ao cume da última, nove horas para completar 1370 metros de escalada. No ano passado, outro feito em solitário. Em Teresópolis, Antônio Paulo fez o Escalavrado pela via normal, o Dedo de Deus e a Agulha do Diabo, tudo isso em 14 horas. Teve gente que não acreditou e só faltou chamar ele de mentiroso. Em junho deste ano, Antônio Paulo convidou a mim, o Adrian Gianssone e o Fernando Vieira para fazer algo ainda mais puxado. Começamos com a subida do Escalavrado às três horas da manhã. Às 3:45 estávamos no cume. Descemos e

Via Atalho do Diabo e Oitavo Passageiro, no Corcovado. Foto: Guia da Floresta da Tijuca

Antônio Paulo no cume da Verruga do Frade, com a Agulha do Diabo ao fundo

Estas e outras fotos podem ser vistas à cores no site www.guiadaurca.com. Texto: Flavio Daflon.


seguimos para o Dedo de Deus, pisando no cume às 6:50. Passamos pela entrada do Parque, depois de uma parada para o café da Flavio Daflon, Adrian Gianssone e manhã. Subimos Fernando Vieira no cume do Escalavrado pela Travessia da Neblina e fizemos cume da Verruga do Frade às 11:20 e na Agulha do Diabo às 14:50. A idéia era fazer ainda a Chaminé Cassin no São Pedro, mas não deu! Do início ao fim foram 17 horas e segundo o Antônio Paulo “agora são quatro mentirosos!”. Mas um dos mais impressionantes encadenamentos foi o que Alexandre Portela e Luis Cláudio Pita fizeram no Corcovado. Começaram no Atalho do Diabo (8º Xa E2, 300 metros), rapelaram e subiram o Oitavo Passageiro (7º VIIIb E2, 380 metros). Feito, não só

Flavio Daflon na via Waldo, no Pão de Açúcar. Foto: Bernardo Colares

pelo tamanho das vias, mas principalmente pela dificuldade e pelo tempo que demoraram, quatro horas no Atalho e seis horas no Oitavo. Resta agora imaginar quais serão as próximas façanhas, bons escaladores existem, depende mais da imaginação e obstinação de cada um. Cedo ou tarde novos feitos aparecerão, é natural, faz parte do espírito aventureiro e desafiador dos escaladores.

Nascer do sol na Maria Cebola, Dedo de Deus. Foto: Antônio Paulo.


A Barrinha, no Rio de Janeiro, é um dos points onde se encontram as vias mais difíceis de escalada esportiva do Brasil, como a Mr. Bill, o segundo Xc do País, aberta por Luis Claudio Pita e Gustavo Nassar. Poucos são os escaladores com nível técnico suficiente para mandar semelhante via. Em junho deste ano, porém, Allan Rodrigues entrou para este seleto grupo, tornando-se o sétimo escalador a encadená-la. Mesmo com o dia nublado e uma chuvinha intermitente, Allan não se fez de rogado e mostrou na pedra toda a sua dedicação ao esporte. A Fator2 não podia deixar passar a oportunidade e fez esta entrevista com o escalador, que nos conta um pouco da sua mais recente façanha. Fator2 - Antes da Mr. Bill, quais as vias mais difíceis que você tinha encadenado? Allan - Bem, antes da Mr. Bill, as mais difíceis foram Vaca Louca (Xb) e Crux no Filezão (Xa), entre outros nonos graus. Decidi testar outras vias e me senti bem na Mr. Bill, então resolvi tentá-la. Fator2 - Quantos movimentos tem a Mr. Bill e como são as agarras? Há descansos? Allan - A Mr. Bill tem regletes muito pequenos, alguns com um quarto de falange. No total, são 85 movimentos, com seis boas agarras, um abaulado e 78 regletes. Há um bom descanso na primeira parte, onde já se pega um IXa, e outro descanso mais ou menos na parte em que tem um IXc. Daí em diante, você entra num IXb explosivo até o final e sem descanso, com um movimento chave que é um bote com a mão direita numa agarra que está na esquerda, meio estranho... Fator2 - Desde a primeira vez em que você entrou nela até o dia da cadena, quanto tempo se passou? E quantas vezes você foi até a Barrinha para tentá-la? Allan – Bem, desde o primeiro dia se passaram mais 23 dias, em sete idas à Barrinha. Tentei a via 21 vezes no total. Fator2 - Você trabalhou a via em top rope, guiando ou um pouco dos dois? Allan – Só trabalhei a via guiando, afinal eu ia tentar encadená-la guiando e acho que o top rope só iria me atrapalhar. O negocio é simular ao máximo o que você quer fazer. Fator2 - Você fez algum treinamento específico para a Mr. Bill? Você segue algum treino regular para se manter em forma? Como é? Inclui sessões em muro ou na academia? Allan – Específico, não. Eu apenas mantive a minha rotina de treinamento, que basicamente consiste em vias no muro, de 20 a 80 movimentos, e campus board pelo menos uma vez na semana. Também pedalava na subida do Alto da Boa Vista para manter o aeróbico em dia. Fator2 - Você tem algum cuidado especial com a alimentação?

