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4 Ficha técnica 5 Editorial 6 A lenda do adepto 8 História do movimento organizado de adeptos no Brasil e em Itália 17 SAD’s e Lei das SAD’s: O que têm os sócios e adeptos a dizer? 20 Clubes perdidos no tempo 23 À conversa com Daniel Seabra 28 Memórias da bancada 32 Resumo da bancada 43 Entre o céu e o inferno - Desportivo das Aves 46 Regresso à bancada 48 Cultura de adepto: O futebol e a música - Supporting 54 Quem vai salvar o meu clube?
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Director J. Lobo Redacção L. Cruz G. Mata J. Sousa Design J. Leite S. Frias Revisão A. Pereira Convidados Rui Vasco Silva Daniel Seabra Tiago Sampaio Supporting Vintage Football City Tour
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Estamos de volta!
A 12/12/2020, numa data que soa a adepto, temos o gosto de fazer chegar aos nossos leitores o segundo número da Cultura de Bancada. Neste número apresentamos novos temas mas também demos continuidade a alguns que já haviam estado no número anterior. Para além disso é importante referir que convidamos novos adeptos a deixar a sua assinatura no nosso projecto. Iniciamos esta fanzine com um texto que é um exercício de imaginação sobre o nascimento do primeiro adepto, em seguida deixamos apontamentos para conhecer a história do movimento de adeptos no Brasil e em Itália, depois reservamos um espaço para abordar a gestão dos clubes e também relembramos dois clubes que se perderam no tempo. Voltamos a celebrar o passado dos adeptos partilhando fotos anteriores ao ano 2000, destacamos vários momentos que ocorreram nos meses que precederam o lançamento deste segundo número. Trouxemos um testemunho de um adepto do Desportivo das Aves sobre os problemas que passaram recentemente, em seguida um texto do regresso de um adepto à bancada, lembramos a ligação entre o futebol e a música e também tivemos espaço para uma reflexão sobre os problemas dos clubes mais pequenos em tempos de pandemia. Por fim, em jeito de homenagem à cultura Ultra, criamos um mural onde tentamos juntar imagens que caracterizam a sua identidade. No presente não temos a possibilidade de viver a bancada como gostaríamos, por isso desejamos que nestes tempos difíceis, a “Cultura de Bancada” seja a prenda de Natal adiantada para celebrar e manter vivo o espírito que tantas saudades nos deixa.
Até 12 de fevereiro de 2021!
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Ainda me lembro como se fosse hoje... Na minha terra, num dia comum a muitos outros, dois grupos de jovens mais velhos que eu, decidiram pôr em prática aquilo que vinham a desenvolver na sua actividade desportiva relacionada com o jogo da bola, o futebol! Combinaram então marcar um jogo, um teste às capacidades de cada um, logo no domingo seguinte pelo início da tarde. Finalmente tinha chegado o tão aguardado momento e quando ainda não se sentia a azáfama habitual da cidade, enquanto as mulheres da família terminavam as tarefas que se seguiam ao almoço, os rapazes mais novos preparavam-se para abandonar os seus lares rumo ao grande terreiro localizado abaixo da escola. Eram miúdos com posses, pois o futebol não era bem para todos, ou se era, pelo menos nem todos podiam ter uma bola, o calçado disponível para estragar ou até mesmo a roupa para rasgar. Sabemos bem que os tempos eram outros e os costumes também. Naqueles primeiros anos ainda não sonhavam com equipamentos de marca mas tinham que se diferenciar, por isso uns vestiram-se de preto e outros de branco. Ambas as cores de fácil aquisição e ao mesmo tempo eram as que viam nos jornais sempre que procuravam as raras fotos dos craques do jogo da bola. Adiante, o jogo foi uma confusão. Ninguém se entendia, o campo não
tinha limites e passavam bastante tempo a discutir sobre os empurrões, os toques acidentais na perna do adversário e até mesmo sobre as vezes em que alguém ajeitava a bola com o braço. Resumindo, não havia nem eram conhecedores das regras comuns que serviam para harmonizar o desafio. Afinal era o primeiro jogo e uma coisa é passar e chutar à baliza entre amigos, e outra coisa é praticar o jogo entre duas equipas que nunca o haviam feito. Mesmo assim, posso dizer que gostei do que vi. Todos os jovens corriam atrás da bola sem parar e continuavam cheios de energia, acima de tudo porque todos lutavam para empurrar a bola para lá das pedras que demarcavam a baliza. No final, os grupos sorriram de satisfação, mesmo aqueles que viram a bola passar entre as tais pedras, afinal o importante era jogar. Os que perderam, apressadamente marcaram outro embate, ficou ali falado que teria lugar na semana a seguir no mesmo local. O jogo foi comentado na cidade por meia dúzia de curiosos que entretanto tinham assistido àquele momento. Já em casa os jovens empolgavam-se descrevendo cada situação de forma detalhada como se fosse a informação mais importante do mundo! Era a novidade! E eis que tinha chegado o dia, era de novo domingo. Nesse jogo o resultado foi o oposto. A equipa inicialmente derrotada, tinha passado a semana a pensar no-
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vas formas de jogar, algo que surpreendeu o adversário! Desta vez alguns dos pais, motivados pelo entusiasmo verificado nos seus filhos, tinham ido assistir pela primeira vez a uma partida de futebol. A partida decorreu sobre o olhar curioso dos familiares e de uns locais que passavam perto do campo. Alguns chegaram mesmo a parar, para analisar o estranho acontecimento que se repetia pela segunda vez. Ao terceiro jogo, a notícia já se tinha propagado. Mais gente veio ver e os dois grupos arranjaram nomes para se identificarem. Era mesmo uma novidade e como se costuma dizer primeiro estranha-se e depois entranha-se! Assim foi, não tardou muito até que aquele número de familiares e curiosos se multiplicassem e os curiosos, recentes admiradores do desporto, se juntassem também, formando as primitivas falanges de apoio. Guardo com cuidado na minha memória aqueles dias, desde que soube das intenções dos rapazes mais velhos e os segui para descobrir o futebol, a bola no pé! Nunca mais me esqueço daquela tarde em que fiquei a observar à mesma distância de ambas as balizas para conseguir seguir de perto todos os movimentos dos rapazes da bola. Agora que penso, estive onde tudo começou e recordo com saudade algo que nem todos deram conta, fui o primeiro adepto! Por J. Lobo
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Foi no movimento Ultra, de Itália, e também nas torcidas brasileiras, que os grupos organizados de adeptos portugueses, encontraram a sua maior influência. Assim, em jeito de homenagem, reunimos alguns dados para partilhar com os nossos leitores.
Brasil - Torcidas
No final do século XIX, mais precisamente no ano de 1894, o Futebol foi apresentado no Brasil por ingleses. Inicialmente era um desporto divulgado apenas entre a burguesia, sendo que os jogos era considerados eventos sociais, com acesso restrito. Podemos considerar que, em consequência disso, os primeiros adeptos seriam os convidados para esses jogos, como por exemplo, os familiares dos jogadores. Anos mais tarde, na transição para o novo século, o Futebol começava a suscitar interesse em novos curiosos que, através de muros, telhados ou árvores, espreitavam para dentro dos campos para ver a bola a rolar. O povo também queria ser parte do que se tornou o desporto-rei. Os burgueses acabariam por abrir as portas a novos adeptos, não cobrando bilhete inicialmente. Tal acção encontrou resistência e desagrado entre alguns elitistas mas, de facto, o Futebol entrou numa era de popularização. As enchentes das bancadas
levaram a que os dirigentes começassem a ter outra perspectiva e consideraram que se deveria cobrar entrada aos adeptos. Ao passo que o jogo começava a ser jogado nas ruas pelos menos abastados, as bancadas começavam a receber adeptos com uma nova forma de estar no desporto. Surgiram então os primeiros cânticos, os aplausos concertados, as danças e os primeiros adeptos com roupas personalizadas alusivas aos seus clubes. Além disso, entre a festa, surgiram também os primeiros incidentes entre adeptos, as primeiras invasões de campo e como consequência disso os primeiros jogos com policiamento e a institucionalização da criação de barreiras físicas entre os campos e as bancadas.
Em 1923, o Vasco da Gama tomou uma medida inédita que mudou o Futebol brasileiro. Pela primeira vez, um clube incluía na equipa jogadores negros, mulatos e operários, algo que ia contra as
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regras implementadas. Esta medida, não só fez com que o Vasco da Gama aumentasse o seu número de seguidores, como aumentou o número de adeptos de Futebol no país inteiro.
todas iguais, com apoio vocal com Samba e instrumentos de sopro à mistura e lançamento de pó-de-arroz para dar efeito de fumo. Várias dessa torcidas tinham o apoio da direcção dos clubes, chegando algumas a serem impulsionadas pelos dirigentes. A primeira a surguir oficialmente foi a Torcida Uniformizada do São Paulo (em 1939), sendo que dois anos depois surgiu a Charanga do Flamengo.
Em meados dos anos 20, também foi possível verificar que alguns clubes começavam a fazer “operações de charme” junto das comunidades, oferecendo bilhetes à classe operária. Igualmente por essa altura surge o primeiro grupo de apoio brasileiro. O mesmo era composto por mulheres, mulheres essas que eram esposas de jogadores do Atlético Mineiro e apoiavam os mesmos acompanhadas de bandeiras, personalizadas e costuradas por um membro desse grupo. Mais torcidas foram aparecendo espontaneamente até que, por volta do final da década de 1930, as torcidas iam evoluindo ao ponto de criarem as “uniformizadas”. As torcidas uniformizadas tinham por base a padronização do grupo, através do aparecimento nas bancadas com roupas e bandeiras personalizadas
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Os brasileiros estimam que a primeira coreografia realizada em todo o mundo foi feita pela torcida do Fluminense, na década de 30, num clássico contra o Flamengo. Com antecedência, foram distribuídos nos lugares confetis, serpentinas e balões. Sempre coordenadamente lançaram-se inicialmente os confetis, de seguida as serpentinas e por fim levantaram e agitaram-se os balões. Os balões verdes, brancos e vermelhos estavam divididos de forma a recriar a bandeira do Fluminense.
Nos anos 60 os jovens adeptos brasileiros começavam a conquistar o seu espaço nas arquibancadas, mesmo sob um regime de ditadura militar. As torcidas “jovens” surgiam em contraste às torcidas pioneiras e tradicionais, que eram compostas maioritariamente por adultos com idade algo avançada. O primeiro grupo de dissidentes que fundou outra torcida era originário da Charanga e criou a Torcida Jovem do Flamengo, isto em 1967. De forma a melhorar o apoio, através da organização, algumas torcidas iam mudando e outras criando o seu estilo, nascendo então no final da década de 1960 e início de 1970 as primeiras “organizadas”. Além do tradicional apoio vocal ao ritmo do Samba, apresentavam faixas e bandeiras gigantes, roupas personalizadas, materiais
como pó-de-arroz, apitos, cornetas, papel cortado e pirotecnia. Algumas das torcidas organizadas também se tornaram independentes. Estas rompiam com a visão tradicional das uniformizadas em relacção às direcções dos clubes. A nova vaga de torcidas procurava participar na vida activa dos clubes, organizando-se para exigir aos dirigentes o melhor para o seu clube, abdicando de apoios para os seus grupos. Os pioneiros desta nova forma de ser e estar foram os Gaviões da Fiel, que fundaram em 1969 a torcida, mas que vinham criando bases para o mesmo desde 1964.
