Metodologia Instituto Consulado da Mulher

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ASSESSORIA A EMPREENDIMENTOS POPULARES para geração de renda Proposta metodológica para o fomento à geração de renda, embasada nos princípios da economia solidária, educação popular e educação em gênero



Prólogo

Introdução 9 | A ética do cuidado

12 | A função do assessor 14 | As três abordagens da proposta metodológica

Capítulo 1 17 | A abordagem pedagógica 18 | Educação popular 20 | Educação em gênero 23 | Economia solidária 27 | A gestão dos conflitos

Capítulo 2 35 | A abordagem de negócios

36 | Estudo de novos negócios/plano de negócios 38 | Sistematização e apresentação dos planos de negócios 39 | O que garantirá, na prática, o sucesso e desenvolvimento contínuo do empreendimento? 43 | Assessoria a empreendimentos populares em fase inicial 50 | Formação de preço 57 | Fluxo de caixa

Capítulo 3 63 | A abordagem da gestão

66 | Sobre as práticas de GTR 67 | Fases e etapas das práticas de GTR 72 | Árvore de objetivos 74 | Identificação de empreendimentos viáveis 78 | O planejamento 88 | Fazer/executar o plano de assessoria 89 | Checar/monitorar 90 | Agir


Organização

Christiano F. S. Basile Conselho Editorial

Dayla Souza Gielyzandra Cruz da Silva Kelly Cristina Silva Baptista Leda A. S. Böger Luiz Fabiano Castilho Maria Lúcia S. Neitsch Paulo Dalfovo Neto Coordenadora editorial

Scriba Comunicação Corporativa Projeto gráfico e diagramação

107artedesign Revisão

Audrey Ribas Kelly Fusteros


Prólogo

valorização do ser humano, como razão principal de todas as coisas, e o profundo respeito ao meio ambiente poderão Temos a convicção de que somente a

nos levar, de fato, a uma sociedade inclusiva e igualitária. E por entender que a assessoria a empreendimentos protagonizados por mulheres é uma maneira efetiva de nos mover a um país melhor, com oportunidades para todas e todos, a Consul investe há 10 anos no Instituto Consulado da Mulher.

inclusão social da mulher, principal agente de transformação da família e da sociedade, estamos construindo um mundo mais justo para todas as pessoas. Apresentamos, com orgulho e simplicidade, nossa contribuição para o desenvolvimento econômico e SOCIAL de empreendimentos populares voltados á geraçâo de renda . Este trabalho é o resultado de uma construção coletiva , que teve a participação de cada funcionária e funcionário do instituto consulado mulher , somada à história Ao investir na

de muitas pessoas e comunidades com as quais interagimos ao longo de 10 anos de atuação. Procuramos

aprendizado obtido junto aos nossos voluntários, parceiros, fornecedores e funcionários da whirlpool latin américa . Desejamos que as reflexões e propostas aqui apresentadas possam inspirar e orientar pessoas e entidades que se dedicam ao empreendedorismo popular , criando condições registrar, também, todo o

para o desenvolvimento de PROJETOS que motivem e TRANSFORMEM para melhor a vida de pessoas e

comunidades.

Leda Böger Diretora Executiva Christiano Basile Coordenador Programas de Geração de Renda


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Introdução


A ética do cuidado Construir um mundo mais justo e sustentável é um dos grandes desafios da sociedade atual. Praticar a sustentabilidade implica associar de forma sinérgica, cuidadosa e duciativo na cultura e nos processos de desenvolvimento protagonizados pelo ser humano. De certa forma, isso quer dizer que precisamos resgatar e reforçar a ética do cuidado, que para Frei Leonardo Boff1significa:

Um consenso mínimo a partir do qual possamos nos amparar e elaborar uma atitude cuidadosa, protetora e amorosa para com a realidade... esse afeto vibra diante da vida, protege, quer expandir a vida.

Ao longo da nossa história, o valor Cuidado tem sido uma função social atribuída à mulher, como resultado de uma convenção baseada em desigualdades de oportunidades e de poder entre gêneros e também entre raças, etnias, culturas e classes sociais. Entretanto, uma sociedade melhor se desenvolve na medida em que o valor Cuidado seja incorporado por todos, sem exceção. As diferenças entre as pessoas não devem ser motivo para discriminação, segregação ou desigualdade de oportunidades. As desigualdades de gênero, em especial, estão evidenciadas em vários levantamentos e estudos no Brasil e no mundo, e mostram que, desde a antiguidade as mulheres têm sido deixadas de lado em questões como o acesso à educação, ao trabalho, à segurança, à habitação e à saúde. Como consequência, percebe-se que ser mulher, em contextos de vulnerabilidade social2, potencializa a falta de acesso aos direitos humanos

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Leonardo Boff, 1999. Saber Cuidar: ética do humano – compaixão pela terra.

Projeto de Qualificação Social para Atuação de Sujeitos ou Grupos Sociais na Negociação Coletiva e na Gestão de Políticas Públicas: Aspectos Conceituais da Vulnerabilidade Social, Convênio MTE – DIEESE, 2007, disponível em www.mte.gov.br/ observatorio/sumario_2009_TEXTOV1.pdf · Arquivo PDF. 2

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radoura os elementos econômicos, sociais e ambientais, solidificando esse princípio asso-

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básicos3 e às condições básicas para a qualidade de vida, principalmente se esta mulher for mãe e chefe de família. Vale destacar o artigo 1° da Declaração Universal dos Direitos Humanos:

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Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade. O acesso ao trabalho e à renda é uma estratégia muito importante para promover qualidade de vida e a superação das situações de vulnerabilidade social. É por meio deles que se ampliam as liberdades e, de forma autônoma, superam-se privações por parte das pessoas, famílias e comunidades. Com base no entendimento de que a mulher acumula funções de cuidado com a casa, a família e a comunidade, compreende-se que essa mesma mulher é, potencialmente, um grande agente de transformação social. Por isso, ações que promovem a inclusão da mulher e que aumentam o seu poder provocam impactos positivos também na casa, na família e na comunidade onde ela vive.

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É dentro dessa perspectiva que o Instituto Consulado da Mulher desenvolve e consolida programas e práticas sociais voltados para o empoderamento econômico das mulheres, com a estratégia de ampliar as habilidades desse público e acompanhar os empreendimentos populares, tanto em seu início como ao longo do seu desenvolvimento. O Consulado busca articular e prover, de forma continuada, recursos humanos, educacionais e financeiros para que mulheres empreendedoras tenham condições de superar as situações de vulnerabilidade social, especificamente aquelas relacionadas às dificuldades de acesso ao trabalho e à renda. Esse foco de atuação está alinhado à Missão e Visão que orientam a ação do Consulado.

MISSÃO

VISÃO

Assessorar empreendimentos populares protagonizados por mulheres, com aporte de conhecimentos e recursos que viabilizem geração de renda e qualidade de vida.

Desenvolvimento social sustentável com qualidade de vida para famílias e comunidades, por meio de atuação própria e articulação de parcerias.

Universal Declaration of Human Rights in: http://www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/Language.aspx?LangID=por, acessado em 18/05/2011.

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Para nos mantermos fiéis à ideia de construir um mundo mais justo e sustentável para todas as pessoas, deve haver coerência entre os princípios pedagógicos e as práticas de geração de trabalho e renda. Daí a importância das perspectivas da economia solidária, da educação em gênero e da educação popular como pilares estruturantes no desenvolvimento da nossa metodologia de trabalho. São essas as premissas que oriendo Instituto Consulado da Mulher. O maior desafio das práticas de geração de trabalho e renda (GTR) não é atingir as expectativas imediatas de renda do público diretamente beneficiado, mas auferir as condições estruturais e educacionais necessárias para que as pessoas em questão, bem como os empreendimentos dos quais elas participam, desenvolvam habilidades suficientes para solucionar seus próprios problemas e atender suas demandas de consumo, sempre de forma autônoma e em busca da melhoria contínua de sua qualidade de vida. Do ponto de vista metodológico, o desafio para as práticas de GTR é o desenvolvimento de empreendimentos viáveis tanto na perspectiva social, quanto econômica e ambiental. O sucesso das práticas de GTR, portanto, é algo complexo, de médio a longo prazo. Isso porque, além da baixa escolaridade e da falta de recursos produtivos e financeiros, depende-se de fatores sociais, ambientais e de mercado que muitas vezes fogem ao nosso controle. Ainda que todos os fatores objetivos, financeiros e estruturais possam ser disponibilizados por meio das políticas públicas e por entidades de fomento, assessoria e apoio, os resultados dependerão do protagonismo e da capacidade de aprendizagem do público-alvo para sustentar social e economicamente essa prática.

O que significa metodologia

“... metodologia é resultante de processos que envolvem pessoas, grupos, grupalidades, estruturas institucionais, situações, espaços e temporalidades diversas. Nesse sentido, o desenvolvimento de uma metodologia, seja ela qual for, e para qual objetivo for criada, não é “estanque” no tempo, mas é resultante de um processo dinâmico, dialógico e de permanente mudança.” (...) “Ao levantarmos a definição de metodologia no dicionário (Michaelis) encontramos o seguinte: 1) estudo científico dos métodos; 2) arte de guiar o espírito na investigação da verdade; 3) Filos. Parte da lógica que se ocupa dos métodos do raciocínio. (...) A etimologia da palavra “metodologia” já nos traz alguns elementos que devemos considerar quando nos propomos a elaborar e desenvolver uma metodologia. E aqui vamos nos concentrar no item 2, que define a metodologia como “a arte de guiar... Neste sentido, usando uma metáfora, a metodologia representa o “caminho” pelo qual iremos percorrer para chegar a algum lugar. (...) Desta forma, a metodologia é menos um conjunto de técnicas e métodos e mais um processo permanente com definições estratégicas para alcançarmos um objetivo proposto.” (Material disponibilizado por Milton Santos, da EGBE, 2009)

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tam as reflexões e as práticas de assessoria a empreendimentos populares e solidários

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A função do assessor Para entender a função da assessoria no contexto das práticas de GTR, é preciso, antes de tudo, ter clareza sobre os conceitos com os quais desenvolvemos nosso traba-

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lho nos empreendimentos populares. Vamos a eles:

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• Desenvolvimento: existem diversas definições para o termo, mas optamos pela formulada pelo economista indiano Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Ciências Econômicas de 1998, por suas contribuições para a teoria da decisão social, e do “welfare state”, por considerarmos a mais coerente com o universo microeconômico, vulnerável e popular das práticas e programas de GTR, sobre o qual a nossa metodologia está calcada. Em seu livro Desenvolvimento como Liberdade, publicado em 2000, Amartya Sen apresenta a seguinte definição para desenvolvimento4:

Vivemos um mundo de opulência sem precedentes, mas também de privação e opressão extraordinárias. O desenvolvimento consiste na eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição de cidadão. Considerando este tipo de desenvolvimento, vamos para algumas definições.

Considerando este tipo de desenvolvimento, vamos para algumas definições:


Outros conceitos:

• Conceito tradicional: O assessor é, a pessoa, que possuindo certo conhecimento ou experiência, assiste e ajuda a organização/comunidade, oferecendo análises e pistas para tomada de decisões, ou executando estas mesmas decisões em nome da organização/comunidade. Embora esteja subordinado, seu conhecimento dá-lhe poder e influência e lhe confere certo “status social”. • Uma nova forma de assessoria: O educador social. Diversamente do modelo tradicional, o educador social não entende seu papel como um cargo de confiança da organização ou como um “emprego”, mas como “um serviço a causa libertadora do povo”. Ele põe seu saber à disposição dos grupos e movimentos populares. • Numa concepção funcionalista de manutenção da organização, espera-se que o assessor seja o canal de comunicação entre a hierarquia e a base. • No Consulado da Mulher, a assessoria se aproxima bastante da definição do “assessor popular”, embora não se perca de vista sua tarefa de facilitador da relação orgânica do empreendimento ou do grupo assessorado. • Na assessoria se conquista o direito de desenvolver a função educar, ensinar, no sentido de ser reconhecido socialmente pelo grupo ou empreendimento. • A função da assessoria deve estar ligada ao que Gramsci chamava “FUNÇÃO DIRETIVA”, ou seja, a função de quem “conduz”

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http://pt.wikipedia.org/wiki/Educa%C3%A7%C3%A3o_popular, acessado em 18/05/2011

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http://pt.wikipedia.org/wiki/Assessor, acessado em 18/05/2011

A palavra assessor vem de “sedere ad” (sentar-se junto a alguém) e que recorda a atitude de estar perto.

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• Assessor (entendido nesse trabalho também como incubador e educador): pessoa que tem como função profissional auxiliar um cargo superior nas suas funções. Ajudante de empresas, companhias, atividades, ONGs, governo etc. Pessoa colocada como adjunto, assistente ou participante de funções de outrem. Em Administração, segundo Henri Fayol, é o integrante do staff ou da equipe de assessoria. Do Lat. Assessore5.

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• INTERDEPENDÊNCIA: Significa que embora autônomos, existem

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compromissos e responsabilidades advindos do grupo/empreendedor.

• CO-RESPONSABILIDADE: Significa uma responsabilidade conjunta por determinados atos ou decisões. Neste sentido, a co-responsabilidade decorre da parceria que é construída entre o Consulado e o grupo/ empreendedor assessorado.

• PLURALIDADE: É a diversidade de idéias e procedimentos próprios de cada grupo. Implica na compreensão dos diferentes aspectos culturais presentes nas inter-relações.

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• A função da assessoria supõe a capacidade de orientar o grupo a caminhar até a “ocupação de espaços”. • Entretanto, o grupo deve ter, contudo, segurança no que pensa e quer, para ser capaz de ir somando novas forças.

1) Agora que você tem seu grupo de base- o que fazer com ele? Centro de capacitação da juventude – ccj. 2) Assessoria em cinco enfoques – pastoral da juventude – celam. 3) Assessoria e acompanhamento na pastoral da juventude. Conclusões e subsídios do 9º encontro latino americano de pj seção juventude – celam.)


Os empreendimentos populares solidários são formados em sua maioria por pessoas de baixa renda, pouca escolaridade e, muitas vezes, em situação de opressão e precarização em relação ao trabalho e às necessidades básicas para a sustentação de suas vidas. E, nesse contexto, as práticas de assessoria a empreendimentos populares e solidários são uma estratégia para a diminuição das desigualdades sociais e o fortalecimento de princípios humanizadores, a partir da geração de trabalho e renda, na perspectiva de cooperativismo, solidariedade e autogestão. O recorte de gênero é indissociável nesse cenário porque a mulher é protagonista na maioria dos empreendimentos solidários de pequeno porte no Brasil7, uma realidade que traz todas as demandas práticas e estratégicas para superação da pobreza e das desigualdades de gênero. Expostos esses aspectos sobre o universo em que atuamos, temos condições de responder à pergunta que você deve estar se fazendo agora: de que forma um assessor pode contribuir para o desenvolvimento de um empreendimento popular solidário? A resposta é simples: O principal papel do assessor / educador é facilitar os processos de aprendizagem dos integrantes do empreendimento. A velocidade e a intensidade da aprendizagem terá relação direta com o saber originado na experiência prática e nas vivências anteriores do “aprendiz”. Nossa proposta de trabalho adota a educação popular como abordagem pedagógica, porque considera a história e as condições gerais de vida de cada “aprendiz”, somando-se à vivência, conhecimentos e história do “educador”. 6

Ver mais sobre o movimento em www.fbes.org.br.

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Ver Atlas da Economia Solidária em www.mte.gov.br/ecosolidaria/sies.asp.

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• Empreendimento popular solidário: a concepção mais comum para o termo “popular”, inclusive nos dicionários, é de algo do povo, para o povo, que atende às necessidades do povo. Usaremos a concepção de Paulo Freire, entendendo “popular” como sinônimo de oprimido, aquele que vive sem as condições elementares para o exercício de sua cidadania e que está fora da posse e uso dos bens materiais produzidos socialmente. Podemos definir a educação popular como uma teoria de conhecimento referenciada na realidade, com metodologias incentivadoras à participação e ao empoderamento das pessoas, permeada por uma base política estimuladora de transformações sociais, e orientada por anseios humanos de liberdade, justiça, igualdade e felicidade (fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre). O termo “empreendimento popular solidário” deriva do conceito de economia solidária, no qual os principais princípios são o desenvolvimento de atividades econômicas com base na cooperação, na solidariedade e na autogestão6.

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As três abordagens da proposta metodológica Assessoria a Empreendimentos Populares

O trabalho de assessoria a empreendimentos populares inclui as perspectivas

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da economia solidária, da educação em gênero e da educação popular, e a proposta metodológica é formada por diferentes abordagens que se complementam. O assessor que trabalha com esses empreendimentos deve possuir uma boa formação, conhecimentos e habilidades na área de humanas, tanto filosóficos como pedagógicos, de forma que sua visão de mundo e habilidade de educador facilitem a compreensão das variáveis culturais e estabeleçam laços de confiança e sinergia com o público-alvo e as comunidades. Também deve ser capaz de reconhecer os elementos e fatores de sucesso para o desenvolvimento de empreendimentos econômicos. Isso significa dominar aspectos do empreendedorismo, da administração de empresas e da planificação de negócios, além de saber adequar e aplicar esses conhecimentos à realidade do empreendimento, considerando as demandas, potencialidades e limitações das pessoas que o compõem. Um assessor precisa compreender de forma ampla os projetos e programas assessorados e ter planos de ação, nos quais será necessário articular e viabilizar parcerias e recursos. Para isso, se valerá de indicadores que o ajudarão a estruturar diagnósticos e medir os impactos e o desenvolvimento do empreendimento mediante parâmetros sociais, econômicos e ambientais. Somente dessa forma será possível ter compreensão sistêmica sobre o seu universo de ação.


As três abordagens da proposta metodológica do Consulado da Mulher são: A assessoria a empreendimentos populares e solidários demanda o domínio de cada uma dessas abordagens específica, mas não isoladamente, pois seu trabalho exigirá compreensão do

todo e do inter-relacionamento dessas abordagens.

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Abordagem Pedagógica

Educacão Popular, Economia Solidária e Educação em Gênero

ABORDAGEM DE NEGÓCIOS

Viabilidade e Desenvolvimento

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pedagógica, de negócios e de gestão.

ABORDAGEM DE GESTÃO

Diagnósticos, Planos de Assessoria e indicadores de impacto


Assessoria a Empreendimentos Populares

C ap铆tulo

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Abordagem pedag贸gica


1) A simples exposição dos integrantes do grupo a conhecimentos e conteúdos não garante sua aplicação num contexto de dificuldades e conflito de relações; 2) Muitas vezes não será possível formar todos os integrantes em relação aos mesmos conhecimentos e dentro de uma agenda comum, até porque empreendimentos em atividade não podem simplesmente parar suas operações para se submeter às formações que a sua assessoria propõe. Essas variáveis desafiam os educadores a desenvolver continuamente seu repertório, observando não só os campos de conhecimentos necessários para o desenvolvimento da prática de GTR, mas, acima de tudo, articulando os campos de conhecimento “científico” necessário e o “popular” existente, adequando-os conforme o contexto de aplicação. Veja o que diz Milton Santos sobre o desenvolvimento de pessoas “adultas”8:

Os adultos se inserem em situações de aprendizagem com diferentes habilidades e dificuldades. Estas situações são significadas com forte ênfase na retrospecção e no saber originado da experiência prática

e, portanto,

o desenvolvimento dos adultos seria ‘puxado’ pelas relações de: 1) trabalho, 2) interpessoais, 3) conhecimento acumulado e reflexões sobre o mundo, 4) sobre si e sobre as outras pessoas , nessa ordem decrescente de importância. Contribuição de Milton Santos, da consultoria EGBE Desenvolvimento, em material de formação para equipe do Consulado da Mulher em 2009, cita Vygotsky e a Zona Proximal (ZPD): três implicações pedagógicas, in Revista Portuguesa de Educação, vol 14, n.2, pp. 273-291, em trabalho do prof. Carlos Nogueira Filho.

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A abordagem pedagógica é a premissa básica, referencial e transversal de todo o processo de assessoria, já que o desenvolvimento dos empreendimentos ocorre a partir do aprendizado dos participantes, que são, em sua maioria, adultos com baixa escolaridade. Sem uma correta abordagem pedagógica, as ações da assessoria limitariam-se a um mero repasse de informações desconectado das necessidades do público e do contexto em que ele vive. Não provocariam as mudanças nem o desenvolvimento desejado e, ao final, tanto o(a) assessor(a) como os assessorados sairiam frustrados. Ainda que empreguemos essa abordagem, teremos de enfrentar duas variáveis ao trabalhar com empreendimentos coletivos:

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O educador deve entender que o protagonista do processo de geração de renda não é ele, mas o público-alvo. Pelo aprendizado e construção de novos saberes, esse público terá condições de provocar mudanças em sua vida, em sua família e comunidade. O trabalho a ser desenvolvido é, portanto, um desafio predominantemente pedagógico.

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Educação popular

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Primeiro princípio da proposta metodológica do Consulado da Mulher, a educação popular é algo que deve nortear o trabalho de cada educador de empreendimentos populares e solidários. Ela é considerada a abordagem mais adequada para provocar as mudanças desejadas, porque se desenvolve a partir dos conhecimentos trazidos pelos integrantes dos empreendimentos e referenciados na sua própria realidade. Guiando-se pelos princípios da educação popular, o educador incentiva essas pessoas a participar dos processos decisórios, a aumentar seu poder e tornar-se protagonista das transformações sociais. Esse princípio metodológico nos coloca as seguintes questões: Em que medida a assessoria pode de fato gerar trabalho e renda? É possível se estabelecer um empreendimento com recursos escassos ou a partir de nenhum recurso? Como efetuar aporte de recursos sem comprometer a autonomia e a emancipação das pessoas e dos empreendimentos? Paulo Freire9, um dos principais expoentes dessa corrente educacional, afirma que “Não é a educação que vai mudar o mundo. A educação vai mudar as pessoas que vão mudar o mundo”. Seguindo a mesma linha de pensamento, podemos afirmar que não é a assessoria que vai gerar trabalho e renda, a assessoria vai estimular o aprendizado dos assessorados para que eles mesmos sejam capazes de gerar alternativas de trabalho e renda. Essas situações apresentam ambiguidades com as quais os assessores vão se deparar no dia a dia. Ao mesmo tempo em que enfrentarão o constante desafio de encontrar soluções para resolver problemas e superar as dificuldades das pessoas e de seus empreendimentos, eles não poderão ser parte integrante do grupo e nem se distanciar de seu papel de educador.

