Cultura de Bancada, 13º Número

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2 memórias da bancada46 HISTÓRIA DO MOVIMENTO ORGANIZADO DE ADEPTOS em marrocos O mundial de 2022 com os olhos no catar 08 11 20 14 24 44 34 06 dois anos de história à conversa com sebastien louis no continente cinzento notas sobre futebol e corrupção entre o céu e o inferno sc olhanense uma vontade de tifar bruno neri centenário vitória sc38 resumo da bancada60
3 a guerra do futebol104 ultras com história joão galrito sampdoria x juventus 75 80 88 82 92 101 96 72 vitória sc x hajduk cf belenenses x académica de coimbra groundhopping direitos televisivos no futebol era uma vez o claques portugal cultura de adepto ud leiria x vitória fc99 desastre na indonésia106

Dois anos se passaram desde o dia do lançamento do primeiro número da Cultura de Bancada.

Com muito esforço, resiliência e bastante esperança apresentamo-nos a jogo dia após dia, jogando num campo inclinado onde pouco ou nada está a nosso favor. Sabemos que somos uma equipa com milhares de adeptos mas, ao mesmo tempo, sabemos que poucos são os que se deslocam à bancada e suportam as nossas vitórias. Gostaríamos que fosse diferente? Sem dúvida que sim e também é por isso que suamos cada jogo ou deveríamos dizer cada página...

É poesia a arte de fazer da nossa estadia, no estádio das nossas vidas, um conto especial. Não somos todos iguais e, por consequência, não vemos as coisas da mesma maneira, mas há pontos que, mesmo não concordando na integra, somos seduzidos a

Editorial2

reconhecer. Sem esforço só avançamos na idade, sem esforço não há glória, sem esforço não há história!

Não viemos para ocupar espaço, viemos para criar um novo espaço. Só que por mais que o nosso sonho seja meritório das nossas acções, não podemos esquecer a realidade da “rua” em que vivemos. Ainda recentemente, os adeptos portugueses fizeram questão de mostrar ao país a sua enorme falta de Cultura servindo-se do exemplo de uma criança que estava sem a camisola do seu Clube num jogo da Primeira Liga. Não há Clubes inocentes e nós, adeptos, muitas vezes prestamos o serviço de sermos advogados de defesa daquilo que abominamos para nós próprios. Haja alguma razão no meio de tanta ignorância e, ao invés de criticamos a casa dos outros e nos dividirmos para alguém poder reinar,

Redacção

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Editorial2 Design S. Frias M. Bondoso

está na hora de fazer algo diferente e sermos autocríticos, com coragem para apontar o dedo à nossa própria casa. Sem surpresa, prevemos que a maioria não vai entender as nossas palavras, ou não vai querer entender, mas a verdade é que se continuarmos com os actos que nos trouxeram até aqui, então ao repeti-los não podemos esperar resultados diferentes. Voltamos a lembrar, não há inocentes neste guerra!

Oh Portugal, quem te via e quem te vê! Tu que em tempos não tinhas uma voz para os teus adeptos, tu que em tempos não tinhas organização nacional com capacidade de unir as várias cores na mesma luta, tu que em tempos não tinhas um projecto de comunicação que valorizasse a Cultura de Adepto e ao mesmo tempo tivesse uma componente pedagógica maior que a do entretenimento. O que é feito de ti, hoje

que tens mais que no passado... Será que o adepto é que está a perder valor e por isso não conseguimos aproveitar as oportunidades que vão sendo construídas? Muito sinceramente, nos últimos anos, temos visto coisas muito positivas que nunca foram vistas em Portugal, mas, incompreensivelmente, a maioria insiste em nada fazer para continuar esse registo.

Não somos perfeitos, nem queremos andar sempre no “bota abaixo”, mas como adeptos activos e dedicados, usamos a oportunidade que este projecto nos dá para lutar contra a corrente na busca do nosso sonho.

De adeptos para adeptos, esta é a Cultura de Bancada!

Seb Miguel M. João Galrito

Luís Silva JP Luís Marques

Revisão A. Pereira

Convidados

Rui Quinta P. Alves

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DOIS ANOS DE HISTÓRIA

Há fases na vida em que olhamos para trás e facilmente percebemos como o tempo passa a voar, mas será que voa mesmo? Não seria a primeira vez que me questiono que talvez isso ocorra nas fases em que estamos mais distraídos como, por exemplo, quando vivemos demasiado ocupados com as nossas rotinas. É difícil de explicar, mas uma forma engraçada de ver este tema é observando o que acontece enquanto somos miúdos. Quantas vezes viram o tempo a correr enquanto jogavam à bola com os amigos e quando estavam a fazer algo que não gostavam o tempo parecia não passar.

No fundo, o tempo deve passar sempre à mesma velocidade, a diferença de como o sentimos está apenas na forma como o estamos a viver. É a minha constatação e, para chegar lá bastou-me refletir. Olhar para os últimos dois anos, lembrar-me de todo o nosso percurso, o nosso trabalho, a nossa luta constante a correr atrás dos prazos e, agora, parece que tudo se passou num piscar de olhos.