Em 1974, a Torcida Jovem Flu tornou-se a primeira torcida a entrar no Carnaval do Rio de Janeiro, ao passo que um ano depois, em São Paulo, a Gaviões da Fiel tornou-se pioneira nesse campo. Neste momento, pode considerar-se que existe uma efectivação da forte relação entre a forma de estar das escolas de Samba e a das torcidas. Quando as torcidas começaram a traçar caminho no Carnaval, as suas participações eram vistas
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com receio e preconceito por parte de algumas pessoas, preocupando-se principalmente com o alastrar da violência no desporto para o festival carnavalesco. Desde aí, algumas torcidas já foram campeãs de Carnaval, sendo que em 2019 a Mancha Verde do Palmeiras foi campeã em São Paulo.
pantes. Até aos anos 90, havia confrontos, mas davam-se de forma mais leal, com punhos. Depois houve uma escalada no número de incidentes e começaram a surgir as armas, algo que contribuiu para muitas mortes. Desde então, nas últimas três décadas, centenas de adeptos morreram em confrontos. Para contrariar isso, várias instituições envolveram-se num trabalho que visava encontrar soluções. O governo federal lançou uma lei para punir e afastar dos estádios os intervenientes em actos de violência, tendo também sido criados
As torcidas organizadas também mudaram o paradigma da violência no desporto brasileiro. As mesmas concentraram-se na defesa de território que consideravam pertencer-lhes e aos seus clubes, algo que, aliado aos incidentes ocorridos,
contribuiu para um significativo aumento da violência entre adeptos. A violência acabou por tornar-se como uma imagem de marca das “organizadas”. A filiação em grupos aumentou à medida que também aumentavam os confrontos, agravados pela mudança de atitude entre os partici-
departamentos de polícia especializados na monitorização dos “torcedores” bem como colectivos de juízes, de forma a acelerar os processos em tribunal. O registo das torcidas organizadas e seus elementos na federação estadual também tornou-se realidade, ao passo que também houve a implementação da proibição de acesso a adeptos visitantes, isto nos jogos de “alto risco”. Várias torcidas têm sido penalizadas
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pelo Ministério Público que as proibe de entrar com os seus variados acessórios de apoio, consequência de actos de violência, por comportamento considerado incorrecto ou por incumprimento da lei que obriga ao registo dos elementos dos grupos. Outras medidas relevantes no panorama brasileiro foram a criação de sectores mistos, nos quais adeptos rivais poderiam conviver e ver jogos lado-a-lado e ainda as punições que os clubes sofrem por comportamento incorrecto dos seus adeptos. Por L. Cruz
Itália - Ultras
O termo Ultras, ou ultrà, deriva do francês ultra-royaliste, o qual remonta à história da revolução francesa, quando identificou a facção mais extremista dos revolucionários. Após a Segunda Guerra Mundial, nos anos 50, ganhou o significado de “nacionalista intransigente, extremista”. Portanto, pode não ser uma simples coincidência que os “Ultras” tenham nascido em meio a uma nova revolução, o que é chamado de “68”. Ultra é alguém que pertence a um grupo organizado, de um determinado clube desportivo. Caracteriza-se por um forte sentimento de pertença ao próprio grupo e pelo empenho diário no apoio à equipa, que se manifesta sobretudo nos jogos. Um ultrà é aquele que vai mais além. É preciso recuar até ao ano de 1932 para encontrar o registo mais antigo
de um grupo de adeptos organizados em Itália. Nesse ano, a 23 de outubro, adeptos da Lázio criaram a “Paranza Aquilotti”. Contudo, devemos dizer que o lançamento das bases para o nascimento daquilo que um dia iriam chamar de movimento Ultra Italiano, remonta à década de cinquenta, período após a 2ª guerra mundial, numa fase em que a população fazia a retoma das suas vidas. Com o regresso em força do desporto, vários adeptos começam a reunir-se para ver os jogos com mais entusiasmo. Segundo as informações recolhidas, é também por esta altura que são introduzidos os bilhetes com lugar próprio e aparecem as primeiras bandeiras.
Por essa altura surgem vários grupos de adeptos. No ano de 1951 nasce a “Fedelissimi Granata”, grupo de adeptos afecto ao Torino. Pela mesma altura, surge na Lázio o “Circoli Biancocelesti” e, na Roma a associação “Atilio Ferracis”. Não muito mais tarde os “Moschettieri Nerazzurri”, em Milão. E já nos anos sessenta, aparecem os “Aficionados” no Inter, enquanto que em Florença surge o “Club Vieusseux” e o “Club Settebello” (1965).
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po exclusivamente feminino, na temporada de 1979/1980. Nos anos 70 inicia-se a expansão do movimento Ultra, atraindo jovens que, na sua maioria, tinham idades compreendidas entre os 15 e 20 anos. Como disse-
Em novembro de 1968, em tempos de revolta política e protestos entre a juventude, nasce aquele que é considerado o primeiro grupo Ultra italiano, a “Fossa Dei Leoni”, do AC Milan. Em 1969 é a vez de aparecerem os “Boys-Le Furie Nerazzurre”, do Inter. Mais tarde, mas ainda nesse ano, surge o primeiro grupo organizado utilizando a palavra Ultras, os “Ultras Tito Cucchiaroni”, da Sampdoria, que foram seguidos pelos “Ultras Granata” do Torino. É importante referir que os Ultras da Sampdoria, afirmam ser o primeiro grupo a utilizar a palavra Ultras. Há relatos de que, em Génova, na Praça da Vitória (Piazza della Vittoria) e na escadaria de Montaldo, existiu
a primeira associação da palavra Ultras ao movimento de adeptos , numa pintura com a seguinte frase “Ultras: Uniti legneremo tutti i rossoblù a sangue”, aparece a palavra associando a uma sigla, numa ameaça aos adversários do Génova. Por curiosidade, os mesmos Ultras reclamam que foi também no seu clube que apareceu o primeiro gru-
mos anteriormente, haviam sido moldados pelo ambiente que viviam nas ruas, uma vez que os primeiros anos coincidiram com um período turbulento da sociedade italiana. Não se limitavam a observar o jogo de forma passiva, mostravam-se activos na tentativa de animar e influenciar a própria equipa. Aqueles jovens, pro-
curavam causar um impacto visual através do uso de faixas, de bandeiras, pirotecnia e também na forma de viver o jogo animando com os cânticos acompanhados de tambores. Muitos começaram atrás da baliza, na curva, um local de raiz popular explicada pelo preço dos bilhetes para aquela área serem os mais baratos do estádio.
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que se fazia sentir em várias cidades, eram ingredientes que montavam uma receita explosiva, que contribuía para que esses conflitos fossem aumentando.
Deixamos, por curiosidade, que é nesta década, concretamente em 1976, que surge o primeiro núcleo de um grupo Ultra fora da própria cidade, a Brigada Rossoneri secção Roma.
Naqueles anos não havia as, agora habituais, medidas de segurança que controlavam a separação entre adeptos de diferentes clubes. Assim, eram frequentes os episódios de violência dentro do estádio, alguns associados a tentativas de conquista da faixa do grupo adversário, mas também fora do estádio, criando um clima de guerrilha urbana. A forte expressão política de muitos grupos e o forte bairrismo popular
Nos anos 80 este movimento foi amplamente espalhado por toda a Itália e também pelo sul da Europa. Foram os anos fortes das deslocações, de levar as faixas e defendê-las, provando a coragem de estar com a equipa, independentemente do perigo que existia. Foi quando se começaram a organizar deslocações especiais para os grupos irem separados dos restantes adeptos e conseguirem ser mais controlados pelas autoridades.
A 9 de maio de 1985, durante a final da Taça dos Campeões Europeus, entre a Juventus e o Liverpool, no estádio Heysel Park, a violência nas bancadas tirou a vida a 39 pessoas, incluindo 32 italianos.
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A 13 de dezembro de 1989, é criada a DASPO (Divieto di Accedere alle manifestazioni SPOrtive) com o propósito de combater a violência nos estádios de futebol Italianos.
Os anos 90 tornam-se tempos de mudança. Muitos afastaram-se e entre novas gerações que foram aparecendo criam-se vários pequenos grupos. Os problemas não acabam e, em 29 de janeiro de 1995, pouco antes de um jogo entre Génova e Milan, Vincenzo Spagnolo, um Ultra genovês, foi esfaqueado até a morte nos arredores do estádio. Esta morte teve uma reacção conjunta pôr parte de líderes de vários grupos ultras italianos, que concordaram em banir o uso de armas nos confrontos, tentando por fim a tragédias fatais.
Em novembro de 2007, os Ultras tiveram que lidar com mais uma morte. Antes da partida, entre o Inter e a Lázio, durante uma confusão numa estação de serviço com Ultras da Juventus, Gabriele Sandri foi morto por um tiro disparado por um polícia.
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Durante a época desportiva de 2009/2010 é apresentada A “Tessera del Tifoso”, um cartão com o objectivo de identificar e controlar os adeptos. A Tessera foi alvo de duras críticas por parte dos Ultras,
de associações de adeptos e também de várias outras organizações. Este cartão originou uma diminuição do número de adeptos nos estádios e a violência continuou. Em 2017 o Governo recuou e pôs fim à obrigação da Tessera Del Tifoso, com excepção dos jogos de risco. Mas nem tudo é mau! Este cenário, pese embora não ser completo, definiu a construção da identidade Ultra ao longo destes longos anos. A necessidade de adaptação assim o obrigou. Com os Ultras, os estádios tornaram-se um espectáculo dentro de outro. Caracterizados pelos seus cânticos, magníficas coreografias, as bandeiras e estandartes, o uso de tochas e fumos, os ultras faziam da bancada uma força que se transformava no décimo segundo jogador. Um movimento de valores, reconhecido pelo seu espírito de amizade e lealdade, pelo orgulho e coragem e por fim mas não menos importante, pelo amor, fé e dedicação para com o seu clube. A sua força é visível e ainda hoje resistem perante as interdições e a forte repressão, muitos deles como um exemplo que ainda continua a apaixonar muitos adeptos pelo fundo fora. Por J. Lobo
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O tema dos clubes-empresa chegou a Portugal a reboque de outros debates mais adiantados noutras partes da Europa, em meados dos anos 90. No nosso país, o desporto sempre teve uma base associativa, ao contrário do que quase sempre se passou em Inglaterra, país onde a tradição dos clubes dominados por capital privado remonta ao final do século XIX. Tratou-se de um debate integrado numa tendência mais geral, muito em voga entre meados dos anos 80 e início dos anos 90, centrada na ideia da gestão privada como remédio para os problemas da gestão comum ou associativa nos mais diversos contextos da vida económica e social. A lei das SAD, que teve como principal objectivo quebrar a soberania associativa – a soberania exercida pelos sócios através do seu clube-associação e dos seus mecanismos de funcionamento democrático – relativamente ao futebol sénior profissional, cumpriu três outras prioridades a ele subordinadas, e que foram as seguintes: - Forçar (porque nos anos 90 não se tratou de uma opção livre) os clubes participantes nas competições profissionais à criação de sociedades comerciais para a gestão das suas equipas principais de futebol,
caso desejassem permanecer nas provas dessa natureza; - “Abrir o futebol à sociedade civil” (palavras usadas então no debate parlamentar de que existe registo escrito, em forma de transcrição), ou seja, secundarizar o clube-fundador e enfatizar o papel de terceiros na gestão dos assuntos da “indústria” ou do “negócio” emergente; - Assegurar que os clubes-fundadores tivessem, pelo menos de forma directa, uma participação minoritária nas sociedades comerciais por si constituídas sob a forma de “sociedades anónimas”. A lei mostrou-se permeável a formas de a contornar desde a primeira hora. A ideia de tornar os clubes accionistas minoritários foi desrespeitada através da constituição de sociedades de participações controladas pelos próprios, e que garantiam somar pelo menos 50%+1 do capital social das SAD. O erro ficou todavia plasmado na legislação, abrindo caminho ao que mais tarde se confirmou ser possível: a captura das SAD por parte de “investidores” e a impossibilidade real por parte dos clubes-fundadores de retomarem o controlo das sociedades, mesmo quando estas se dirigiam ao precipício, como aconteceu em variadíssimos casos ao longo dos últimos 20 anos, com destaque – pelo seu carácter recente – para a
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situação da “CD Aves Futebol SAD”. Outras duas características da lei são por um lado a ausência de mecanismos de sanção de incumprimentos por parte de “investidores” e de reversão de negócios visivelmente ruinosos para os clubes fundadores, e por outro uma completa desadequação face à realidade que supostamente regula. É nesse contexto que os diversos conflitos entre clubes-fundadores e sociedades anónimas por si criadas servem de candeia à clarificação de legislação que o governo e a Assembleia da República insistem em não rever. Pode um clube desfazer-se integralmente do capital social de uma sociedade anónima por si fundada, como fez em Julho de 2020 o Clube de Futebol “Os Belenenses”? E se o fizer, que consequência poderá sofrer quando quiser voltar a constituir uma SAD ou avançar para uma SDUQ? A lei refere de forma taxativa que não podem existir constrangimentos à transmissibilidade das acções de uma