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Paulo Freire, (1987). Pedagogia do Oprimido, 27° ed. RJ, Paz e Terra.


A falta de acesso a recursos é comum na trajetória dos empreendimentos populares. Sem a devida perspectiva pedagógica, a assessoria não deve assumir o desafio de viabilizar o pleno acesso a recursos produtivos e financeiros para melhorar as condições de trabalho e produtividade, sob risco de fragilizar a posição de autonomia, protagonismo e emancipação dos empreendimentos. Isso comprometeria substancialmente a A educação popular funciona como um guia para a escolha dos caminhos que poderão nos proporcionar o aprendizado desejado. A base da assessoria deve ser o diálogo, o entendimento da história e do contexto de vida do público assessorado. Somente a partir do diálogo, a assessoria compreenderá os fatores objetivos e subjetivos envolvidos na realidade dos integrantes do grupo. Conhecerá a história e o contexto de vida de cada pessoa do grupo, conseguindo, inclusive, identificar suas potencialidades e limitações. Essa compreensão dará a ele condições de relacionar questões específicas de um empreendimento com o contexto mais amplo, que engloba as características da comunidade e da sociedade em que o grupo está inserido. Assim, será possível construir uma visão ampla, crítica e criativa de realidade local, condição fundamental para estimular o protagonismo do empreendedor popular no desenvolvimento das ações e dos aprendizados necessários. Sem essa compreensão, a condução do processo e as decisões ao longo dele serão prejudicadas, impedindo o desenvolvimento pleno das pessoas e, portanto, dos empreendimentos.

Já não se pode afirmar que alguém liberta alguém, ou que alguém se liberta sozinho, mas que os homens se libertam em comunhão. (Paulo Freire)

Portanto, o desafio da assessoria é contribuir para a identificação dos problemas fundamentais, tendo em mente que: • Os problemas devem sempre ter solução; • Devem ser percebidos como problema tanto pelo assessor como pelo público; • Devem despertar motivação para serem resolvidos.

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sustentabilidade futura desses projetos e empreendimentos.

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Mas cuidado: os problemas a serem considerados não são apenas os de ordem objetiva e os relacionados ao empreendimento. Há também aqueles que são subjetivos e pessoais, tais como dificuldades de compreensão por parte das pessoas, problemas de participação e de relacionamento ou relacionados a questões familiares. Por interferirem no aprendizado, esses aspectos não devem ser ignorados. Assessoria a Empreendimentos Populares

A assessoria não pode impor determinados processos e aprendizados de for-

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ma unilateral, assim como ocorre na chamada educação bancária, que tenta depositar conteúdos e normas de aplicação mecânica e automática para o público. No caso de adultos, e especificamente de mulheres em situação de vulnerabilidade, essa é uma situação que provavelmente geraria exclusão e frustração em relação às expectativas de desenvolvimento. Uma referência importante para a identificação de problemas e definição de soluções são as Etapas do Método Paulo Freire, que as utilizou para alfabetização de adultos10: 1) Investigação: busca conjunta entre professor e aluno das palavras e temas mais significativos da vida do aluno, dentro de seu universo vocabular e da comunidade onde vive; 2) Tematização: momento da tomada de consciência do mundo, por meio da análise dos significados sociais dos temas e palavras; 3) Problematização: etapa em que o professor desafia e inspira o aluno a superar a visão mágica e a crítica do mundo, para uma postura consciente sobre o seu cotidiano, favorecendo a compreensão do mundo e o conhecimento da realidade social. O princípio básico da educação popular na formulação da proposta metodológica do Consulado da Mulher demanda a inclusão de dois outros princípios, também básicos e inter-relacionados: educação em gênero e economia solidária.

Educação em gênero A perspectiva de equidade de gênero é uma lente que nos auxilia a romper com o paradigma da supremacia masculina e inferioridade feminina, historicamente consideradas condições naturais. Gênero não é somente uma categoria analítica para se investigar as relações entre homens e mulheres na sociedade, mas um paradigma que denuncia a sociedade patriarcal, marcada por preconceitos fortemente arraigados em nossa cultura. Os estudos de gênero deram visibilidade aos mecanismos culturais, políticos e econômicos geradores do processo de exclusão das mulheres. Associado aos demais 10 Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre: http://pt.wikipedia.org/wiki/Educa%C3%A7%C3%A3o_popular, acessado em 18/05/2011.


fatores de poder – classe social e raça/etnia – tais mecanismos transformaram as mulheres no segmento social mais pobre do planeta, e percebemos em todo o mundo um contexto de “feminização da pobreza”:

Sexo ou gênero? • Sexo é biológico, nascemos com ele, é natural. Portanto, não pode ser mudado. Exemplo: apenas as mulheres podem dar à luz. • Gênero é uma construção social. Não se nasce com ele, mas aprende-se sobre ele por meio da socialização. Portanto, é possível mudá-lo. Exemplo: pode haver cozinheiras e cozinheiros, caminhoneiras e caminhoneiros e tanto homens como mulheres podem cuidar das crianças, dos idosos, da casa, da natureza e da comunidade. • Na cultura patriarcal/machista, a guerra, a razão, a competição e a dominação estão geralmente associadas ao sexo masculino, enquanto o cuidado, a intuição, a cooperação e a associação geralmente estão ligados ao sexo feminino. Para assegurar a eficiência da assessoria aos empreendimentos populares protagonizados por mulheres, é fundamental considerar as necessidades práticas de gênero, pois: • As diferenças entre os seres humanos existem e devem ser respeitadas do ponto de vista da diversidade. O problema ocorre quando as diferenças sociais ocasionam desigualdades de poder e oportunidades. A reflexão sobre as desigualdades oriundas das diferenças de função social – construídas historicamente – são corporificadas na educação em gênero, e interfere diretamente no desenvolvimento de práticas de GTR. Conflitos de relacionamento e poder, fragilidades e falta de oportunidades estão relacionadas a essas desigualdades; • As divisões sexuais do trabalho, assim como as diferenças de função social entre homens e mulheres, foram historicamente construídas com base no que se conhece como patriarcalismo. Dessa perspectiva, as diferenças biológicas são base para justificar desigualdades, entre as quais a visão de que o espaço público (trabalho fora de casa e remunerado) está reservado aos homens, enquanto o espaço privado (trabalho não remunerado, cuidados com a casa e a família...) está reservado à mulher; • Para uma sociedade justa e sustentável, é necessário desconstruir esses valores patriarcalistas/ machistas, pois a partir dessa cultura tanto homens como mulheres são limitados em suas liberdades e potencialidades. As desigualdades e infelicidades ampliam-se em situações atípicas, como quando o homem está desempregado, por exemplo. Enquanto ele deixa de ter sua função

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As mulheres: • Representam 70% dos pobres em todo o mundo • Realizam 70% das horas de trabalho • Detêm apenas 10% das posses mundiais

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social, culturalmente associada ao trabalho, sua esposa fica responsável por cuidar da casa, dos filhos e, ainda, por buscar fontes de renda;

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• Desigualdades de gênero que são amplamente reconhecidas: as mulheres são maioria entre as pessoas que desenvolvem ações voluntárias, comunitárias e de interesse social e ambiental; chefiam parte substancial das famílias em situação de vulnerabilidade social, e por isso são potencialmente as melhores agentes de transformação social. Estudam mais e possuem rendimentos menores que os homens. Possuem jornada de trabalho mais extensa que as dos homens. Sofrem discriminação, preconceito e violência. Os homens são maioria absoluta em cargos de liderança e direção de organizações. As necessidades práticas de gênero são aquelas que apresentam condicionantes e limitantes. Por conta disso, diversas vezes o educador deverá adotar ações de curto prazo para driblar as dificuldades enfrentadas pelas mulheres e possibilitar que elas participem efetivamente do processo de aprendizado e desenvolvimento dos empreendimentos.

São necessidades práticas de gênero: • O pouco tempo disponível das pessoas, em especial das mulheres, exige praticidade, efetividade, flexibilidade de tempo e de dedicação do público para viabilizar a formação e a assessoria paralelamente ao funcionamento dos empreendimentos populares; • Necessidades emergenciais e de subsistência (filhos, família, casa, saúde e segurança da mulher). Esse quadro demanda parceria com programas públicos redistributivos, como os de auxíliorenda, mas com contrapartidas que evitem práticas assistencialistas e a acomodação do público envolvido; • Necessidade de suporte e encaminhamento adequado em situações de violência moral e/ou física; • Necessidade de creches para deixar filhos pequenos enquanto a mulher se dedica ao trabalho e também ao estudo fora de casa; • Necessidade de valorizar o trabalho, tanto dentro como fora de casa. De forma geral, as mulheres acostumaram-se ao trabalho doméstico não remunerado. Isso dificulta a compreensão das técnicas de formação de preço e do conceito de preço justo, requerendo esforço especial para absorção da ideia de valoração do tempo de trabalho. Por outro lado, a valorização do trabalho doméstico é importante para a autoestima da mulher e como forma de sensibilizar famílias e a rede de apoio para que as responsabilidades domésticas sejam mais facilmente compartilhadas com companheiros, filhos e dependentes. • Necessidade de praticar planejamento e o exercício de regras e princípios para o trabalho nos espaços fora de casa. As mulheres participantes de empreendimentos populares exercem várias funções simultâneas, acumulam tarefas e, de modo geral, enfrentam muitos conflitos interpessoais. Por isso, em grupos de GTR é grande a exigência por confiança, participação e distribuição clara de responsabilidades – ingredientes novos para quem restringia sua ação apenas ao ambiente individual e doméstico.


O desenvolvimento de práticas de GTR na perspectiva da economia solidária pressupõe uma evolução nas relações sociais de gênero, com redução das desigualdades sociais entre os sexos, o fim das diferenças de poder entre as pessoas e a divisão equitativa do trabalho e das responsabilidades domésticas entre homens e mulheres. Uma efetiva melhoria nas relações de gênero exige o empenho de todos em prol das

Substituição ou equilíbrio entre valores na sociedade e no trabalho: • Competição >> cooperação; • Individualismo >> solidariedade; • Egoísmo >> altruísmo; • Centralização e acúmulo de poder >> descentralização e autogestão;

Educação em gênero também para homens e crianças. Sensibilizar e envolver toda rede familiar da mulher participante de práticas de GTR sobre a necessidade de apoio e redistribuição das tarefas domésticas e desconstrução de valores patriarcalistas/machistas;

Estímulo à equidade na proporção de mulheres e homens em cargos de chefia, liderança e direção; Equiparação de salário entre homens e mulheres para cargos e funções similares.

Economia solidária Terceiro e último princípio básico que norteia a proposta metodológica do Instituto Consulado da Mulher, a economia solidária surge quase como consequência da adoção dos princípios da educação popular e educação em gênero. Ela pode ser definida como o conjunto das atividades de produção, distribuição, consumo e crédito para geração de trabalho e renda, baseado no trabalho coletivo, no respeito ao meio ambiente e na valorização do ser humano. Ganhou esse nome porque é por meio dessas práticas que as pessoas passam a cultivar e a desenvolver, em diversos graus, o valor da solidariedade nas relações econômicas e sociais que privilegiam a autogestão, a cooperação, o desenvolvimento comunitário e humano, a justiça social, a igualdade

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seguintes transformações:

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de gênero, raça, etnia e o acesso igualitário à informação e ao conhecimento. Busca também a preservação dos recursos naturais pelo manejo sustentável e responsabilidade com as gerações, presente e futura, construindo uma nova forma de inclusão social com a participação de todos11. O termo economia solidária surgiu no Brasil em 1995, tendo como principal exAssessoria a Empreendimentos Populares

poente o economista e professor Paul Singer. Em 2003, Singer passou a comandar a Se-

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cretaria Nacional de Economia Solidária, vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego. A institucionalização dessa política pública foi fruto da mobilização da sociedade civil, sedimentada e organizada no Fórum Social Mundial de Porto Alegre. Em novembro de 2010, o então presidente Lula - Luiz Inácio da Silva - instituiu o primeiro Sistema de Comércio Justo e Solidário do mundo, reconhecido e fomentado pelo Estado, em decreto assinado em reunião do Conselho Nacional de Economia Solidária (CNES).

Segundo o Atlas de Economia Solidária, em 2007 existiam

21.859 empreendimentos de economia solidária distribuídos pelo País, com quase

milhão de participantes.

A economia solidária estimula o empreendedorismo popular como estratégia de inclusão social e econômica. Assim, não seria coerente orientar os benefícios para indivíduos em detrimento da demanda de uma comunidade. Pela mesma razão, os empreendimentos inspirados na economia solidária não devem ser regidos pela lógica capitalista, com empregados e lucros. Isso concentraria os benefícios nas mãos de sócios e acionistas. Ao propor um caminho alternativo para a lógica da competição, a economia solidária rejeita a exclusão e o desemprego em situações de retração de mercado e crise econômica. Da mesma forma, opõe-se à precarização do trabalho, ao subemprego e ao emprego informal.

11 Formação em Economia Solidária, Projeto Casa Brasil, Módulo 2 : Introdução à Economia Solidária, Fabiana Pereira Gomes, Maurício José Klein, Miguel Steffen, Sérgio Mariani, Ministério do Trabalho e Emprego – M.T.E., Secretaria Nacional de Economia Solidária – Senaes, disponível em http://pt.scribd.com/doc/20238951/formacao-em-economia-solidaria-introducao-a-economia-solidaria-2.


A economia solidária é resultado de uma construção social que se originou nos movimentos sociais alinhados com o próprio raciocínio da Pedagogia da Libertação, de Paulo Freire, entre outras várias citações, assim como existe essa mesma estreita relação histórica com os movimentos feministas que evoluíram e corporificaram a educação

Como seria de esperar, os projetos organizados por comunidades pobres assumem quase sempre a forma da economia solidária. A alternativa seria alguns membros da comunidade assumirem o papel de capitalista e assalariar os demais. Como ninguém tem dinheiro, essa hipótese é improvável. Além disso, a ajuda mútua é essencial ao esforço de gente desprovida de capital para melhorar sua situação social e econômica. O desenvolvimento que combate a pobreza é solidário e isso já vem sendo comprovado na prática em diversos lugares12. As manifestações da economia solidária são diversas, dentre as quais se destacam: coletivos informais, associações, cooperativas de produção, de consumo ou de serviços; cooperativas sociais (pessoas com necessidades especiais); organizações e grupos de crédito solidário, bancos comunitários, fundos rotativos e cooperativas de crédito; redes de empreendimentos, produtores e consumidores; grupos e clubes de troca solidária e mercados de trocas solidárias com ou sem uso de moeda social; empresas recuperadas pelos trabalhadores em autogestão; cadeias solidárias de produção, comercialização e consumo; centrais de comercialização, iniciativas de comércio justo, organização econômica de comunidades tradicionais (ribeirinhas, quilombolas, comunidades negras e terreiros de matrizes africanas, povos indígenas, seringueiros, pescadores artesanais e outros extrativistas, dentre outras); cooperativas habitacionais autogestionárias; grupos culturais; agroindústrias familiares, entre outras iniciativas em áreas urbanas ou rurais.

A Economia Solidária no Governo Federal, Paul Singer, Secretário Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego, IPEA-mercado de trabalho| 24| ago 2004.

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Assessoria a Empreendimentos Populares

em gênero. Segundo Paul Singer:

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Assessoria a Empreendimentos Populares

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Ingredientes da economia solidária para o Consulado 1) Motivar e sentir-se motivado quando o assunto é um mundo mais justo por meio do trabalho; 2) Dividir os frutos desse trabalho de acordo com as contribuições de cada um; 3) Todos os que trabalham têm o direito e o dever do pensar, falar e participar da decisão; 4) Valorizar os vários tipos de trabalho: • feito dentro ou fora de casa; • o que é realizado sem se cobrar nada por ele; • aquele pelo qual se paga com remuneração; • e, principalmente, aquele que é feito com amor, carinho e respeito ao meio ambiente; 5) Dividir igualmente as tarefas entre homens e mulheres: não existe distinção entre o que é função de mulher e função de homem; 6) Entre as riquezas geradas pelo trabalho, somar uma pitada de conhecimento, outra de participação, mais uma pitada de saúde, uma de renda, uma porção de amizades e um mundo melhor para todas as pessoas; 7) Praticar o cuidado em cada momento da vida, na hora de comprar, produzir, dividir, aprender ou ensinar. No Instituto Consulado da Mulher, a economia solidária é tratada como princípio pedagógico para a formação das pessoas e desenvolvimento dos empreendimentos, e os valores derivados desse princípio são incorporados às práticas de assessoria. O Consulado estimula a organização de demandas comuns entre empreendimentos individuais, propõe a formação de fundos rotativos e estratégias coletivas de compras, trocas e comercialização. Tanto para educadores como para integrantes dos empreendimentos assessorados, estimulamos a participação em fóruns de economia solidária, em que políticas públicas e outras questões de interesse comum estão sempre em debate. Nesses fóruns, também se pode estreitar relações com entidades de apoio e fomento, estabelecendo parcerias de ajuda mútua e ação complementar no processo de assessoria a empreendimentos e no fortalecimento das relações entre os empreendimentos.


O acúmulo de experiências tem reforçado a importância da reflexão e prática de valores e princípios como parte indissociável da assessoria aos empreendimentos. Se esses assuntos deixarem de ser abordados, eles tendem a ficar de lado por conta dos problemas e demandas do dia a dia, problemas estes sempre urgentes e importantes,

4 Problemas com o processo de compras, fornecedores e gestão de estoques; 4 Problemas com a qualidade dos produtos, serviços e atendimento a reclamações e

sugestões de clientes; 4 Problemas relacionados à necessidade de ampliar as vendas e prospectar novos

consumidores; 4 Problemas com formalidades, formalizações, legislações e fiscalizações; 4 Problemas com baixa renda, dificuldade ou piora no volume de vendas; 4 Problemas, problemas, problemas...

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tais como:

Identificar esses problemas, priorizá-los e resolvê-los é o desafio cotidiano dos empreendimentos. Porém, importante salientar que a grande parte dos problemas, em especial os coletivos, não poderá ser resolvida com a simples melhoria dos processos e procedimentos de trabalho, já que muitas situações estão relacionadas às pessoas e não às máquinas, o que torna a condução dos casos mais complexa e delicada.

A gestão dos conflitos O aspecto humano das organizações constitui um componente vivo, complexo e dinâmico. Cada pessoa traz consigo uma história e, junto com ela, habilidades, potencialidades e limitações. Por isso, os conflitos são tão comuns nos empreendimentos coletivos, principalmente nos participativos.

Paz não é ausência de conflito! A cultura da paz se constrói com negociação e diálogo, liberdade e autonomia, dignidade e igualdade na diversidade. (Clara Charf)

Espera-se que o educador consiga atuar com maturidade em relação a esses conflitos, procurando entender suas origens. Em alguns casos, eles estarão relacionados à divergência de opiniões. Em outros, serão consequência da necessidade de melhoria

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organizacional, definição de funções, divisão de tarefas e estabelecimento de regras. Mas pode acontecer de algum participante ter um comportamento incompatível com as expectativas coletivas, sendo percebido pelo grupo como agressivo ou extremamente passivo, por exemplo. Nesses casos, a convivência poderá ser inviável. As diferentes formas de manifestar a individualidade, como comportamento, haAssessoria a Empreendimentos Populares

bilidades, fragilidades e pontos de vista, podem gerar conflitos dentro do grupo, cau-

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sados pela dificuldade de relacionamento e de interiorização de valores como cuidado, solidariedade e respeito à diversidade, que se contrapõem ao senso comum de individualidade, competição e exploração aos quais fomos acostumados e ensinados. Aspectos que envolvem sentimentos relacionados ao desafio de lidar com as fragilidades e inseguranças de cada pessoa, tanto no seu universo privado (casa, família, individualidade) como no universo público (trabalho, comunidade) também podem gerar conflitos reincidentes. Estaremos, nesse caso, diante do grande desafio da desconstrução de uma cultura individualista, egoísta, competitiva e da falta de confiança, para a construção de uma outra, baseada no altruísmo, cooperação, tolerância e confiança. Tais problemas só podem ser resolvidos com diálogo, seja com todo o grupo seja apenas com as pessoas diretamente envolvidas ou, ainda, unicamente com o indivíduo motivador do conflito. Em qualquer situação, será necessário construir um ambiente onde todos respeitem a liberdade de cada um e sejam tolerantes com as diferenças, mesmo em situações difíceis. Seja como for, um grupo só será capaz de lidar com problemas objetivos e subjetivos se o responsável pela assessoria mantiver uma preocupação permanente com a formação e prática de valores e princípios. E para trabalhar essas questões, será preciso relacionar o comportamento cotidiano das pessoas com os aspectos éticos e morais que devem orientar seus relacionamentos. Em nenhum momento, o propósito será julgar ou condenar, mas simplesmente conduzir o grupo à reflexão. Isso pode ser feito estabelecendo-se rotinas, como iniciar ou encerrar reuniões sempre com pensamentos e reflexões que evoquem esses referenciais. Também poderão ser organizadas rodas de conversa, apresentação de vídeos, rodas de música, dinâmicas, brincadeiras, leitura de textos e grupos de estudo. Se houver disciplina e constância nessa prática, o grupo se desenvolverá com identidade própria e coesão, com respeito, confiança mútua e plena aceitação à liderança do assessor. A seguir estão os valores do Consulado em cordel, que podem contribuir para a interiorização dos principais valores envolvidos no desenvolvimento dos empreendimentos solidários.