Recordo que esta curta história começou a ser pensada durante o Verão de 2020. Houve alguns contactos motivados pela vontade de avançar na criação de um projecto ao estilo fanzine/ revista. Não tínhamos experiência neste tipo de assuntos, apenas a nossa vontade. Sempre tentámos ser organizados. Decidimos que a primeira coisa a pensar seria definir uma equipa de trabalho e o passo seguinte incidiu na criação de um conceito. As ideias começaram a ganhar forma e a 12 de Outubro de 2020, num final de tarde, após mais de dois meses de trabalho, estávamos prontos e lançámos o primeiro número da Cultura de Bancada. Esse número foi muito importante para o

nosso processo de aprendizagem e evolução, pois revelou as nossas fraquezas. Acabou por servir de experiência para que se tornasse possível apresentar o trabalho da forma como o fazemos actualmente.

Assim, é com orgulho que celebramos o segundo aniversário da Cultura de Bancada. Com uma equipa de sete elementos, sem esquecer outros três que também fizeram parte da estrutura, apoiados por cerca de 90 convidados, que escreveram e contribuíram com fotos, podemos dizer que contamos com mais de 1000 páginas ao longo

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dos 13 números lançados. Julgo que apenas nos faltou um orçamento razoável para passar este projecto para o papel. Porém, já fizemos um teste ao imprimir o 12º número e posso dizer que ver este projecto em papel foi melhor do que as nossas expectativas.

Dois anos passaram, mas o tempo que vivemos continua a não ser fácil e muita gente que vive activamente a bancada começa a ficar cansada dos vários obstáculos que são criados em torno desta nossa forma de ser. Se calhar alguns perguntam-se sobre a razão de ainda “perdemos” tempo nestas

não vou falar do tempo outra vez. Uma coisa é certa, continuaremos a fazer o possível para dignificar a Cultura de Bancada.

coisas. Fica difícil de responder porquê, mas o sentimento é que estamos a fazer algo de correcto. Um facto que, para mim, deve ser motivo de orgulho é que todos os que participam neste projecto, sejam da equipa ou convidados, fazem-no de forma gratuita e com sentido de missão - a afirmação e valorização da Cultura de Adepto, onde os Ultras ocupam uma parte importante.

Não menos importante é algo que ainda não mencionei, mas que merece uma menção. Refiro-me aos nossos leitores. É unânime entre a nossa equipa que não são os números que nos movem, mas é bom saber que há gente que usa o seu tempo a ler isto. Só esperamos que o nosso trabalho esteja a um bom nível. Porque no final, o que interessa é que este trabalho tenha contribuído para algo de positivo dentro daquilo que consideramos que deve ser afirmado, a Cultura de Adepto.

Quanto ao futuro, não há juras eternas. O trabalho é pesado, todos temos os nossos trabalhos e projectos, e o tempo...

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Em termos de legalidade, o futebol é um fenómeno extraterritorial. Comporta-se como se fosse um enclave no qual se aplicam regras diferentes daquelas que governam o sistema social e económico em que está encapsulado. E as suas regras particulares têm a característica de serem aplicadas de forma branda, senão para permanecem inaplicáveis. Isso acontece em quase todos os lugares, especialmente em países onde o futebol é o desporto mais importante e

seguido. E em quase todos os lugares, os governos, partidos políticos, elites estatais e económicas, mantêm uma relação com o futebol que lhes garante um alto grau de intocabilidade.

Devemos partir deste quadro geral, se realmente queremos ver a relação entre futebol e corrupção. Temos de o fazer porque, no futebol, a corrupção é um fenómeno complexo, sorrateiro o suficiente para ser frequentemente evasivo e assumir formas legais. E neste sentido devemos concordar qual o significado de corrupção que é mais útil para usar, para compreender plenamente a sua aplicação ao mundo do futebol. Na verdade, devemos olhar não tanto para manifestações de ilegalidade explícita, mas sim para a vasta extensão da zona entre a legalidade e a ilegalidade que corrompe o futebol em termos éticos e corrói os valores, fazendo com que o nível de atenção e exigência baixe cada vez mais para que as coisas ocorram em conformidade com as regras. O futebol hoje é, em quase todos os lugares, um gigantesco continente cinzento, onde já não existe problema em transitar pela fronteira entre a legalidade e a ilegalidade, porque essa fronteira vem continuamente a ser mexida e tornada cada vez mais evanescente. E neste território que se expande podemos ver a multiplicação de estratégias de ação que empurram um pouco mais os limites do que é legal pelo uso, sem que se faça regulamentação explícita. Muitos são esses tipos de conduta e todos impactam

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igualmente no sentido de (não) legalidade que sentimos cada vez que olhamos para as coisas que acontecem no mundo do futebol. Mas tendo que selecionar os mais significativos, indicamo-los nos parágrafos seguintes.