sociedade anónima desportiva e, mesmo que não o fizesse, parece absolutamente absurdo e ilegal obrigar uma instituição (o clube-fundador, neste caso) a permanecer para sempre amarrado a uma sociedade comercial de que não deseja fazer parte. Seja como for, se a lei não serve – porque não prevê, não regulamenta adequadamente, não fiscaliza a proveniência de capitais, não previne conflitos de interesses nem pune o incumprimento de obrigações -, como a realidade demonstra à sociedade, torna-se incompreensível a inacção das entidades que em Portugal deveriam encarregar-se de a corrigir, alterar e adequar à realidade presente. De resto, um quarto de século depois do início deste debate, e mais de 20 anos depois do surgimento das primeiras SAD, o poder político mantém-se incapaz de dar resposta a uma questão fundamental: qual foi – e qual é – a vantagem de forçar clubes a constituírem SADs para poderem participar em competições profissionais de futebol? As competições devem ser pro-
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tegidas e os clubes forçados a cumprirem critérios de gestão que assegurem a sua sustentabilidade e a sustentabilidade das provas. Mas isso nunca foi assegurado através de sociedades comerciais que ficam praticamente isentas de obrigações de prestação de contas aos clubes-fundadores e aos seus associados. É evidente e somam-se casos em todos os níveis competitivos do futebol sénior que o demonstram. A revisão da lei é urgente e deverá de forma cabal e sem alçapões: - Esclarecer quais os conflitos de interesses que deverão ser prevenidos (pode uma empresa directa ou indirectamente associada a uma SAD controlar uma outra SAD envolvida nas mesmas competições? pode uma empresa directa ou indirectamente associada a uma SAD participar em transações de jogadores por exemplo em sociedades anónimas adversárias? pode uma empresa directa ou indirectamente associada a uma SAD participar no negócio das apostas desportivas?); - Rever a obrigação de constituição de SAD ou SDUQ para participação em prova profissional de futebol (por ser evidente que essa obrigação não faz sentido nem previne o que em tese visa prevenir); - Prever, alargar e clarificar os direitos dos clubes-fundadores em sociedades já constituídas; - Prever, alargar e clarificar as sanções a aplicar a “investidores” da “sociedade civil” que no exercício do controlo de parte – maioritária ou não – de uma SAD venham a ferir de morte a sua relação com o clube-fundador, com as competições e com a verdade que nelas deverá ser sempre um valor primordial. A lei das SAD, tal como existe actualmente, é um dos elementos de maior esvaziamento do conteúdo associativo do
desporto de primeiro nível em Portugal. Pior: permite que investidores em busca de veículos para o seu projecto “empresarial” encontrem em pequenos clubes carecidos de receitas e sem perspectivas imediatas de crescimento o contexto ideal para entradas mal escrutinadas na sua estrutura desportiva, social e patrimonial (material e imaterial). Veja-se o caso da súbita constituição de uma SAD no CD Estrela, ex-Estrela da Amadora. As SAD são um mecanismo de remoção dos sócios dos clubes relativamente ao escrutínio continuado da actividade desportiva e económica das equipas principais dos seus clubes. Foi essa a sua motivação primordial. Mas hoje são algo mais do que “apenas” isso. Tratam-se de veículos para a transformação do futebol – e do desporto em geral – numa operação meramente comercial de fins lucrativos, por via directa ou indirecta. Os sócios dos Clubes ainda têm neste processo uma palavra a dizer. Os adeptos são os reais donos do jogo e os efectivos proprietários dos emblemas do seu coração. Sem adeptos não há indústria mas há jogo – há futebol – sem esta. O que dirão e farão os adeptos no futuro próximo? É essa incógnita que os “investidores” procuram remover da equação. Vamos deixar? Rui Vasco Silva, Sócio CF “Os Belenenses”
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Corria o ano de 1863, quando em Londres se deu uma histórica reunião da Football Association, que ficou para a posteridade como o momento em que se uniformizou as regras do desporto rei, lançando assim as bases para o jogo tal qual o conhecemos. Nessa época, o futebol era um desporto dominado pela aristocracia britânica, e a sua prática era exclusiva às classes dominantes, contudo, essa tendência depressa se alterou e, no final do século XIX o fenómeno começou a alastrar-se à classe trabalhadora, que constituía boa parte da população urbana da Grã-Bretanha, nessa época da Revolução Industrial. Na série “The English Game” o fenómeno é bem representado, com especial enfoque no Darwen FC, clube nascido em 1870 no condado de Lancashire, cujo responsável máximo era o proprietário de uma fábrica e os jogadores eram os operários da mesma. Este clube, que se notabilizou por ser o primeiro a contar com jogadores pagos para jogar, extinguiu-se em 2009, e tem como maior façanha a presença nas meias-finais da FA CUP na época 1880/1881. O Darwen FC foi um dos pioneiros mas muitos outros seguiram o exemplo, nomeadamente o Arsenal, fundado em 1886 por trabalhadores do Arsenal de Woolwich, fábrica de armamento localizada no sudoeste de Londres e que originalmente era chamado Dial Square. O modelo tornou-se tão popular que se expandiu
pelo continente europeu durante a viragem para o século XX. O Bayer Leverkusen, criado em 1904 pela farmacêutica Bayer a pedido dos seus trabalhadores, e também o PSV Eindhoven, cuja fundação data de 1913, onde militavam os operários da fábrica da Philips são dois exemplos do sucesso da exportação do conceito, mas muitos outros haveria para citar. Alguns foram-se entretanto extinguindo, outros mantêm equipas em competição, mas as bases para a “proletarização” do desporto rei estavam lançadas, e o processo não mais conheceria revés. A fórmula de clube-empresa percorreu a Europa e o Mundo, e o nosso país não foi excepção. O mais bem sucedido destes projectos em Portugal, foi o Grupo Desportivo da CUF, nascido por via da Companhia União Fabril em 1937. Esta empresa empregava nos anos 30, aproximadamente 16 000 trabalhadores e encontrava-se sediada no Barreiro. A CUF equipava de verde e branco, e disputava os seus jogos em casa no Estádio Alfredo da Silva, nome que provinha do fundador da empresa.
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No seu historial, este clube-empresa marcou presença em 23 edições da 1ª Divisão Nacional de Futebol , e classificou-se em 4º lugar do campeonato em duas ocasiões (1961/1962 e 1971/1972). A melhor classificação da CUF foi conseguida na época desportiva 1964/1965, um brilhante 3º posto. Essa classificação permitiu que o Grupo Desportivo da CUF disputasse, na temporada seguinte, as competições europeias, mais concretamente a Taça das Cidades com Feira. O adversário que calhou em sorte (ou azar), foi o poderoso AC Milan. Na primeira mão, disputada em casa, a CUF surpreendeu a Europa do futebol ao vencer por 2-0, com golos apontados por Francisco Abalroado e Fernando Oliveira. Nessa tarde, os trabalhadores da Companhia União Fabril receberam licença para não se apresentarem ao trabalho, por forma a poderem assistir ao jogo. Essa dispensa resultou numa grande assistência, falando algumas fontes em cerca de 15 000 espectadores e uma receita de bilheteira monstruosa para a época, que se cifrou em 300 contos! A equipa barreirense não foi capaz de segurar a vantagem e acabou por ser eliminada depois duma derrota por 2-0 na 2ª mão em Itália, e 1-0 no 3º e decisivo jogo de desempate. Apesar da eliminação, esta participação europeia não deixa de se cotar como uma das páginas de ouro da história da equipa do distrito de Setúbal, que tem como motivo de orgulho o facto de ser o
clube de formação de José Travassos, um dos famosos 5 violinos, e também uma das maiores glórias do futebol português da década de 50. Em 1977, e fruto do processo de nacionalizações resultante da Revolução de Abril de 74, a CUF sofreu uma alteração de nome para Quimigal. Com o nome foram também os sucessos do passado que não mais se voltaram a repetir. A nomenclatura de Quimigal durou até ao ano de 2000, altura em que o clube adoptou o nome de Fabril do Barreiro, designação que se mantém até ao presente. O sucesso alcançado pela CUF abriu portas para que mais fábricas criassem as suas respectivas equipas de futebol em várias outras regiões do país. Na freguesia de Pousa de Saramagos, situada em Vila Nova de Famalicão, nasceu em 1958 o Grupo Desportivo Riopele, no seio de uma fábrica têxtil com o mesmo nome. Este projecto nasceu através duma comunhão de esforços entre p ro p r i e t á r i o s e trabalhadores da Riopele e, numa fase inicial apenas funcionários da empresa militavam nas fileiras do clube. Essa situação acabou por se alterar, e as portas abriram-se a familiares de trabalhadores e inclusive a jovens da região, abertura que reforçou a importância do papel social do clube na comunidade circundante. O Grupo Desportivo Riopele, à semelhança da CUF, equipava de verde e branco, e tinha como “casa” o Parque de Jogos José Dias de Oliveira, estádio com capacidade para 25 000 pessoas. O maior feito da história do clube foi ter participa-
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do na 1ª Divisão Nacional por uma ocasião, na temporada de 1977/1978, feito alcançado no ano que a empresa comemorava 50 anos sobre a sua fundação. A subida de divisão alcançada foi fruto duma vitória na Série Norte da 2ª Divisão Nacional em 1976/1977, depois de alguns anos antes (em 1971/1972), a equipa ter falhado a vitória na série por muito pouco. O Riopele acabou por não conseguir a manutenção e voltou a cair para a 2ª Divisão, onde iria militar até descer para a 3ª na época 1981/1982, insucesso que iria contribuir para a extinção do clube poucos anos depois, em 1985. O melhor e mais famoso jogador formado pelas escolas do Riopele foi Vítor Paneira que, na sua carreira, passaria por outros clubes como o Famalicão, Benfica, Vizela, Vitória de Guimarães e Académica de Coimbra, para além de ter sido internacional A por Portugal em 44 ocasiões. Mas para além dos jogadores formados no clube, o Riopele contratava jovens que provinham de vários pontos do país, oferecendo para além de um lugar no plantel,
um emprego na fábrica têxtil. Uma curiosidade que consta na história da equipa famalicense, relaciona-se com o facto de, na época em que militou na 1ª Divisão, o Grupo Desportivo Riopele ter apenas 700 sócios afiliados. Este formato de clubes fábrica teve uma contribuição importante para a aproximação entre o desporto e as comunidades, e para a sua afirmação entre a classe trabalhadora. Este vínculo acabaria por se revelar fundamental para que o futebol se catapultasse como o mais popular dos desportos a nível mundial. Por J. Sousa
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Antes de mais, agradecemos ao Daniel Seabra por aceitar o nosso convite para partilhar connosco algumas palavras sobre um tema que lhe é próximo, os adeptos e as claques. Fazendo uma breve apresentação do nosso convidado, para além de adepto é também Antropólogo de formação, dedicando parte do seu tempo à investigação sobre claques de futebol e Hooliganismo e professor do Ensino Superior. Daniel Seabra é também autor de várias publicações, entre elas o livro Claques de Futebol, sobre o qual dedicamos umas páginas no primeiro número desta fanzine. Como nasce a sua paixão pelos adeptos e também pelos grupos organizados? Não se trata de paixão, mas sim de admiração e respeito pela paixão dos adeptos pelos seus clubes. Tenho esta atitude porque eu também sou adepto desde que tive consciência de que havia um jogo que se chamava futebol. Aprendi a gostar deste jogo por influência de meu pai. Admiro e respeito os adeptos pela paixão destes pelos seus clubes. Dedicam muito do seu tempo e do seu dinheiro a acompanhar os clubes que amam, procurando apenas a alegria das vitórias nas quais se projetam. Isso deve ser respeitado e admirado. Relativamente aos grupos organizados, acompanhei o seu surgimento nos estádios portugueses, pois foi também a partir dos primeiros anos da década de 80 do século passado que comecei a ir ao futebol sozi-
nho. Vi, à época, o surgimento de claques como a Juve Leo, os Diabos, os Dragões Azuis e depois todas as outras. Naquela altura nasceram claques em quase todas as equipas da 1ª divisão. Admirava, sobretudo, as grandes bandeiras, os grandes lençóis e a cor que os extintores davam ao estádio, apesar de sujarem a roupa das pessoas. Considera que ser adepto tem importância relevante na sua vida e na sua construção pessoal? Sim. Desde que ganhei consciência de que existia o futebol, a paixão pelo meu clube esteve sempre presente no quotidiano. Já na Escola Primária – hoje designada 1º ciclo – falava de futebol com os colegas e até com o professor. Na altura ouvia os relatos radiofónicos dos jogos acompanhado pelo meu pai. Depois, na adolescência, passei a ir ao estádio sempre que o meu clube jogava em casa. Os jogos do clube continuam a condicionar a minha agenda e o meu quotidiano. Para ver o meu clube, já fiz coisas que geralmente não faço, como por exemplo estar duas noites seguidas sem dormir. Caso seja preciso, ainda altero a rotina diária para ver o meu clube jogar. Segundo as nossas investigações houve, nas útimas duas décadas, no meio académico, um aumento da abordagem a esta temática por vários investigadores/ alunos, entre os quais membros das forças de segurança. Como interpreta este aumento de interesse? A um nível prático, vê esse aumento reflectido de algum