É dar e receber de igual para igual, Preocupar-se com as pessoas Por todo lado é muito legal. Cuidamos bem do voluntariado, Participantes e da equipe também, com muita atenção, respeito e carinho Para que todos fiquem bem. E pro bom funcionamento Instalação e equipamento Também vamos cuidar. E para falar em cuidado, Atenção com o meio ambiente, Respeite a natureza Que é a nossa maior fonte de riqueza. Para se viver melhor Com sensibilidade maior, Vamos fazer o que é interessante: Pras pessoas o maior respeito Cada um do seu jeito. Perceber suas necessidades E valorizar suas qualidades. De cada gente de verdade Valorizar o que se sabe. Experiência, conhecimento. Estimular todo potencial, Das mulheres em especial,

Para crescer de todo jeito Com cuidado será perfeito. Às práticas da natureza Saber proteger e respeitar, Os três princípios praticar: Reduzir, Reutilizar e Reciclar. Ajuda entre toda gente, Quem se cuida Tem saúde do corpo e da mente. E da imagem do Consulado, tenha carinho e cuidado. Pois dele você faz parte, Faça com alegria e arte, Cuide da Vida em Toda parte, Que tal?

SOLIDARIEDADE Solidariedade é o exercício de um compromisso, É a partilha de conhecimento e atitude para isso. Responsabilidade com a comunidade local Buscando autonomia e felicidade, fica genial! Dar, receber e retribuir é a prática necessária, Para criar uma relação humana, rica e solidária. Além disso, temos mais o que praticar, Todo esse conhecimento compartilhar. Com toda a cidadania e generosidade atuar, Com igualdade entre mulheres e homens será, Com economia solidária, que é para perpetuar. Formar redes solidárias na comunidade, Com apoio de outros grupos e entidades. Valorizar o trabalho coletivo e os laços fortalecer, Entre todas as pessoas que vão se comprometer. Compreender e atender nas dificuldades, Construir autonomia e histórias de felicidade. Feito por gente que doa energia e vontade, Eis o que representa a solidariedade.

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Valores do Consulado da Mulher | em cordel

CUIDADO

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Valores do Consulado da Mulher | em cordel

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DIVERSIDADE Acolher e compreender pessoas como elas são e não julgá-las, não. Essa é a prática que acrescenta ideias novas, Porque mostra diferenças maravilhosas. Pra que discriminar toda gente em geral? Pode crer que isso não é legal. Gente com deficiência não devemos recusar, O que pode dar cada pessoa vamos apreciar. Respeite toda diferença e escolha sexual, Compreenda que a diferença não faz mal. Toda cor de pele e traços corporais, Não tem a ver com questões morais. Trabalhe pelo fim do preconceito, Trate de incluir, que será bem feito. Entre homens e mulheres aceite a diversidade, rico, pobre, idoso, jovem, gente de verdade. Para lidar com situações diferentes, Acredite, isso deve ser para sempre. Acredite, pessoas podem mudar! A partir do que for oferecido, Ou do que pessoalmente for decidido. Saiba com as diferenças lidar, Sem mágoas a vida vai melhorar. Respeite nas pessoas diferentes visões de mundo, Perceba o tempo das pessoas de modo profundo. Nas divergências use sempre o consenso, Não confronte, evite um ambiente tenso! Acolha cada pessoa com sua visão, De acordo ou não, estenda a mão!


É praticar na sua vida e no Consulado, A transformação de pessoas ao redor. Com toda paciência e cuidado, Para alcançar um bem maior: A vida plena e recompensadora, Sem medo, libertadora. Viva um ambiente de confiança, facilite, Saiba dizer não e coheça seus limites. O respeito começa mesmo é contigo Mesmo que não acredite, eu te digo: A tudo a seu redor tem respeito para dar, Dialoque, mas pense bem antes de falar.

Culpar as pessoas não, isso não Leve em conta o momento, Dê importância ao sentimento. E para crescer escolha a reflexão, Cultive diálogo com ponderação. Perceba as pessoas como estão, Compreenda qual é a situação. Estimule autonomia e liberdade de expressão E acredite é na felicidade para sua realização Não trate problemas de forma assistencialista. Tenha nossos valores e filosofia sempre à vista Com respeito seja otimista e transparente, Saiba praticar respeito com toda gente

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Respeito

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integridade É fazer o que se fala e falar o que se faz, Ter coerência entre a prática e o discurso, E com atitude ética, nunca é demais. Construir felicidade cada vez mais. Na realidade esse é o nosso recurso, Tecer histórias de pessoas realizadas, Para toda comunidade viver em paz. Praticar nossos valores e inspirar. Mostrar segurança e o que é justo Com solidariedade a todo custo. Também saber ouvir sem revidar, Saber se relacionar sem machucar.

Nada de partido, religião ou crítica moral, No Consulado toda gente é tratada igual. Mas com atitude e consciência, Ajudar sem criar dependência. Claro que em situação especial, Pode-se usar a prudência. Confie e dê autonomia sempre, Torne ativa e unida toda gente. Pratique acolhimento e respeito, Com apreço de modo bem feito, Para dentro de cada pessoa caber, O orgulho de aqui pertencer!


Resumo Ao final da leitura desse item (Abordagem Pedagógica), o(a) assessor(a) deve estar atento(a) e desenvolver continuamente sua capacidade em:

Investigar e

Em grupos populares

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Não tratar os assessorados como

compreender o

integrados por mulheres,

objetos de um

contexto específico do

valorize os elementos

projeto de geração

público assessorado,

subjetivos envolvidos no

de renda, mas como

identificando histórias

desenvolvimento das pessoas

protagonistas,

pessoais, escolaridades

e dos empreendimentos.

pautando a assessoria

e família; ampliar o

As mulheres, em especial

a partir das demandas

foco para um contexto

as mães, possuem

e lacunas identificadas

mais amplo e procurar

necessidades emergenciais

com as pessoas do

entender também sua

de sobrevivência e restrições

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empreendimento,

comunidade, a cultura e

de tempo para dedicar

valorizando suas

as formas de organização

ao empreendimento.

histórias, contextos,

socioeconômica da

Além disso, necessitam

potencialidades,

região. As fragilidades

de reconhecimento

fragilidades,

e potencialidades têm

e cuidados contínuos

motivações e objetivos.

origens no contexto

com sua autoestima,

Evitar conteúdos

específico e no mais

estímulo permanente

prontos e que não

amplo, como também no

para o desenvolvimento

estimulam a reflexão

relacionamento entre os

de potenciais e esforço

e a investigação. O

dois contextos.

para a desconstrução das

diálogo e a pergunta

assimetrias de gênero. É

“por quê?” são sempre

importante estimular a

essenciais;

superação de conflitos de relacionamento encarandoos como elementos naturais do processo participativo. Procure incentivar a busca da confiança e a aceitação da diversidade;


Sentir-se e

Referenciar

contínua a melhoria

comportar-se como

continuamente os

nas relações de

parceiro das pessoas

valores Cuidado,

trabalho, de produção

do empreendimento

Respeito, Integridade,

e distribuição de

e, mesmo diante de

Solidariedade e

riqueza, estimulando

situações que lhe

Diversidade como

a autogestão nos

faltem informações

princípios para a solução

grupos, a solidariedade

e conhecimentos,

de problemas, criação de

no relacionamento

aceitar o desafio e

identidade e confiança

com a comunidade

encorajar o grupo

mútua.

e o meio ambiente,

para a superação dos

como estratégias

problemas, passo a

para a ampliação da

passo, respeitando o

força do coletivo e

tempo das pessoas

sustentabilidade dos

e estimulando

empreendimentos;

sua resiliência (ver conceito na pag. 20);

Assessoria a Empreendimentos Populares

Promover de forma

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Assessoria a Empreendimentos Populares

C ap铆tulo

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Abordagem de neg贸cios

2


Assessoria a Empreendimentos Populares

A abordagem de negócios é fundamental para a gestão do empreendimento do ponto de vista da oferta de produtos e serviços, definição dos processos de trabalho e conquista do mercado. Suas variáveis e fatores são bem conhecidos no campo da Administração de Empresas e Empreendedorismo, onde é vasta a literatura a respeito. Porém, o desafio está na abordagem adequada desse campo de conhecimento nos empreendimentos populares. O principal desafio está em balancear o esforço, a adequação, o nível de detalhamento e de definições que se deve desenvolver em relação à complexidade do empreendimento e às potencialidades e limitações definidas pelo histórico e cultura do público envolvido. Conteúdos, estrutura e tempos de formação prontos e pré-definidos podem gerar fragilidades no processo de aproveitamento e aprendizado, ainda mais se a assessoria apenas reproduzir mecanicamente apresentações e apostilas sem considerar as especificidades de empreendimentos e contextos particulares do grupo em questão. Por exemplo: a maioria das pessoas é capaz de compreender que existe uma quantidade “X” mínima a ser produzida todo mês para que o preço justo “Y” seja praticado, resultando numa renda “Z”, que vai possibilitar o pagamento dos custos, sobras para poupança e investimentos futuros. Se é assim, por que aprofundar métodos que incorporam cálculos como “lucro operacional”, “lucro líquido” e sistemas complexos de custeio se o público não consegue compreender ou aplicar esses conceitos? Será que o modelo a ser utilizado para uma artesã que produz bolsas de crochê seria o mesmo de uma cooperativa de coleta, triagem e comercialização de materiais recicláveis? Ou, então, de uma cozinha que produz dezenas de itens diferentes? Faz sentido exigir que uma pessoa de baixa renda, que possui pouco tempo disponível e necessidades emergenciais, dedique-se durante dois meses a preencher planilhas e tabelas prontas para possuir um “Plano de Negócios” com missão, visão, objetivos e estratégias, ponto de equilíbrio e rentabilidade esperada? Não seria preferível utilizar métodos mais simples para explicar ao assessorado as condições para o seu negócio dar certo? E quando o negócio estiver em funcionamento, o que será mais importante: fortalecer a estrutura organizacional do empreendimento, desenvolver sua capacidade de se adaptar às realidades do mercado ou focar em ações de melhoria dos produtos já desenvolvidos?

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Essas questões sempre acompanharão assessores de empreendimentos populares, visto que grande parte dos grupos não aspira produzir em grande escala nem atuar em grandes mercados e nem tampouco adotar processos contínuos de inovação. O melhor caminho pode ser encontrar espaço e oportunidades em pequenas fatias de mercado, construindo negócios que a comunidade conhece e deseja, mas ainda não tem acesso. Assessoria a Empreendimentos Populares

Em qualquer tipo de negócio, deve ser constante a busca por processos, produ-

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tos e serviços de qualidade, mas provavelmente não será pertinente aplicar conceitos de controle estatístico da qualidade. Ao invés disso, seria preferível manter um relacionamento próximo e focado no cliente, avaliando permanentemente sua satisfação e a percepção de melhorias. Cabe à assessoria, em conjunto com seu público assessorado, escolher as ferramentas e os processos mais adequados e que, com menor esforço, beneficiem as vendas e viabilizem resultados desejados. Vamos então, com base nessa introdução, sugerir maneiras de abordar alguns aspectos e situações básicas que envolvem o estudo e os cuidados com a administração das empresas e que são importantes também para o desenvolvimento dos empreendimentos populares.

Estudo de novos negócios/plano de negócios Antes de iniciar a elaboração do plano de negócios com o empreendimento, é importante que o assessor faça um estudo prévio sobre o tema. Além das várias literaturas disponíveis, existem cursos e materiais específicos, oferecidos por entidades como o Sebrae, que poderão ser utilizados como referência. Antes de começar o plano, faça um levantamento prévio dos conhecimentos e experiências que o público já tem sobre o assunto, seguindo as premissas da educação popular. Assim, você compreenderá o contexto de potencialidades e limitações, e poderá valorizar os conhecimentos pré-existentes, para direcionar o aprendizado da forma mais adequada e efetiva. Questione seu público sobre aspectos como: • Por que você está pensando em iniciar um empreendimento? O que poderá justificar o esforço de se dedicar quase todos os dias, nos próximos anos de sua vida, à construção do negócio? • Se hoje você faz ou fez parte de um empreendimento, o que gostaria de ter sabido antes de começá-lo? Será que, sabendo disso antes, você teria avançado e se dedicado ao empreendimento mesmo assim? • O que é importante saber para que o empreendimento consiga sobreviver e se desenvolver?


Após esse alinhamento inicial sobre os fatores de sucesso de um negócio, é hora de elaborar o Plano de Negócios. Possivelmente, uma das dificuldades nesse processo será a falta de visualização e aplicação prática dos conteúdos estudados, o que poderá desestimular o público assessorado. Para evitar isso, estabeleça uma agenda passo a passo que alterne formação, estudos de campo e apresentação de resultados obtidos

O EMPREENDIMENTO

plano de negócios, como a seguir:

O que seu empreendimento precisa para que se torne especial aos olhos do consumidor? Por quê? Como seria seu nome, principais produtos e serviços? Onde ele funcionará? O empreendimento pode se sustentar financeiramente? Como? Quais os investimentos necessários para as condições ideais? Existem condições mínimas para o início do negócio mesmo sem acesso a recursos para se iniciar de forma ideal?

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em cada etapa. As etapas, nesse caso, corresponderão aos elementos básicos de um

AS PESSOAS

A CONCORRÊNCIA

O CLIENTE/ CONSUMIDOR

37 Quem seria seu cliente? Onde está esse cliente potencial? O que ele realmente quer? Quantos clientes existem? Será que o mercado é suficientemente grande para justificar a existência do meu negócio?

Quem seriam seus concorrentes? Por quê? Onde está essa concorrência? Como ela se comporta, ou seja, como são suas estruturas de produção e de venda? Quantos funcionários possui? Como são seus produtos, serviços e preços?

Considerando as pessoas que farão parte do empreendimento: Quais conhecimentos serão necessários para a produção dos produtos ou prestação de serviços? Quais conhecimentos serão necessários para administrar o negócio?


Após debater e refletir sobre todos esses aspectos, o assessor poderá identificar as ações iniciais e definir as parcerias necessárias para que o negócio se desenvolva. A falta de recursos é uma situação típica do empreendedorismo popular. Por isso, é importante considerar desde o início a disponibilidade mínima de recursos financeiros e materiais. Assessoria a Empreendimentos Populares

Tenha em mente, também, que o risco é um componente natural de qualquer

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negócio – não existem negócios 100% garantidos. Seu papel, como assessor, é ajudar o público assessorado a identificar esses riscos e refletir sobre as possibilidades de minimizá-los. Em qualquer caso, a decisão sobre levar adiante o empreendimento, ou não, deve ser dos próprios assessorados. Eles são os empreendedores!

Sistematização e apresentação dos planos de negócios A sistematização das experiências e temas de estudo deve ser feita passo a passo, até que todos os elementos do plano de negócios sejam contemplados. Ao final, é muito importante fazer uma avaliação do caminho percorrido na elaboração, demonstrando as conclusões que definirão os parâmetros do novo negócio. Esse processo será mais rico se ocorrer em um evento que estimule o público a participar, expondo suas dúvidas e questionamentos. Uma alternativa é convidar os participantes de outros empreendimentos a contar suas experiências. Para os assessorados, a troca de informações em ambientes participativos amplia a compreensão dos fatores de sucesso de um negócio e permite melhor fixação do conhecimento, que poderá ser aplicado em diferentes momentos. As apresentações poderão ser feitas conforme as habilidades e disponibilidades de recursos de cada público: com ferramentas como PowerPoint ou similares, cartazes, apresentação de produtos e protótipos, impressão de projetos em documento Word ou similares, escritos à mão, entre outros. O importante é que o meio escolhido não dificulte ou represente qualquer tipo de barreira para o sucesso da apresentação. A exposição do plano de negócios deverá ser feita pelos próprios assessorados/ empreendedores, nunca pelos assessores, pois isso não levaria à fixação do conhecimento e aprendizado. Da mesma forma, a decisão final pela continuidade do empreendimento deve ser tomada exclusivamente pelos assessorados. O papel da assessoria é orientar e tornar o mais consistente possível o conjunto de informações utilizadas para fundamentar o Plano de Negócios. Tenha claro, contudo, que um Plano de Negócios, por melhor que seja, não garante o sucesso de um empreendimento. Ele apenas é um estudo prévio das condições e necessidades do negócio e seu papel é ajudar na tomada de decisão sobre a abertura do negócio, diminuição de riscos e medidas de contingência.


O que garantirá, na prática, o sucesso e desenvolvimento contínuo do empreendimento? Faça essa reflexão com o público após a conclusão do plano de negócios. Nesse momento, antes da tomada de decisão sobre o início do empreendimento, será oportuno con-

1.Comportamento empreendedor13: Explore as percepções do grupo sobre o que é um empreendedor. O que pensa, como age, o que considera importante e o que diferencia um empreendedor das outras pessoas. A sugestão é organizar uma “tempestade de ideias”, em que cada um dos presentes possa expor livre e rapidamente o seu entendimento subjetivo sobre o termo “empreendedor”. Em reuniões desse tipo, um participante não poderá julgar ou criticar os demais, as opiniões devem ser livres e sistematizadas para que todos vejam a sua contribuição para as definições finais. Em geral, o comportamento empreendedor típico apresenta as seguintes características:

Protagonismo social e liderança;

Aceita correr riscos e sabe avaliá-los; Sabe estabelecer objetivos e metas; Tem visão e sabe reconhecer oportunidades;

É ativo, cria demandas, e não somente as recebe;

Dá sentido e significado para suas ações ao concretizá-las;

Tem coragem. Agradecemos o aprendizado extraído pelos educadores do Consulado da Mulher sobre esse assunto, a partir da participação em oficina ministrada pela equipe da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Fundação Getúlio Vargas, em especial Felipe Banitz e César Matsumoto.

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vidar os assessorados a debater dois conceitos: comportamento empreendedor e qualidade.

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As ideias de resiliência e tensão criativa podem ser especialmente trabalhadas com o público, primeiramente perguntando se as pessoas conhecem o significado dessas palavras; depois, pode-se evocar a imagem de um elástico posicionado na posição vertical. Na ponta mais alta do elástico há o objetivo almejado. Na ponta inferior, a realidade atual. A atividade empreendedora contrai esse elástico, de forma a tornar a Assessoria a Empreendimentos Populares

realidade atual mais compatível com o objetivo almejado. Essa contração do elástico

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recebe o nome de tensão criativa.

Resiliência como comportamento O termo “resiliência”, que a psicologia tomou emprestado da física, define a capacidade que os materiais e objetos têm de suportar pressão e choques e mesmo assim manter sua integridade. Como exemplo de materiais resilientes, tome-se os objetos emborrachados ou elásticos. Na psicologia, o termo refere-se à capacidade do indivíduo lidar com problemas, superar obstáculos ou resistir à pressão de situações adversas – choque, estresse etc. – sem entrar em surto psicológico. No estudo das organizações, aplicou-se o termo para indicar a vontade de vencer de alguém que se depara com um contexto de tomada de decisão tenso ou adverso. Assim entendido, o termo serviria para dimensionar a capacidade que uma pessoa tem para enfrentar adversidades e superar problemas, tais como: administrar emoções, controlar impulsos, agir com otimismo, analisar o ambiente com clareza e serenidade, apresentar empatia, liderar pessoas e alcançar bons resultados.


Por meio da tensão criativa, encontramos soluções e meios de nivelar a nossa realidade atual com o nosso objetivo. Numa situação inversa, quando não conseguimos alcançar o objetivo almejado, o elástico afrouxa, e aceitamos diminuir, ou tornar mais modesto nosso objetivo. Exemplo: quero ter um salão de beleza próprio, mas, como tudo é muito caro e difícil, aceito trabalhar como funcionária de um salão maior e abandono o plano de ter um salão próprio. Assessoria a Empreendimentos Populares

Quando abondono meu plano inicial sem buscar alternativas de solução ocorre o afrouxamento do elástico, e este afrouxamento recebe o nome de tensão emotiva, que é o ponto em que passamos a focar nossos esforços no problema, desviando o foco da busca por soluções para conquistar nosso objetivos e metas.

Foco nos objetivos Tensão emotiva

Tensão criativa

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Tensão emotiva

Tensão criativa

Foco nos problemas

Elástico frouxo, que representa desmotivação

Elástico esticado, que representa motivação


Os problemas nos empreendimentos devem ser entendidos como resultados diferentes das metas ou objetivos pré estabelecidos pelo grupo. Isso evita a perda de foco e também transforma os processos de problematização em verdadeiros “muros de

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lamentações” o que influencia negativamente o grupo e desmotiva.

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A vida, sem uma meta, é completamente vazia. Sêneca

Se quer viver um vida feliz, amarre-se a uma meta, não às pessoas nem às coisas. Albert Einstein

Sem sonhos, a vida não tem brilho. Sem metas, os sonhos não têm alicerces. Sem prioridades, os sonhos não se tornam reais. Sonhe, trace metas, estabeleça prioridades e corra riscos para executar seus sonhos. Melhor é errar por tentar do que errar por omitir! Augusto Cury


A tensão emotiva se opõe à tensão criativa é um grande impedimento para a maioria das atividades empreendedoras, pois se torna um círculo vicioso. A quebra dessa rotina deve vir de uma mudança do padrão mental da pessoa que deseja empreender. O erro deve ser encarado como aprendizado e, de certa forma, até desejado, pois só com os erros poderemos aprimorar processos e buscar soluções diferentes. bre casos reais conhecidos, em que os assuntos resiliência x tensão emotiva x tensão criativa estejam presentes. O empreendedorismo popular possui uma peculiaridade: a oportunidade de errar, um dos fatores de aprendizado e sucesso no mundo dos negócios, é muito mais limitada. Tome-se como exemplo uma oficina de chocolate artesanal em que cada participante arcou com custos de material de R$ 5,00. Em determinado momento a “oficineira” demonstra a técnica de fazer chocolate alcoólico. As participantes experimentam dosagens diferentes e “estragam” a massa do chocolate, que não pode mais ser consumido ou comercializado. Provavelmente os R$ 5,00 perdidos terão um impacto significativo na renda mensal do público assessorado. Algumas das empreendedoras talvez não consigam dispor do valor necessário para comprar novamente a matéria-prima. A tensão emotiva dos empreendedores também pode se manifestar na forma de medo na hora da comercialização ou de timidez para deslocar-se de sua comunidade e comprar matéria-prima. Essas dificuldades podem tornar o empreendimento dependente da entidade que o assessora. Daí, a importância da assessoria buscar substituir a tensão emotiva, que prejudica o empreendimento, pela tensão criativa. Essa mudança de padrão mental e a busca de soluções criativas tem de começar pelos próprios assessores.