Propriedade de terceiros

Oficialmente, esta fórmula já não existe, tendo sido banida pela FIFA a partir de 1º de maio de 2015. Mas “de facto” ainda existe e, especialmente na América do Sul, permite a investidores externos controlar ações dos direitos económicos dos jogadores, ganhando dinheiro com as suas transferências. Era uma prática que nos primeiros quinze anos do século XXI se enfureceu no mercado de transferências e encontrou em Portugal uma das áreas privilegiadas de desenvolvimento. Em termos práticos é um mecanismo que transforma o futebol numa incubadora financeira e faz com que a riqueza produzida no mundo do futebol seja distribuída noutros lugares. Também deriva daí uma definição do perfil profissional do jogador de futebol extremamente prejudicial à sua dignidade (é de facto transformado num bem divisível) e uma condição nada saudável de dependência dos clubes. Essas situações sobrevivem de uma maneira diferente, muito mais sorrateira e subterrânea. Os investidores externos nos direitos dos jogadores de futebol aprenderam a manobrar clubes de conveniência para transportar dinheiro de transações, eles recebem taxas de transferência exageradas se forem agentes, bem como investidores, ou confiam em testas de ferro para receber

as suas comissões e tê-las entregues mais tarde. Além disso, nos países da América do Sul, esta dissimulação nem é necessária porque lá eles acham que o erro está na regra, não na sua violação. Então eles avançam como se nunca tivesse havido uma proibição de TPOs (third-party ownership).

A invasão dos fundos de investimento

A intervenção dos atores financeiros especulativos no mundo do futebol encontrou nas TPO um veículo privilegiado para se tornar realidade. Mas certamente não parou depois das fórmulas de terceiros terem sido oficialmente proibidas. Desde então, voltaram-se para outros ativos, como direitos de televisão ou clubes. Estes últimos são usados de acordo com uma lógica principalmente especulativa, que não visa construir sucessos desportivos ou de valor social. É muito mais provável visar o negócio de terrenos com a construção de um novo estádio. E, obviamente, a negociação de jogadores continua a ser uma fonte privilegiada de investimento e renda.

Multipropriedade de Clubes

Quando uma única empresa controla dois ou mais clubes, estamos perante um grande problema. E não importa se esses clubes são filiados a federações de diferentes países ou jogam em diferentes categorias da mesma federação nacional. Porque em qualquer caso o resultado será provocar uma circulação de jogadores e ativos financeiros que podem dar origem a evasão fiscal. Um exemplo: a equipe A arrecada no mercado um valor de 20 milhões de euros pela venda de um jogador a um clube B. Mas nesse ponto, para evitar pagar impostos sobre os rendimentos, decide investir esses 20 milhões de euros ao adquirir um jogador de uma equipa “irmã” (ou seja, pertencente à mesma empresa) no exterior. Pode acontecer que esse jogador não valha

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nem um quarto dos 20 milhões de euros e que também fique emprestado à empresa irmã. Tudo lícito e regular, mas moralmente questionável e com efeitos da corrupção da regularidade económica e financeira do futebol.

Offshoring

Os clubes de futebol pagam muitas comissões por intermediação. E cada vez mais o fazem em proveito de empresas offshore, com sede em paraísos fiscais. Que este seja realmente o destino final do dinheiro pago por intermediários, duvidamos seriamente. Mas não temos evidência para dizer o contrário. Fica o mistério de certas intermediações pagas a agentes por operações que parecem supérfluas vistas de fora, ou, em qualquer caso, pertencentes a dirigentes de clubes contratados e pagos para gerir o mercado de transferências.

Agentes de monopólio

A questão mais difícil de gerir é a de agentes monopolistas, que agora são os verdadeiros mestres do futebol global. São eles a mover os fios das transferências, construindo e desfazendo alianças entre clubes, catapultando ou afundando carreiras de jogadores de futebol e treinadores e, finalmente, drogando a economia do futebol pagando 10 pelo que poderia custar 3. Contra os agentes monopolistas nunca se pode fazer o suficiente porque eles são demasiado poderosos e têm fortes amizades com dirigentes institucionais do futebol, quer nacionais e internacionais.

Todos os temas ilustrados são igualmente ameaças à integridade do futebol, embora não constituindo ilegalidade explícita. É hora de reconhecê-lo e agir.

