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MERCADO
Telemedicina
AVANÇA NA PANDEMIA
A aprovação do atendimento médico remoto durante a pandemia abriu caminho para iniciativas inovadoras que surgiram na cadeia de valor da internet brasileira. Acompanhe um balanço do que ocorreu e das oportunidades que surgiram.
QUANDO A PANDEMIA se instalou, logo em seguida, em abril, a telemedicina foi autorizada temporariamente no País, por meio da Lei 13.989/20. A medida valeria apenas durante a crise da Covid-19, e agora – fruto das experiências positivas – discute-se uma regulamentação permanente. Há projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados.
A abertura do atendimento médico remoto propiciou o surgimento de iniciativas inovadoras na cadeia de valor da internet brasileira, tanto de empresas oferecendo sistemas para realizar os atendimentos quanto serviços de gerenciamento da rede e aprimoramento da conexão. Ofertas de produtos para monitoramento de pacientes de forma remota também ganharam força, ainda que de modo mais embrionário. Para as empresas prestadoras de serviços de internet, representou uma oportunidade, visto que boa parte dos profissionais de saúde não estava preparada para lidar com a tecnologia necessária.
Um exemplo foi no Nordeste. Em maio de 2020, a Aloo Telecom firmou parceria com o Hospital do Coração e a Fundação Cardiovascular de Alagoas (Cordial) para entregar acessos da sua rede de fibra óptica com o objetivo de viabilizar uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Virtual 1. A ideia consistia em utilizar recursos da telemedicina para que especialistas do Hospital do Coração de Alagoas pudessem auxiliar profissionais de diferentes unidades da capital e do interior.
Uma pesquisa realizada pelo Serviço Social da Indústria (Sesi) e divulgada no fim de maio deste ano apontou que metade dos 200 gestores de empresas de pequeno, médio e grande portes entrevistados quer que a telemedicina perdure após o fim da pandemia 2. De acordo com uma outra pesquisa, da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), nos últimos 12 meses, foram contabilizadas 2,5 milhões de teleconsultas no Brasil. Cerca de 90% delas resolveram o problema do paciente 3.
“Com o respaldo legal, o que antes era proibido pas-
Tecnologia que salva
Em 2015, nasceu a proposta de um dispositivo vestível para crises epiléticas. O aparelho capta sinais do cérebro e os processa. Quando entende que algo está errado, manda alertas para o paciente e o cuidador da pessoa. O propósito, explica a CEO da Epistemic, Paula Gomez, é trazer autonomia para o paciente, que hoje é muito dependente do cuidador. “Se ele souber quando a crise vai acontecer, chama o cuidador.”
Esse dispositivo é exemplo do que pode despontar com a evolução tecnológica e o aumento da conexão. A Epistemic conta ainda com um aplicativo e uma plataforma web. “A empresa começou comigo e minha mãe; e, logo depois, nos reunimos com mais dois sócios que são engenheiros, um especializado em eletrônica e outro em software. Minha mãe é física e estuda a teoria do caos”, conta a também engenheira Paula Gomez.
Para ela, a internet das coisas faz parte das soluções para um futuro no qual a medicina será mais preventiva e na mão do paciente e menos na mão do médico. “Óbvio que o remédio continua na mão do médico, mas coisas mais simples podem ser resolvidas; e a tecnologia ajuda a chamar o cuidador; a comunicação entre as pessoas da família é essencial”, enfatiza.
Paula Gomez diz enxergar a tecnologia como aliada da medicina. Dentro do escopo da Epistemic, a plataforma permite ao paciente fazer um diário relatando seu dia a dia como portador de doenças crônicas. “Numa consulta, o médico pergunta como você passou os últimos meses, mas você não vai lembrar de tudo. Anotando na hora, você gera dados riquíssimos para o médico. Para fazer histórico, o aplicativo e a plataforma ligada a ele ajudam demais.”
Na visão dela, os dispositivos vestíveis, os wearables, são mais aplicáveis a doenças crônicas, por exemplo, quem tem diabetes poderia usar um aparelho que vê os níveis de insulina ou açúcar. “O principal mesmo é a autonomia, porque a tecnologia permite que a pessoa tome conta de si sozinha no dia a dia. Não precisa estar com cuidador ou ter orientações todos os dias.”
Entre os desafios, a CEO assinala que ainda não é possível confiar 100% nas redes. “Começamos a fazer o diário só online, mas vimos que teria de funcionar offline também, com os dados subindo para a nuvem quando tivesse conexão”, aponta. Ela analisa que o mercado de internet das coisas na saúde é dominado por startups e, justamente por isso, há limitação de recursos, o que pode levar a atrasos nos projetos até conseguir atenção de alguém para investir.
sou a ser permitido, e o governo regulamentou a receita digital. Rapidamente, foram desenvolvidas plataformas de telemedicina e teleconsulta. Cerca de 50 startups surgiram, e planos de saúde ou cooperativas desenvolveram plataformas próprias adaptadas para uso deles e para médicos, que começaram a incentivar a teleconsulta”, resume Renato Sabbatini, professor, pesquisador e consultor de informática em saúde e telessaúde, fellow do American College of Medical Informatics e da International Academy of Health Sciences Informatics. Para Sabbatini, foi uma evolução de 20 anos em apenas um ano.