Allan – Sempre procurei me alimentar bem e comer coisas naturais, mas tem um fato curioso que aconteceu. Parei de comer carne pouco antes de tentar o Mr. Bill e me senti muito forte, parecia que o meu corpo estava mais leve e limpo e isso ajudou muito. Fator2 - Toma algum tipo de complemento alimentar? Allan - Não, acho que com uma alimentação natural o seu corpo não precisa de mais nada, pois se torna completo e produz tudo. A única coisa que eu tomo é um suco que leva 25 maçãs, alface, batata e sementes germinadas, que eu chamo de Suco da Cadena. Fator2 - Fora a Barrinha, quais os lugares em que você mais gosta de escalar? Allan – Eu gosto de escalar em todas as falésias do Rio, as de que eu mais gosto são a Barrinha e o Campo Escola 2000, mas, principalmente, o Totem do Pão de Açúcar. Fator2 - Você chega a montar no muro lances parecidos com as vias que está tentando mandar? Allan – Às vezes sim, mas só quando eu acho que há necessidade. Normalmente eu prefiro tentar o lance na rocha mesmo. Fator2 - Quanto tempo livre você tem para escalar e treinar? Como é a sua semana? Allan – Bem, durante a semana eu posso escalar das seis da manhã até às três da tarde, todos os dias. Trabalho no muro da academia Body Planet, das 17 às 20h, e, às vezes, treino no muro à noite depois do trabalho. Fator2 - O que foi mais difícil na hora de encadenar? Allan – O mais difícil foi o movimento que tem um dinâmico cruzado. Teve um dia, durante a Copa do Mundo, que eu estava na cadena e aí fiz o tal dinâmico, com a mão direita cruzada na agarra da esquerda, e bem na hora em que eu peguei a agarra o Brasil fez um gol. Escutei toda aquela gritaria e comecei a pensar que o Brasil todo estava torcendo por mim. Comecei a rir, aí ficou muito difícil manter a concentração e... caí. No dia da cadena, por incrível que pareça, eu não senti nada, o meu braço nem tijolou.

Allan tem o patrocínio da Deuter e apoio da LeChen.






T é c n i c a Escalando Diedros... U

m diedro é formado pelo encontro de duas faces. Essas faces podem ter tamanhos diferentes, por exemplo, um grande bloco encostado numa parede pode formar um diedro. No Rio há inúmeras vias que passam por diedros, entre elas a K2 no Corcovado, Secundo no Pão de Açúcar e no Babilônia o Pégasus, o Phoenix e até a via Roda-Viva tem um pequeno diedro para chegar no primeiro grampo. É comum um ângulo de 90º entre as faces, mas isso não é regra, um diedro pode ser mais aberto ou fechado. Entre as duas paredes normalmente há uma fenda e quando não há, dizemos que o diedro é cego. Assim como aderência e chaminé, é importante conhecer e praticar a técnica de diedros, principalmente quem gosta de escalar vias longas, pois são comuns lances assim. Quem não está acostumado sente mais dificuldade, é claro, e pode pensar que o lance é mais difícil do que realmente é. A técnica básica para escalar diedros é a oposição. Com as duas mãos na fenda deve-se puxar uma das laterais enquanto se força com os pés a parede à frente (veja na foto e desenho abaixo). Para subir movimente uma mão e um pé de cada vez. Um ponto importante: quanto mais próximos pés e mãos estiverem mais força se faz para manter a posição e você pode acabar com suas energias. O ideal é manter uma posição o mais confortável possível, deixando o peso do corpo sobre os pés. Mas se você quiser ultrapassar um lance difícil, onde a parede dos pés é lisa ou bem vertical, colocando pés e mãos próximos você pode ter melhor chance de passar sem queda. Pode ser a solução em algumas situações, como no lance dos “dez mais” na primeira enfiada do K2, no Corcovado. Outra maneira de se fazer um diedro seria usando as pernas em tesoura, com um pé em cada face (veja na foto de cima). Desta forma economiza-se bastante energia, pois o peso do corpo fica sobre os pés, e os braços podem descansar. Para se movimentar faça da seguinte maneira: para subir o pé