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Após essa explanação, prossiga com a reunião sugerindo que o público fale so-

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2. O conceito de qualidade O que é qualidade? Faça essa pergunta a qualquer pessoa, seu professor, seu coordenador, o público que assessora... faça essa pergunta para você mesmo... Provavelmente, o primeiro sentimento é que falta alguma coisa para responder a essa pergunta... Assessoria a Empreendimentos Populares

Isso porque qualidade (do latim qualitate) é um conceito subjetivo que está rela-

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cionado às percepções de cada indivíduo. Fatores como cultura, modelos mentais, tipo de produto ou serviço prestado, necessidades e expectativas influenciam diretamente nessa definição. A ideia de qualidade deve sempre vir acompanhada do elemento que se quer qualificar: qualidade do produto, do processo, do ar, de vida... Ainda assim falta algo, pois qualidade é um conceito diferente para cada pessoa. Para o dono de uma fábrica, ela pode significar um processo que produz a baixo custo, proporcionando maiores ganhos. Mas para um ambientalista, um bom processo é aquele que não impacta ou que impacta minimamente o meio ambiente. Já o empregado da fábrica pode considerar um bom processo aquele que oferece segurança e não faz mal à saúde dos empregados.

Como ampliar as vendas na economia solidária Dentre as principais estratégias para desenvolvimento de produtos, destacam-se duas:

INOVAÇÃO é quando alguém olha

para o produto e fala: “Nossa, nunca vi isso antes!” Trata-se de uma ideia nova, que atende a uma necessidade de uso do consumidor que não estava sendo atendida por nenhum outro produto disponível no mercado ou acessível para este consumidor. Produto inovadores tendem a vender bem e podem virar tendência de consumo.

DIFERENCIAÇÃO é quando o produto ou serviço

apresenta um atributo de qualidade exclusivo, ausente nos produtos similares. Uma maneira excelente de fazer isso no contexto da economia solidária e do comércio justo é destacar na apresentação do produto a história que está por traz de sua fabricação: que ele é feito por uma pessoa ou grupo que busca resgatar ou manter viva determinada cultura; que além de gerar renda para famílias e comunidades, é feito respeitando o meio ambiente. Esse tipo de diferenciação é uma vantagem comparativa para a economia solidária.


Mas o ponto de vista mais importante será sempre o do consumidor ou cliente. Para ele, qualidade pode ser uma associação de vários atributos: durabilidade, design, segurança, preço, prazo de entrega, etc. Como a percepção do consumidor é a que mais fortemente define o potencial de sucesso de um produto ou serviço, o único caminho seguro é procurar identificar, com os consumidores, o que eles acham do produto. Ou ção do consumidor: qualidade é satisfação do consumidor. É possível aferirmos a satisfação do consumidor por meio de pesquisas de opinião, mas nenhum empreendedor pode desprezar o hábito de verificar, ele mesmo, o comportamento de seu consumidor. Se estiver satisfeito com o produto ou serviço, além de recomendá-lo para outras pessoas, ele o comprará novamente quando precisar, mesmo sabendo que existem similares no mercado.

Assessoria a empreendimentos à partir de ciclos de produção Quando a assessoria está diante de um empreendimento já em funcionamento, mesmo que em fase inicial, é muito comum o assessor ser consultado sobre as chances de sucesso de um novo produto a ser lançado. Cabe à assessoria estimular a busca de informações, orientar o teste de aceitação do produto e a investigação do mercado. Em projetos de GTR, mesmo que o educador desconfie da possibilidade de sucesso de uma ideia, não se recomenda olhar o produto ou ouvir a ideia e dizer: “isso não vai dar certo” ou “isso não tem mercado”. Uma resposta avaliativa e negativa pode bombardear a autoestima e bloquear o potencial criativo das pessoas, que fizeram um grande esforço de mobilização para identificar uma oportunidade de trabalho e renda. Não é possível afirmar de antemão que um produto ou serviço não tem mercado. Caberá à assessoria provocar a reflexão, questionar e promover o desenvolvimento de habilidades e de aprendizados, quer seja para adequação do produto em questão, quer seja para o desenvolvimento da ideia ou para outro produto diferente. O Consulado da Mulher já presenciou experiências de projetos de empreendimentos com um excelente e detalhado plano de negócios, que demonstrava plenas condições de viabilidade e atestava suas ideias inovadoras. Alguns desses planos de negócios, posteriormente ao início do empreendimento, chegaram a ser premiados por sua qualidade. No entanto, os responsáveis pelo empreendimento nem sequer foram receber o prêmio, pois logo nos primeiros meses o negócio não deu certo.

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seja, a melhor definição é aquela que relaciona o conceito de qualidade com a percep-

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Por outro lado, também vimos assessores e educadores torcerem o nariz para produtos considerados enfadonhos, de mal gosto e design desinteressante. Pouco tempo depois, presenciamos a empreendedora vendendo esses produtos aos montes em sua comunidade. A conclusão que se tira desses episódios é que cabe à assessoria receber com Assessoria a Empreendimentos Populares

todo cuidado qualquer empreendimento em início de desenvolvimento, e ajudar

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os participantes a perceberem as melhorias necessárias, entendendo o porquê das coisas e se responsabilizando por decisões de melhorias, correções, mudança de percurso e até mesmo encerramento do negócio. Esse é um aprendizado fundamental para empreendedores que nem sempre acertam numa primeira tentativa, mas se comportam de forma resiliente e aprendem continuamente diante dos sucessos e insucessos do negócio. Como um empreendimento em início de desenvolvimento já apresenta um processo dinâmico (não é possível pará-lo enquanto se assessora), temos que nos acostumar com ideia de “trocar o pneu com o carro andando”. Empreendedores só constroem uma visão plena de seu negócio quando completam um ciclo produtivo. No primeiro momento, define-se e desenvolve-se um produto; no segundo, fabrica-se ou elabora-se o produto; no terceiro, o produto é vendido (veja a figura abaixo). Só quando esse ciclo chega ao final, pode-se dizer que foi iniciado o aprendizado sobre o desenvolvimento do negócio.

1 - PRODUTO (ou serviço)

2- PROCESSO (produção ou atividades)

3 - MERCADO (compra por parte dos consumidores)


Produto Na primeira etapa do ciclo produtivo, o desenvolvimento de um produto (ou serviço) pode ser feito com o apoio de conhecimentos e técnicas que relacionam oportunidades de mercado com desejos e necessidades do consumidor. Um campo de conhecimento que atua fortemente no desenvolvimento de produtos é o design, no qual nais, é essencial conhecer a cultura da comunidade onde o novo produto será lançado, conhecer as tendências de consumo e realizar pesquisas de mercado para identificar o gosto do consumidor. Cabe ao assessor, conhecer profundamente o produto ou serviço a ser lançado e contribuir para que alguns requisitos e parâmetros importantes de mercado sejam verificados antes de seguir em frente. É importante definir: Protótipo (sabe-se produzir em quantidade?) Preço (o mercado pagaria por ele?) Segurança (ele oferece perigos aos consumidores ou às crianças?) Design (ele apresenta aspectos atrativos ao nosso olhar e uso?) Diferenciais de qualidade aos olhos do consumidor Inovação (existem similares e concorrentes?) Uso/utilidade (qual utilidade proposta? ele atende essa utilidade?) Informações/serviços agregados (existe necessidade de instalação, reparo?) Direito/risco de marcas/patentes (quais as leis que regem a produção e venda desse produto? Ele é patenteado?)

Processo A assessoria pode não dominar conhecimentos para todos esses parâmetros, mas pode articular profissionais especializados e buscar ajuda nesse processo, seja por meio de voluntários ou de entidades parceiras. Definido o produto (ou serviço), o segundo passo do ciclo produtivo é conhecer e estabelecer um processo de produção, de forma que suas especificações (tamanho, cor, peso, embalagem etc.) sejam mantidas quando a produção for repetida várias vezes, ou seja, feita em escala. Não se pode produzir o mesmo produto ou prestar os mesmos serviços de forma diferente ao longo do tempo, sem padrão, é importante manter as características que fazem o consumidor comprar e voltar a comprar, a não ser que sejam melhorias e funcionalidade novas percebidas positivamente por este mesmo consumidor.

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o Brasil vem formando especialistas em quantidade cada vez maior. Para esses profissio-

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É desaconselhável oferecer o produto ao mercado antes de definir todos os requisitos e parâmetros de produção. Imagine que, ao mostrar um produto a um potencial cliente, ele queira comprar mil unidades. Vai propor um desconto, perguntar o prazo de entrega ou talvez exigir determinados documentos. O empreendedor poderá perder o negócio e o cliente se não Assessoria a Empreendimentos Populares

estiver preparado, sabendo, por exemplo, a capacidade de produção diária e o preço

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mínimo justo para venda. Por isso, antes que o empreendimento saia buscando novos clientes, a função da assessoria é orientar sobre os requisitos de processo, de produção e de trabalho, entre eles: Capacidade produtiva (quantidade que pode ser produzido por dia ou por mês?)

Equipamentos (oferecem riscos de uso? Estão em bom estado?)

Ferramentas (oferecem riscos de uso? Estão em bom estado?)

Capital de giro (possui reserva para comprar grandes quantidades de insumos e materiais?)

Técnicas/habilidades (existem procedimentos e pessoas com conhecimentos?)

Organização (o processo pode ser melhorado em layout ou divisão de atividades?)

Custos (quais os preços mínimos justos?)

Regulamentação/Leis (está em conformidade perante normas e leis? Quais são os riscos?)

Mercado Conhecendo os detalhes do processo de produção, o empreendimento pode começar a terceira etapa do ciclo produtivo, buscando identificar as limitações e parâmetros para negociar com novos clientes. A assessoria deve estimular e acompanhar o planejamento de agenda, estratégias de divulgação e esforços de vendas, contribuindo e encorajando o público assessorado, mas ciente de que, ao longo do tempo, esse acompanhamento terá de ser cada vez menos necessário, para que o empreendimento conquiste autonomia. Ao se estruturar o processo de relacionamento com o mercado e busca de novos consumidores, os seguintes parâmetros devem ser considerados: Consumidor (quem são, onde estão, qual contato, quais necessidades?) Nichos e características (existem públicos com características sociais, culturais e econômicas específicas? Como eles são? Como compram, onde compram, quais seus valores?) Tamanho (quantos consumidores comprariam esses tipos de produtos nas limitações de atendimento que seu negócio pode oferecer? É no bairro, na região, no município? Pela internet? Por encomenda?)


Fornecedores (existem fornecedores que atendam a sua demanda por materiais com qualidade, prazo, preço e quantidade? Quem são? Ter apenas um fornecedor pode ser arriscado?) Concorrentes (onde estão os concorrentes? Quais as características de seus produtos e processos que podem oferecer riscos ou oportunidades numa competição por consumidores?)

O assessor deve contribuir para que todas as etapas do ciclo de negócio sejam praticadas, afinal, em empreendimentos populares, sem prática não há aprendizado, e sem aprendizado não há desenvolvimento do negócio. A cada vez que esse ciclo ocorrer, principalmente nas primeiras experiências, é preciso promover uma reunião de avaliação para discutir os aprendizados extraídos:

O que foi bom e precisa ser mantido?

O que precisa ser melhorado e corrigido?

O que precisa ser eliminado?

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Tendências (existe uma moda em lançamento? Existe sazonalidade? Inovações? Quais as tendências atuais do seu ramo de atuação? Posso antecipar melhorias, inovações antes de meus concorrentes?)

49 Esse tipo de reflexão deve ocorrer em reuniões regulares e, se possível, com a presença de todos os integrantes do empreendimento. Existem ainda orientações dirigidas a temas como gestão financeira e formação de preços, mas não nos deteremos a elas aqui, pois o Consulado da Mulher possui materiais específicos sobre elas, que serão sistematizados em fascículos específicos que vão compor a metodologia proposta. Fornecemos a seguir apenas uma orientação geral sobre como abordar adequadamente tais temas. Um dos aspectos que deve possuir regularidade por processo de assessoria é a Gestão Financeira, pois esta é uma condicionante da sustentabilidade dos emprendimentos.

Gestão Financeira Gestão financeira e formação de preços são, literalmente, faces de uma mesma moeda, ou seja, é impossível desenvolver uma desconectada da outra. O grande desafio é realizá-las de um jeito que permita ao público assessorado apropriar-se desse conhecimento. O aprendizado torna-se inviável se nos limitarmos a reproduzir modelos complexos de absorção de custos, utilizando superplanilhas, vocabulário técnico e jargões econômicos. O conceito de lucro ou salário nem mesmo pode ser aplicado em empreendimentos solidários, muito menos em cooperativas. No lugar deles, utiliza-se sobras, ren-


da (ou retiradas) e fundos. Outra questão é a necessidade de modelos de formação de preços alinhados com a premissa de preço e comércio justo que norteia a economia solidária. A valorização do trabalho e a formulação de modelos mais simples e lúdicos são importantes para possibilitar o aprendizado e a definição do preço justo, até porque alguns detalhamentos e tecnicismos podem ser desnecessários para aplicação da Assessoria a Empreendimentos Populares

gestão financeira, formação de preços e estudos de viabilidade econômica em empre-

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endimentos populares. Veja um exemplo de controle de caixa

Descrição do item

Data

Entradas (R$)

Saídas (R$)

Saldo de caixa anterior

24/05/2011

Compra de 100 kg de farinha

25/05/2011

Venda de 1.000 pães

25/05/2011

Pagamento de transporte de Maria e José

25/05/2011

20,00

Adiantamento da remuneração para sócios

25/05/2011

300,00

Fechamento caixa

25/05/2011

Saldo (R$) 250,00

100,00 300,00

130,00

Existem várias maneiras de abordar o assunto da gestão financeira. O desafio é buscar uma alternativa que seja de fácil compreensão e aplicável ao contexto e necessidades locais. Essa abordagem pode ser construída primeiramente investigando-se o sentido dessas palavras e relacionando-as com o vocabulário e os significados trazidos pelo público assessorado, como nos exemplos:

O que é gestão?

O que é financeiro?

Ato ou efeito de gerir, administrar, cuidar, controlar, gerar vida, manter, gerar condições, não deixar morrer...

Referente às finanças, manejo de dinheiro, orçamento, receitas e despesas, renda, vendas, custos, lucro, investimentos...

Fazendo uma analogia entre os conceitos associados aos termos acima, é possível concluir com o público que, assim como o ato de cuidar e gerar vida, a ideia de gestão financeira está associada ao crescimento saudável e sustentável do negócio, a partir das entradas e saídas de dinheiro. Como queremos que o empreendimento cresça, seja saudável e gere renda adequada para as pessoas se não houver cuidado para que as entradas sejam maiores que as saídas, estaremos diante da incapacidade de manter o negócio vivo.


Como saberemos quanto entra e quanto sai de dinheiro do empreendimento? O que mais traz entrada e saída de dinheiro? Isso remete ao procedimento básico de registrar e guardar as informações sobre o processo e sobre o fluxo financeiro cotidiano. Sem essas informações, é impossível aprender mais sobre o empreendimento e, portanto, investigar e definir as melhorias necessárias para garantir que as entradas de dinheiro sejam maiores do que as saídas. Assessoria a Empreendimentos Populares

Para estipular preços, por exemplo, a base fundamental são as informações sobre os custos envolvidos na produção de um produto ou na prestação de serviços. As primeiras perguntas a serem feitas são: quanto se usa de material para fazer determinado produto? quanto tempo de trabalho foi gasto? Guardar informações sobre entrada e saída de dinheiro é o primeiro passo para uma boa gestão financeira. Outros registros são necessários, tais como diário de produção ou diário de trabalho, onde devem ser anotadas informações e conhecimentos da prática que geram parâmetros importantes como o “tempo de trabalho para produzir X produtos” ou a “quantidade de produtos que consigo fazer com Y materiais”. Incluir as perdas no cálculo desses parâmetros ajuda tanto na gestão financeira como na formação de preços.

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Para agregar confiança e transparência às informações e permitir a conferência futura, todas as notas fiscais e recibos relacionados às entradas e saídas de dinheiro devem ser guardadas. A ausência desses comprovantes pode ser a origem de intermináveis conflitos de confiança em relação ao controle de caixa. Um diário de produção ou diário de trabalho pode ser feito em um simples caderno ou pasta. O importante é que tenha fichas técnicas para a produção

MIL PÃES DE FORMA Custos, quantidades e forma de preparo

Itens

Custo unitário

Quantidade

Custo total

Farinha

R$ 1,00 kg

300 kg

R$ 300,00

que sistematize informa-

Fermento

R$ 30,00 kg

15 kg

R$ 450,00

ções gerais obtidas com

Água

R$ 0,40 cem litros

300 litros

R$ 1,20

a experiência e prática de

Tempo de preparo

R$ 20,00/hora por pessoa

5 pessoas, 1 hora cada pessoa

R$ 100,00

produção e trabalho.

Tempo de cozimento

R$ 5,00 de gás por hora

1 hora

R$ 5,00

de cada produto ou prestação de serviço e/ou

No exemplo ao lado, a ficha técnica (co­mo uma receita) re­ gistra dados sobre a produção de mil pães de forma.

Custo total de produção

R$ 856,20

Modo de preparo: misturar ingredientes numa misturadeira por 10 minutos, retirar e deixar descansar para crescer por 3 horas num local seco e coberto, depois retirar e sovar a massa em mesa de pedra ou inox, cortar em 1.000 pedaços iguais abrindo, enrolando cada um até dar forma de pão. Colocar cada um em sua forma. Assar por 20 minutos, retirar e deixar descansar em cesto forrado com papel.


Com essas informações, é possível visualizar o custo direto e detalhado de cada etapa e de cada ingrediente, o que também favorece os processos de gestão financeira e formação de preços. Mas não basta conhecer as entradas e saídas de dinheiro, observar o que já aconteceu não é suficiente para cuidarmos adequadamente do empreendimento. Deve-se Assessoria a Empreendimentos Populares

buscar constantemente novas maneiras de diminuir os custos e aumentar as entradas,

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pois só assim será possível continuar melhorando os resultados financeiros. É no presente que precisamos agir para assegurar um futuro melhor para o empreendimento. O conhecimento do passado - com dados fornecidos pelo controle de caixa, diários de produção, de trabalho ou fichas técnicas - nos ajuda a agir sobre o presente. Todos esses elementos, combinados, dão consistência ao processo de gestão financeira.

Formação de preço Para formar o preço de um produto ou serviço, precisamos primeiramente produzi-lo ou prestá-lo em caráter experimental, como num laboratório, para anotar todas as informações que fazem o preço ficar maior ou menor. Entre elas:

1. Quanto se gasta de tempo para fazer o produto ou prestar o serviço? Quantas pessoas são necessárias para se produzir “X” produtos ou prestar “X” serviços”? Quanto maior o tempo de trabalho, maior será o custo com a remuneração das pessoas envolvidas e, portanto, maior o preço. Esses custos relacionados ao tempo necessário para a produção são conhecidos como custos variáveis, porque quanto mais produtos se faz, mais se gasta.

2. Quanto se gasta de materiais para fazer o produto ou prestar o serviço? Quanto mais materiais forem utilizados e quanto mais caros eles forem, maiores serão os custos e, portanto, mais elevados terão de ser os preços. Esses custos também são considerados variáveis, pois quanto mais produtos se faz ou quanto mais serviços são prestados, mais se gasta com materiais.


3. Quanto se gasta com outros recursos para fazer o produto ou prestar o serviço? Nem sempre o valor gasto com transporte para comprar materiais e para vender um produto será menor do que o transporte gasto para comprar materiais e para vender dois, três, quatro, cinco produtos, porque podemos utilizar o mesmo transporte para comprar uma ou duas sacolas de materiais, ou para vender um ou dois produtos e serou em dias específicos, e ainda com um percurso inteligente, podemos reduzir muito os custos com transportes. Este tipo de gasto também é considerado um gasto variável.

4. Quais despesas e obrigações o empreendimento deve pagar para continuar funcionando, independentemente de quanto se vende? Quanto maiores as despesas que os empreendimentos possuem para continuar funcionando, independentemente de quanto se vende, maiores terão de ser os preços dos produtos ou o volume de vendas para poder pagar esses custos, chamados de custos fixos. Se tivermos uma produção pequena, o custo fixo encarece bastante o produto. Já se tivermos uma produção elevada, este custo se dilui melhor no preço de cada unidade produzida. Agora, acompanhe o exemplo abaixo, que aplica os conceitos abordados. Para produzir e vender uma bolsa de crochê com algodão cru, uma artesã gasta:

+ 8 horas de trabalho, para comprar matéria-prima, produzir e vender a bolsa. A artesã decide que não vale a pena trabalhar por menos de R$10,00 por hora de trabalho, pois é o mínimo que uma diarista cobra;

+ 1 rolo de barbante de algodão cru ao custo de R$ 9,00; + R$ 6,00 de transporte para comprar o barbante (ida e volta) e mais R$ 6,00 de transporte para ir à feira vender sua bolsa;

+ O aluguel de uma barraca na feira é R$ 10,00 por dia, e ela precisa de 1 dia para vender essa bolsa.

Qual seria o preço justo para essa bolsa de crochê?

