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MERCADO

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Moedas digitais:

O QUE ESTÁ EM JOGO?

A emissão de moedas digitais está na pauta do setor financeiro em vários países, e o Banco Central do Brasil já divulgou diretrizes. As CBDCs animam o mercado, mas requerem cautela.

O PAÍS CAMINHA para ter a sua própria moeda digital. No final de maio, o Banco Central do Brasil (BCB) divulgou as diretrizes gerais para a criação do que vem sendo chamado de real digital. A iniciativa, espera-se, irá promover inovação e contribuir para o aumento da eficiência do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), além de colaborar para o surgimento de novos modelos de negócios e incentivar a interoperabilidade de pagamentos e transações transfronteiriças.

A nota do BCB veio a reboque de um debate que ganha corpo há algum tempo. A discussão sobre a emissão, pelos bancos centrais, de moedas digitais (CBDCs, na sigla em inglês para Central Bank Digital Currencies) ganhou proeminência ao longo dos últimos anos. China, Índia e EUA estão analisando a criação de CBDCs. Para executivos do sistema financeiro, a CBDC representa uma nova forma de negócios digitais.

Na visão de Aristides Cavalcante, chefe-adjunto do departamento de tecnologia da informação do Banco Central do Brasil, as CBDCs são importantes para novos modelos de negócios e devem estar acessíveis ao varejo, mas por meio dos participantes do sistema de pagamento.

Durante sua participação no Ciab Febraban, evento de tecnologia bancária realizado em junho, Cavalcante reforçou que as CBDCs têm a característica de não serem remuneradas, ou seja, não têm incidência de taxa de juros e devem cumprir os aspectos de privacidade. “O Banco Central acredita que a emissão de CBDCs tem de ser aderente à lei do sigilo bancário e à LGPD [Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais]”, disse, acrescentando que a moeda digital pode impulsionar novas tecnologias justamente por carregar a ideia de dinheiro programável, com troca de ativos digitais.

INTEROPERABILIDADE

O aspecto da interoperabilidade com outros ativos digitais é uma preocupação do setor com relação às moedas digitais. Executivos avaliam que blockchain é uma possível tecnologia para estar na base das CBDCs, mas o essencial é que o sistema tenha capacidade de interagir ou de se comunicar com outro, atendendo, claro, a todas as necessidades do sistema financeiro, como aspectos de segurança. “Acredito que a CBDC emitida pelo Banco Central traria um meio de pagamento aceito por jurisdição e segurança para o cidadão”, destacou Cavalcante.

Líder da R3 para o Brasil, Keiji Sakai destacou o burburinho que as CBDCs vêm causando no mercado. “No estudo que fizemos, identificamos 64 modelos diferentes de implementação de CBDCS. Na China, a CBDC de varejo está na frente. Na Suécia, a maior parte dos casos está relacionada a pagamentos realizados por meios eletrônicos”, disse, dando um panorama global do estágio das CBDCs.

Do lado do atacado, Sakai ressaltou as ações que vêm acontecendo na Ásia, na Europa e no Canadá. “O que percebemos é que a interoperabilidade para a troca de moe-

PIX É O NOVO ‘QUERIDINHO’ DO BRASIL

das entre países é uma questão muito O Pix caiu no gosto do brasileiro e arrebatou o mercado de transações financeidiscutida”, apontou. Para ele, o Ban- ras no País. Em quatro meses – de novembro de 2020 a maio de 2021 –, as transaco Central do Brasil está no momento ções por Pix passaram de 7% para 30%, o que ocasionou um ‘roubo’ do mercado certo para iniciar o projeto. dos DOCs/TEDs, que caíram de 25% para 19%, e das próprias maquininhas de