Diedro em Guaratiba

direito, mantenha a mão esquerda na fenda e apoie a mão direita na mesma face em que está o pé direito. Fazendo assim fica fácil movimentar a perna. Para subir a perna esquerda faça o mesmo para o lado esquerdo. O primeiro lance da via Olimpo, na Agulhinha da Gávea, é um bom exemplo de onde se pode escalar assim. Escalar em tesoura também é útil quando o diedro é cego. Neste caso, não só os pés ficam cada um numa face, como as maõs também. Se você vai escalar em oposição ou tesoura é algo que você deve decidir na hora. Pode ser que uma maneira seja mais adequada que outra, que as duas formas sejam possiveis, ou ainda que nenhuma delas sirva. Se a distância entre uma face e outra for grande, ou seja, a fenda larga demais, pode ser que seja melhor passar em chaminé, como acontece no Secundo e no Waldo. A verdade é que existem inúmeras possibilidades de movimentação, e só escalando o seu corpo pode aprender e se acostumar.

Diedro do K2, no Corcovado. Foto: Guia de Escaladas da Floresta da Tijuca


Sensação Térmica Q

uando está ventando e você está desprotegido, o vento afasta o ar quente gerado pelo corpo para longe da pele, produzindo um efeito de resfriamento, que torna a sensação de frio muito mais intensa. Por isso, quanto mais forte o vento, mais rápido ele afasta o ar quente do corpo e, assim, maior a sensação de frio, também chamada de sensação térmica. A tabela a seguir mostra qual a sensação térmica experimentada de acordo com as condições do vento e da temperatura real marcada pelos termômetros. Por exemplo: com um vento de 25 km/h e temperatura no termômetro de 7º C, a sensação térmica – ou seja, a temperatura que o nosso corpo sente – é de -2ºC. Daí a importância de um anoraque impermeável, pois com ele o calor produzido pelo corpo não escapa com tanta facilidade. Fonte: INMET (Instituto Nacional de Meteorologia).


W a l d e c y C o l u n a

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M a t h i a s C a m i n h a d a

Rosa e Elza Muitas pessoas me procuraram querendo saber mais sobre as duas moças da foto que publiquei na minha coluna na edição passada. Sim, Rosa Lifchitz foi a primeira mulher a escalar a Agulha do Diabo. Nos anos 1930 e 1940, ela tinha como parceiros os grandes escaladores da época, como Almy Ulissea e Giuseppe Toselli. Recentemente, digitalizei seu álbum fotográfico, onde pude, emocionado, acompanhar suas proezas, entre elas o Santo Antônio, São João, Dedo de Deus, Agulha do Diabo, Pão de Açúcar e muitas excursões de acampamentos e praias. Quanto à Elza Hamelmann, eu pouco sei. Li que ela pertencia a uma família de escaladores alemães e que, além dela, muitos de sua família também freqüentaram o CEB, sendo que alguns foram até guias deste clube. A foto ao lado nos mostra como era rara a presença feminina na montanha. Esta foto foi tirada em Teresópolis, por ocasião da “invasão” do CEB à Serra dos Órgãos, em 1939. A solitária mulher do centro

da foto é a Rosa. À sua esquerda está seu irmão José Lifchitz, com uma cara de poucos amigos. Tenho muita admiração por essas pioneiras do chamado “esporte diferente”, que são pura inspiração para nossas escaladoras de hoje. Boas montanhas a até a próxima, Waldecy Mathias Lucena.