Por Pippo Russo

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MUNDIAL DE 2022

COM OS OLHOS NO CATAR

Escolhemos, nesta edição, falar-vos do Mundial de Futebol de 2022, com toda a responsabilidade que sabemos que o tema, bem como a nossa intervenção sobre ele, acarreta. E é sempre com uma mira objetiva, responsável e crítica que abordamos os temas e, por esse motivo, este não será excepção. Foi no ano de 2010 que o Catar foi escolhido (entre os EUA, Japão, Nova Zelândia e Coreia do Sul) para a organização da vigésima segunda edição do Mundial de Futebol da FIFA. Este evento terá lugar em Novembro deste ano,

competição a este país, que tudo neste processo peca por falta de clareza. Ou, melhor dizendo, muita da informação que aqui vos deixamos é precisamente caracterizada por ser sombria e pouco digna do Jogo, bem como dos vários lemas da FIFA sobre Fair Play. Após a adjudicação ao Catar do Mundial de Futebol, imediatas suspeitas recaíram sobre a legitimidade e legalidade da sua organização e gestão , alegadamente por corrupção e branqueamento de capitais. A FIFA conduziu uma investigação e acabou por ilibar a

ao contrário de outras edições que ocorrem no Verão, momento onde os campeonatos nacionais se encontram em pausa, antes do início da nova época desportiva. A alteração da tradicional data esteve relacionada com as altas temperaturas que se fazem sentir no Catar (cerca de 40º graus nos meses de Verão), que iriam condicionar certamente a performance de jogadores e equipas técnicas, podendo inclusivamente colocar a saúde dos atletas em risco.

Não falhamos à verdade ao afirmar que, desde o início da atribuição desta

organização do evento desportivo destas acusações.

Certo é que, a mera existência de indícios de qualquer tipo de criminalidade associada à organização de um evento desportivo, deveria condenar a organização à desistência dessa mesma organização. Diz o povo e com razão “Onde há fumo…”

Mais curioso é ainda o facto desta candidatura ter sido declarada vencedora na vigência do mandato de Joseph Blatter - que, recorde-se, deixa a presidência da FIFA em 2015, quatro dias depois de ter sido reeleito,

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em virtude de ter sido exposto a diversas acusações de corrupção.

Também as próprias estruturas desportivas deste evento estão envoltas em graves acusações de violação de direitos humanos, pelas vozes e denúncias de inúmeros intervenientes no âmbito desportivo.

Acolhem este evento 8 estádios, em diversas cidades do Catar. Onde havia deserto, nasceram estádios, e alguns deles foram objecto de restauro - todos eles equipados com tecnologia moderna, e soluções imobiliárias sustentáveis.

que a própria International Trade Union Confederation estimava, nessa data, a morte de mais de 1200 trabalhadores na construção dos estádios neste país - sem uma única palavra oficial por parte do Governo do Catar. À data de hoje, estima-se que tenham morrido neste cenário de precaridade cerca de 6500 pessoas.

O desporto deve ser agregador, deve fomentar a tolerância, a igualdade, a união dos povos e a não discriminação.

O que dizer de um país que acolhe um evento mundial, promovido pela FIFA onde a homossexualidade é crime, punível com pena de morte, para os muçulmanos? O que devemos dizer e qual deve ser a nossa posição quanto à realização de um evento desportivo num país onde existe pena de apedrejamento, com a chancela de uma instituição que se diz idónea?

Também o consumo de álcool é proibido pelos Muçulmanos no Catar e sujeito a severas punições - sendo apenas permitido em alguns estabelecimentos hoteleiros de luxo.

Se os estádios primam pela modernidade e sustentabilidade, o mesmo não acontece com o seu processo de construção - é estimado que tenham morrido milhares de migrantes na construção destas infraestruturas. Foi amplamente difundido pela comunidade internacional que estes trabalhadores (na sua maioria, de nacionalidade indiana e nepalesa) se viram confrontados com situações de verdadeira escravatura - a muitos deles era negada água e alimentação, tinham pagamentos em atraso, e muitas outras vezes, eram colocados em situação quase de aprisionamento, uma vez que lhes eram confiscados passaportes e outros documentos de identificação, o que os impedia de sair do país.

Foram vários os canais jornalísticos e associações de direitos humanos a denunciar este tipo de situações - O próprio Wall Street Journal publicou, em 2015,

Todas estas normas resultam da aplicação simultânea da Lei Civil e Lei Islâmica - dependendo muitas delas, directamente da leitura e interpretação do próprio Corão.

Dito isto, deixamos a reflexãoChegamos ao ano de 2022, onde deveríamos ter como garantidos direitos humanos básicos, em todos os segmentos. E neste ponto, o desporto deve funcionar como agregador, e fomentador da festa nas

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bancadas, celebrando a união na diferença e nas singularidades de cada cultura.

O que aqui verificamos é que, dentro de meses, vai ter lugar um evento desportivo num país onde é regra o desrespeito pela individualidade de cada ser humano. Onde se paga com a vida as singularidades individuais de cada um. Onde cada um de nós pagará um bilhete, e uma viagem para ver um jogo de futebol encenado para dizer que “Aqui no nosso país está tudo bem” - e não está. Nenhum de nós será livre para ser… livre.

Por último - onde estão as Instituições governativas do futebol, para intervir? Não deviam as instituições que representam os países participantes deste Mundial ter feito ouvir a sua voz em prol de todos os que morreram na construção destes luxosos estádios ou em nome dos seus adeptos, que não se poderão simplesmente comportar de forma livre neste evento?