+ Custo do trabalho (8 horas de trabalho a R$ 10,00 por hora) .............................R$ + 1 rolo de barbante de algodão cru.......................................................................R$ + Transporte (R$ 6,00 para ir às compras + R$ 6,00 para ir à feira)........................R$ + Aluguel da barraca..............................................................................................R$

80,00 9,00 12,00 10,00

Total de custos para produzir e vender a bolsa.........................................................R$ 111,00

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viços. Com um bom planejamento, envolvendo compras ou vendas semanais, mensais

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A bolsa ficou cara se comparada a outras bolsas que estão à venda na feira, mas, considerando as informações fornecidas pela artesã, esse seria o preço mínimo e justo. Neste caso, o erro não está na forma como se calculam os custos e o preço, mas na maneira como a artesã se organiza para produzir e vender sua bolsa. Se no mercado uma bolsa similar custa em torno de R$ 15,00, o que deve ser feito? Assessoria a Empreendimentos Populares

Para trabalhar com o mesmo valor praticado pelo mercado, a empreendedora te-

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ria problemas, vejamos: pois se resolvesse vender a bolsa por R$ 15,00 receberia apenas o valor do barbante (R$ 9,00) e restariam R$ 6,00 para remunerar as suas 8 horas de trabalho. Não tendo condições de arcar com os custos de barraca e nem paro o transporte. Desta maneira, estaria considerando que, receber R$ 6,00, por um dia inteiro de trabalho que foi necessário para fazer e vender a bolsa, ou seja, R$ 0,75 por hora de trabalho. Se esta mesma artesã trabalhar 22 dias úteis do mês e vender todas as bolsas produzidas, ela ganhará no máximo R$ 132,00 por um mês de trabalho. Quem aceitaria esse valor? A conclusão dos cálculos é que a produção dessa bolsa é economicamente inviável, a menos que o produto seja tão bom e tão diferenciado dos demais que os clientes aceitem pagar R$ 111,00. Caso contrário, ela terá que comprar alguma máquina ou equipamento que possibilite a produção e a venda de muito mais bolsas nessas mesmas oito horas de trabalho. Adicionalmente, gastar menos com transporte, fazendo compras mensais e buscando feiras com maior capacidade de vendas. A última coisa que ela poderia fazer seria reduzir o preço, pois se reduzisse o preço estaria trabalhando por um valor da hora muito abaixo de sua expectativa e talvez de sua necessidade. Desse ponto de vista, a abordagem da gestão financeira – com a tratativa da formação de preços em específico – pode e deve ser feita de maneira lúdica e focando na valorização do trabalho, pois o trabalho humano deve ser o principal elemento de custeio e referência para compreender a viabilidade econômica da produção de determinados produtos e serviços. Com essas premissas, sugere-se uma abordagem para formação de preços que divida os custos em três categorias principais (outras categorias podem ser inseridas com mais ou menos detalhes): 1. Custo do trabalho: nesse custo é considerado o pagamento pelo trabalho realizado como condição do negócio, e não como uma possibilidade dependente de haver ou não lucros ou sobras entre produção e vendas em determinado período. Do ponto de vista da economia solidária e da educação em gênero, os trabalhadores não são um detalhe do negócio, mas o principal elemento do processo e, para tanto, a noção de preços justos ou preços mínimos devem ser incorporados no processo de formação e análise de preços. Outra questão é que o lucro é uma propriedade de um empreendimento capitalista e é resultado do processo de mais-valia, ou seja: a remuneração


2. Custos de processo: são os custos necessários para se produzir produtos ou prestar serviços, e que estão diretamente relacionados ao volume produzido, de forma que quanto mais se produz, maiores serão esses custos. Exemplo: para se produzir mais pães, mais farinha será utilizada, portanto, os custos de processo serão maiores. São os chamados custos diretos, que podem geralmente ser entendidos também como custos variáveis. Um empreeendimento ter custos variáveis altos nem sempre é problema, pois isto pode ser um sinal de que o negócio produz e vende bastante (gasta-se cada vez mais farinha porque se produz e vende cada vez mais pães). Aqui estão matérias-primas, insumos (embalagens e acabamentos, por exemplo) e algumas ferramentas ou equipamentos que, com o uso prolongado, precisam ser repostos por novos ou precisam de frequente manutenção (exemplo: alicate de uma manicure). 3. Outros custos: seria muito bom se todos os custos de um negócio fossem para pagar as pessoas e comprar os materiais. E é aí que entendemos porque formalizar um negócio, manter suas condições conforme a legislação e buscar bons locais para produção, venda e prestação de serviços são elementos que podem inviabilizar ou encarecer demais os negócios. Um exemplo desse tipo de custo são os aluguéis. Com frequência, um produto pode ser fabricado em qualquer local; mas, para se atender à legislação, por falta de espaço próprio ou até pela necessidade de se localizar mais próximo dos clientes e fornecedores, é preciso alugar um imóvel. Por não entrar diretamente no custo do produto, mas na despesa do empreendimento, este é considerado um custo indireto. Ele também pode (porém, nem sempre) ser chamado de fixo.

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do capital será sempre maior que a remuneração do trabalho. Segundo essa lógica, o valor do lucro deve ser relativamente maior do que o valor pago para a contratação do trabalho de uma pessoa. Assim, o empregado tem que aceitar ganhar menos do que o dono do negócio para realizar um trabalho. Aplicado à produção em escala, esse raciocínio resulta em grandes quantidades, gerando ganhos sucessivos para os donos do negócio. Não é esta a proposta de empreendimentos solidários baseados na autogestão. Além disso, é possível encontrar mulheres que, ao gerenciar seus empreendimentos, não valorizem de forma adequada a sua hora de trabalho, fator que acaba sendo visto como um detalhe (ou lucro/sobra possível), já que, historicamente, as mulheres desenvolveram trabalhos não-remunerados, relacionados ao cuidar da casa e da família. Para reverter essa forma de pensamento, a assessoria deve buscar modificar esse ponto de vista alertando sobre os vários tipos de trabalhos e as diferenças de função e oportunidades entre homens e mulheres.

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Afinal, venda 1 pão ou 20 mil pães, o empreendedor tem que pagar o aluguel todos os meses. Os primeiros custos que se tenta evitar ou reduzir, quando possível, são os custos indiretos e fixos. Aqui, para efeito de simplificação, podem ser considerados impostos e taxas relacionadas a despesas legais, exigidas por lei. Porém, impostos não devem ser considerados custos dos processos, mas custos de funcionamento conforme a lei, e que precisam ser acrescidos nos preços dos produtos ou nos resultados do negócio de formas diferentes. Dependendo da atividade econômica e do tamanho do empreendimento, cada imposto ou taxa pode ser aplicado em preços finais, nos lucros ou de acordo com pagamentos aos trabalhadores e sócios. Para se realizar os cálculos e recolhimentos de forma correta, um contador deve sempre ser consultado. Em geral, os impostos e taxas são acrescidos aos preços e, por isso, repassados para os clientes e consumidores.

Modelo de análise de preço por produto focado na valorização do trabalho Reflexão: É viável a produção? Requer Melhoria de processo? Qual o valor mínimo de negociação?

56 Custo da hora de trabalho (Diretos)

Custo do Processo (materiais, insumos, depreciação...) (Diretos)

Outros Custos/ (transporte, INSS, impostos, aluguel, água, luz, tel. etc.) (Indiretos)

Preço justo: Mínimo? X Mercado?


O modelo simplificado de formação e análise de preços, aqui exposto,não busca definir o preço exato de um produto, mas identificar seu preço mínimo ou preço justo mínimo. A partir desse preço mínimo é possível avaliar a viabilidade ou não de se produzir determinado produto. As sobras podem ser consideradas na própria formação de preços. Caso elas ocorram, será possível formar um fundo para investimentos (melhoria vidade e as condições de trabalho) ou até mesmo melhorar retiradas e pagamentos dos trabalhadores e/ou sócios, que no caso dos empreendimentos populares e solidários são as mesmas pessoas. Veja a seguir uma proposta de formação de preços com ênfase na valorização do trabalho, que pode ser utilizada como exemplo nos processos de assessoria. Este exemplo pressupõe a produção e venda de 100 coxinhas.

O cálculo levou em conta: 3 Custo do trabalho: a hora de trabalho de uma pessoa foi fixada em R$ 10,00; trabalhando 8 horas em um dia, ela terá uma remuneração de R$ 80,00. Esse será o custo do trabalho; • Custo do processo: supõe-se que os gastos com farinha, batata, temperos, frango, gás e embalagens foram de R$ 40,00; • Outros custos: R$ 34,34, resultante da soma dos itens abaixo: • Transporte: R$ 10,00 (R$ 5,00 para ir e voltar das compras de ingredientes, mais R$ 5,00 para ir e voltar do local de entrega ou venda das coxinhas); • INSS/EI: R$ 1,00 (caso a pessoa seja uma empreendedora individual (EI), ela pagará cerca de R$ 30,00 por mês, entre taxas e INSS (Seguridade Social). Como as 100 coxinhas foram produzidas em 8 horas, ou seja, em um dia de trabalho, o cálculo diário será equivalente ao custo mensal (R$ 30,00) dividido por 30 dias, ou seja, R$ 1,00 por dia; • Aluguel: R$ 16,67 (resultado da divisão do valor mensal R$ 500,00 por 30 dias, já que as 100 coxinhas foram produzidas em 1 dia); • Água/luz/telefone: R$ 6,67 por dia, supondo que esses custos alcancem, em média, R$ 200,00 por mês (R$ 200,00 dividido por 30 dias). Somando-se os conjuntos de custos chega-se ao seguinte resultado: • Custo do trabalho:..............................................................................................R$ 80,00 • Custos de processo:.............................................................................................R$ 40,00 • Outros custos:......................................................................................................R$ 34,34 • Total de custos:............................................................................................ (custo mínimo de produção e venda de 100 coxinhas).....................................R$ 154,34 • Preço justo mínimo de uma coxinha:.................................................................R$ 1,54 (R$ 154,34 dividido por 100 unidades)

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e expansão do negócio, compra de equipamentos e máquinas para melhorar a produti-

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Portanto, R$ 1,54 é o preço mínimo. Abaixo desse valor, o trabalho não seria remunerado a R$ 10,00 por hora conforme foi estabelecido pelo empreendedor e nenhum outro custo pode ser reduzido. Se algum cliente se interessar pela compra de mil coxinhas, por exemplo, o empreendedor sabe que R$ 1,54 é o mínimo a que pode chegar. Assessoria a Empreendimentos Populares

Mas, se o preço de mercado fosse R$ 1,00 por coxinha, estaríamos diante de um

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problema, cuja solução assessores e empreendedores precisariam encontrar. Como diminuir custos? Uma possibilidade: comprar um equipamento que aumente a velocidade de produção de coxinhas, ou seja, que ajude a produzir 200 coxinhas em 8 horas, ao invés de 100, diluindo assim os custos com trabalho. Outra alternativa: se a coxinha possuir qualidade superior – e esse diferencial puder ser percebido pelo consumidor – talvez o mercado aceite pagar mais pela coxinha de melhor qualidade. Caso a concorrência produza em quantidade, qualidade e preço que não possam ser alcançados, estaria inviabilizada a produção de coxinhas. A única saída seria se pensar em outro produto. Pode ocorrer ainda de a coxinha ser vendida no mercado na faixa entre R$ 2,00 e R$ 4,00. Se for assim, vale comparar a qualidade desses produtos e verificar se a coxinha feita pelo empreendimento pode ser vendida por um valor superior, mais próximo do valor de mercado. Se sim, supondo o preço de R$ 2,00 por coxinha, teríamos uma sobra de R$ 0,45 por unidade vendida, valor que poderia e deveria constituir o fundo de reserva do empreendimento.


Fluxo de caixa Para encerrar este tópico sobre a abordagem de negócios, resta sugerir uma maneira também simples e importante para planejar financeiramente um empreendimento: a previsão de entradas e saídas do negócio. A fórmula a seguir pode ser utilizada para planejar e controlar despesas domésticas, para auxiliar a tomada de decisão sobre do empreendimento como um todo. A fórmula chama-se visualização e prospecção do fluxo de caixa.

Seta para cima: tudo que entra de dinheiro no caixa do empreendimento

Seta para baixo: tudo que sai do caixa do empreendimento

É princípio básico e intuitivo de qualquer negócio ou de qualquer economia doméstica que o que sai de dinheiro (aquilo que se gasta) deve ser, no máximo, igual ao dinheiro que entra (aquilo que se ganha). Caso contrário, o negócio ou a família entram em endividamento e, o que é pior, inadimplência ou insolvência (quando não se paga o que se deve) . Um negócio ou uma economia doméstica deve sempre buscar a sobra de dinheiro, como forma de poupança para melhorar sua capacidade de sobrevivência em situações críticas e/ou para realizar investimentos na melhoria do negócio, na renda e na qualidade de vida de seus trabalhadores.

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novas entradas e saídas de dinheiro ou ainda para se identificar a viabilidade econômica

59


A seguir, temos o exemplo de uma família que tem como objetivo comprar o seu primeiro carro. Supondo que a renda total da família é de R$ 4.850,00 por mês. R$ 8.000

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R$ 4.850

JAN

R$ 4.850

FEV

R$ 4.850

MAR

R$ 4.850

ABR

R$ 4.850

MAI

R$ 4.850

JUN

R$ 4.850

JUL

R$ 4.850

AGO

R$ 4.850

SET

R$ 4.850

OUT

R$ 4.850

NOV

DEZ

60 R$ 2.500

R$ 2.500

R$ 2.500

R$ 2.500

R$ 2.500

R$ 2.500

R$ 2.500

R$ 2.500

R$ 2.500

R$ 2.500

R$ 2.500

R$ 6.000

O carro desejado custa R$ 17.500,00 à vista e pode ser pago em 12 parcelas de R$ 2.334,84. Como as despesas mensais totais da família são de R$ 2.500, sobram R$ 2.350 de janeiro até novembro; em dezembro, com o 13° salário, os ganhos alcançam R$ 8.000, mas as despesas aumentam com as compras de natal; as despesas totais em dezembro chegam a R$ 6.000, e, assim, sobram R$ 2.000 em dezembro. Impulsionada pela vontade de comprar seu primeiro carro, a família percebeu que não tinha o dinheiro para comprá-lo à vista, mas que poderia fazê-lo por meio de um finaciamento, pois tinham sobras mensais de R$ 2.350 e as parcelas eram de R$ 2.334,84. Resolveram, então, comprá-lo em 12 parcelas.

Avaliando o exemplo, qual a crítica que pode ser feita do ponto de vista da gestão financeira? • Somando as 12 parcelas de R$ 2.334,84, teremos uma despesa total com a compra do carro de R$ 28.018,06. O valor a vista era de R$ 17.500, ou seja, optando pelo pagamento parcelado, a família pagará R$ 10.518,06 a mais pelo carro.


• Se a família guardasse todo mês as sobras de renda, que são de R$ 2.350,00 de janeiro a novembro, mais os R$ 2.000,00 que sobrariam em dezembro, em um ano conseguiriam guardar R$ 27.850,00, ou seja, em dezembro teriam dinheiro para comprar um carro de modelo superior ou em melhor estado; ou, ainda, poderiam comprar um carro similar, por preço similar, e ainda sobrar R$ 10.350,00, se pagarem os mesmos R$ 17.550,00 pelo carro. Com a sobra do dinheiro, teriam condições de arcar com os custos de combustível, seguro, IPVA e manutenções, com folga e sem endividar a família. O mesmo raciocínio deve ser utilizado para as entradas e saídas de um empreendimento, auxiliando a tomada de decisão sobre criação de fundos, empréstimos e analisando a capacidade de pagamento. É importante notar que sem informações sobre o histórico de entradas e saídas para estimar o fluxo de caixa para meses futuros ficaria muito difícil fazer esse tipo de análise. Neste exemplo, sabemos a renda da família e a soma de todas suas despesas, e as projetamos no futuro, assumindo que os valores se manterão.

Conclusões: do ponto de vista da gestão financeira e/ou da economia doméstica, o orçamento deve ser controlado no médio-longo prazo. Além de não contar com imprevistos, as decisões de curto prazo (“essa parcela eu consigo pagar”) comprometem o fluxo de caixa. Olhando para o futuro, com seis ou doze meses à frente, podemos vislumbrar novas situações que passariam despercebidas com uma visão mais restrita. Guardar dinheiro em caixa é um princípio fundamental para qualquer negócio. Ainda que não se saiba exatamente onde se gastará, poupar é o melhor caminho para todo os empreendimentos, por menor que seja a capacidade de poupança. Portanto, planeje o fluxo de caixa de seu negócio e avalie novas despesas e investimentos olhando para o futuro, considerando a capacidade mensal de pagamento e buscando sempre a sobra e a manutenção de fundos de reserva. Estimular a prática da economia doméstica deve ser o primeiro passo para a educação financeira das pessoas. Depois disso, elas também deverão fazer o mesmo em seus negócios. Isso porque um empreendimento, mesmo que gere sobras mensais, pode não suportar pagar as despesas familiares, caso não estejam sob controle, e uma coisa pode prejudicar a outra.

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• Se as sobras na renda mensal da família eram de R$ 2.350,00 e as parcelas mensais de R$ 2.334,84, restarão R$ 15,16 de sobras totais para a família. Esse valor mensal provavelmente não seria suficiente para pagar o combustível do carro, a não ser que a família se limitasse a colocar cerca de 5 litros de gasolina por mês; teriam dificuldades, ainda, para pagar seguro, IPVA, manutenção etc., e provavelemente teriam que se endividar para isso.

61


Resumo Ao final da leitura do item “ABORDAGEM DE NEGÓCIOS”, o educador deve estar atento e desenvolver

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continuamente sua capacidade nos seguintes aspectos:

62

Tratar e solucionar

Um plano de

Uma das funções

cada negócio

negócios deve evitar o

essenciais do assessor

conforme sua

excesso de cálculos e

de empreendimentos

complexidade ou

privilegiar o estudo de

populares e solidários

simplicidade;

experiências práticas,

é agir como animador,

proporcionando a visita

promovendo, além

a empreendimentos

do acompanhamento

similares, pesquisas

contínuo do

negócios começa

com potenciais

empreendimento,

antes mesmo de

clientes e comunidade,

o encorajamento

sua elaboração de

temperados com

para a reflexão e a

fato. No caso de

instrumentos de

busca por soluções.

empreendimentos

análise adequados e o

Isso inclui estimular

em processo de

olhar crítico e criativo

o desenvolvimento,

desenvolvimento,

do público em questão;

superando a típica

Um plano de

deve-se utilizar a

dificuldade e tendência

prática e a reflexão

à desistência que

sobre os ciclos de

ocorre frente a

negócio – produto,

pressões emocionais,

processo e venda/

falta de autoestima e

mercado – extraindo-

falta de recursos;

se as melhorias do negócio como ciclos de aprendizado;


Para formar preços e

Compras a prazo

é composta pelo

avaliar a viabilidade de

devem ser sempre muito

entendimento de

se produzir produtos

bem estudadas; compras

resultados do passado

em empreendimentos

por necessidade e com

e avaliação de situações

populares e solidários,

urgência geralmente

futuras, que serão

é fundamental buscar

incorrem no pagamento

impactadas por decisões

métodos lúdicos e

de preços mais altos

tomadas no dia a dia, ou

simplificados de análise,

do que as compras

seja, no presente;

assim como destacar o

planejadas com

valor do trabalho para

antecedência e feitas

Sem o registro de

o estabelecimento de

com o pagamento à vista.

informações financeiras

preços justos mínimos;

nos livros-caixa e da forma de se fazer cada

Avaliar cenários

produto não é possível

futuros de fluxo de caixa,

fazer a gestão financeira

ou seja, de entrada

do empreendimento,

e saída de dinheiro,

tampouco a gestão do

é importante para

empreendimento como

a identificação das

um todo. A sistematização

melhores decisões; isso

dessas informações deveria

evita a falta de dinheiro

ser um dos primeiros passos

e o endividamento,

e abordagem frequente da

orientando sempre o

assessoria, e também poderia

empreendimento para o

ser estabelecida como

acúmulo de fundos;

uma das contrapartidas necessárias para o público assessorado;

Assessoria a Empreendimentos Populares

A gestão financeira

63


Assessoria a Empreendimentos Populares

C apĂ­tulo

3

64

Abordagem de gestĂŁo


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Como último tópico, a proposta metodológica do Consulado da Mulher sugere a abordagem de gestão tanto nos processos de assessoria como nas práticas e programas de geração de renda como um todo. Uma assessoria estruturada deve contar com indicadores para a realização do diagnóstico e a avaliação de impactos dos empreendimentos. Num contexto com “muitas coisas a se fazer”, os indicadores ajudam a avaliar e priorizar as ações conforme a importância, urgência e viabilidade de cada elemento da abordagem de gestão. Além de entender esses elementos no detalhe, estabelecer parâmetros e referências permitirá definir o que é importante para garantir que os empreendimentos se desenvolvam dentro do que foi combinado com os grupos. Afinal, as práticas de Geração de Trabalho e Renda fundamentadas no empreendedorismo popular e solidário vão muito além de gerar resultados econômicos: ampliam a habilidade das pessoas e a capacidade dos empreendimentos se desenvolverem alinhados aos princípios da economia solidária e da melhoria das relações de gênero. Para assegurar que esse desenvolvimento seja sustentável e continuado, será primordial ter indicadores para gestão e aprendizado, pois os empreendimentos precisam saber apresentar seus resultados não só para justificar os recursos utilizados, mas para se transformar em tecnologias sociais que possam ser replicadas. O grande desafio das práticas de GTR não está relacionado à geração imediata de renda para o público-alvo, mas à capacidade de manter e expandir a geração de renda ao longo do tempo. Por isso, essas práticas devem ser monitoradas e sustentadas nos empreendimentos populares economicamente viáveis, que são aqueles que conseguem produzir e distribuir adequadamente as riquezas geradas e, ao mesmo tempo, manter os princípios e perspectivas de melhoria em suas relações de poder, gênero, trabalho e em relação ao meio ambiente. Atingir esses objetivos requer processos estruturados e sistematizados, capazes de proporcionar o aprendizado continuado e o acúmulo de conhecimento. Nossa Proposta Metodológica recomenda aos assessores a incorporação do ciclo PDCA como forma de estimular sucessivas atividades de planejamento, prática, reflexão e ações de melhoria que possam promover o desenvolvimento dos empreendimentos.

65


Gestão, qualidade e pensamento PDCA

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Uma das ferramentas reconhecidas mundialmente na área da qualidade é o ciclo PDCA (Planejar, Fazer, Checar e Agir Corretivamente, na tradução da sigla para o português). Segundo o americano John Dewey, a quem se atribui a criação do ciclo juntamente com o também americano Clarende Irving, a reflexão para a solução de problemas contém cinco passos distintos: 1) Perceber a dificuldade; 2) Localizar e definir o problema; 3) Avaliar possíveis soluções; 4) Estudar as consequências, viabilidade e impactos de cada solução 5) Observação posterior e experimentação que levem a sua aceitação ou rejeição. Dessa forma, além de o modelo PDCA ser voltado fundamentalmente para a ação prática é uma forma estruturada para geração de conhecimentos, beneficiando as pessoas e a sociedade.