R a l f C ô r t e s O p i n i ã o

As idéi as não correspon dem aos fatos “Não escalo no Urubu porque detesto aderência”; “Tenho horror a chaminés”; “Odeio boulders”. Estes são comentários cada dia mais freqüentes nas rodas e comunidades de escaladores. Eu não sei bem como colocar minha opinião sobre o que é escalada em rocha, que é exatamente a que eu pratico. Penso que, uma atividade com tamanha riqueza de estilos e, mais ainda, de objetivos, acaba sendo um ciclo fechado e vicioso, onde o que alguns discutem com ar de preconceito para mim são peças de um quebracabeça. Todos têm o direito de não gostar de algo, isso é óbvio. Mas, eu realmente não entendo um escalador que deprecia a própria atividade! A minha prática particular da escalada em livre, especialmente, envolve a união de vários estilos, completando um todo, como membros do corpo, já que cada um tem sua função na evolução de todos, e a falta de um pode prejudicar o funcionamento geral. Aprender a movimentar cada peça do jogo é o grande segredo, e apreciá-las pode instigar um futuro desenvolvimento do ciclo e, quem sabe, viciar! Aqui se encaixa um trecho do livro “Sobre Homens e Montanhas”, de Jon Krakauer, sobre John Gill:

“(Gill)... é uma lenda viva para os montanhistas de três continentes, um homem reverenciado pelos melhores desse esporte. Uma pessoa costuma entrar para a mitologia do montanhismo graças a façanhas de desafiar a morte no Himalaia, no Alasca, nos Alpes, ou nas imensas paredes de granito de Yosemite. A fama de Gill, entretanto, baseia-se inteiramente em escaladas inferiores a nove metros de altura. Ele ombreia com figuras da estatura de um Hermann Buhl, um Sir Edmund Hillary, um Roy Hobbins e um Reinhold Messner, embora não tenha escalado nada maior do que blocos de pedra. Não se engane, porém: as proezas de Gill não se avaliam pelas alturas alcançadas, mas pelas dificuldades que envolvem. Os blocos que ele escala tendem a ser negativos e carecer de fissuras e rugosidades em dimensão suficiente para poderem ser vistas por escaladores menos experientes e, muito menos, permitir que apóiem o corpo nelas ou nelas se agarrem. Na verdade, as escaladas de Gill destilam os desafios cumulativos presentes numa montanha inteira, concentrando-os num atarracado e compacto bloco de granito ou arenito, não maior que um caminhão de lixo ou uma modesta casa de subúrbio. Não há exagero em dizer que mais depressa poderia ser alcançado o cume do Everest pela maioria dos escaladores do que o topo de qualquer de uma vintena de blocos daqueles já vencidos por Gill.” Aprender a apreciar, galera, leva tempo - e o tempo é sagrado para qualquer coisa na vida. Eu tô indo, e você?! Fui!!!

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No Verão Carioca, uma opção de escalada ao lado do mar Os primeiros relatos de escaladas na área do Morro do Leme remontam à década de 1960, quando Alexandre Decker, Hélio Barroso e Nelson Bussi optaram por abrir uma via naquela montanha, que veio a ser o Paredão Leme (3º IV), em 1967. Como a rocha do Morro do Leme se assemelha à do Cantagalo, os montanhistas logo perceberam que as agarras quebravam com facilidade. Este aspecto virou história na conquista do Paredão Leme, pois um dos conquistadores contou que, na progressão entre a primeira e a segunda proteção, ele caiu depois que uma agarra de pé se quebrou. A queda foi grande e ele só não bateu na base porque o assegurador estava atento. Pelo fato de ser uma área militar, a escalada no local ficou um bom tempo sem se desenvolver. Entretanto, com a nova política do Exército de divulgação dos sítios históricos do Leme, Copacabana e de Niterói, a visitação é permitida em todos os finais de semana e feriados para o público em geral e, para os montanhistas, todos os dias, desde que comuniquem no portão de entrada para onde estão indo e qual é a previsão de retorno. Deste modo, as outras faces do Morro do Leme e do anexo Morro do Urubu somente foram conquistadas a

partir de 2004. As maiores vias não exigem mais do que uma hora e meia para serem escaladas. Assim, em uma tarde ou manhã, pode-se escalar de três a quatro vias, sendo que existe a possibilidade de se escalar na sombra em qualquer hora do dia. Outra informação interessante é que há várias vias em móvel, de II a VIIa, com boas colocações, o que é um prato cheio para os que estão começando neste estilo de escalada. Outra caractarística do Morro do Leme é a grande quantidade de boulders: são 34 catalogados até agora, porém há mais. A verdade é que alguns blocos são verdadeiras falésias, com possibilidade para abertura de pequenas vias esportivas. O local conta ainda com banheiros, cantina e alguns pontos para abastecimento de água. A maioria das vias, num total de 17, algumas com até 140 metros de linha, está no próprio Morro do Leme, isso sem contar os boulders. Já no Morro do Urubu, há sete vias e 22 boulders, com vias que variam do II ao IX, dispostas nas três faces do morro. Nas próximas páginas os croquis de três vias e algumas falésias do Morro do Leme. Texto e croquis: Paulo Henrique.