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modo? Esse aumento vê-se refletido no número de artigos e trabalhos científicos publicados. Tal interesse resulta, a meu ver, do facto de os grupos organizados de adeptos serem hoje alvo de grande atenção por parte da comunicação social, sobretudo quanto têm comportamentos violentos. Algumas situações como o ataque a Alcochete ou a morte de Marco Ficini ainda acentuaram mais essa tendência. Para além disso, muitos investigadores compreendem agora que os grupos organizados de adeptos constituem uma «janela de observação» para muitas problemáticas sociais que perpassam os nossos dias. Enquanto escrevia a sua tese, teve a necessidade de contactar vários grupos e por consequência estar no meio deles. Como pode descrever essa experiencia? O contacto com os elementos dos grupos foi mais fácil do que eu esperava. Encontrei abertura porque fui sempre honesto na forma como me apresentei. Procurei ser muito claro quanto aos meus objetivos. A maneira como fui olhado pelos membros dos grupos foi também diferente. Foi um processo de apresentação e adaptação longo. Alguns deles já me conheciam em consequência das minhas intervenções na comunicação social. Olhavam para mim como alguém que estava verdadeiramente interessado em ouvir o que tinham para dizer e que não estava nos grupos apenas para os julgar e olhar para a violência em que alguns dos seus membros se envolviam. Sabiam que a violência era um comportamento e uma dinâmica que eu analisava. Mas sabiam também que o meu interesse pelos grupos estava muito para além disso. Sei que alguns viram em mim um defensor das claques. Tenho consciência disso, embora nunca o tenha
sido. Nunca procurei defender os grupos. Apenas analisá-los na sua globalidade, caracterizando e interpretando as suas múltiplas dimensões. Em nenhum momento deixei de falar da violência, dos roubos ou outros actos passíveis de serem considerados crimes. A diferença é que nunca me centrei apenas nisso. Sempre referi as múltiplas dimensões das claques. E isso foi entendido por alguns como uma defesa das claques. Mas eu tive apenas o objetivo de caracterizar o melhor possível estes grupos e interpretar as suas ações no âmbito do trabalho de investigação que se faz em Antropologia. O lançamento do livro surge com que objectivos? Precisamente o que respondi na questão anterior. Caracterizar as claques de futebol, apresentando uma visão global das mesmas e interpretando as suas ações no âmbito do trabalho de investigação que se faz em Antropologia. Quais as principais diferenças entre o tempo em que escreveu a sua tese, que depois deu origem ao livro, e os tempos actuais? A principal diferença é aquilo que me parece ser um aumento do número de elementos dos grupos que estão a optar por outro estilo de acompanhamento aos seus clubes. No final do meu livro já me referia ao aumento do número daqueles que estão a enveredar por um estilo mais casual. Para além disso, parecem estar a confirmar-se alguns dos efeitos perversos que decorrem da legislação que abrange os grupos organizados de adeptos. Que expectativas tem em relação ao adepto enquanto parte integrante do desporto? No que ao espetáculo desportivo diz respeito, seja ele mais ou menos comercializado, a recente pandemia, com o seu
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efeito revelador, tem-nos mostrado que ele morre sem adeptos. Sem eles, morre também a dimensão económica deste desporto. Tornou-se evidente que o desporto espetáculo só vive se houver procura. São os adeptos que atribuem valor aos jogadores e que pagam para ver o seu trabalho. O valor reside, portanto, nos adeptos. Se estes deixarem de existir, deixará de ter valor o desempenho dos desportistas. Estes jogarão apenas pelo prazer do próprio jogo, pois não haverá quem pague pelo seu trabalho. Bem sei que as audiências televisivas permanecem. Mas o que observamos hoje é suficiente para lembrar que estas podem desaparecer, se desaparecer o interesse dos adeptos. Estes são, pois, a base do desporto profissional que se tornou espetáculo. Considera que os vários agentes desportivos (Liga, FPF, Clubes), o governo e as autoridades de segurança têm uma real compreensão do fenómeno cultural, que são os adeptos? Como interpreta a abordagem dos mesmo em matérias de segurança? Por vezes, o nível de compreensão da dimensão social, cultural e política do desporto parece-me insuficiente. Sobre a segurança, entendo que muito se tem feito para que os espetaculos de futebol se tornem mais seguros e hoje o futebol é, a meu ver, um contexto seguro. Não podemos, porém, olhar para o espectáculo desportivo numa perspetiva securitária que tem o efeito perverso de produzir e reproduzir um certo «pânico» em torno da possibilidade de incidentes no contexto de um jogo de futebol. Não há razão para tal e o incremento dessa sensação de perigo e insegurança contribui para afastar espectadores. Nesta abordagem securitária encontro
até uma certa tentativa de «purificação» ou «higienização» que leva a que procure multar os clubes por insultos presentes nos cânticos. O conhecimento da história do futebol revela que a esta esteve sempre associada a violência, provavelmente até em maior escala do que aquela que temos hoje. Todos os esforços para pacificar o futebol são bem-vindos. Mas não ter em conta algumas das suas funções sociais no quadro de tempo de lazer pode ser preverso, não apenas para o futebol, mas também para a sociedade. Entendemos que as bandeiras, as faixas, as frases assim como os cânticos fazem parte de um conjunto ao qual podemos chamar de expressão do adepto. E que os acessórios como o tambor ou o megafone, são artefactos que contribuem para uma maior organização dessa expressão . Sob a bandeira da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, o governo decidiu proibir toda essa expressão, com excepção aos grupos que se “legalizem”. Uma bela chantagem, achamos nós. Aliando a isto, criou agora o cartão do adepto para marginalizar ainda mais os grupos organizados, tentando-los colocar num sector à parte, sem esquecer que também proíbe os mais novos, menores de 16 anos, de lá entrarem. Concorda com a nossa prespectiva? É correto afirmar que estamos perante uma grande tentativa de exterminar a cultura de grupos organizados? Nunca concordei com a dita «legalização das claques», nos termos em que a mesma é considerada pela Lei. Sempre entendi que tal tentativa era perversa e teria resultados opostos ao pretendido. Sobre a «tentativa de exterminar a cultura de grupos organizados», isso implicaria da minha parte um processo de intenção que não
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faço. Caso estejemos perante uam tentativa de exterminar a cultura dos adeptos organizados, mais tarde acentuar-se-ão os efeitos perversos da legislação. Refiro que se acentuarão porque os mesmos já se fazem sentir. Pode até ocorrer uma diminuição significativa dos grupos organizados de adeptos na forma como os conhecemos agora. Só que isso não significará uma exterminação. Mesmo que os grupos organizados de adeptos acabassem, não acabariam as pessoas que os compõem. Um dos efeitos perversos é, precisamente, uma derivação de muitos deles para um estilo casual. Esta transformação, já visível nos primeiros anos deste século, tem-se vindo a acentuar. Que analise faz em relação à violência causada pelos adeptos, dentro e fora da bancada, ao longo das últimas décadas? Essa será sempre uma análise muito complexa e que implica considerar uma dimensão quantitativa e outra dimensão qualitativa. Sobre a dimensão quantitativa, tenho dificuldade em fazer grandes considerações porque, apesar de já os ter solicitado, não tenho os números que pretendo. Mas tenho alguns dados relativos à década de 90 do século passado e também alguns números relativo à primeira década do século em que vivemos. Não encontro o mesmo critério de registo entre as diferentes forças de segurança responsáveis pelo policiamento dos recintos desportivos. Para além disso, há incidentes que hoje são contabilizados e que outrora não o eram. Assim sendo, não tenho condições para tirar conclusões muito sólidas do ponto de vista quantitativo. No que à dimensão qualitativa diz respeito, parece-me que os incidentes acabam hoje por ocorrer mais nas zonas circundantes do estádio, do que propriamente dentro
destes. Para além disso, o meu trabalho de investigação permitiu conluir que no final da década de 80 e início da década de 90 já ocorriam incidentes com considerável gravidade. Por isso não estou certo que a violência hoje seja mais grave. Parece-me, contudo, diferente. A violência, na atualidade, parece resultar de uma maior planificação por parte de quem a provoca, até porque o controlo e a vigilância presente nos estádios evita alguma da violência mais espontânea. Hoje, a violência resulta de uma configuração mais complexa de factores que predispõem as pessoas para a mesma e de outros que a precipitam. No entanto, a prevenção, bem como as medidas de vigilância e segurança têm também alguma eficácia. Por muitas vezes os adeptos queixam-se de um excesso de violência policial, houve já um incidente que provocou a perda da visão a um adepto. Que analise se pode fazer a estes casos para criar um melhor ambiente no desporto? A grande dificuldade reside no facto de estarmos perante definições de situação que são tendencialmente opostas. De um lado, os membros das claques que encontram no contexto do futebol um ritual de inverssão social que estabelece uma ruptura com o quotidiano e no qual podem divertir-se, apoiar os seus clubes e libertar alguma da sua impulsividade e por isso, estar presente numa claque, tem, para alguns, uma função catártica. Ao invés, a polícia está presente no mesmo contexto com o intuito de preservar a ordem pública no futebol. É, pois, necessário , estabelecer um consenso, uma linha de equilibrio, uma estratégia de negociação, de diálogo e mútua compreensão que preserve os interesses do espetaculo desportivo e o bem-estar dos adeptos.
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Como vê o trabalho da comunicação social em relação aos adeptos? Considera que fazem um trabalho imparcial ou que também contribui para a construção da criminalização e discriminação dos adeptos? Esse assunto foi bastante estudado em Inglaterra a propósito do Hooliganismo. Tenho lido boas e más abordagens da comunicação social. O seu papel na reprodução do pânico en torno do futebol está muito bem demonstrado pelo grupo de sociólgos da Universidade de Leicester que estudou o hooliganismo. Reconheça-se, porém, que já surgiram na comunicação social algumas reportagens que mostram a face benigna dos grupos organizados de adeptos. Sente que os adeptos, principalmente os membros dos grupos organizados, sofrem de alguma discriminação por parte dos restantes quadrantes sociais? Sim. A descriminação é clara. Há até um estigma que os desabilita para uma aceitação social no contexto do futebol e até no quotidiano. Compete aos elementos dos grupos organizados comunicarem melhor. Devem também desenvolver acções tendentes a alterar a percepção que a generalidade das pessoas tem sobre eles. Tal implica o abandono de práticas violentas que ainda são levadas a cabo por alguns dos seus membros. Implica também uma atitude diferente, não só no futebol, mas também num âmbito mais alargado da participação cívica e na promoção de valores relevantes para a sociedade. Como vê a cultura de adepto em Portugal? Não creio que tenhamos em Portugal um padrão de comportamento por parte dos adeptos que permita vislumbrar uma cultura de adepto em Portugal. Estou até convicto que os adeptos em Portugal são
mais reativos do que ativos. Encontro uma cultura nas claques de futebol cujos membros norteiam o seu comportamento pelo Movimento Ultra que apresentei e descrevi no meu livro. Que caminhos aponta para o reforço da cultura do adepto no nosso país? Considerando a minha resposta à questão anterior, não creio que se possa reforçar algo que ainda não se vislumbra. O que acha das fanzines enquanto meio de comunicação? Considera ter importância para o desenvolvimento desta cultura nas pessoas? Podem constituir um bom suporte para a promoção de uma boa cultura dos adeptos. Mal utilizadas, podem ser negativas para essa mesma cultura. Já vi boas e más fanzines. Uma mensagem final para os nossos leitores? Gostaria que todos contribuísesem para a defesa e promoção dos valores genuinos e nobres do Movimento Ultra. Voltamos a agradecer a sua disponibilidade, deixando a porta aberta para futuras intervenções nas nossas páginas.