André Portilho, sócio do BTG Pac- pagamentos, que tiveram as transações reduzidas de 68% para 51%. “O Pix é o tual, contou que começou a olhar o queridinho do brasileiro”, afirmou o gerente-geral de TI do Banco do Brasil e diremundo de criptoativos em 2017 e en- tor setorial de TI da Febraban, Rodrigo Mulinari, ao apresentar os números da 29ª controu um ambiente polarizado: de Pesquisa Febraban de Tecnologia Bancária 2021, com ano-base 2020. um lado, a turma que achava que não Vale lembrar que, hoje, os bancos não cobram taxas pelas transferências de servia para nada e, do outro, a que acre- Pix entre as pessoas físicas, enquanto as transações TED/DOC e via máquinas de ditava que era a resposta para tudo. O pagamento têm custo considerável na cesta de tarifas. “Mesmo que os bancos veBTG teve uma experiência em 2019, nham a cobrar, não acredito que o Pix venha a cair, por conta das facilidades ofertaquando ‘tokenizou’ o portfólio de imó- das pelo modelo”, sublinhou Mulinari. veis e, segundo Portilho, foi um bom As transações por Pix são impulsionadas pelas pessoas físicas, que respondem aprendizado. “Independentemente do por 83% do total. Já as empresas aparecem com apenas 17%, mas com forte tencaso, tem uma tecnologia nova que dência de alta, mesmo com a cobrança de taxas. “Três em cada quatro transações tende a amadurecer. Fazemos analogia do Pix são de pessoas físicas, mas as empresas observam o movimento e increcom o surgimento da internet, mas não mentam o uso do Pix entre elas. Em 2021, teremos um consolidado diferente no dá para entrar com vieses. Hoje, nossa chamado B2B”, disse Rodrigo Mulinari. (Ana Paula Lobo) visão é de convergência”, apontou.

Ele revelou que o BTG já começou a ter demanda de clientes para acessar esse mercado olhos o movimento global na direção de CBDCs”, atestou de forma segura, o que culminou com o lançamento de Luís Kondic, diretor de produtos listados e dados da B3. fundos. “Estamos animados com o que está acontecendo “Cada vez mais o preconceito que o mercado tinha, no Brasil e no mundo. Não poderia ter ambiente melhor seja de reguladores, seja de instituição grande, com repara fazer negócio que esse, tendo regulador que não inibe lação a criptoativos está diminuindo, e eles estão sendo e que entende a tecnologia”, acrescentou. vistos como oportunidade. Acho que é um caminho sem “Os criptoativos são cada vez mais mainstream e CBDC é extensão da moeda física. A B3 vê com bons volta; e a volatilidade traz esta oportunidade”, acrescentou Keiji Sakai, também da B3.•

BOOM DOS CANAIS DIGITAIS

O isolamento e as restrições a serviços e estabelecimentos comerciais impulsionaram o uso dos canais digitais bancários. “No último ano, avançamos uma década no processo de bancarização e no maior uso de canais digitais para brasileiros”, apontou Renato Meirelles, presidente do Instituto de Pesquisa Locomotiva, no Ciab Febraban 2021. Apesar do avanço, ainda há desafios a vencer. Para Meirelles, o maior deles é ganhar do dinheiro em papel e, para isso, é necessário avançar no processo de digitalização e manter os que foram inseridos no sistema. O auxílio emergencial foi um importante impulsionador.

“Logo no início da pandemia, 5,44 milhões de pessoas que poderiam receber auxílio emergencial não tinham conta em banco. A bancarização mudou de um ano para cá. E isso mudou o cash-in, o processo de entrada de dinheiro para essas pessoas”, disse Meirelles.

Na pandemia, as preferências dos meios de pagamentos também mudaram. “Algumas opções se tornaram quase impraticáveis, e até quem nem tinha familiaridade com pagamento online começou a fazer. Pessoas passaram a preferir pagamentos por aproximação. Isso tanto em relação aos consumidores quanto aos lojistas”, disse Janaína Pimenta Attie, chefe de subunidade no departamento de competição e de estrutura do mercado financeiro do Banco Central do Brasil.

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