Vista aérea do Morro do Leme. Foto: Paulo Henrique.

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C r o q u i s 15 Ponto Noturno 3º V A0/VI E2 - 110 metros Localiza-se no Morro do Leme, fora do Forte, no início do Caminho dos Pescadores, ao lado do quiosque. Cuidado com agarras que podem quebrar e acertar os pedestres. Pode-se costurar a primeira chapeleta ficando em pé no bicicletário. Foi conquistada por Paulo Henrique e Marcos Vinícius, em 2005.

Paulo Beleza na via Ponto Noturno. Foto: Eduardo Magalhães.

Via Ponto Noturno. Foto: Flavio Daflon.

Vias da Enseada, conquistadores: Bicho Papão, Paulo Henrique e André Ilha - 2006. Depois da Tempestade, Pedro Bugim e Aline - 2006. Diedro Mar Grosso, Tonico e Juliano Magalhães - 2005. Dois por Um, Tonico e Juliano Magalhães - 2005 Insolação, Tonico e Juliano Magalhães - 2005 Maré Negra, André Ilha e Yuri - 2006 Marola, Paulo Henrique - 2006 Ressaca, Tonico e Juliano Magalhães - 2005 Rio 40º, Tonico e Juliano Magalhães - 2005 Tsunami, André Ilha e Rodolfo Campos - 2005

Paulo Beleza na via Ponto Noturno. Foto: Eduardo Magalhães.


C r o q u i s Enseada do Leme Passando a via Ponto Noturno e seguindo pelo caminho dos pescadores, há um outro setor do Morro do Leme, a Enseada. Até chegar a Enseada propriamente dita há quatro vias: Mar Grosso (IVsup) é um diedro protegido por friends médios, pequenos e stoppers. O crux é a virada do diedro e para chegar ao grampo de rapel, o lance é um pouco exposto. Tsunami (III) fica logo à direita do diedro. É uma fenda frontal perfeita, ótima para quem está aprendendo a escalar em móvel, são necessários apenas stoppers. Em seguida estão as vias Depois da Tempestade (IIIsup) protegida por grampos, e a Dois por Um (III), onde no final se faz um pequeno rapel para entrar na enseada e alcançar as outras vias. Pode-se chegar a Enseada também por uma trilha que começa antes do final do caminho dos pescadores e termina próxima da via Rio 40º. Há grampos para rapel.

Via Insolação, Enseada do Leme. Fotos Paulo Henrique.

Via Insolação, Enseada do Leme.

Se for voltar pela via Dois por Um, a dificuldade passa para quinto grau. Na Enseada não deixe de fazer a via Insolação (IIIsup), protegida por alguns poucos friends médios e grandes, além de grampos, também boa escolha para quem está começando a guiar em móvel. E também as vias Ressaca (IVsup) e Rio 40º (VIsup).

Via Rio 40º, Enseada do Leme.

Via Mar Grosso, Enseada do Leme.


C r o q u i s Ratos de Montanha 5º VIIa E2/E3 e Paredão Leme 3º IV E2 O acesso às bases é pela escadaria velha atrás do pátio Coronel Rogério. O primeiro grampo da Ratos de Montanha não é visível da base, então oriente-se observando o platô e o buraco que está a esquerda da proteção. Ambas ainda tem agarras para quebrar. É recomendável não fazer o rapel e sim sair pelo lado direito do mastro no cume, e em seguida descer caminhando pela estrada do Forte. Ratos de Montaha foi conquistada por Paulo Henrique, Marcos Vinícius, Patricia Duffles, Leandro Chen e Marcos Snakinho. O Paredão Leme é conquista de Alexandre Decker, Hélio Barroso e Nelson Bussi.

César Chaparro na via Ratos de Montanha. Fotos: Flavio Daflon

César Chaparro na via Ratos de Montanha.

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