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WHITE ANGELS 1998/99 FC Alverca - Vitória SC
JUVI
1986/87 Elvas CAD - Vitória SC
GIL BOYS
1993/94 Gil Vicente FC - SC Salgueiros
ALMA SALGUEIRISTA
1995/96 Gil Vicente FC - SC Salgueiros Créditos: Paulo Costa
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GRUPO MANKS 1996/97 SL Benfica - SC Braga
JUVE NEGRA
1994/95 CD Aves - FC Tirsense
MANCHA NEGRA Anos 80 Académica OAF
NON STOP BOYS
1995/96 SC Farense - FC Felgueiras
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RED BOYS
1995/96 SC Braga - Vitória SC
ultras ermesinde
1994 Senhora da Hora- Ermesinde SC
ultras fantasma 1994/95 UD Leiria - Boavista FC
super dragões coletivo 95
1995/96 CF Os Belenenses - FC Porto Créditos: João Campos
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juventude leonina Anos 80 SC Portugal
movimento portuense
1995/96 FC Porto - Sporting CP
ultras viseu
1995/96 A. Viseu FC- CF UniĂŁo de Lamas
torcida verde
1985 PavilhĂŁo do Restelo
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A época desportiva 2020/21 começou mais tarde do que o habitual, dadas as circunstâncias provocadas pela pandemia que tem assolado este último ano, e tem sido, infelizmente, uma continuação do final da temporada passada no que às bancadas diz respeito. Os destaques vão principalmente para os protestos contra dois temas que têm perturbado os adeptos (os próprios jogos à porta fechada e o Cartão do Adepto), mas também para os incentivos dos grupos às suas equipas antes ou até durante os encontros, com uma boa capacidade de improvisação. 1- Fórum entre vários grupos em Coimbra | 12-09-2020 Encontro histórico, entre cerca de 20 grupos organizados, que ocorreu sob a coordenação da Mancha Negra em Coimbra. Esta foi uma iniciativa que não tinha igual há mais três décadas, na qual a APDA também teve um papel preponderante. A reunião serviu essencialmente para a consciencialização sobre a alteração da lei n°.113/2019, a portaria n°.159/2020, relativas ao Cartão do Adepto e a retoma dos campeonato sem adeptos presentes. Durante algumas horas, esteve bem vincado o ambiente de respeito e união entre todos, estando principalmente em discussão a possibilidade de se fazerem protestos em conjunto contra a implementação do Cartão de Adepto (algo que foi consumado no dia da final da Taça de
Portugal) e a posição de cada grupo em relação à adesão, ou não, à referida legislação. Reforçou-se, para além de tudo isto, a ideia de avançar com um crowdfunding para financiar o processo em tribunal contra o Cartão
2- Deslocação dos South Side Boys até Moreira de Cónegos: Moreirense FC x SC Farense | 20-09-2020 O Farense esteve 18 anos ausente do maior escalão do futebol português e os seus fiéis adeptos ansiavam poder voltar a acompanhar o seu clube neste regresso. Infelizmente, este ano de 2020 não ajudou em nada quem gosta de ir a estádios e os farenses ficaram privados de assistir,
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ao vivo, ao encontro inaugural, que ditou o sorteio ser em Moreira de Cónegos. De qualquer maneira, alguns elementos do grupo South Side Boys fizeram questão de se deslocar até lá, nem que fosse para brindar a equipa com um pequeno incentivo na chegada do autocarro. São cerca de 600 quilómetros que separam Faro do Estádio Comendador Joaquim de Almeida de Freitas, mas a paixão daqueles homens foi bem superior a isso! Nota também para o facto de um dos adeptos ter sido identificado pela polícia local por ter aberto uma tocha no exacto momento em que a equipa estava a chegar ao estádio. Por vezes, não há limites para o absurdo de quem gosta de reprimir...
3- Tochada dos Super Dragões à volta do seu estádio | 28-09-2020 Os Super Dragões quiseram comemorar mais um ano do FC Porto com uma bela tochada em redor do seu estádio. Cada um das várias dezenas de elementos lá presentes abriu uma tocha e criou um efeito visual muito bonito na zona envolvente do Dragão para festejarem o seu 127º aniversário.
4- Fúria Azul no exterior do estádio: Futebol Benfica x CF “Os Belenenses” | 0410-2020 Como habitualmente, a Fúria Azul acompanhou o seu clube num jogo fora de casa, mesmo tendo sido realizado à porta fechada. Ficar no exterior em redutos de clubes da distrital não impossibilita, muitas vezes, a visualização do jogo e o respectivo apoio. De qualquer maneira, não é o mesmo que estar no habitat natural de qualquer adepto... a bancada! Por esse motivo, o grupo belenense fez questão de expor a mensagem com um lema muito partilhado nos últimos tempos: “Sem adeptos não há futebol!”
5- Segundo fórum de grupos ultras em Coimbra | 10-10-2020 Dando continuidade ao trabalho realizado na reunião de Setembro, teve lugar em Coimbra um segundo fórum, no qual cerca de 30 grupos organizados marcaram presença. De novo, o respeito e a união à volta da defesa do adepto, fez-se notar,
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estando desta feita em cima da mesa somente a discussão sobre a implementação e sobre adesão ou não ao Cartão de Adepto. Daí, fez-se o balanço das necessidades para ajudar a APDA a avançar com o processo contra a implementação da lei do Cartão de Adepto e reforçou-se a vontade de avançar nesta luta, discutindo-se de que forma todos poderiam ajudar.
6- Ultras 2330 a exporem a incoerência dos critérios de acesso a eventos: Entroncamento AC x AC Alcanenense | 11-102020 Os adeptos do desporto em geral têm sido bastante discriminados em relação a espectadores de outro tipo de eventos. Aceder a um recinto desportivo parece ser neste momento das tarefas mais impossíveis de se poder fazer na sociedade portuguesa, enquanto que ir, por exemplo, a uma tourada é perfeitamente aceitável para as autoridades governamentais. O grupo do Entroncamento, clube que milita na 1ª Divisão Distrital de Santarém, usou precisamente essa comparação, de maneira irónica, para demonstrar a hipocrisia que existe no nosso país. Foi possível ver a seguinte mensagem: “Para termos entrada, metam os cornos na bola e finjam que é tourada!!!”
7- Adeptos do Forense a assistirem ao encontro em cima de um tractor: GD Forense x CD “Os Águias” | 11-10-2020 Novamente nas distritais de Santarém, mas agora na 2ª Divisão, damos conta de uma das maneiras mais improvisadas de se poder ver futebol ao vivo em tempos que se normalizaram os jogos à porta fechada. Um tractor com vários adeptos de Foros de Salvaterra que apoiam o clube local, pertencentes ao grupo Red Blue Army, em cima dele. A bela mistura da região ribatejana e do futebol popular em todo o seu esplendor!
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8- Incentivo dos Super Dragões à sua equipa na véspera do jogo em Alvalade | 16-10-2020 Os Super Dragões continuam a ser dos mais interventivos no que se refere ao apoio à equipa em período de partidas sem público. Em qualquer jogo no Estádio Dragão ou em redutos próximos da cidade do Porto, têm marcado presença junto ao habitual hotel onde os jogadores estagiam, em São Félix da Marinha, acompanhando por diversas vezes o autocarro até ao estádio. Destacamos, muito por causa do grande apoio e do número de elementos, o ambiente que criaram nas imediações do Dragão no momento da saída da equipa até Lisboa para defrontar o Sporting no dia seguinte.
9- Cordão de apoio farense antes do encontro: SC Farense vs FC Famalicão | 1810-2020 O regresso do Farense ao primeiro escalão não começou de maneira positiva para a sua equipa, registando três derrotas nas três primeiras jornadas. Os seus fiéis adeptos não se deixaram desanimar e decidiram mobilizar a cidade para aumentar ainda mais o apoio antes do encontro seguinte, que se realizou no Estádio do Algarve, casa emprestada nos primeiros jogos. Para além do habitual incentivo dos South Side Boys, importa destacar as imensas motas, maioritariamente pertencentes ao Moto Clube de Faro, que acompanharam o autocarro da equipa, criando um cenário muito pouco habitual em Portugal!
10- Fim-de-semana de grande actividade da Fúria Azul, com eleições para o clube e derby O CF “Os Belenenses” teve as eleições para a direcção do seu clube no passado dia 17 de Outubro, sendo uma das mais importantes da sua história. Como é de conhecimento público, o clube de Belém rompeu recentemente com a sua SAD e os adeptos uniram-se com a criação de uma equipa nas distritais de Lisboa (entretanto já subiram duas vezes, nas duas épocas que já lá realizaram). Das três listas concorrentes, uma era a continuidade do mesmo caminho com Patrick Morais de Carvalho a presidente, outra era um desejo de retomar o futebol profissional com a antiga SAD e ainda havia uma terceira lista com a vontade de trazer novos investidores. Patrick foi reeleito com 63,53% dos votos, imperando a vontade da maioria belenense, e em particular da Fúria Azul, que batalha há muito tempo contra a antiga SAD liderada por Rui Pedro Soares. Importa destacar tarjas como “Belenenses só há um- Não está à venda!” e “No Comporta não há eleições”. Esta última mensagem faz alusão à própria SAD, que está com intenções de se deslocar para Comporta.
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De salientar que, durante o dia desse Sábado, o grupo do Belenenses fez questão de angariar novas inscrições, vender material e ainda publicitar aos restantes adeptos conteúdo contra o Cartão do Adepto (numa iniciativa conjunta com a Associação Portuguesa de Defesa do Adepto). Ainda tiveram tempo de visitar a sede do Grupo Atlético 1942, a convite destes últimos, para promoverem o derby do dia seguinte contra o Atlético CP. Posto isto, no Domingo, já na ressaca de uma longa noite de festejos, era o tal dia de derby. A Fúria Azul, juntamente com outros adeptos do clube do Restelo, realizou um cortejo até à Tapadinha, mesmo sabendo que o jogo se iria realizar à porta fechada. Na chegada ao estádio sentiram problemas com a polícia lá presente, mas fizeram questão de apoiar a sua equipa no exterior.
11- Tochada dos Panteras Negras em cima de um edifício: Boavista FC x Vitória SC | 19-10-2020 O jogo entre os axadrezados e a equipa vimaranense é um clássico do futebol nacional e costuma ter um bom ambiente sempre que ambas as equipas se defrontam. Este foi previsivelmente diferente, uma vez que se realizou à porta fechada. De qualquer maneira, alguns adeptos boavisteiros foram para o topo de um prédio (ainda mais alto que o próprio Estádio do Bessa) e abriram várias tochas, no momento da entrada das equipas em campo, criando um bonito espectáculo.
12- Adepto vizelense em cima da sua mota para poder assistir à partida: FC Vizela x Académica de Coimbra | 24-102020 Uma imagem marcante e que correu um pouco por todo o mundo. Ocorreu em Vizela e num simples encontro matinal do segundo escalão do futebol português, mas que é o espelho do que tem sido o futebol nos últimos tempos. Impossibili-
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tado de ver o seu clube na bancada, um homem colocou-se em cima da sua própria mota para conseguir superar a altura de um muro e assistir ao que se passava dentro das quatro linhas. A capacidade de os adeptos improvisarem e superarem obstáculos parece, muitas vezes, não ter limites. Infelizmente, as barreiras têm sido muitas para quem gosta de ver futebol, em contraste com espectadores de outros eventos que se foram realizando em Portugal...
13- Derby do Minho: Vitória SC x SC Braga | 25-10-2020 Mais um grande jogo do nosso campeonato a decorrer sem público, o novo normal dos tempos que correm. De qualquer maneira, os adeptos de ambos os conjuntos fizeram questão de incentivar as suas equipas, antes do encontro, em grande estilo. Começando pela turma bracarense, o autocarro partiu da sua cidade sob um grande apoio, onde não faltaram tochas, debaixo de muita chuva que ia caindo. Relativamente ao Vitória, também os seus adeptos brindaram a sua equipa com muita pirotecnia na chegada do autocarro ao estádio. Nota negativa para a actuação das autoridades policiais presentes em Guimarães, que reprimiram imediatamente quem lá estava, de uma maneira em que até o clube vimaranense fez questão de repudiar num comunicado
posterior. De destacar o grupo White Angels. Para além de ter feito outro incentivo à sua equipa no dia anterior ao derby, realizaram uma coreografia de grandes dimensões que ocupou a bancada sul do estádio.