Com toda a responsabilidade que esta nossa opinião acarreta, vamos estar muito atentos. A FIFA deve ser considerada cúmplice e responsável por todas

as vidas perdidas, e pela farsa que é, para si, este evento. Um teatro de uma gravidade tal que coloca a própria FIFA de mãos dadas a sistemas déspotas e violadores dos valores que esta instituição apregoa. Com todo o perigo que isso acarreta.

Da parte da APDA, podem contar não só com esta forma de ver este assunto, mas igualmente com todo o nosso apoio no que for necessário no decurso do Mundial.

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Fomos renovar o passaporte e, desta feita, seguiremos até ao solo magrebe, especificamente ao do Reino de Marrocos. É uma das nações mais poderosas de África e tem uma história recheada de disputas de poder, entre mouros e estrangeiros. O país chegou a ser colonizado pelo estado francês, contudo está sob o poder de uma monarquia, que é liderada pela mesma dinastia desde 1666, e que partilha poderes com o parlamento.

O Futebol chegou a Marrocos por volta de 1912, altura em que a França colonizou este reino magrebe. Quatro anos depois, criou-se o campeonato marroquino, competição organizada pela federação francesa. Esta modalidade foi ganhando cada vez mais espaço e as gentes marroquinas foram criando as suas próprias equipas. Nem sempre foi fácil criar equipas independentes de cidadãos franceses, uma vez que o regulamento exigia que houvesse, pelo menos, um francês a jogar por equipa. Consta que o Wydad desde cedo foi “tomado” por estrangeiros, ao passo que os fundadores do rival Raja sempre procuraram dar a volta à situação. A primeira equipa do Raja contou com apenas um estrangeiro, um argelino com nacionalidade francesa. O Wydad é um clube de Casablanca, a cidade mais populosa de Marrocos e representa principalmente a classe média e a classe alta. Por sua vez, os fundadores do Raja procuraram através do Futebol erguer um bastião de luta e resistência do povo do bairro de Derb Sultan (em Casablanca) e uma via para a emancipação do povo marroquino perante os colonizadores. A escolha do verde para a sua cor social, representa a fonte de esperança que o clube é.

Como o Futebol chegou “tarde” a Marrocos e o país somente se tornou independente em 1956, o processo de formação de uma cultura de adepto própria também tardou. É possível saber que nos anos 50 já se cantavam músicas de apoio, algumas das quais cantadas até hoje. Encontramos fotografias que comprovam que nos 60’s já havia estandartes nas bancadas do

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país. No caso do Wydad, durante a década de 80, o apoio entusiasta surgia a partir da bancada central. O sector em que se aglomerava o colectivo de apoio era chamado de “Frimija”, em português “queijinho”, uma vez que tinha a forma do queijo d’A Vaca que Ri. Nos anos 90, diversos grupos de apoio informais compareciam aos estádio munidos de algumas faixas, de bombos e de pirotecnia. Para vos enquadrar melhor naquele contexto continental, o primeiro grupo de apoio africano virado para o estilo Ultra surgiu em 1995 na Tunísia, sob o nome “African Winners” e era afecto ao Africain Tunis. O que se passava nos panoramas tunisino, espanhol e francês contribuiu para a mudança que viria a acontecer.

O início do milénio é o início da viragem que é dada a partir de 2005. Em 2000, nasceu a Association Rouge et Blanc, um colectivo que procurava implementar uma mentalidade e organização próximas das dos grupos ultra europeus. Este grupo teve grande impacto no movimento de adeptos marroquino e foi devido a eles que os membros que compunham a informal “Frimija” passaram da central para a curva. Um momento marcante dos anos que a Association Rouge et Blanc comandou o apoio aconteceu em 2002, quando cerca de 40 mil adeptos se deslocaram até à capital, Rabat, para assistirem à final da Taça do Reino.

Num país onde a liberdade de expressão é escassa e em que qualquer protesto é reprimido pelas autoridades, os grupos desorganizados dos três principais clubes (Wydad, Raja e FAR Rabat) começaram a organizar-se de outra forma e é aí que, em 2005, começam a surgir os primeiros grupos ultra. No caso do Raja, o grupo La Click Celtic projectou algo maior e deu origem aos Green Boys Ultras, a 21 de Junho de 2005. Os Green Boys estrearam-se na meia-final da Liga dos Campeões contra o Étoile du Sahel, a 24 de Setembro de 2005, ainda sem faixa principal, uma vez que ainda não tinham um símbolo original com o qual se identificassem. Só em janeiro

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de 2006 é que apresentaram a sua primeira faixa.

A 22 de Outubro de 2005 foi a vez dos Ultras Askary Rabat (FAR) se apresentarem numa deslocação a Tetouan. Foi o primeiro grupo a apresentar uma faixa principal no panorama marroquino.