66

Para ter sucesso é necessário gerenciar; para gerenciar é necessário medir; para medir é necessário definir; e para definir é necessário conhecer do assunto. (E. Deming)

O autor da frase é Willian Edwards Deming, profissional amplamente reconhecido pela melhoria dos processos produtivos nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. Mas foi no Japão que ele desenvolveu seu trabalho de maior destaque, a partir de 1950. Lá, Deming ensinou altos executivos a melhorar a qualidade de projetos, produtos, testes e vendas, por meio de vários métodos, incluindo a aplicação da estatística como análise de variantes e teste de hipóteses. Fez contribuições significativas para o país tornar-se notório pela fabricação de produtos inovadores e de alta qualidade, sendo considerado o estrangeiro que gerou maior impacto sobre a indústria e a economia japonesa no século 20. O PDCA deve ser aplicado tanto nos planos gerais de gestão das práticas e programas de GTR como na condução de cada assessoria, contribuindo também para que os empreendimentos se apropriem e pratiquem seus processos de gestão e geração de conhecimento e aprendizagem.


a

=action – ação corretiva

C

=CHECK – monitorar

P

=Plan – planejar

D

=DO – fazer/agir

acertos sejam repetidos.

Em grandes companhias capitalistas, o PDCA é a base de atividades conhecidas como gerenciamento da rotina e gestão da qualidade total. Por conta disso, o terceiro setor pode ter alguma resistência em utilizá-lo. Mas o receio não se justifica porque, com as devidas adaptações, o ciclo pode contribuir com resultados positivos em qualquer setor de atividade. Essa metodologia é apenas uma proposta pragmática para processos de aprendizagem e, portanto, de desenvolvimento das organizações. Tanto no pensamento PDCA como na concepção de educação popular de Paulo Freire existe um forte relacionamento entre a reflexão e a prática como catalizadores de processos de aprendizagem. Lembrando que a proposta de Freire sugere a investigação e a aprendizado como caminhos para as populações em situação de vulnerabilidade conseguirem superar e aceitar a realidade e os problemas relacionados às privações sofridas. Métodos de gestão centrados na melhoria contínua com base na sistematização e acúmulo de aprendizados podem ser uma maneira de qualificar os processos participativos e a gestão democrática nos empreendimentos. Dessa forma, assume-se que a qualidade na gestão é algo em evolução constante e resulta da reflexão e experimentação, da prevenção e correção de problemas. Vale lembrar que todo empreendimento, incluindo-se os solidários, além da qualidade na gestão, precisa assegurar a qualidade de seus produtos e serviços dentro de uma perspectiva de mercado que é competitiva e que não pode ser negada ou desconsiderada. Daí a importância dos ciclos de gestão (ou ciclos de aprendizagem) nos processos de assessoria a empreendimentos populares e solidários. Portanto, a ferramenta do PDCA pode e deve ser utilizada pelos assessores nos empreendimentos populares em momentos de reflexão, problematização e estabelecimento de ações e metas de melhoria contínua, seja de produtos ou de processos. 14

Falconi, Gerenciamento da Rotina do Trabalho do Dia a Dia, 8° Ed. INDG. 2004.

15

D.K, Sobek II, Smalley, A. Entendendo o Pensamento A3, um componente crítico do PDCA da

Toyota, Editora Bookman. 2010.

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Em sua essência, ciclo PDCA14, 15 - é uma metodologia de gestão da qualidade estruturada e disciplinada que incentiva o cumprimento de etapas investigativas e reflexivas sobre o que fazer e o que monitorar (indicadores), a geração de ações para efetivar o resultado almejado, o acompanhamento e os ajustes ao longo do processo de prática, além do aprendizado sobre os processos de forma que erros sejam corrigidos e

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As quatro perguntas sugeridas abaixo servem de guia para avaliação das práticas, processos e vivências entre as pessoas nos empreendimentos:

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• O que foi bom e deve ser mantido?

68

• O que não foi bom e precisa ser melhorado?

• O que precisa ser descontinuado?

• O que precisa ser criado?

Provavelmente, o leitor deve concordar que a base para o desenvolvimento da qualidade nos processos e produtos é não cometer os mesmos erros, pois eles devem ser percebidos como oportunidades de aprendizado, e isso só é possível quando os aprendizados podem ser sistematizados e compartilhados com todas as pessoas numa organização. Assim, as soluções encontradas e o aprendizado passam a ser de domínio coletivo e não são perdidos quando algumas pessoas saem da organização, ficando disponíveis para quem entra. Porém, antes de nos aprofundarmos na aplicação do pensamento PDCA, é importante definir e entender melhor algumas peculiaridades de programas e práticas de GTR, de forma que possamos aplicar o conceito de assessoria às varias etapas de programas de GTR, entendendo as distinções entre elas.

Sobre as práticas de GTR As práticas de GTR são complexas porque envolvem inúmeros fatores, tanto objetivos (empreendimentos, mercado, renda, gestão de sustentabilidade), quanto subjetivos (aspectos pedagógicos, sociais e culturais). Dessa maneira, sugere-se como principais fatores críticos para o sucesso dessas práticas os seguintes aspectos: • Características do público-alvo: pessoas e grupos de pessoas (populações rurais, urbanas, jovens, mulheres, afrodescendentes, catadores etc.) com potencialidades e obstáculos específicos por conta de sua origem, história, contexto, identidades e motivações; • Conhecimentos e tecnologias necessárias: assessoria, treinamento e formação em cooperativismo, empreendedorismo, técnicas de produção/prestação de serviços, aspectos legais, educação em gênero, técnicas de gestão, autogestão etc.; • Acesso aos recursos físicos e financeiros necessários: meios de produção, capital para investimento, capital de giro, local de produção, comercialização, equipamentos sociais para atividades de formação etc.; • Características territoriais: logística, cultura, característica de consumidores e produtores, mercado, parcerias complementares e estratégicas, marcos legais, aspectos regulatórios etc.


Outra compreensão importante é que existem diferentes formas para se desenvolver práticas de GTR, com diferentes objetivos e estratégias, como abaixo: OBJETIVOS E ESTRATÉGIAS DE GTR

Promoção do emprego formal com carteira assinada

Estratégias

Implantação de centrais para cadastro e divulgação de currículos

Promoção do Implantação de centrais empreendedorismo com informações e/ou autoemprego estratégicas sobre mercados potenciais e oportunidades para desenvolvimento de empreendimentos em locais regionais

Qualificação profissional

Elevação da escolaridade

Incentivo à instalação de novas empresas

Incentivo e apoio ao desenvolvimento setorial, pequenas, médias e grandes empresas (automotivo, construção civil, serviços, empregadas domésticas)

Assessoria a empreendimentos

Formação nas áreas de empreendedorismo e gestão

Fomento e Políticas de Incubação de novos desenvolvimento local/ empreendimentos regional/territorial sustentável, estímulo a arranjos produtivos locais

É necessário compreender quais tipos de práticas serão desenvolvidas e qual a melhor combinação com as características do público a ser beneficiado.

Fases e etapas das práticas de GTR As estratégias e os objetivos a serem adotados pelos empreendimentos devem considerar o grau de desenvolvimento em que os empreendimentos se encontram, contextos relacionados e fatores críticos de sucesso. O Consulado da Mulher trabalha com abordagens distintas em três fases: 1) Pré-assessoria; 2)Assessoria; 3) Consultoria ou pós-assessoria. Na fase 1, de pré-assessoria, desenvolvemos atividades ao lado de parceiros e públicos potenciais com o objetivo de identificar projetos de GTR passíveis de serem assessorados. Nessa etapa, as práticas de assessoria voltam-se para a sensibilização, fomento e identificação de empreendimentos viáveis. Na fase 2, de assessoria, o Consulado da Mulher atua com o objetivo de contribuir para o aprendizado do público e disponibilização de recursos no sentido de oferecer condições para o desenvolvimento sustentável dos empreendimentos. Essa fase se subdivide em quatro etapas de execução, inspiradas no pensamento PDCA: 1) diagnóstico; 2) plano de assessoria; 3) execução do plano; 4) avaliação de resultados e ações de melhoria.

Assessoria a Empreendimentos Populares

Objetivos

69


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A fase 3, de consultoria ou pós-assessoria, tem como objetivo o início de um afastamento gradual, com redução da interferência da assessoria e dos educadores no processo de funcionamento do empreendimento. Nessa fase são descontinuadas as atividades regulares e propoe-se que os empreendimentos identifiquem seus problemas e metas, e busquem, de forma autônoma, os auxílios e recursos necessários para sua consolidação e expansão, com o Consulado da Mulher e/ou outras entidades de apoio e parcerias.

70

Fase 1 – Pré-assessoria Aqui se inicia a ação que busca identificar possibilidades de promover transformações sociais por meio do empreendedorismo popular e solidário. Não é possível, pelo menos a princípio, definir o surgimento de novos empreendimentos como resultado das ações de sensibilização e fomento em um período de tempo pré-estabelecido. Isso porque sensibilizar e fomentar não significa garantir a consolidação de um empreendimento. O resultado pode ser apenas a participação de pessoas e grupos nas atividades, mas sem a disponibilidade, motivação, mobilização e protagonismo, que devem anteceder a decisão autônoma pelo início de um empreendimento. A vontade de empreender e buscar alternativas de geração de renda tem que partir das pessoas que serão responsáveis pelo empreendimento. O ideal é que haja nessa fase um processo metódico, que considere etapas a serem cumpridas e garantia de governabilidade sobre fatores críticos de sucesso, que possam auferir confiança para decidir sobre o início ou não de um empreendimento, conforme a figura abaixo: Começando GTR do marco “zero”

1. Sensibilização e Fomento ao Empreendimento Popular

Necessidade

Habilidade

Autoestima “Eu posso, eu quero”

2. Identificação de empreendimentos viáveis

Fatores Críticos de Sucesso

Parcerias

Protagonismo Público


A sensibilização e o fomento ao empreendedorismo popular e solidário que ocorre durante a fase de pré-assessoria tem o objetivo de motivar, mobilizar e formar um grupo de pessoas que serão protagonistas na formação de empreendimentos para geração de renda e atendimento de suas próprias necessidades. A sugestão para essa etapa é prestar atenção nas características da comunicias, potencialidades e limitações para a geração de trabalho e renda, devem ser fatores cuidadosamente observados e considerados. Deve-se procurar mobilizar o máximo de pessoas dessa população para a participação em reuniões e encontros que identifiquem os anseios e vocações da comunidade, e que possibilitarão o pontapé inicial do projeto. Para essa mobilização, é fundamental identificar e envolver as lideranças formais e informais, associações de moradores, igrejas, profissionais da área de saúde e de assistência social. À medida que esses encontros e reuniões aconteçam, essas características locais e humanas devem ser observadas de forma crítica e criativa tanto pelas entidades promotoras das ações como por parte da população ou grupo de pessoas em questão. A partir daí, será possível construir atividades vivenciais e expositivas que tenham como objetivo identificar as necessidades específicas e legítimas dessa população. Tais necessidades serão a força propulsora de quaisquer projetos que os envolvam. Portanto, exercerão papel fundamental na motivação para participar de iniciativas empreendedoras. Como trabalhamos com populações em diferentes graus de vulnerabilidade, haverá a necessidade de gerar renda, como é de se esperar, mas se a expectativa das pessoas estiver relacionada à conquista de um emprego formal, ou à renda garantida e imediata, o projeto de estímulo ao empreendedorismo não terá sustentação. Se durante a fase de sensibilização todos compreenderem a importância de formar um empreendimento como alternativa para a geração de trabalho, renda e qualidade de vida, aí sim podemos pensar no passo seguinte: o desenvolvimento das habilidades necessárias para a condução do negócio. Essa etapa exige cuidado: devemos proporcionar cursos e formações de qualidade, mobilizando bons profissionais que, além de conhecimento técnico, devem possuir desenvoltura e adequação pedagógica em relação ao público. É comum encontrarmos consultores com excelente formação e conteúdo teórico, mas com linguagem excessivamente técnica ou com tão elevado grau de sofisticação em suas explanações que não conseguem se fazer compreender pelo público em questão, dificultando ou impossibilitando o aprendizado.

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dade e do público-alvo ou potencial. Contexto, história, cultura, habilidades, experiên-

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A qualidade no processo de desenvolvimento das habilidades necessárias para o negócio – seja ele de alimentação, artesanato, serviços, coleta/triagem/comercialização de materiais recicláveis, agricultura, indústria, tecnologia da informação, pesca, mineração etc. – será revertida em elevação da autoestima e motivação do público. Além de começar a acreditar em seu potencial, os participantes passarão a expressar e projetar Assessoria a Empreendimentos Populares

sonhos. Ter projetos e sonhos, sejam eles simples ou complexos, é um sinal de que as

72

pessoas se colocam como sujeito, que tem aspirações, e esse é o melhor combustível para o desenvolvimento de projetos sociais. O desafio seguinte é transformar os sonhos, as aspirações e até mesmo os problemas em projetos, que podem ou não estar relacionados à geração de trabalho e renda. Por isso, todo cuidado é pouco para que a ação de educadores, mediadores e facilitadores não influenciem nesse direcionamento. A tarefa desses agentes é facilitar a identificação de pontos comuns entre as necessidades existentes e projetos que atendam aos anseios do público, possibilitando o fortalecimento e aceitação de iniciativas coletivas, pois os projetos sociais só se viabilizam e justificam sua ação pública e gratuita se atenderem ao grupo e ao coletivo. Existem alguns recursos lúdicos e objetivos utilizados no terceiro setor, como o Método ZOPP, palavra que vem da expressão alemã Ziel Orientierte Projekt Planung (planejamento de projetos orientado por objetivos) que podem ser utilizados nesta fase. Esse método auxilia na construção e definição de projetos e o seu acompanhamento posterior. O ZOPP, como processo, é realizado em etapas sucessivas e interligadas, que auxiliam em processos de planejamento participativo, envolvendo problematização e mapeamento das situações atuais, para ajudar na compreensão do contexto relacionado ao projeto. O processo todo compreende diversas fases, que poderiam ser representadas por: 1) planejamento do projeto; 2) implementação das ações; 3) acompanhamento das ações; 4) monitoramento e avaliação dos resultados e os ajustes necessários para manter os rumos do projeto. Quando os objetivos são alcançados, o projeto termina. Mas, se ele for bom, seus efeitos permanecerão. No caso de programas e práticas de GTR, como um bom projeto resulta em um empreendimento viável não só economicamente, mas social e ambientalmente, deve-se promover a motivação e o envolvimento de grupos e comunidades com o projeto desde a sua concepção.


É fundamental a participação das pessoas que irão compor o empreendimento desde a etapa inicial, a problematização, em que se busca refletir e investigar os problemas emergentes dos grupos e comunidades, de maneira a cristalizar identidades e obter a correta compreensão do contexto vivenciado pelas pessoas. O processo de

1. Análise da participação ou envolvimento dos atores direta ou indiretamente afetados pelas ações do projeto, se eles influenciam e compartilham da construção do consenso, da tomada de decisões e da aplicação dos recursos do projeto. 2. Análise da situação atual, identificando as reivindicações e mudanças desejadas, os problemas referentes ao tema em questão, suas causas, efeitos e também as oportunidades que podem ser aproveitadas para solucioná-los. A análise da situação pode ser realizada por meio de diferentes instrumentos. Um deles é a Árvore de Problemas, sendo que o problema central, como o nome indica, fica colocado no centro do diagrama (tronco), enquanto que suas causas hierarquicamente distribuídas ficam na parte inferior do diagrama (raiz), e os efeitos, na parte superior (copa da árvore). Veja exemplo da figura abaixo/ao lado17:

Bueiros entupidos; enchentes; caos no trânsito; famílias desabrigadas; aumento do número de famílias desabrigadas e pedintes nas ruas; etc.

Consequências:

Problema central:

Lixo nas ruas.

Raiz do problema:

As pessoas não jogam o lixo nos cestos ou local apropriado; não existem cestos de lixo suficientes pelas ruas; não existe o recolhimento adequado pela Prefeitura; não existe limpeza regular de bueiros.

16

Extraído de http://www.geranegocio.com.br/html/assoc/p4-zopp.htm.

17

Fonte: www.instrucoesleonisticas.jor.br, acessado em 10/07/2011.

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problematização no método ZOPP consiste em16:

73


A escolha do problema central deve ser feita de forma objetiva e criteriosa, refletindo o cerne da questão em relação a uma situação que se quer modificar ou melhorar. Por exemplo, se uma comunidade aponta a má qualidade e ineficiência dos serviços de saúde, de nada adiantaria ter como problema central a qualidade de vida, pois isso daria origem a uma análise de variantes que não estaria diretamente relacionada ao Assessoria a Empreendimentos Populares

problema em si. Essa prática acaba por criar expectativas além das possibilidades de atuação de um projeto, desacreditando todo o processo e trazendo grande frustração aos envolvidos.

Árvore de Objetivos Outro instrumento muito útil, e complementar à Árvore dos Problemas, é a Árvore de Objetivos. Aqui pensamos nas soluções desejadas, e essas são estruturadas num diagrama, como na Árvore de Problemas, tomando a mesma como base para a definição de objetivos que se contrapõem aos problemas previamente elencados.

74 Cidade mais limpa e mais bonita; diminuição de bueiros entupidos; menor ocorrência de enchentes, etc.

Consequências:

Ruas limpas.

solução central:

Raiz da solução:

Conscientização das pessoas sobre a importância de não jogar lixo nas ruas; parceria com a prefeitura e empresas para colocar mais cestos de lixo em pontos estratégicos nas calçadas e pontos de ônibus; solicitar ao poder público a limpeza adequada de lixos, bueiros e vias públicas.

O processo de problematização da situação atual deve ser livre e a temática escolhida deverá refletir o resultado da manifestação das pessoas envolvidas neste processo.


Para que grupos e comunidades desenvolvam projetos de GTR, é recomendável que a falta de trabalho e renda esteja evidenciada tanto no processo de problematização da situação atual como na busca pelas soluções, pois este é o problema central que vai desencadear a vontade de empreender e a busca pelo desenvolvimento. Uma outra forma simples e objetiva de realizar o mapeamento participativo do aqueles que vivenciam situações de conflito, é a construção de uma matriz descritiva da situação atual (ou presente) e situação desejada (ou futura), provocando a reflexão sobre as ações necessárias para a transição da situação atual para a situação desejada, AÇ Õ

Construir com o grupo uma lista de problemas que descreva o “desconforto” vivenciado pelo grupo na situação atual: • Falta de matéria-prima na hora de produzir

Passo 3

Passo 1

SITUAÇÃO ATUAL

e s d e T R A N S I Ç ÃO

Construir uma lista de soluções expressas por ações necessárias para sair da situação atual e chegar à situação desejada:

SITUAÇÃO DESEJADA Passo 2

como apresentado a seguir:

•Ter controle financeiro para não faltar dinheiro na hora de comprar matéria

Construir uma lista que descreva o futuro desejado pelo grupo: • Ter todos os ingredientes disponíveis na hora da produção

• Fazer lista de compras semanal. Ter uma pessoa responsável pelas compras

Após descrever a situação atual, a situação desejada e as ações necessárias para se deslocar de uma situação para outra, é necessário avaliar a viabilidade de cada ação/ solução proposta e a capacidade que o grupo e seus apoiadores têm de realizá-la. Idealmente devem ser definidas ações de curto, médio e longo prazo a serem implantadas para transformar a situação atual. Além das ferramentas sugeridas neste capítulo, podem-se usar outros métodos para que essa etapa de sensibilização e fomento ao empreendedorismo popular seja conduzida de forma consistente e orientada para um projeto de GTR. Ainda durante essa etapa de sensibilização será necessário avaliar se existem oportunidades para o desenvolvimento de empreendimentos viáveis, já que nesse momento eles ainda não estão definidos de forma detalhada e estruturada. Isso caracteriza o início de uma nova etapa da fase de pré-assessoria: a identificação de empreendimentos viáveis.

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contexto envolvido nos grupos e comunidades em vulnerabilidade, especialmente

75


Identificação de empreendimentos viáveis A análise da viabilidade de projetos de GTR baseados no empreendedorismo popular e solidário requer a observação sistêmica da governabilidade sobre os fatores críticos de sucesso, (vide página 69). Sugere-se algumas perguntas e reflexões conforme

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o quadro abaixo: FATORES CRÍTICOS DE SUCESSO DE PRÁTICAS DE GTR Características do público-alvo

• O projeto possui adequação pedagógica ao público? • O projeto garante condições básicas para que o público se dedique na frequência e continuidade necessárias? • O público se envolve como protagonista na identificação de seus problemas, necessidades e nas definições do empreendimento?

Acesso aos recursos físicos e financeiros necessários

76

Características territoriais

• O projeto tem identidade com as características culturais locais? • A comunidade percebe a importância do projeto e possui potencial de contribuição para o seu desenvolvimento? • Há mercado para os produtos e serviços propostos? • Há envolvimento com iniciativas de governos, de outras ONGs ou de empresas? Conhecimentos e tecnologias necessárias

• Há disponibilidade básica em termos de meios de produção para o empreendimento?

• Há disponibilidade de educadores populares para assessoria semanal?

• Há disponibilidade de capital para aporte inicial ao empreendimento e capital de giro?

• Como será feita a formação básica em cooperativismo e economia solidária?

• Há disponibilidade de local para o funcionamento do empreendimento?

• Há disponibilidade de pessoas para formação básica em gênero?

• Há disponibilidade para comercialização?

• Há disponibilidade de pessoas para formação em negócios?

• Há disponibilidade de local para reuniões, capacitações e treinamentos?

• Como será feita a qualificação para a gestão do projeto? • Há disponibilidade de pessoas para formação em técnicas de produção/prestação de serviços? • De que forma será o suporte em aspectos legais e contábeis do empreendimento?