14- 70º aniversário da Torcida Split | 2810-2020 É o primeiro acontecimento estrangeiro que colocamos nesta secção, mas a grandiosidade dos festejos do grupo ultra mais antigo do mundo merece de facto uma menção. Split entrou precisamente na meia-noite do dia 28 de Outubro completamente iluminada, com um espectáculo pirotécnico que faltam palavras para o descrever. Fogo de artifício espalhado por dezenas de quilómetros e muitas tochas a sobrevoarem a cidade croata, num cenário completamente surreal. Não se ficaram por aí e continuaram as suas acções durante o dia. À beira-mar e nas próprias águas do Mar Adriático, fizeram uma fumarada, onde o laranja predo-
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minou, para homenagear os elementos falecidos do grupo, tendo esse registo ocorrido em silêncio. Já durante a noite, decidiram terminar com mais pirotecnia, num momento em que se concentraram numa praça da sua cidade, fazendo depois um cortejo em grande número para terminar o 70º aniversário do grupo em grande estilo. Nota para a presença dos No Name Boys nestas comemorações, que, tal como os polacos da Torcida Górnik Zabrze e os franceses Magic Fans, fizeram questão de marcar presença em solo croata neste dia especial dos seus amigos de Split.
15- Sectores dos grupos benfiquistas vazios e mensagens contra o Cartão do Adepto: SL Benfica x Standard de Liège | 29-10-2020 Quase oito meses depois, os adeptos encarnados puderam voltar ao seu estádio para assistirem a uma partida, mesmo que limitados a uma lotação oficial de 4875 adeptos (equivalente a 7,5% da capacidade máxima) e devidamente distanciados entre si. Curiosamente, o regresso ficou também marcado pela introdução aos benfiquistas da necessidade da aquisição do Cartão do Adepto para se ter acesso aos lugares habitualmente destinados aos Grupos Organizados de Adeptos. No Name Boys e Diabos Vermelhos deixaram os seus sectores vazios
e marcaram presença noutros lugares do estádio, não deixando de apoiar a sua equipa. Para além disso, destaque para um protesto dos Diabos, em que exibiram pequenos cartazes contra o próprio cartão!
16- Ida ao hotel onde a equipa estava instalada e tarja dos White Angels contra as interdições: Vitória SC x Sporting CP | 0711-2020 Os White Angels surpreenderam a equipa do Vitória no hotel onde estava instalada, na véspera do jogo frente ao Sporting. Com cânticos, tochas, material do grupo e uma grande sintonia entre adeptos e equipa, à porta do local onde esta última estava a estagiar. Uma demonstração de união que os próprios jogadores fizeram questão de partilhar orgulhosamente. No dia seguinte, era visível uma tarja num viaduto da cidade de Guimarães: “Hoje não aparecemos! A pandemia das interdições não nos permite! Joguem como nos interditam!!”. Foi assim que que os mesmos White Angels anunciaram a ausência de um incentivo junto do estádio antes do encontro, ao contrário daquilo que vinha a ser hábito por parte do grupo, justificando esse facto com a perseguição que estavam a ser alvo por parte das autoridades e respectivas interdições. É importante lembrar que o apelidado “projecto-piloto” criado pelo Ministério Público e a Polícia de Segurança Pública tem incidência nos adeptos da região do Minho, tendo o número de processos e interdições disparado, principalmente, nos elementos dos grupos do Vitória SC e do SC Braga. Depois
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de mais uma semana de perseguição a ultras vitorianos, os White protestaram desta maneira, com uma mensagem que tem tanto de sarcástica como de assertiva!
17- Capitão do Famalicão enverga braçadeira alusiva ao 30º aniversário dos Fama Boys: FC Famalicão x CS Marítimo | 07-112020 Os Fama Boys comemoraram três décadas de existência no dia 10 de Novembro. Três dias antes, a equipa famalicense teve um encontro em casa e decidiu homenagear o grupo com o uso de uma braçadeira referente a esse aniversário no braço do capitão Gustavo Assunção. Uma forma de também mostrar uma boa ligação entre clube e claque, enaltecendo o papel desta última no apoio ao longo dos anos.
18- Adeptos do Torreense no derby do Oeste: SC Lourinhanense x SC União Torreense | 08-11-2020 O Topo SCUT, grupo de apoio ao Torreense, tem sido um dos mais interventivos neste difícil início de época para qualquer adepto. Seja em casa ou fora, com mais ou menos elementos, tem-se destacado pelo apoio à equipa de Torres Vedras no exterior dos estádios. Na curta deslocação até à Lourinhã, fizeram com que a sua equipa se sentisse a jogar em casa com um grande apoio dado pelas várias dezenas de elementos que se encontravam junto àquele reduto, criando um bom ambiente, com abertura de potes de fumo à mistura que deram um bom efeito visual. Foram brindados com mais uma vitória, desta vez no terreno de um rival local, confirmando também um bom começo de temporada que lhes faz sonhar com uma promoção à segunda liga.
19- Diabos Vermelhos incentivam e equipa e aproveitam para iniciar os festejos do aniversário do grupo: SL Benfica x SC Braga | 08-11-2020 No local do costume onde costumam es-
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perar o autocarro da sua equipa antes do jogos, os Diabos, para além das suas habituais bandeiras, colocaram uma grande tarja em plástico a mencionar o 38º aniversário do grupo, que ocorreu três dias depois deste jogo. Incentivaram a equipa do Benfica na chegada ao estádio, algo recorrente da parte dos ultras encarnados nos jogos em casa, tendo mais tarde feito uma tochada para darem início às comemorações de mais um ano deste histórico grupo nacional.
20- Adepto do Águias sentado num andaime que, por sua vez, estava por cima do seu veículo: CD “Os Águias” x GD Samora Correia “B” | 14-11-2020 Mais uma imagem apaixonante vinda das distritais de Santarém, agora em Alpiarça. Sentado num andaime por cima do seu veículo, um homem já com certa idade assistia (de máscara colocada) a um encontro da equipa da sua terra. Algo que deve até fazer reflectir quem pretende privar a todo o custo os adeptos de estarem presentes em campos para verem um “simples” jogo de futebol...
21- Força Avense em Oliveira do Douro: AC Gervide x CD Aves 1930 | 15-11-2020 A Força Avense tem tido um papel preponderante nesta nova longa caminhada do Aves, depois de ter rompido a sua ligação com a SAD e de ter recomeçado a partir da última divisão distrital do Porto. O grupo avense faz questão de marcar presença nos vários campos e estádios dos adversários, conseguindo ver os jogos no exterior. Destes encontros, fazemos questão de destacar aquele em Oliveira do Douro, onde joga o Gervide. Foram várias dezenas de elementos que ajudaram a equipa a alcançar nova vitória.
22- Mais uma presença da Fúria Azul, apesar das contrariedades: ACDR Coutada x CF “Os Belenenses” | 15-11-2020 À mesma hora (10h00) e no mesmo dia deste último jogo dos avenses que referimos, o Belenenses, também na genuinidade do futebol distrital, enfrentava o Coutada no Campo da Salseira. Em cima de contentores, de pedras e de outros objectos que serviam de improviso, elementos afectos ao clube de Belém faziam questão de apoiar a sua equipa, superando as habituais dificuldades que são impostas actualmente para se poder ver futebol ao vivo. O grupo ultra dos azuis mostrou mesmo uma pequena tarja com uma frase que faz sentido para qualquer um de nós: “Pior que o vírus é a repressão”.
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23- Morte de Reinaldo Teles | 25-11-2020 Já hospitalizado por complicações causadas pelo vírus Covid-19, Reinaldo Teles acabou mesmo por falecer aos 70 anos. Ligado há décadas ao FC Porto, foi naturalmente homenageado pelos adeptos portistas. Ainda antes de nos deixar, os Super Dragões já tinham marcado presença junto do Hospital São João para lhe dar força e, um mês antes, num jogo contra o Olympiacos para a Liga dos Campeões, colocaram mesmo uma tarja no seu sector com a mensagem: “Força Tio Reinaldo!”. Dois dias depois do falecimento do dirigente portista, os dois grupos de apoio ao Porto marcaram presença junto do seu estádio para darem um último adeus. Os Super Dragões abriram algumas tochas junto do seu material, enquanto que o Colectivo 95 fez mesmo um memorial numa das paredes à volta do Dragão.
24- Morte de Maradona | 25-11-2020 Faleceu aquele que para muitos foi o melhor jogador de sempre, Diego Armando Maradona. Uma inspiração para imensa gente, pois aliava a sua genialidade a uma dose de loucura que apaixonava a grande maioria dos adeptos. Ídolo e símbolo na Argentina e em Nápoles, tendo sido aí que revolucionou e deixou os seus legados, não foi de admirar que tenham lá sido que surgiram as maiores homenagens ao astro. Relativamente ao país sul-americano, é bom lembrar que ficou ainda este ano conhecido como aquele que teve o confinamento mais alargado do mundo, tendo durado mais de oito meses. No entanto, isso não impediu que multidões tenham saído à rua e tenham tentado despedir-se de Maradona. O velório foi reservado apenas à família e a amigos mais próximos, mas estavam, segundo os relatos, quase um milhão de pessoas nas ruas próximas ao cemitério para tentarem lá chegar, tendo resultado em vários tumultos com a polícia. Relativamente a Nápoles, para além de um memorial colocado no centro da cidade, importa destacar uma tochada feita pelos ultras napolitanos à volta do seu estádio, antes do encontro frente ao Rijeka, a contar para a Liga Europa. O próprio estádio também vai mudar oficialmente o nome. Aquele que sempre foi conhecido como o San Paolo, fica agora designado como Estádio Diego Armando Maradona. 25- Aniversário do Leixões SC | 28-112020 Os adeptos do Leixões festejaram o 113º aniversário do seu clube em grande estilo. Primeiramente à volta do próprio relvado do Estádio do Mar durante a noite, criaram um bonito espectáculo pirotécnico,
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com strobs, tochas e até fogo de artifício. Ao amanhecer, colocaram 14 mensagens em vários pontos da cidade de Matosinhos, tendo ainda aberto uma coreografia, que fizeram com desenhos de várias camisolas da história do universo leixonense e com a frase “Uma história cheia de encanto vestida de rubro-branco”, durante a cerimónia oficial do habitual hastear da bandeira organizada pelo clube.
26- Morte de Vítor Oliveira | 28-11-2020 Faleceu o “Rei das subidas” como era apelidado em Portugal pela sua especialidade em conquistar promoções ao primeiro escalão no comando de diferentes equipas. Dispensa descrições, era alguém respeitado por praticamente todos, que falava sempre de forma frontal e assertiva e que deixou importantes legados por muitos clubes por onde passou. Não é de estranhar, portanto, que tenha sido homenageado por adeptos de vários emblemas. Natural de Matosinhos, antigo jogador e adepto do Leixões e o último treinador a lá conseguir uma subida à primeira divisão, não é de estranhar que que tenha tido direi-
to a várias homenagens no Estádio do Mar pelos adeptos leixonenses, tendo partido no dia do aniversário do próprio clube. Logo após ser anunciada a morte de Vítor Oliveira, foi feito um memorial no Estádio do Mar, que foi sendo preenchido por vários adereços do clube. No dia seguinte, foi lá prestado um minuto de silêncio em memória dele. Não se ficaram por aí, tendo o artista matosinhense Paulo Boz feito um belíssimo graffiti no próprio estádio com a cara de Vítor Oliveira, acompanhado pela seguinte mensagem: “Um legado de orgulho... Pelo clube e pela terra”. Fica também o registo de algumas frases e fumos feitos pelos rubro-brancos. Recebeu outras homenagens por adeptos de vários clubes por onde passou, como o Portimonense e o Paços de Ferreira. No caso de Portimão, o grupo Orgulhe 1914 colocou a tarja que tinha lá inscrito: “Da vitória na Europa ao título de campeão. Devemos-te as nossas alegrias e os nossos sonhos”. Uma referência ao passado na Taça UEFA na década de 80 e ao título de campeão da segunda liga bem recentemente. Em ambos, era Vítor Oliveira o treinador. Em Paços de Ferreira, muitos adeptos reuniram-se junto ao seu estádio durante a manhã após o acontecimento, tendo prestado um tributo com várias mensagens, material e uma fumarada com as cores dos pacenses. Durante o velório, foram várias centenas de pessoas que apareceram no cemitério, muitas personalidades ligadas ao futebol português e Vítor Oliveira foi sepultado acompanhado por material de vários clubes por onde passou. Uma figura incontornável do futebol português e que ficará para sempre na história do desporto nacional!