O primeiro jogo dos Winners (Wydad) deu-se a 13 de Novembro de 2005, em jogo contra o ASS. Nesse ano também surgiram Los Matadores (Moghreb Atletico). 2006 foi considerado o ano da “desordem total” nas curvas, devido ao crescimento exponencial de grupos e das faixas a aparecerem de todo o lado. Num país em que 46% de 33 milhões de habitantes têm menos de 15 anos, o movimento ultra cativou a atenção de muita gente. Consta que o movimento envolveu cerca de um milhão de pessoas e, para isso, contribuíram vários grupos como (mas não só) Ultras Eagles/Gruppo Aquile (Raja), Ultras Sharks (O. C. Safi), Ultras Fatal Tigers (M. A. S.), Ultras Crazy Boys (K. A. C. M.) ou Ultras Green Gladiators (Raja), todos eles constituídos em 2006. Dois grupos importantes no panorama marroquino são os Helala Boys (Kénitra) e os Ultras Hercules (Ittihad Tanger), ambos fundados em 2007. Houve também diversos grupos de apoio a surgir em clubes das divisões secundárias, o que levou a que o movimento ultra se tornasse um fenómeno mais abrangente no território marroquino.

Em pouco tempo os grupos acabaram por se tornar um “abrigo” para a juventude, ao acolher e mobilizar os jovens. Não só apoiavam fervorosamente os seus clubes, fortaleciam laços com a união e faziam dos seus espaços próprios lugares onde podiam exprimir-se livremente. A mocidade marroquina pretendia expressar-se de forma independente, pois não se revia em partidos políticos ou sindicatos. Sentia necessidade de se soltar das amarras e criticar um sistema que os discriminava, que era corrupto e que reprimia o que sentiam. O apoio vocal começou a

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ser a voz dos insatisfeitos, dos rejeitados, dos marginalizados, com vários grupos a cantar contra os políticos e as autoridades. Num país em que as entidades estatais não estão habituadas a que o povo saia das suas “saias”, o movimento ultra passou a ser um meio de expressão, de protesto e, sobretudo, um marco para a construção de uma identidade. À semelhança do que se passou no Egipto, os ultras foram preponderantes para que o movimento 20 de Fevereiro levasse a luta avante durante a Primavera Árabe.

Os ultras tornaram-se uma grande força social e começaram a ser vistos como um problema para os políticos, que fizeram questão de aumentar as medidas repressivas após os acontecimentos da Primavera Árabe em 2011. Numa altura em que o movimento marroquino ganhou muita visibilidade através da internet, surpreendendo muitos estrangeiros, num só jogo foram presos 200 ultras por alegado vandalismo público. Aconteceu após um jogo entre o Raja e o FAR em 2013.

Mesmo dentro de portas, este movimento despertou muitas mentes, ou simplesmente a curiosidade de sociólogos e de jornalistas, que passaram a estudar este fenómeno no seu país. Foram lançados dezenas de artigos em plataformas físicas e digitais, foram lançados livros e as universidades deram espaço à entrada do estudo nas suas portas.

Dez anos após o início “oficial” do movimento marroquino (2015), o governo soou o alarme de emergência e começou a impedir a entrada de adeptos nos estádios em diversos jogos. Em 2016, dá-se um momento negro desta história. Num jogo do Raja, desenvolve-se uma luta interna entre Green Boys e Ultras Eagles, que originou a morte de dois adeptos. Foram registadas muitas prisões, inclusive de Skwadra, o capo dos ultras do Raja, que foi condenado a dois anos de prisão. O governo avançou então com um decreto para proibir a actividade dos grupos de todo o

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país. A reacção dos ultras foi de força, forçando a presença de material nos jogos, efectuando tochadas e entrando em confrontos com a polícia. Foram sendo feitas mais prisões, até que vários grupos se uniram e adoptaram uma postura concertada. A “associação dos grupos”, que não contou com a presença dos Green Boys, levou a cabo um boicote, um acordo que decidiu que todos os grupos usariam uma faixa preta com letras brancas a dizer “Ultras”, em que haveria frases e cânticos conjuntos, entre outras iniciativas, como comparecerem em diversas jornadas todos vestidos de preto. Durante 3 anos, os grupos tifaram sem faixas, bombos, bandeiras e coreografias, recomeçando o diálogo entre os ultras e as autoridades, o que levou a que líderes dos grupos fossem libertados e os mesmos se reagrupassem com mais força. O governo levantou muitas restrições após esse período muito difícil, fazendo actualmente um controlo mais distante, o que facilita que os grupos continuem a dar belíssimos espectáculos nas bancadas.