O protagonismo do grupo deve ser encarado sempre como elemento crítico, pois a falta dele compromete a sustentabilidade, emancipação e autonomia do empreendimento. Na fase inicial dos projetos de geração de renda, são comuns equívocos como:


• Definição do tipo de negócio e/ou áreas de atuação sem participação e escolha efetiva do público que virá a formar o quadro do futuro empreendimento; • Concepção do projeto de GTR e início do empreendimento sem que as pessoas tenham ainda de fato se agrupado e definido se querem realmente formar um empreendimento;

• Promoção de cursos para formação e capacitação laboral como etapa única de GTR, sem dimensionamento e profundidade adequada para a sustentação do negócio no mercado; • Início de projetos sem garantia de recursos básicos para a continuidade e o avanço dos empreendimentos, ocasionando paralisação total ou parcial por falta de recursos; • Demora no início efetivo do empreendimento, agravando a falta de renda e levando à desistência e alto índice de rotatividade de participantes; • Falta de alinhamento de expectativas em termos de tempos e resultados, ocasionando frustrações nas entidades financiadoras, executoras e o público beneficiado.

Fase 2 – A assessoria Nessa segunda fase, de assessoria propriamente dita, entende-se que existe um empreendimento já iniciado ou em fase de implantação. Um dos primeiros passos será contribuir para que diretrizes estratégicas de médio e longo prazo estejam definidas e compreendidas pelos integrantes do empreendimento. Esse é o referencial para que valores, princípios, perspectivas e sonhos sejam compartilhados e, juntos, criem identidade de grupo e de empreendimento. Diretrizes bem definidas vão assegurar que o grupo tenha clareza de “onde queremos chegar” e “como queremos chegar”, auferindo união e sinergia no desenvolvimento do empreendimento. Quando planejamos uma viagem em grupo, é necessário definir, antes de tudo, para onde se quer ir, porque se quer ir a esse lugar, e como nos propomos a chegar ao destino. Essas definições devem ocorrer antes da viagem, evitando aborrecimentos posteriores, como descobrir que nem todas as pessoas desejavam ir ao mesmo destino ou que prefeririam utilizar formas diferentes de se locomover e deslocar. O mesmo ocorre em um projeto de GTR. O debate e as definições sobre questões fundamentais para o empreendimento, como as apresentadas acima, tornam a trajetória mais segura e dão coesão ao grupo. Por isso, as diretrizes estratégicas são tão importantes. Colocadas em um ambiente de diálogo, as contribuições de cada um para o coletivo interagem de forma sinérgica e possibilitam o desenvolvimento de uma cultura que dá identidade ao grupo enquanto empreendimento, viabilizando o que chamamos de cultura organizacional.

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• Pré-definição, pelas entidades de apoio, do tempo entre a sensibilização e a geração de empreendimentos viáveis e autônomos, já que esses tempos são variáveis e os resultados incertos;

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A pirâmide ou triângulo de gestão (figura abaixo) representam simbolicamente as diretrizes estratégicas de um empreendimento e são amplamente difundidas em

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empresas e instituições. Seus elementos clássicos são:

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Visão Missão estratégias Objetivos permanentes

• Visão: é a situação ideal, no longo prazo, que se sonha chegar. Uma visão geralmente é definida de forma a se apresentar extremamente desafiadora. Mesmo quando atingida, a missão continua a desafiar a organização a manter-se nessa situação ideal. Exemplo: “Ser reconhecida como empresa referência regional em termos de alimentação saudável e comércio justo”. • Missão: é a atividade-fim, o propósito de um empreendimento. Diz respeito às atividades que deverão ser realizadas prioritariamente e com excelência para que a visão seja atingida. Exemplo: “Produzir alimentos com os melhores ingredientes, provenientes da agricultura orgânica e da economia solidária, promovendo saúde e satisfação a consumidores e produtores”. • Estratégias: são os cuidados e os caminhos escolhidos para garantir que a missão seja realizada e a visão seja atingida. Exemplo: “Promover parcerias diversificadas e amplas, fortalecendo pequenos fornecedores para que garantam renda adequada”. • Objetivos permanentes: os objetivos permanentes da instituição ou empreendimento garantem a execução das estratégias. Exemplos: “Promover o monitoramento e apoio técnico constante a fornecedores”; “Publicar de maneira consistente e eficaz a forma de produção dos alimentos que é solidária na cadeia produtiva e cuidadosa com o meio ambiente”; “Consolidar normas, métodos e procedimentos bem sucedidos para garantir a melhoria constante dos processos produtivos e dos produtos gerados”. Definidas essas etapas e estratégias, o próximo passo de uma assessoria é centrar esforços no funcionamento do empreendimento, ou seja, no desenvolvimento de produtos, processos de trabalho e comercialização, a fim de garantir a sua sustentabilidade. A assessoria a empreendimentos populares e solidários deve considerar a autonomia e emancipação dos mesmos depois de um determinado período de tempo. Por


isso, fixar um prazo para duração do processo de assessoria é uma prática saudável e necessária. A definição de limites é necessária tanto por conta da necessidade pedagógica de auferir autonomia efetiva aos empreendimentos, como para que a assessoria tenha condições de se dedicar e contribuir com novos empreendimentos. Isso não quer dizer que exatamente após esse período o processo deva ser endual do acompanhamento, transferindo-se aos poucos para o grupo a responsabilidade pela resolução de problemas do empreendimento. Nessa fase, sugerimos que a assessoria acompanhe a filosofia de gestão PDCA, que propõe uma ordem lógica sistemática para evolução das atividades, como no diagrama abaixo.

avaliação: Ação de melhoria ou padronização (action)

a

• Resultados x Planejado: • O que corrigir • O que manter • O que aprendi?

• Novo Projeto Assessoria?

C

Planejar (PLAN)

• Diagnóstico da situação • Identificar Problemas e causas fundamentais • Soluções (Priorizar viáveis, importantes e urgentes) • Plano Assessoria

• Execução de acordo com o planejado? • Os resultados começam a ser atingidos

• Colocar PLANO de ASSESSORIA em Prática: • Formações • Aportes de Recursos

• Iniciar, praticar e Dinamizar Negócios

Corrigir Algo?

Monitorar (CHECK) e Correções

P

D

Executar (DO)

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cerrado de maneira abrupta, mas recomenda-se que seja iniciado um afastamento gra-

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O planejamento No ciclo PDCA, o planejamento é o momento de compreender os problemas a serem solucionados para que o empreendimento se desenvolva gradualmente, seguindo diretrizes de médio e longo prazo. O PDCA também é conhecido como uma maneira de orientar de forma eficaz o gerenciamento da rotina no trabalho do dia a dia. Assessoria a Empreendimentos Populares

A metodologia sugere que a escolha de ações prioritárias esteja relacionada a proble-

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mas estratégicos e fundamentais, de forma que eles sejam prevenidos ou corrigidos. As práticas bem-sucedidas devem ser registradas e sistematizadas de forma a permitir o compartilhamento do aprendizado. Um planejamento mal desenvolvido leva desperdício de tempo e recursos e causa frustração e desmotivação nas pessoas envolvidas. Exemplo disso é uma viagem mal planejada: o destino pode ser muito bom, mas o humor dos participantes vai azedar se a alimentação for mais cara do que se tinha imaginado, se os viajantes não levarem roupas adequadas ou se o grupo se perder no caminho por falta de mapas e rotas pré-definidas. No projeto de um empreendimento coletivo, por exemplo, poderá haver constrangimentos entre seus integrantes se a venda de produtos começar a ser feita antes da elaboração de um regimento interno com as regras básicas do negócio. Imagine o desconforto entre as pessoas caso não tenha sido definido o que fazer com o dinheiro ou como dividir a renda gerada com a venda desses produtos. Um bom planejamento exige identificação prévia dos problemas, suas causas e efeitos – o que chamamos de diagnóstico – como base para as ações a serem implementadas. Portanto, o diagnóstico correto da situação é requisito fundamental para um bom planejamento. Requer investigação sobre as causas dos problemas e suas consequências, de maneira que, com base nesse diagnóstico, o grupo seja capaz de identificar e escolher os problemas mais graves e mais urgentes, bem como as soluções possíveis. O Consulado da Mulher desenvolveu uma metodologia própria para diagnosticar, medir impactos e estruturar planos de assessoria. Essa metodologia é baseada no estabelecimento de uma série de indicadores e índices de desenvolvimento, tanto quantitativos como qualitativos, organizados e dispostos como no quadro a seguir.


ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO: ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

Indicadores

Observações/Conceitos envolvidos

1) Quais investimentos serão necessários; Existência e aplicação de plano de negócio

2) Identifica possíveis fornecedores; 3) Define preços; 4) Qualidade; 5) Identifica potenciais consumidores/clientes para seus produtos e serviços. Outra função importante de um plano de negócio é elaborar projetos para captar recursos e buscar parcerias para o empreendimento. Regras de funcionamento e regimento interno são acordos firmados pelas pessoas de um grupo/ empreendimento que falam sobre formas de funcionamento, responsabilidades etc. Exemplos: - Quantas horas trabalhar por dia?

Existência e aplicação de regras de funcionamento e/ou regimento interno

- Como dividir o dinheiro? - Quem é responsável pelo quê? - Quais são as penalidades para quem não cumprir os acordos? A falta de regras claras de funcionamento pode gerar conflitos, desentendimentos sobre forma de funcionamento do trabalho e, também, privilegiar estilos de liderança que definem as regras por si só, ou seja, as pessoas que decidem pelo grupo, que “mandam” no grupo. A existência de regras acordadas entre todos favorece a igualdade de oportunidades de participação entre as pessoas e a diminuição de conflitos com origem na desigualdade de gênero e poder entre os membros de um grupo.

Registro de reuniões, combinados, assembleias e decisões importantes

Quando tomamos decisões, é muito importante que elas sejam escritas e estejam disponíveis como referência e consulta para todas as pessoas do empreendimento. Se não for feito o registro em livros-ata ou mesmo cadernos, pode-se gerar dúvidas entre os que participaram e os que não participaram de determinadas decisões, gerando conflitos, desconfiança e perda de tempo. O não cumprimento de decisões tomadas também pode acarretar conflitos, desconfianças e desestímulo, com raciocínios do tipo “ se não aplicaram isso para ela, não podem aplicar para mim” ou então “aqui as decisões não são cumpridas”. A tabela continua na próxima página >>>

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Um plano de negócio é um conjunto de informações que ajuda a compreender as condições de viabilidade econômica, ou seja, o que é necessário para abrir e desenvolver o negócio. Para isso, estuda, entre outros, os seguintes conjuntos de informações:

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ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO: ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

Controles financeiros servem para:

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- se decidir o que fazer com o dinheiro que entra no empreendimento; Existência e aplicação de controles financeiros

- formar preços e verificar se determinado produto dá bons retornos ou se não compensa ser produzido;

- Prever com antecedência se irá sobrar ou faltar dinheiro no futuro, sugerindo poupanças, investimentos ou até mesmo empréstimos.

Quando esses controles não acontecem, pode se descobrir tarde demais que não se tem dinheiro para comprar materiais ou pagar aluguel, por exemplo. Estudos mostram que grande parte dos empreendimentos fecha por não conseguir prever necessidade de “reservar um caixa” para situações de baixas vendas, pois essas oscilam ao longo do ano, e com isso o empreendimento pode não ter fôlego para esperar um novo momento de boas vendas.

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O controle de caixa, que é apenas o registro do que entra e do que sai em cada dia do empreendimento, é uma das formas de se ajudar no controle financeiro, mas não é suficiente. Decidir o que fazer com o dinheiro que entrou é ainda mais importante. É comum grupos possuírem a tentação de dividir todo o primeiro dinheiro que entra no caixa, mas isso pode impedir o empreendimento de comprar mais materiais para uma nova demanda. Esse caixa “reserva” para o empreendimento continuar funcionando se chama capital de giro.

A falta de planejamento sobre o que fazer com o dinheiro que entra no empreendimento pode também prejudicar a realização de fundos e de investimentos em máquinas e equipamentos que poderiam aumentar a capacidade de produção e vendas.

Processo de planejamento e gestão do empreendimento

Aceitando a premissa de que o desenvolvimento humano é possível a partir da ampliação de habilidades e, portanto, do aumento das liberdades para gerar soluções para os próprios problemas e necessidades, entende-se que a autonomia e o protagonismo dos empreendimentos de economia solidária dependem de sua capacidade de pensar e agir no sentido de seu próprio desenvolvimento.

Com isso, planejamento e gestão são atividades muito importantes, pois estimulam o desenvolvimento do aprendizado continuado, valorizando o comportamento pró-ativo, crítico e criativo de seus trabalhadores.


ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO: INDICADORES ECONÔMICOS

Renda: investimento com recursos próprios (em sede, máquinas e equipamentos) Renda: manutenção de fundos coletivos no empreendimento Renda: manutenção e fundos individuais (férias, fundo de garantia, 13° salário, prêmios etc.) Renda: valores das retiradas

Renda: trocas solidárias

Investimento é o valor total de dinheiro gasto na compra de equipamentos, máquinas e mobiliário, ou seja, bens que mantêm seu valor de uso com o passar do tempo.

Fundos coletivos são aqueles formados pela poupança do empreendimento, depositados em uma única conta/ fundo de controle, com a finalidade de beneficiar as pessoas do empreendimento diante de uma situação específica, como por exemplo cobrir doenças ou necessidades emergenciais de pessoas do empreendimento.

Fundos individuais são aqueles que são “economizados, poupados e depositados” em contas/fundos individuais, e que possuam finalidade de beneficiar as pessoas ativas do empreendimento. São de direito do indivíduo, ou seja, podem ser sacados ao se sair do empreendimento. Os depósitos são feitos continuamente, desde que haja viabilidade econômica (exemplos: fundos similares ao FGTS, descanso/férias remuneradas, 13° salário etc.).

Retiradas financeiras são pagamentos efetuados em dinheiro/reais pelo empreendimento a pessoas que nele trabalham, de acordo com regras e condições definidas.

São transações econômicas que não envolvem intermediação de dinheiro. A aquisição, nesse caso, é feita por meio de troca ou permuta. Pode envolver bens, produtos e/ou serviços, e nesse último caso a moeda de referência poderá ser o tempo de trabalho. Esses processos se aplicam tanto às trocas solidárias (que lembram o escambo) como a rendas de subsistência e/ou de autoconsumo, que é o consumo de produtos e serviços resultantes do trabalho das próprias pessoas que produziram, como pães, hortaliças, etc. → Para calcular o valor monetário dessas trocas e/ou produção econômica de autoconsumo pode-se utilizar como referência o valor médio de mercado para produtos e serviços similares praticados na localidade ou, no caso de um produto/serviço exclusivo, utilizando-se precificação baseada no conceito de Preço Justo.

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Faturamento

Faturamento é o valor total de dinheiro que entra no empreendimento quando há venda de produtos e serviços. Esses valores devem ser registrados e fornecidos para a assessoria mensalmente.

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ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO: HUMANIZAÇÃO E CONDIÇÕES NO TRABALHO

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A formalização do empreendimento ocorre quando são atendidas todas as exigências previstas nas leis (federais, estaduais e municipais) que regem seu funcionamento. Exemplos: para ser considerado formal um empreendimento necessariamente precisa de CNPJ, alguns de inscrição estadual, permissões e registros em órgãos específicos. Um empreendimento formalizado é aquele que funciona de acordo com a lei e as regras de funcionamento previstas para cada tipo de atividade econômica, seja uma cooperativa, associação, microempresa, pequena empresa ltda., microempresa individual etc. Formalização do empreendimento

→ O processo de formalização pode ser diferente de acordo com a atividade econômica do empreendimento; é necessário um levantamento na Prefeitura, Junta Comercial e Receita Federal para identificação do melhor caminho a percorrer. Em alguns tipos específicos de atividades produtivas a formalização inclui também o atendimento a normas específicas, como as da Vigilância Sanitária (para manipulação de alimentos); Serviço de Inspeção Federal (SIF) (para produção de alimentos de origem agropecuária); exigência de químico ou farmacêutico responsável (para manipulação de cosméticos e dermatológicos); e assim por diante.

Seguridade social / Previdência (INSS)

A seguridade social garante a qualidade de vida do trabalhador no futuro, impedindo a interrupção dos ganhos financeiros em situações de afastamento do trabalho por razões de saúde, gestação ou aposentadoria. É um seguro fundamental para os trabalhadores autônomos de empreendimentos populares, e por isso o registro na Previdência e o pagamento das contribuições devem ser priorizados.

Certificação social / responsabilidade social

Existe uma tendência mundial de valorização de produtos e serviços que comprovem a não precarização do trabalho em condições como trabalho escravo, infantil, situações insalubres e informais. As certificações sociais existentes, entre as quais podemos citar o Comércio Justo (“fair trade”) e o conjunto de normas ISO 26000 (responsabilidade social) são processos que estimulam o empreendimento para o desenvolvimento sustentável e geram reconhecimento por parte do consumidor.

Jornada de trabalho

Segurança, ergonomia e saúde no trabalho

A jornada de trabalho é a quantidade de horas mensais de dedicação das pessoas ao empreendimento. Utiliza-se no relatório de assessoria a média mensal de todas as pessoas que trabalharam. Segurança, ergonomia e saúde no trabalho são temas muito importantes nos projetos de GTR. As condições de trabalho a que as pessoas estão expostas não podem acarretar riscos à saúde e à integridade física. As lesões por repetição de movimentos e os riscos oferecidos por máquinas e ambiente de trabalho (temperatura, gases e resíduos perigosos) devem ser especialmente evitados. Recomenda-se firmemente o planejamento e execução de ações preventivas (uso de equipamentos de segurança, peso, comprimento de máquinas e equipamentos) e corretivas (o que fazer quando um risco ou problema causado à saúde do trabalhador já aconteceu). O tema não costuma atrair a atenção das pessoas nos empreendimentos por passar a falsa percepção de que não “aumenta a renda” ou que “nunca vai acontecer comigo”. Mas as doenças decorrentes do trabalho podem trazer graves prejuízos com tratamento, diminuição de produtividade e saída de pessoas – e podem afetar a reputação de um empreendimento.


Tomada de decisão

Liderança

A tomada de decisão em empreendimentos baseados na autogestão é um dos diferenciais entre a economia solidária e a economia convencional. Porém, o processo de construção da gestão participativa esbarra em desafios como a cultura individualista/egoísta, a cultura do patriarcado e da desigualdade de gênero e poder entre as pessoas, assim como a intolerância às diferenças. Todos devem participar das decisões, porém o processo de participação deve ser qualificado a partir de competências desenvolvidas e organização prévia, para que se tenha a capacidade de superação de divergências e construção de consensos. Melhor do que votar em propostas diferentes é decidir por consenso. Isso estimula o diálogo, integra o grupo e o orienta com mais motivação para a execução das decisões. Líder é a pessoa que consegue influenciar outras pessoas, servindo de referência. O fato dessa pessoa exercer ou não cargos de chefia é indiferente. Contam mais as suas características, que podem variar bastante, do que a posição que ocupa: há o líder carismático e o empático (devido a características pessoais); o experiente, que transmite confiança ou inspiração; o que se aproveita de sua influência para alcançar objetivos particulares ou para beneficiar o grupo; o que ajuda outras pessoas a desenvolver sua capacidade de liderança; e os centralizadores, que sempre querem estar no centro do poder e com a razão.

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ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO: AUTOGESTÃO

85 As características de liderança em um grupo de trabalho, tanto podem facilitar o processo participativo como aumentar a dependência das pessoas, prejudicando o seu desenvolvimento.

Transparência e socialização das informações

A transparência e acesso às informações, resultados, controles financeiros e decisões é uma condição para que as pessoas possam participar ativamente de um empreendimento autogestionário. Sem isso, proporciona-se um ambiente com desconfiança e competição, que impede o desenvolvimento do aprendizado e do processo participativo. A divisão de tarefas dentro de um empreendimento autogestionário deve valorizar a diversidade e propiciar a identificação das habilidades pessoais dos membros do grupo, além de favorecer o desenvolvimento de novas habilidades. Devem ser evitadas as situações em que a saída de uma pessoa do empreendimento possa provocar perda da qualidade de produtos e serviços.

Divisão e realização das atividades

Sem uma divisão de tarefas clara e justa, relacionando funções e responsabilidades, podem haver conflitos do tipo: “meu trabalho é mais importante que o do outro”; “eu trabalho mais que o outro”; ou ainda a não execução de atividades importantes pela falta de um responsável, ocasionando a perda da qualidade. Sobre situações assim, há um dito popular: “Um cachorro com muitos donos pode morrer de fome”. No caso de um empreendimento, um exemplo disso seria a indeterminação sobre quem supervisiona a qualidade dos produtos antes da entrega deles ao cliente. Todos acham que alguém irá conferir/revisar, ninguém o faz, e o produto sai com defeito.


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ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO: ESTRUTURA E EMANCIPAÇÃO

86

Articulação com outros empreendimentos de economia solidária

O desenvolvimento de empreendimentos inspirados na economia solidária depende de como são criadas alternativas efetivas para quem deseja produzir e consumir riquezas com princípios de autogestão, solidariedade e respeito ao meio ambiente. O objetivo é inserir-se no mercado com preços e qualidade que atendam às necessidades dos consumidores. Mas pode haver conflitos quando houver necessidade de comprar matéria-prima de um fornecedor que não está alinhado aos princípios de economia solidária ou quando um consumidor estiver disposto a comprar um determinado produto ou serviço que não está disponível no mercado e precisa ser desenvolvido. → A sustentação do empreendimento dependerá, então, da intercooperação e do relacionamento solidário entre empreendimentos ao longo de toda cadeia produtiva (fornecedor-produtor-consumo).

Articulação com outros atores e movimentos da economia solidária

Acesso a meios de produção

Acesso a meios de comercialização / mercados

Inovação (registro de marcas e patentes, tecnologia social etc.)