Hoje, ele avalia que a teleconsulta está bem estabelecida e acredita que, quando acabar a pandemia, as teleconsultas vão ficar. “As portarias foram específicas para a pandemia, não sabemos o que vai acontecer. O Congresso tem uma comissão mista de telessaúde e acredito que deva passar uma lei definitiva. O CFM [Conselho Federal de Medicina] está elaborando um regulamento, porque o [que está em vigor é] de 2002, está obsoleto e proíbe a teleconsulta”, pondera.
A expectativa de Renato Sabbatini é que o método de consulta a distância ocorra concomitantemente ao tradicional, sendo usado para quando a proximidade não é necessária, como um retorno, ajuste de medicação, acompanhamento de pacientes crônicos e até em casos de emergências, em uma situação na qual o indivíduo está em uma cidade sem o médico especialista, por exemplo.
OPORTUNIDADES À VISTA
Na esteira da abertura para a telemedicina, abriu-se um leque de oportunidades para empresas de diversos setores. “Grandes companhias se estabeleceram no Brasil e outras adaptaram seus sistemas. Houve oportunidade para empresas de internet, porque houve aumento de banda, do tráfego e um uso maior de vídeo. Também foi preciso expandir a cobertura, porque tem muito lugar
sem internet cabeada. E teve oportunidade para big data, analytics”, enumera Sabbatini.
O número de startups ligadas à telemedicina explodiu, segundo o consultor de informática em saúde e telessaúde, com incremento da oferta de plataformas, inclusive white label, focadas no atendimento médico, sendo possível personalizar com nome, logo da clínica etc. “Cresceram muito as empresas que fornecem serviços clínicos a distância, têm plataforma própria ou contratam plataforma white label”, detalha.
Do lado dos provedores de internet, garantir a qualidade da rede tornou-se ponto fundamental, uma vez que os médicos, ao atenderem remotamente, dependem de banda larga de qualidade. Tornou-se uma necessidade básica. Para o consultor, serviços de acesso à internet; produtos de hardware conectados à internet e empresas baseadas na internet para prover serviços de telemedicina destacam-se entre as principais oportunidades.
De acordo com Renato Sabbatini, esse é um mercado que está apenas começando e tem um enorme campo a ser explorado. “O número de atendimento a distância é ínfimo perto das cerca de 2 bilhões de consultas por ano. As teleconsultas ainda são poucas, o mercado ainda é pequeno. Estamos com uma fração pequena do que pode crescer”, aponta. Nesse caminho, vão surgir muitas empresas; algumas vão morrer, mas outras vão crescer e há ainda as que farão movimentos de fusão e aquisição. SAÚDE 4.0
O próximo passo, indo não apenas além da telemedicina, como também integrando-a aos dispositivos móveis e conectando-os à internet, é a chamada Saúde 4.0. É a próxima onda que Fonte: Associação Brasileira de Empresas as empresas devem surfar. Com a tão de Telemedicina e Saúde Digital esperada chegada do 5G – que ainda depende de leilão e das prestadoras de serviços de telecomunicações efetivamente instalarem a rede –, haverá uma combinação perfeita entre cobertura de internet,
“Cresceram muito as empresas que fornecem serviços clínicos a distância, têm plataforma própria ou contratam plataforma white label.” RENATO SABATTINI Professor, pesquisador e consultor de informática em saúde e telessaúde. baixa latência e profusão de dispositivos vestíveis enviando, por exemplo, sinais vitais para acompanhamento remoto de equipes médicas. A Eretz.bio é uma iniciativa da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, criada em 2017 com o objetivo de transformar o setor e apoiar o desenvolvimento de novas soluções na área de saúde. Em colaboração com diversas áreas assistenciais, laboratoriais e lideranças de pesquisa do Einstein, a equipe multidisciplinar tem se dedicado ao desenvolvimento de negócios com soluções de softwares e de equipamentos tecnologicamente avançados, assim como projetos de propriedade intelectual sofisticada, incluindo patentes, desenhos industriais e registros de softwares. “A Eretz.bio faz a convocação para startups de doenças crônicas, porque a grande coisa é fazer
CENÁRIO ENTRE 2020 E 2021 prevenção, acompanhar e cuidar através da jornada digital. O grande movimento será a telemonitoração”, diz Sabbatini. 7,5 milhões A Saúde 4.0 preconiza o monitoramento do paciente em tempo real. de atendimentos “Na Saúde 5.0, a diferença será que 52,2 mil médicos não vai ter gente na ponta, vai ser inteligência artificial, aplicativos de IA
Percentual de primeiras consultas: 87% extremamente desenvolvidos orientando pacientes”, adianta o especialista
Índice de resolutividade: em telemedicina. “A conectividade e 91% a camada de aplicação têm de garantir a criptografia, as bases armazenadas
Vidas salvas: estimativa de 75 mil pessoas no provedor e na nuvem têm de ser seguras”, ressalta. Segundo ele, a dica é que as empresas tenham vendedores especializados na área, porque, quando se vai conversar com um médico, é necessário saber fazer as perguntas certas e entender os termos médicos e as necessidades. O ideal, portanto, é ter vendedores especializados na vertical de saúde. •
A conexão das UBSs
COM O INÍCIO DA PANDEMIA veio a necessidade de levar conexão às Unidades Básicas de Saúde. À época, o governo contabilizou cerca de 16 mil unidades carentes do serviço e abriu chamada para que prestadoras de serviços de internet enviassem propostas à Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP). A conexão de 16,2 mil Unidades Básicas de Saúde (UBSs) foi uma demanda do Ministério da Saúde ao então Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).