Fora das bancadas, os grupos marroquinos mostraram-se sempre muito ativos desde os seus primeiros anos, implementando acções humanitárias por todo o país. A solidariedade é um dos pilares da cultura islâmica e os ultras são capazes de se mobilizar para ajudar quem mais precisa com doacções de bens básicos a famílias durante o período do Ramadão, distribuindo roupas no inverno em aldeias isoladas. Outros exemplos são as doacções de material escolar para crianças e jovens necessitados, as acções de apoio a migrantes estrangeiros, numa clara medida de inclusão social. Durante o período de maior incidência da Covid-19, os centros regionais de transfusões de sangue solicitaram a ajuda dos ultras na mobilização de dadores. Por exemplo, os Winners num só dia mobilizaram 1000 cidadãos para ajudarem os demais.

Por L. Cruz 19

ENTRE O CÉU E O INFERNO SC OLHANENSE

assim se constrói a equipa que vence o Campeonato de Portugal na temporada 1923-24.

O Olhanense, tal como outros emblemas que ainda hoje são as maiores referências da região, surge no início da segunda década do século XX (após a implantação da República), sendo a sua data de fundação oficial o dia 27 de abril de 1912.

O primeiro campeonato do Algarve é disputado em 1921-22 e, rapidamente, o Olhanense assumiu-se como a grande força regional e representante habitual no Campeonato de Portugal, troféu que hoje em dia corresponde à Taça de Portugal, mas que durante cerca de uma década foi efetivamente a única competição de índole nacional e que apurava um campeão.

A então Vila da Restauração (elevada a cidade em 1985) prosperava economicamente derivado ao “boom” da indústria conserveira e o seu principal emblema desportivo também dava “cartas”, conseguindo atrair não só os principais jogadores da região como ainda alguns de Setúbal e de Lisboa, e

Sem querer reescrever a história ou entrar nas polémicas recentemente revisitadas por especialistas e pesquisadores da matéria, as gentes de Olhão sempre sentiram (e orgulhamse) que o seu clube foi campeão de Portugal de pleno direito, pois apesar de ser uma competição embrionária esse era o contexto da época. Só cerca de uma década depois surgiram as provas com o sistema de pontos e, na edição que conquistámos, apesar de ser apenas a terceira, foi a que maior número de participantes teve até aquele momento. O Olhanense deixou pelo caminho os representantes de Lisboa e da Madeira, e venceu o FC Porto na final por expressivos 4 a 2.

A prova do valor da equipa nesses tempos foi que, na primeira vitória de sempre da seleção portuguesa, frente à Itália em 1925, era a equipa mais representada no onze nacional com três jogadores: Domingos das Neves, José Carlos Delfim e Raul Figueiredo, o “Tamanqueiro” (uma das primeiras grandes figuras do futebol lusitano). Tratando-se de um clube da província, naquela altura, o facto ainda é mais assinalável.

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Em 1936 o Olhanense vence a 2.ª Liga e em 1941 a 2.ª Divisão, mas nessas épocas o Algarve e outros distritos não tinham acesso ao escalão principal. Em 1941-42 a nossa região, tal como a do Minho, passaram a ter representantes na 1.ª divisão e é aí que começa a nossa chamada “década de ouro”, com presença ininterrupta no principal campeonato até 1951. Durante esses 10 anos alcançámos aquela que ainda hoje é a melhor classificação de uma equipa algarvia (o quarto lugar) e chegamos a uma final da Taça de Portugal (em 1945, na qual o Sporting saiu vencedor).

Depois disso temos mais dois períodos de passagem pelo escalão maior (de 1961 a 1964 e de 1973 a 1975), a que se seguiu uma longa ausência de 34 anos, sendo o regresso em 2009 motivo de enorme festa na agora cidade que, entretanto, sofreu algumas transformações. Desde logo deixou de ser utilizado o mítico Estádio Padinha, a nossa casa de 1923 a 1984, terreno sempre muito difícil para os adversários, em especial o topo do lado sul, conhecido como a “baliza da cegonha”. Olhão era, e ainda é, (re)conhecido pelo seu bairrismo e, especialmente nos tempos do Padinha (um campo pelado “à antiga” com o público em cima do retângulo de jogo), foram várias as vezes que o recinto foi interditado por mau comportamento dos adeptos.

Depois de alguns anos em que esteve em construção, que coincidiram uma era de crise financeira e desportiva, em 1984-85 o Olhanense inaugurou finalmente

o seu primeiro campo relvado, o Estádio José Arcanjo. O recinto dispunha de uma pista de atletismo, que se foi tornando obsoleta e que desapareceria a partir de 2009-10 após a remodelação para participar na 1.ª Liga, tendo em vista também uma maior proximidade do público ao terreno de jogo.

Durante esse longo hiato de três décadas e meia, o Olhanense passou a última parte desses anos na antiga 2.ª Divisão B, mas mesmo assim mantinha uma boa base de adeptos surgindo também o natural entusiasmo pelo movimento ultra. A primeira claque organizada nasce na década de 80, e chamou-se “Juventude Olhanense”. Seguiram-se a “Raça Rubro Negra” e os “Mosh Side” (aquele que desses grupos esteve em atividade maior número de anos) e mais recentemente surgem “Os Gorilas” (que englobavam também um ainda hoje bastante activo grupo de adeptos ingleses residentes na região) e o “Gruppo 1912”, a única claque do Olhanense ativa até aos dias de hoje.