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Do céu ao inferno no espaço de dois anos! Em maio de 2018 vencemos a prova rainha de Portugal, a Taça de Portugal, troféu almejado e sonhado por todas equipas em Portugal e por todos os jogadores. Até a própria presença no Jamor só por si já um sonho, quanto mais levantar a Taça. A realidade é que conseguimos, fazemos parte do muito restrito leque de equipas que a venceram, 13 num universo de milhares de equipas em Portugal. Instituições maiores que o Aves, terras muito maiores que a Vila das Aves nunca o conseguiram! Foi uma dádiva, e ao mesmo tempo a nossa maldição. Clube Desportivo das Aves, um dos clubes com mais presenças em campeonatos profissionais, desde 85 em que subimos à Segunda Divisão até 2020, foram 35 anos em que nunca baixamos da segunda divisão, 6 presenças na Primeira Divisão apenas, mas sempre nos profissionais, sempre de Norte a Sul e ilhas. Tenho 34 anos, nunca vi outra realidade! Até que o cancro das SAD´s nos atingiu também. Tudo bem que em 2015, já estávamos condenados caso não optássemos por esta solução e aí já cairíamos no semiprofissional, fruto de má gestão por parte de direções encabeçadas pelo mesmo Presidente! Foi tudo um mar de rosas, desde a subida de divisão, à final da Taça, à presença na Supertaça e às conquistas do campeonato e taça dos sub 23.
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Mas a gestão em cima do joelho e nada sustentável iria trazer consequências no final da época anterior, com uma administração que iria preferir encher os bolsos do que ter uma equipa competitiva! Cortes de relações com os adeptos, falta de pagamentos a funcionário e fornecedores, e um sem fim de problemas. Foi a nova direção do clube, já eleita em julho que acabou o campeonato no lugar da SAD, assumindo as despesas e organização de jogos e deslocações. Esta mesma direção que tomou posse, é presidida por um dos presidentes que mais dinheiro cedeu ao clube em toda a sua existên-
cia. Decidiu que era hora de resgatar o Clube de um futuro que não augurava nada de positivo, contando com membros da Força Avense para o ajudar nesta tarefa hercúlea! Nas horas sombrias, é tempo dos sócios e adeptos carregarem aos ombros o amor das suas vidas, o Aves! Caímos desportivamente na segunda, mas já sabíamos que íamos acabar bem mais abaixo. Com a SAD a solicitar um PER e com dividas, o clube decidiu inscrever uma equipa na última divisão da distrital do Porto, a segunda! A equipa da SAD ainda tentou inscrever uma equipa no Campeonato de Portugal, mas as dividas impediram, e a SAD desapareceu! O Clube Desportivo das Aves continua a existir, livre de abutres, livre de pessoas que não sentem de qualquer forma o clube, e segue invicto em segundo lugar no campeonato distrital com 13 pontos em 15. Como disse em cima, em 34 anos é a primeira vez que me deparo com esta realidade. Mas há algumas coisas que me apraz concluir. Em 90 anos de história, celebrados no passado dia 12 de novembro, há várias gerações que viram o Aves jogar na distrital, viram o clube subir por aí acima até ao Olimpo do Futebol Português. A nossa geração também viu a parte boa das vitórias e conquistas, agora é a nossa vez de passar
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pelo mesmo! Temos a oportunidade de fazer do Clube Desportivo das Aves um clube sustentável, para que não seja necessário voltar a vender a alma ao diabo! Vamos ter a possibilidade de absorver tudo de bom que o futebol tem em divisões secundárias, a liberdade de movimentos, o álcool, a falta de repressão, o futebol em estado puro novamente! No historial dos nossos adeptos, até ao ano de 2010, nunca sofremos praticamente repressão nos jogos caseiros, coisa que mudou a partir daí. Um Comandante novo, que veio mudar a abordagem a tudo o que estava relacionado com o futebol, transportando para a vida do dia a dia, essa mesma repressão, através de multas de estacionamento, perseguições a carros que pertencem a elementos do grupo para poderem fazer teste ao álcool, chegando inclusive ao ponto de abordar cidadãos à porta de casa após estacionarem! Rusgas e fiscalizações constantes ao nosso café do grupo e os restantes que circundam o mesmo espaço. Uma bola de neve que nunca parou, culminando com a promoção do mesmo ao CI do Porto, como prémio pelos bons ser-
viços prestados! Infelizmente a repressão já assola recorrentemente a nossa porta há uma década, tendo nós o mesmo tratamento que grandes cidades e muitas vezes pior em relação a grupos mais numerosos. Entramos assim na primeira divisão e nas suas regras mais apertadas, muito mais apertadas, principalmente na Capital e mais especificamente na Luz, curiosamente casa de um dos grupos mais à margem de todas e quaisquer leis. Não entramos propriamente despreparados nem fomos muito surpreendidos, mas todas as semanas, em praticamente todos os estádios começa a criar mossa! De tal forma que já sentíamos mesmo saudades da liberdade da segunda liga. Caímos bem mais para baixo, mas neste aspeto será sem dúvida uma lufada de ar fresco! Acabo com uma máxima que todos já percebemos que é um ideal, um golo e uma vitória do nosso clube da terra tem o mesmo sabor em que divisão for! Um golo é sempre um golo! Por Tiago Sampaio
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Ao longo de boa parte da minha vida, final de semana era sinónimo de futebol. De norte a sul de Portugal, nas ilhas e por essa Europa fora, cometi as mais diversas “loucuras” para ir ver o meu clube jogar. A pandemia modificou irremediavelmente o nosso quotidiano, interferindo nas nossas rotinas mais básicas e o futebol, por certo, não poderia ser excepção. Tinham-se passado 7 longos meses desde a última vez que pudera sentir a adrenalina característica da bancada. Os nervos que antecedem a partida, a alegria do cântico, o êxtase do golo, eram memórias difusas e que pareciam remeter para tempos longínquos. Neste cenário, foi com muito entusiasmo que recebi a notícia de que a DGS permitiria 15% da lotação num encontro do meu clube nas competições europeias. A semana passava vagarosamente, contavam-se lentamente os dias para o momento do grande regresso. No dia anterior já era difícil disfarçar a ansiedade e todos os pensamentos remetiam para o mesmo fim: o jogo de amanhã! Durante a tarde começaram a circular notícias na imprensa, que davam conta que a DGS tinha voltado atrás com a intenção de permitir público no jogo do dia seguinte. Um verdadeiro balde de água fria! O desânimo ia se apoderando de mim à medida que crescia a tensão, na expectativa de alguma comunicação oficial. No final do dia o comunicado chega mesmo, anunciando que afinal haveria público, ainda que ape-
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nas metade dos 15% inicialmente previstos. Depois de assegurado o ingresso, já nem a maior das calamidades poderia impedir o regresso ao meu habitat natural, a bancada! O dia chegou, e foi com grande entusiasmo, mas também com a mais rigorosa consciência de que era vital cumprir todas as medidas de higiene e segurança estipuladas, que me desloquei até ao estádio. As entradas eram feitas controladamente, a distância de segurança devidamente cumprida, e as máscaras (utensílios proibidos por lei em estádios de futebol) cobriam as caras de todos quantos se encaminhavam para o interior do recinto. Ocupei o meu lugar na bancada aproximadamente meia hora antes do apito inicial e, a essa hora, boa parte dos restantes adeptos já se encontravam
também devidamente alocados. O esgar de felicidade e ansiedade era bem visível nos olhos de todos e mal a equipa entrou em campo, redundou num estrondoso entoar de cânticos. Apesar das dificuldades criadas pelo uso da máscara, o apoio vocal foi constante e bastante forte, fruto dos longos meses de emoções reprimidas. O jogo foi decorrendo, a equipa era embalada pelos adeptos, e o grande momento acabaria mesmo por chegar. Estava feito o 1-0 e a explosão de alegria seguiu-se inevitável. O jogo foi-se desenrolando sem qualquer tipo de incidente registado, e cumprindo-se todos os requisitos previamente estabelecidos, pro-
vando assim aos responsáveis do Ministério da Saúde, DGS, e restantes órgãos da tutela que os adeptos de futebol não são os seres acéfalos que tão despudoradamente nos tentam fazer parecer. O jogo terminou, a vitória assegurada, juntando-se a ela também a alegria de poder voltar a sentir todo este frenesim. Mas no paladar, era indisfarçável o trago amargo por não saber exactamente quando se poderia voltar a repetir a experiência, e por vivermos na incerteza sobre quanto mais tempo esta triste situação se prolongará! Por J. Sousa
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Desde muito cedo que o futebol e a música estão unidos por uma ligação especial. Podemos afirmar que nos estádios, não se pode ter uma boa atmosfera sem se sentirem os cânticos que saem das suas bancadas. Então parece correcto dizer, que o futebol e a música andam de mãos dadas, são duas artes que combinam, movidas pela paixão e pela identidade.