O processo de desenvolvimento de um empreendimento e da própria economia solidária depende do fortalecimento e acúmulo de conhecimento e tecnologias, bem como de marcos jurídicos e regulatórios. A implantação de práticas sustentáveis e políticas públicas que possibilitem o desenvolvimento sustentável desses empreendimentos será favorecida com a troca de conhecimento e experiências,e a união de forças entre diferentes atores ( como poder público, entidades de fomento e apoio) e os próprios empreendimentos. O acesso a máquinas, equipamentos e espaços de funcionamento é crítico para qualquer empreendimento em fase de desenvolvimento. Para os de economia solidária, cujos trabalhadores provêm de situações de desemprego e vulnerabilidade (e por isso buscam sua reinserção produtiva), este é um dos grandes desafios para a alavancagem de novos projetos, que correm o risco de não sair do papel pela falta desses recursos. Essa é uma questão-chave para os empreendimentos. Não basta que seus produtos e serviços tenham qualidade; eles precisam responder a um anseio de consumo e, além disso, estar ao alcance dos consumidores. → Para vender produtos e serviços é preciso assegurar local de comercialização e boa visibilidade, além de conhecer as características dos potenciais compradores, suas condições de compra, preços e qualidade que esperam do produto. O nome de produtos, serviços, e do próprio empreendimento não pode ser registrado caso já exista outro igual registrado dentro ou fora do país. As leis de proteção a marcas e patentes asseguram que apenas um empreendimento, seus produtos e serviços podem utilizar determinado nome e marca; asseguram também o direito de patente a ideias, soluções, produtos e serviços novos ou inovadores, ou seja, que ainda não existam. Os direitos autorais da patente são atribuídos a apenas um inventor ou empreendimento, assim quem quiser fazer algo parecido com um produto patenteado ou utilizar uma marca já registrada, terá de pagar royalties para quem detém os direitos autorais sobre aquela marca, produto ou invenção. Já as tecnologias sociais, são métodos e ferramentas de trabalho assim reconhecidas porque solucionam algum tipo de problema social com simplicidade, baixo custo, fácil aplicabilidade (replicabilidade) e impacto social comprovado.

Acesso a formação profissional continuada

A ampliação das habilidades das pessoas proporciona o aumento de suas liberdades de escolha e a condição para gerar soluções para seus próprios problemas e necessidades. O crescimento dos empreendimentos de economia solidária será proporcional à sua capacidade técnica e ao desenvolvimento de conhecimentos específicos relacionados à sua atividade econômica. No caso de uma padaria, por exemplo, é fundamental haver pessoas que saibam fazer pães, doces e salgados com qualidade.


ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO: RELAÇÕES DE GÊNERO E PODER

Para isso, a desconstrução dos preconceitos e das formas patriarcalistas que tentam justificar diferenças nas funções sociais entre mulheres e homens, entre diferentes etnias/cor de pele, religiões, classes e status social é muito importante para a melhoria das relações entre as pessoas. Isso se aplica às relações familiares, de amizade e em todas as relações sociais, políticas e econômicas, onde os empreendimentos também estão inseridos. Conflitos fazem parte da natureza humana e ocorrem com frequência em nossos relacionamentos. Entre suas variadas causas, podem estar, por exemplo, a necessidade de participação e a desigualdade de gênero. Entender esses conceitos e causas dos conflitos pode ajudar a melhorar a qualidade dessas relações.

Natureza dos conflitos

A mera identificação de conflitos nas relações pode gerar a equivocada percepção de que ele é negativo, ou seja, indesejável. Mas o aumento dos conflitos pode estar relacionado a processos positivos, tais como: a ampliação do número de pessoas que participa dos processos decisórios do grupo, compartilhando suas visões críticas e criativas; o encontro de pessoas com diferentes culturas; a constatação de desigualdades de oportunidades e de poder, entre outros.

ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO: RESPONSABILIDADE AMBIENTAL

Reduzir, Reutilizar e Reciclar são princípios básicos e importantes para a educação ambiental e a gestão dos resíduos gerados por atividades produtivas.

Aplicação do princípio dos 3R´s

A simples reutilização de materiais de terceiros para confecção de produtos e artesanatos, apesar de positiva, não pode ser entendida como gestão de resíduos para o empreendimento, pois os resíduos não foram gerados pela sua própria atividade. Além disso, esses produtos, ainda que transformados, continuarão existindo, estando apenas sob outras formas, e mantendo-se como resíduos quando forem novamente descartados. → O conceito dos 3R´s – reduzir, reutilizar e recilar - deve ser aplicado, portanto, aos insumos e resíduos gerados pela atividade do próprio empreendimento em questão.

Certificação ambiental

As práticas produtivas alinhadas com a conservação e preservação do meio ambiente encontram um mercado crescente, principalmente com a iminente escassez dos recursos naturais e o aquecimento global. Por isso, existem mecanismos capazes de atestar se determinado produto ou serviço foi concebido com o emprego de boas práticas ambientais. São os chamados processos de certificação. Exemplo: Selos de alimentos e produtos orgânicos e ISO 14000, que garante que a empresa tem um sistema de gestão de resíduos planejado e praticado.

Assessoria a Empreendimentos Populares

Relações de gênero e poder dentro do empreendimento

O desafio da construção de uma sociedade mais justa e com menos desigualdades está relacionado à capacidade que as pessoas têm de lidar com as diferenças na construção de suas relações sociais, econômicas e políticas, sem que essas diferenças (entendidas como a diversidade das manifestações de vida humana) justifiquem desigualdades de poder e oportunidades entre elas.

87


Refletir sobre a situação desses indicadores é uma maneira de compreender o grau de desenvolvimento dos empreendimentos como um todo e, também, de identificar quais indicadores estão críticos, obtendo-se um diagnóstico geral do empreendimento. Com base nesse diagnóstico, passa-se à segunda etapa do processo de planejamento: a identificação dos problemas e suas causas fundamentais. Assessoria a Empreendimentos Populares

Provavelmente, o sentimento do assessor e dos empreendedores será o de que

88

existe uma infinidade de problemas a serem resolvidos. Justamente por conta disso é que, após um diagnóstico detalhado, deve-se escolher quais problemas devem ser priorizados, de acordo com a urgência, possibilidade de resolução e importância de cada um deles. Devemos atacar primeiro os mais críticos, isto é, aqueles que ameaçam a continuidade do projeto de GTR e/ou comprometem seu desenvolvimento.

Este desafio deve ser objeto de reflexão e definição entre assessores e assessorados. • Passo 1: além da escolha dos principais problemas a serem resolvidos, cabe investigar quais foram as causas desses problemas. Isso pode ser feito com a técnica de “brainstorming” (tempestade de ideias), que consiste em propor períodos de 5 a 10 minutos para que as pessoas sugiram as causas, de forma livre e criativa, até que uma grande lista seja composta. • Passo 2: essa grande lista é analisada pelos participantes, descartando-se as causas que contribuem pouco para a ocorrência dos problemas escolhidos. • Passo 3: com uma lista reduzida, as causas são agrupadas por similaridade ou fundidas (algumas falam a mesma coisa de formas diferentes) e, com uma lista final, propõem-se soluções, expressas na forma de ações, com prazo de implementação e responsáveis definidos. As soluções serão a prioridade tanto para o empreendimento quanto para assessoria no processo de desenvolvimento do empreendimento.

Termina aí a etapa “P” do PDCA. Essas ações serão o próprio plano de assessoria, que deverá nortear as prioridades entre assessoria e empreendimento.


Utilizando-se dos indicadores sugeridos pelo Consulado da Mulher, um plano de asses-

Assinale com “X” os indicadores priorizados

Lista dos indicadores a serem escolhidos/priorizados

Ações e estratégias para melhoria dos indicadores priorizados

( x)

1. Existência e aplicação de plano de negócio

Realizar cinco encontros (dias 7, 14, 21, 28 de janeiro e 4 de fevereiro de 2011) de 2 horas cada um para formação em Elementos Básicos de Planos de Negócios, com visitas de campo e sistematização. Detalhar estudo de clientes, mercado, investimentos, fornecedores e concorrentes. Assessor responsável pela organização e realização das formações e acompanhamento: João. Grupo se compromete a participar de todas atividades.

( )

2. Existência e aplicação de Regras de Funcionamento, “Combinados” e/ou Regimento Interno.

(x)

3. Registro de reuniões, combinados, assembleias e decisões importantes

( )

4. Existência e aplicação de controles financeiros

( )

5. Processo de planejamento e gestão do empreendimento

( )

6. Faturamento bruto

( )

7. Investimento com recursos próprios em cada mês em R$

( )

8. Depósitos em fundos coletivos do empreendimento

( )

9. Depósitos em fundos individuais em cada mês em R$

( )

10. Renda, retiradas ou remuneração

( )

11. Trocas solidárias

( )

12. Formalização do empreendimento

( )

13. Seguridade social/previdenciária (INSS)

( )

14. Certificação social

( )

15. Jornada de trabalho

( )

16. Segurança, ergonomia e saúde no trabalho

( )

17. Tomada de decisão

( )

18. Liderança

( )

19. Transparência e socialização das informações

Realizar três reuniões para formação e prática de sistematização de pautas e encaminhamentos. Escolher responsáveis do empreendimento. Reuniões ocorrerão nos dias 2, 9 e 16 de fevereiro de 2011 às 10h da manhã, com suporte da assessora Maria e participação de todas as pessoas do grupo.

A tabela continua na próxima página >>>

Assessoria a Empreendimentos Populares

soria poderia ser consolidado da seguinte forma:

89


Assessoria a Empreendimentos Populares

Assinale com “X” os indicadores priorizados

90

Lista dos indicadores a serem escolhidos/priorizados

( )

20. Divisão e realização das atividades

( )

21. Articulação com outros empreendimentos

( )

22. Parcerias e articulação com outras entidades

( )

23. Acesso a meios de produção

( )

24. Acesso a meios de comercialização/ mercados

( )

25. Inovação (registro de marcas e patentes, tecnologia social etc.)

( )

26. Acesso a formação profissional e continuada

( )

27. Relações de gênero e poder dentro do empreendimento

( )

28. Natureza dos conflitos

( x)

29. Aplicação do princípio dos 3´Rs

( )

30. Certificação Ambiental

Ações e estratégias para melhoria dos indicadores priorizados

Realizar quatro oficinas de formação em princípios 3R´s: caracterização dos resíduos gerados; e definição de plano de ação para melhoria no processo de geração e destinação dos resíduos, com suporte de profissional técnico. Assessor responsável: João. Oficinas ocorrerão nos dias 3, 10, 17 e 24 de março de 2011. Participarão três representantes do Grupo.

Fazer/executar o plano de assessoria A segunda etapa do ciclo PDCA da assessoria é colocar o plano de assessoria em prática. Consiste em promover a formação de pessoas e o aporte de recursos, definindo produtos, práticas produtivas e formas de comercialização dos produtos ou serviços. Esse é um dos grandes desafios dessa etapa: o empreendimento precisa ser iniciado, deslanchar e desenvolver suas atividades produtivas ao mesmo tempo em que ocorrem os processos de formação de pessoas, treinamentos, aportes e captação de recursos. Para isso, é necessário instituir agendas semanais com antecedência, atendendo às restrições de agenda do grupo conforme suas necessidades de dedicação ao empreendimento e também necessidades pessoais e familiares, como o cuidado de filhos pequenos. O esforço e a disciplina para realizar aquilo que foi cuidadosamente planejado são condições para que os aprendizados ocorram. Não importa se o resultado obtido


com as ações não for o esperado; o mais importante é aprender que, se fizermos determinado processo de forma “X”, ele não gera os resultados esperados. Com isso, acumula-se experiência e abre-se caminho para que sejam criadas outras formas de se fazer o que foi planejado, até que se chegue ao resultado pretendido. É nessa etapa de “fazer” que devem ocorrer os treinamentos, capacitações e forplanejado for fazer 100 pães por dia para acessar ou atender determinados mercados, deve-se realizar capacitações e treinamentos para fazer o pão com as especificações e características pré-definidas (exemplo: pão integral e orgânico com 500 gramas de peso cada um e ao custo unitário de R$ 2,00).

O que ouço, esqueço O que vejo, me recordo O que faço, aprendo. (Confúcio, século IV AC).

Checar/monitorar Esta fase do PDCA é denominada Checar/Monitorar e dedica-se a acompanhar a execução das ações e atividades, estudando as formas feitas e resultados obtidos, observando e sistematizando os processos de trabalho. Em um processo de assessoria, essa fase pode ser implementada de várias formas, sendo que: • Nos momentos iniciais, nas primeiras vezes que o empreendimento faz as tarefas e atividades, a assessoria deve executar conjuntamente, ou de forma muito próxima, encorajando e ajudando o processo de aprendizado; • Em tarefas e atividades já experimentadas e treinadas, a assessoria pode fazer o “follow up”, ou seja, manter a execução de tarefas e atividades em avaliação e acompanhamento. Assim, poderá contribuir de forma preventiva ou corretiva caso desvios ou problemas na execução sejam observados. O “follow up” pode ser feito com telefonemas e atendimentos, mas com antecedência adequada para identificar sinais de desvios que possam ser combatidos.

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mações necessárias para que determinada tarefa seja realizada. Como exemplo, se o

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No exemplo anterior, da produção do pão, essa etapa terminará somente quando, após tentativas, erros e correções, for produzido o pão integral e caseiro ao custo unitário de R$ 2,00, com o expresso cuidado de anotar a receita e modo de fazer exatos, com detalhamento máximo (temperatura do dia, tempo para crescimento do pão, marca dos materiais utilizados, tempo de cozimento, tempo e forma de descanso pós-forno, Assessoria a Empreendimentos Populares

embalagem etc.). Só assim será possível padronizar a qualidade do pão, garantindo que

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ele seja produzido novamente com as mesmas características e qualidade.

Agir A necessidade de corrigir procedimentos que não deram certo ou, no caso de sucesso, de padronizar os procedimentos, é justamente a fase agir do PDCA. Para que isso ocorra, o processo anterior – de monitoramento e checagem da execução das tarefas com sistematização, ou seja, anotação das condições em que estas tarefas que foram feitas – é fundamental para que se saiba o que corrigir e como corrigir ou padronizar. Recorrendo novamente à analogia do pão integral e orgânico, isso quer dizer que, se na fase “monitorar/checar” foram anotados com exatidão a receita e o modo de preparar o produto e ele foi feito com sucesso, nessa fase de agir, a última do ciclo PDCA, a receita será padronizada. Afinal, o objetivo é manter o padrão de qualidade do pão, como a ficha técnica apresentada no item sobre Gestão Financeira do capítulo A Abordagem de Negócios (pg. 35). Caso o pão não tenha saído conforme o esperado, a ação será corrigir a receita, até que ela possibilite a produção do pão nos padrões de qualidade desejado. Como o PDCA é um ciclo de aprendizado, chamamos de “rodar o PDCA” o momento de consolidação dos aprendizados, expressos nas correções e padronizações realizadas. Inicia-se então uma nova etapa do ciclo, ou seja, estando os problemas iniciais resolvidos, quais novos problemas devem ser atacados, quais novas ações devem ser executadas para que o empreendimento continue seu desenvolvimento e expansão continuada. Garantir de forma sistemática e disciplinada a aplicação do ciclo PDCA é a condição para que seja realizado um bom planejamento, escolhendo corretamente as ações que são prioridade, a partir da elaboração de um bom diagnóstico. A disciplina na realização das fases do PDCA também vai garantir que as ações previstas sejam realizadas, monitorando a execução, de forma a possibilitar correções, padronizações e acúmulo de aprendizados, preparando o empreendimento para a resolução de novos problemas. No Consulado da Mulher, o plano de assessoria é definido conforme as fases do PDCA, utilizando-se indicadores que auxiliem o diagnóstico da situação atual e que


facilitem a priorização de ações para resolver situações problema e oportunizar o desenvolvimento do empreendimento num prazo máximo de seis meses. Nesse período semestral de assessoria, as ações prioritárias são realizadas por meio da definição de tarefas e atividades, que são executadas com o acompanhamento de educadores sociais. A atenção dos educadores/assessores deve voltar-se para: faciimpactados, compreensão dos impactos gerados e sistematização do aprendizado sobre o plano de assessoria semestral. Ao subsidiar o aprendizado tanto no dia a dia como após o encerramento de um semestre, os assessores estarão fazendo rodar os PDCA´s semestrais de assessoria e, com isso, possibilitarão a construção (ou não) de novos planos de assessoria como estratégia para catalisar e favorecer o desenvolvimento paulatino e continuado dos empreendimentos, em busca de sua autonomia e emancipação. Em resumo, rodar o PDCA significa cumprir ciclos de planejamento de ações, execução, correções, padronizações e aprendizados para novos planos de ações, e assim sucessivamente, encerrando um processo de assessoria metódica que favoreça o desenvolvimento do empreendimento.

Fase 3 – Consultoria ou Pós-Assessoria No Consulado da Mulher, a fase de Assessoria tem a duração de aproximadamente dois anos, mas esse período pode variar para menor ou maior de acordo com fatores como: velocidade de aprendizagem de cada empreendimento, contexto de mercado, substituição de pessoas no grupo, etc. É determinado um começo, meio e fim ao apoio oferecido, de forma que os integrantes do empreendimento compreendam e aproveitem a assessoria, sem entretanto perder de vista a necessidade de autonomia e emancipação após um determinado período. O ideal é que todo o processo de assessoria ocorra em no máximo seis ciclos semestrais. Ao encerrar a fase de assessoria, recomenda-se um processo de consultoria ou pós-assessoria, que tem o objetivo de promover um gradual distanciamento ao longo de aproximadamente um ano. Na fase de consultoria, sugere-se que a dinâmica de trabalho provoque maior autonomia do empreendimento na realização de suas reuniões de planejamento e gestão, com presença cada vez menor de assessores. Estimula-se que os integrantes definam suas pautas e destaquem os problemas a serem solucionados, com interferência cada vez menor dos assessores, embora eles ainda façam um acompanhamento.

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litação dos processos de correção e padronização de ações, medição dos indicadores

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O objetivo é encorajar o grupo a exercitar de forma autônoma suas rotinas de planejamento e gestão, sugerindo que “rodem” seus PDCA´s semanais, mensais, semestrais e anuais, ou seja, atendendo os aspectos de curto, médio e de longo prazo. Um dos primeiros passos é reduzir a frequência de visitas e interferência em reuniões, de semanais para quinzenais ou até mensais nos primeiros seis meses, mas manAssessoria a Empreendimentos Populares

tendo a elaboração e execução do plano semestral de consultoria/pós-assessoria, tal

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como ocorria na fase de assessoria - com base no diagnóstico e avaliação da evolução de indicadores qualitativos e quantitativos. Após esse período sugere-se nova redução na frequência das visitas e reuniões com interferência da assessoria, que pode ter intervalos entre mensais e bimestrais, mantendo-se assim pelos seis meses restantes. Agora, como se trata hipoteticamente do último período antes da emancipação do grupo, é o momento de realização do plano final de pós-assessoria ou de encerramento da assessoria.

Uma das prioridades deve ser a evolução consistente de indicadores como: • Acesso a mercados; • Acesso a meios de produção; • Acesso a formação profissional continuada; • Inovação de produtos, processos e serviços; • Articulação com outros empreendimentos; • Articulação com outros atores e parcerias; • Faturamento e renda/retiradas.

A priorização e evolução consistente desses indicadores é que irá evidenciar o grau e potencial de autonomia e emancipação do grupo e, assim, o encerramento da assessoria. Como postura pedagógica, os assessores devem se distanciar gradativamente de seus assessorados, mas isso não quer dizer negar atendimento aos empreendimentos. Eles devem ser continuamente encorajados a buscar a resolução de seus problemas, de maneira autônoma ou com o auxílio de assessores de diferentes entidades de apoio e fomento.


Os empreendimentos podem ser paulatinamente estimulados a assumir responsabilidades, da seguinte maneira: • Passo 1: incorporar de forma autônoma processos e dinâmicas para identificação de problemas, podendo recorrer a assessores para auxílio no processo de identificação de soluções;

• Passo 3: incorporar de forma autônoma tanto a identificação dos problemas, das ações e soluções como a execução das mesmas, recorrendo aos assessores para a avaliação conjunta dos resultados e aprendizados gerados; • Passo 4: emancipação do empreendimento, ou seja, o encerramento das visitas, elaboração de planos e monitoramentos semestrais de ações e indicadores de impacto. Algumas estratégias auxiliam a realização da fase de consultoria/pós-assessoria e emancipação dos empreendimentos. Entre elas estão o agrupamento de empreendimentos segundo suas demandas e necessidades comuns e o incentivo ao fortalecimento da atuação em rede. Esse tipo de articulação favorece as ações coletivas, aumenta o poder de barganha dos empreendimentos e o seu acesso a recursos e políticas públicas. A estratégia de articulação de grupos de empreendimentos busca o desenvolvimento de ambientes favoráveis à emancipação e fortalecimento de redes de atuação, economia solidária e cooperação, a partir da atuação em demandas e oportunidades comuns aos empreendimentos, conforme demonstra a figura abaixo.

Representantes de diferentes empreendimentos, segundo suas demandas e interesses comuns

Comercialização: feiras, vendas e compras conjuntas

Formação técnica de interesse comum

Fundos rotativos, acesso a crédito com aval solidário

Associações e cooperativas de segundo grau, para acesso a políticas públicas e captação de recursos

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• Passo 2: incorporar de forma autônoma a detecção de problemas seguida da identificação das ações e soluções, podendo recorrer a assessores para auxílio na execução das ações de melhoria;

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Considerações finais Ao elaborar este material tivemos a intenção de compartilhar experiências e conhecimentos acumulados com a prática de assessoria a empreendimentos populares, disponibilizando ferramentas e reflexões para pessoas e entidades que se dedicam ao desenvolvimento de grupos e comunidades. Em breve serão publicados fascículos complementares, direcionados a educadores e ao próprio público-alvo, com objetivo de aprofundar a compreensão e propor ações que possam estimular a melhoria de cada um dos índices de desenvolvimento. Com isso, esperamos criar condições favoráveis para a geração de renda. Para ampliar o número de mulheres assessoradas e gerando renda, o Consulado da Mulher está aberto a investimentos de outras empresas e organizações que tenham identidade com as causas de geração de renda, erradicação da pobreza, empoderamento feminino e economia solidária. Se você tem histórias para compartilhar, se deseja elaborar uma crítica ou sugestão aos conteúdos aqui apresentados ou quer investir na transformaçnao social das mulheres, entre em contato conosco!

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