Hoje, diz Paulo Cesar Alvim, secretário de Empreendedorismo e Inovação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, a questão está com o Ministério das Comunicações (que até o fechamento desta edição não respondeu às solicitações de entrevista). “Do conjunto das UBSs, uma parcela muito significativa, principalmente no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, não tinha acesso à internet e, quando fomos a campo, vimos que parte tinha acesso, mas sem qualidade. Com base nisto, a Secretaria de Telecomunicações montou uma estratégia para garantir o acesso, que seria útil na troca de informações e também um caminho inicial e básico para trabalhar telemedicina”, detalha Alvim.
Na ocasião, a RNP fez um planejamento para levar internet às 16 mil UBSs. “Houve as chamadas e entendemos que era oportunidade aos pequenos ISPs. Eles cumprem o papel de dar acesso à internet ao País, de colocar internet em pequenas cidades e conseguem viabilizar acesso a uma parcela. Vão até aonde ninguém vai, na última milha. Os pequenos ISPs são estratégicos”, acrescenta o secretário.
O cenário encontrado, segundo ele, foi de muitas UBSs com soluções de conectividade, mas algumas muito precárias e outras sem nada. E a precariedade não era apenas pela internet, como também pela falta de equipamentos. “Não bastava ter o sinal sem equipamentos. E isso envolveu novo conjunto de iniciativas do MCTIC para disponibilizar equipamentos.”
Alvim diz não ter o balanço das UBSs, uma vez que o programa passou para a pasta das Comunicações, mas garante que houve avanços. “Conseguimos avançar. O desafio é a continuidade dos acessos a essas UBSs e levar serviço e soluções digitais para elas ”, acrescenta, explicando que foram montadas diversas soluções com equipamentos oriundos de contribuições do poder público.
Apesar do possível avanço, a Covid-19 escancarou as desigualdades no acesso à internet na saúde do Brasil. A infraestrutura tecnológica para suporte ao sistema brasileiro de saúde está aumentando, mas ainda há muito espaço para melhorias, conforme ressaltou, no ano passado, a coordenadora científica da TIC Saúde, Heimar de Fátima Marin, durante a apresentação dos resultados de pesquisa realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), por meio do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br).
Contudo, conforme salientou Alexandre Barbosa, gerente do Cetic.br, ainda que o cenário nas Unidades Básicas de Saúde tenha apresentado melhoria, existe uma parcela significativa de UBSs sem computador e sem acesso à internet. Isso, afirma, é bastante relevante em um momento em que enfrentamos a pandemia da Covid-19 e precisamos, mais do que nunca, que esses estabelecimentos estejam informatizados e conectados, de forma que possam contribuir com informações atualizadas para o controle e combate à doença.
Em 2019, 92% dos estabelecimentos públicos de saúde tinham computador e 85% possuíam acesso à internet, enquanto 100% dos privados declararam ter acesso à rede. O estudo também mostrou que ainda existem diferenças regionais na infraestrutura de TIC disponível nos estabelecimentos: nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, 92% e 90% fazem uso do computador e 82% e 83% possuem acesso à internet. A presença de computadores e internet é maior nos estabelecimentos da região Sul (98% têm computador e 98% têm acesso à internet), Sudeste (96% têm computador e 95% têm acesso à internet) e Centro-Oeste (97% têm computador e 95% têm acesso à internet).
Com relação à telemedicina, Paulo Alvim apontou que, em fevereiro de 2020, dentro do programa de Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês), foi assinado com o Ministério da Saúde o Saúde 4.0. Foi antes da pandemia; e uma das questões era a qualidade das informações e como a conectividade ia garantir a questão do acesso à informação. “Já vínhamos conversando. A pandemia acelerou o processo por pressão de levar informação e atendimento médicos. No ano passado, a partir de uma articulação entre MCTI, Saúde e Defesa, foram feitas algumas experiências de telemedicina. Nós, via RNP, temos alguma experiência em telemedicina com a rede de hospitais universitários”, assinala. •