Uma vez José Mourinho, numa crítica ao fraco ambiente criado pelos adeptos do Chelsea, disse: “É difícil jogar em casa, parece que estamos num estádio vazio”. Para quem pisa o relvado, assim como para um verdadeiro adepto, é impen-
sável ver um estádio em que o ambiente se assemelha a um cinema. São mundos incompatíveis. Aliás eram, pois actualmente os estádios também padecem com os sintomas dos vírus, sejam eles o futebol moderno ou o mais recentemente COVID 19. Por volta dos anos 60, no início da cultura de massas entre os jovens, há uma explosão de interesses pelo o futebol, a moda e a música. É neste tempo que se sente um forte reforço da simbiose, inspirando as bancadas a entoar cânticos das referências musicais da época, como foram exemplos as músicas dos Beatles cantadas pelos adeptos do Liverpool. Cantar tornou-se um hábito, seja nos pubs antes das partidas de futebol como ao longo da partida nas bancadas. Músicas como a “I’m Forever Blowing Bubbles” na versão de Vera Lynn cantada pelos adeptos do West Ham”You’ll never walk alone”, adoptada pelos adeptos do Liverpool, são clássicos que inspiram as bancadas por todo mundo. Em Portugal deixamos dois exemplos que também marcam a entrada dos jogadores de dois clubes. No Sporting C.P, “O mundo sabe que”, inspirada na “My way” cantada por Frank Sinatra e no Vitória S.C., “Sou Vitória”, adaptada da “Sailing” que é cantada pelo Rod Stewart. São casos em que as músicas também se tornam propriedade
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sentimental dos apaixonados adeptos. No nosso país, existem alguns trabalhos lançados ao longo das últimas décadas por parte dos grupos organizados de adeptos. Nomeadamente, pela Juve Leo, Directivo, Super Dragões, Diabos Vermelhos, White Angels, Red Boys, Bracara Legion, Mancha Negra, South Side Boys e muito recentemente a Força Avense. Vários clubes também editaram K7 e CD’s com os seus hinos e músicas dos seus adeptos. Mais recente apareceu uma banda, os Supporting, que já contam com dois cd’s lançados. Mas de muitas outras formas a música se une ao futebol, como foi o caso da mítica “Bamos lá cambada” de Herman José, da “Força” de Nelly Furtado durante o Euro 2004 ou como se podia ler na Blitz: “A Minha Casinha”, dos Xutos & Pontapés, torna-se o hino da vitória de Portugal no Euro 2016. Neste segundo número da Cultura de Bancada, convidamos os Supporting, uma banda de rock & roll afecta ao Sporting C.P., projecto inédito em Portugal, para responderem a algumas perguntas e também para nos mostrar uma das expressões da música no futebol. Por J. Lobo
Como surgiu a ideia de criar os Supporting e em que momento se fundaram? Pedro Marques - A ideia partiu de mim e do baterista Pedro Branco por volta de 2012, mas só avançámos em 2013 quando o cântico “Força Brutal” teve um forte impacto. Foi aí, com a ajuda do amigo Barros, que fomos falar com o Paulinho (guitarrista) e o Luís Piedade, mais conhecido por Rattus (baixista), todos eles grandes Sportinguistas e grandes músicos com créditos firmados na cena punk rock portuguesa, que começámos a ensaiar e a “rock and rollar” as malhas. O objectivo inicial era ver no que dava, curtir a cena aos domingos de manhã num barracão ali para os lados do Jamor. Só que a “coisa” foi correndo bem nos ensaios, as letras e os sons começaram a fluir e resolvemos apostar a sério no nosso trabalho. Tínhamos em mente gravar um álbum que fosse motivo de orgulho para as gentes Sportinguistas, espalhando a “palavra do senhor” em concertos pelo país inteiro e não só. Conseguimos alcançar esse objectivo e até superá-lo com a gravação do 2º álbum. Como é composta a vossa banda? PM - A formação clássica de 4 elementos, sem truques. Pedro Marques na voz, Pedro Branco na bateria, Paulinho na guitarra e Luís Piedade no baixo. Temos ainda um 5º Elemento, o Richie. Um homem dos sete instrumentos, que tem sido uma ajuda preciosa sempre que alguém não pode estar presente em algum concerto, só não faz a voz. Um Grande abraço também para o nosso produtor, o Paulão. Quais os trabalhos que já editaram? Luis Piedade - Em 2013 gravámos uma demo de 3 malhas, mas que serviu mais
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como apresentação do projecto ao clube, e que circulou apenas entre amigos, assim como uma versão em vinil ultralimitada. Em 2014 tivemos então a nossa estreia oficial com o primeiro álbum “Força Brutal”. Em 2016 editámos o segundo longa duração, “Onda Verde”. 2017 foi o ano do lançamento, o single 7” em vinil “Domingo À Tarde”. Depois disto, em 2019 lançámos nas plataformas digitais o tema “Porta 10A” . O que tentam passar com o vosso trabalho? Contar a história e a cultura do nosso clube através da música. Fazer Sportinguistas felizes durante o tempo de cada um dos nossos concerto, por exemplo já aconteceu dar um concerto no dia seguinte a uma derrota dolorosa da equipa de futebol e aquilo que sentimos é que todos saíram do concerto ainda mais Sportinguistas do que quando entraram, como se fosse uma espécie de terapia de grupo. Por fim, fazer mais crianças do Sporting e fazê-las sentir o Sporting, a título de curiosidade ando sempre com CD’s e autocolantes no carro e sempre que vejo algum puto na rua vestido à Sporting, paro o carro e ofereço algo. Qual o concerto que vos marcou mais? PM- Todos os concertos tiveram as suas particularidades e as suas histórias engraçadas, lembro-me de um no campo pelado do Rio Tinto, numa zona altamente tripeira e não só, onde chovia a potes. Tanto que quase tivemos que adiar o concerto depois de termos feito 300 e tal km, mas acabámos por tocar na mesma. O pessoal no início estava a ver o concerto debaixo da pala da bancada, mas à segunda ou terceira música já estava tudo ao moche no lamaçal, boa memória! No final como não
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podia deixar de ser, houve uma espera dos azuis. Felizmente corremos já o país de norte a sul, ilhas e fizemos uma internacionalização no Luxemburgo, mas destaco 3 concertos. O concerto de lançamento do álbum “Força Brutal” no Pasadise Garage foi algo que nem com Alzheimer nos iremos esquecer. Foram 300 Leões os presentes numa noite mágica. Transeuntes que passavam pelos cafés da zona perguntavam, completamente a apanhar do ar, se o Sporting ia jogar. Ainda hoje tenho amigos, conhecidos e não só que me falam dessa noite do Garage. Na verdade, estiveram presentes num momento histórico e inédito, foi o primeiro concerto oficial em Portugal de uma banda ligada a um clube. Destaco também as 3 cantigas que fomos tocar no âmbito de uma acção da Fundação Sporting no auditório do IPO Lisboa, para crianças com essa doença maldita. Foi num contexto completamente diferente do que estávamos habituados, mas muito marcante e emotivo. E por fim, por razões óbvias, na final da Taça Sporting x Porto, na mata do Jamor. Tocar para duas ou três mil pessoas naquele am-
biente que todos nós “boleiros” sabemos bem como é, foi algo indescritível e inesquecível. Quais foram os aspectos mais positivos da vossa existência enquanto banda? PM- A minha “formação” enquanto Sportinguista nunca esteve muito ligada a conquistas, esteve sempre muito mais virada para cultura, mitos, pioneirismo, histórias das nossas lendas e heróis. Fascinava-me a antiga Ponta Sul, a Força Verde, a Juventude Leonina, o fervor das míticas noites Europeias, dos dérbis e clássicos. Isto para dizer que a nossa grande vitória ao fim de sete anos de existência é saber, pelo feedback recebido, que sem conquistarmos titulo nenhum para o clube, sem jogar, sem fazer golos, fazemos parte da Cultura Sporting e que somos motivo de orgulho para muitos Sportinguistas. A quantidade de vídeos que nos enviam de crianças a cantar de cor e salteado as nossas músicas, para nós vale mais do que uma Champions League.
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derno” e o “ Domingo à tarde” também é para aí virada (tochas, Sport tv , PSP...) Mas basicamente o único tema que não fala do Sporting é o “Pró Inferno Futebol Moderno”, que fala de um problema geral a todos os adeptos e clubes, a luta contra o “futebol sujo” e a banalização do amor puro ao clube, ao jogo e ao fenómeno de massas popular.
Como vai o panorama de bandas de adeptos no contexto nacional e internacional? LP- Sinceramente pensávamos que este projecto iria influenciar a criação de outras bandas ligadas a mais clubes em Portugal. Estranhamente isso não aconteceu. No Panorama Internacional também não é muito comum, apesar de não ser inédito. Em Espanha existiram os Gol Nord do Levante que editaram um LP, no Brasil uma banda de apoio ao Santo André com um CD e pouco mais. O que é mais comum são bandas que não sendo exclusivamente dedicadas a clubes têm um ou outro tema dedicado ao clube pelo qual torcem, como por exemplo os galegos Keltoi! com o Celta de Vigo, os italianos Bomber 80 com a Fiorentina ou os alemães Tankard com o Frankfurt. Não esquecer também os míticos Cockney Rejectes ligados ao West Ham que tinham a ICF Crew sempre atrás de si, havendo sempre muitos concertos que acabavam em batalhas campais contra outras firms. As vossas músicas são todas sobre o Sporting? LP- 99%. Temos uma que fala sobre o futebol moderno, “Pró Inferno Futebol Mo-
Os vossos temas são todos adaptados ou também têm originais? LP- Meia/meia. No álbum “Força Brutal” a maioria são adaptações, mas no “Onda Verde” já temos muitos originais de raiz. O caminho será cada vez mais esse, a criação de originais. Como descrevem a diferença entre cantar as músicas num palco para os adeptos, ou no estádio para o vosso clube? PM- A Principal diferença é que no palco não estamos a ajudar nenhuma equipa do Sporting a ganhar, de resto é quase igual. Quase metade dos nossos concertos nem somos nós que cantamos, é o público hahahaah ! É quase como se fosse um jogo, a malta veste-se como se fosse para um jogo, bebe como se fosse para um jogo, abre tochas como se fosse um jogo, canta como se fosse um jogo. Como descrevem o vosso papel na vida associativa do Sporting? LP- Somos os 4 sócios com mais de 25 anos de filiação. Enquanto banda somos produto oficial SCP sendo que de todas as vendas que fazemos, parte reverte para o clube. Contribuímos também com uma quantia generosa para ajudar na construção do pavilhão João Rocha. Para além disto estamos sempre disponíveis a participar em acções de cariz social que envolvam o
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nome do clube e não só. Têm projectos para o futuro? LP- Os nossos projectos passam por continuarmos a ser uma mais valia dentro do clube, estando sempre disponíveis para qualquer acção que nos convidem, seja ela concertos, presenças em eventos, entrevistas, beneficts e acções sociais. Estamos também a pensar num terceiro álbum, havendo já algumas ideias de temas, ainda sem data prevista. Uma mensagem final para os adeptos? PM- Estamos a viver momentos muito difíceis e perigosos onde a cultura de bancada, a liberdade de expressão e o livre associativismo estão a sofrer um forte ataque por parte dos legisladores e não só. Cabe a nós adeptos, unirmo-nos e lutar com todas as armas legais que temos ao nosso dispor. Aqui destaco o inexcedível papel da Associação Portuguesa de Defesa do Adeptos, como também sugiro uma reflexão sobre alguns dos nossos comportamentos e atitudes que também contribuíram para chegarmos a este ponto. A pandemia trouxe uma percepção positiva ao mundo do futebol que devemos fazer com que jogue a nosso favor, ELES PRECISAM DOS ADEPTOS! Queremos deixar um abraço a toda a redação da “Cultura de Bancada” pelo bom trabalho realizado. Faz falta este tipo de publicações para fazer passar a mensagem às novas gerações e não só. Continuem que a gente gosta.
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? Quando, há quase 5 anos, 3 amigos decidiram criar e embarcar no projeto “VINTAGE FOOTBALL CITY TOUR” tinham as ideias bem claras e um objetivo bem marcado: a divulgação do futebol na sua forma mais pura. Tudo isto passa pela valorização do passado de histórias e estórias de clubes e coletividades e pelo regresso a um convívio saudável para conhecer e acompanhar o futebol amador e popular, o futebol “dos pequeninos”, que tem um poço de estórias infindável. O projeto conheceu dezenas de coletividades e clubes. Trocou ideias, partilhou histórias, mergulhou na realidade sociocultural dos bairros nesta ligação, em muitos casos ténue, entre as agremiações e o seu território. Já há muitos anos que o associativismo “popular” está em crise. Os peque-
nos clubes populares, os campeonatos distritais e amadores vão sobrevivendo, muitas vezes aguardando o fim da lenta agonia e o seu desaparecimento quase inevitável. A pandemia COVID, com as restrições impostas no que diz respeito às competições, ao desporto de formação, ao convívio e à pequena restauração, pode ser a machadada final na história de muitas associações. Os campeonatos parados não geram receitas, os bares e restaurantes das sedes estão sem possibilidade de funcionar ou com o negócio drasticamente reduzido e, ainda mais grave, centenas de crianças e jovens estão privados das suas atividades desportivas. Quem vai salvar esses clubes? Como podemos salvar este património cultural dos nossos bairros e
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das nossas freguesias? A reposta está num binómio indissociável que deve ser o pilar de tudo: clube-comunidade. Nestes meses de dificuldades, a todos os níveis, muitos clubes redescobriram o papel importantíssimo que têm no conhecimento e na ligação com as pessoas das comunidades. Redescobriram que eles são “a comunidade”. Hoje vemos sedes como ponto de recolha e distribuição de alimentos para as famílias mais desfavorecidas, restaurantes a confecionar sopas solidárias, sócios e simpatizantes que se envolvem em ações de solidariedade com os seus vizinhos. As dificuldades reacenderam um sentimento de pertença, adormecido há muito tempo… é isto que pode salvar os clubes! Seixal 1925, Águias de Camarate, Palmense, S. Domingos FC de Setúbal, Mineiro Aljustrelense são exemplos de alguns clubes com os quais o Vintage Football City Tour teve contacto, mas muitos outros, por Portugal inteiro, se empenharam nestes meses. A sustentabilidade económica deve ter como base esta envolvência, esta redescoberta da “vizinhança”, da pertença a uma comunidade. O envolvimento coletivo é a grande mais-valia que deve ser aproveitada e isto cultiva-se com o reforço e contínua divulgação do nome e da mística dos clubes. É através do passado que se reforça o presente e se prepara o futuro. As novas gerações de dirigentes e apoiantes, bem como os antigos sócios, devem começar a diversificar e abrir o leque de possibilidades de financiamento e apoio pois já não é sustentável esperar somente apoios públicos (Juntas, Câmaras e a situação económica atual matou empresas do pequeno comércio local que, muitas vezes, eram os principais patrocinadores dos clubes e colectividades.
Assim, a criatividade deve ser “estimulada”, apostando em projetos atrevidos que encontrem na comunidade o seu terreno fértil. Uma proposta até banal é a aposta no merchandising, em objetos que possam ajudar na identificação do clube e reforçar a pertença “à Família”, sem contar o grande mercado que teria entre os “maluquinhos” colecionadores de cachecóis, camisolas, galhardetes etc. Para muitos esta perspectiva de revitalização de comunidades e seus clubes pode parecer utopia mas, é nesta “aliança” que se poderá ultrapassar o momento dramático que vivemos. Estas são as forças vivas da comunidade que podem e devem pensar em conjunto soluções para si próprios. É utopia? É sonho? “A utopia está lá no horizonte… Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.” EDUARDO GALEANO Por VINTAGE FOOTBALL TOUR, Eupremio Scarpa
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