As grandes rivalidades foram, desde sempre, com outros emblemas algarvios, como o Farense (praticamente desde a

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fundação de ambos, pela proximidade entre as duas localidades), o rival citadino Ginásio Olhanense que teve secção de futebol apenas durante os primeiros campeonatos regionais (hoje em dia dedica-se mais ao basquetebol), o Lusitano de Vila Real de Santo António (segundo conjunto algarvio a chegar à 1.ª Divisão), o Portimonense (apesar de uma maior distância sempre que se encontram no mesmo escalão a rivalidade reacendese) e, mais recentemente, o Louletano (mais a partir do final dos anos 80, pois este vizinho raramente se encontrava no mesmo patamar).

seguintes, sempre que esses três emblemas se defrontam a expressão volta à baila, entre cânticos e materiais das claques, em que cada um deles considera que lhe pertence esse epíteto.

O reavivar do Olhanense para um novo período áureo no presente século tem o seu epicentro em 2004 (um ano de boa memória para o desporto-rei português pela organização do Europeu), pois conquistámos a subida à 2.ª Liga (curiosamente a partida em que foi concretizada a promoção em termos matemáticos foi o Estádio Algarve, então utilizado como casa do Louletano), no primeiro ano de Paulo Sérgio enquanto treinador (que ainda como jogador tinha chegado a Olhão dois anos antes como reforço de inverno para evitar a descida à 3.ª Divisão).

Foi nessa altura que se passou a popularizar bastante a expressão “O Orgulho do Algarve Somos Nós” (que surgiu pela primeira vez numa coreografia em 1995-96 num jogo da Taça de Portugal frente ao Sporting), pois os principais rivais (Portimonense e Farense) passavam ambos por momentos mais complicados em termos desportivos. Curiosamente, nos anos

Cinco anos depois, confirmando esse crescendo, dá-se o regresso ao escalão máximo (a equipa orientada por Jorge Costa sagra-se campeã da 2.ª Liga em 2008-09), no qual permanecemos cinco temporadas consecutivas. Em 2011-12, em ano de centenário do clube, alcançámos um honroso oitavo lugar, tudo parecia correr bem desportivamente mas financeiramente começavam a surgir alguns problemas, e na última dessas campanhas (2013-14), fomos obrigados a constituir uma Sociedade Anónima Desportiva (SAD), e logo no final dessa época fomos despromovidos.

Como tantos outros casos em Portugal, o surgimento das SAD tem sido a chamada morte lenta de um clube outrora bastante popular. Logo no primeiro ano a administração (três investidores italianos compraram 80% das ações) muda a política desportiva (o plantel era uma verdadeira sociedade das nações) e escolhe o Estádio Algarve para os seus jogos como anfitrião. Apesar da proximidade (menos de 20 km) o recinto localiza-se entre Faro e Loulé, o que gerou a revolta dos nossos adeptos, por razões óbvias. Após várias manifestações e protestos, em Janeiro a equipa volta a jogar no José Arcanjo mas o mal já estava feito, não conseguimos a manutenção e estava aberta uma “ferida” entre SAD e a massa associativa.

Seguiram-se três anos na 2.ª Liga, com altos e baixos, até à descida ao

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Campeonato de Portugal em 2017, que na altura era o terceiro escalão do nosso futebol (que a partir de 2020, com a introdução da Liga 3, passou a ser o quarto).

Daí para cá seguiram-se alternâncias dos estados de espíritos, ora entusiasmo ora frustração, os investidores da SAD foram mudando (mas sempre dentro da esfera geográfica transalpina), e nalgumas temporadas que correram melhor sonhouse com uma possível subida mas até agora

muitos outros, cansados de um conflito que se parece eternizar sem solução à vista.

Os adeptos que se mantêm fiéis e interessados dividem-se entre duas visões: reabilitar e viabilizar a SAD ou começar do zero, como outros clubes fizeram. Além disso, há algum tempo que um desfecho similar ao do Belenenses paira no ar, mas para já os resultados positivos ocasionais, e também por questões burocráticas, têm evitado que isso aconteça pois o protocolo celebrado entre as duas partes impede que o clube inscreva uma equipa de futebol sénior em competições oficiais.

nunca passámos dos play-offs. Em 2020-21 a SAD surpreendeu “meio mundo” (ou até mais do que isso) ao contratar Edgar Davids para treinador, mas desportivamente não correu da melhor maneira (falhou o acesso à Liga 3 na última jornada) e a época acabou mesmo em polémica entre o antigo craque e o presidente da SAD.

A chegada desse antigo futebolista internacional poderia ter contribuído para voltar a gerar uma onda de entusiasmo em torno da equipa, mas coincidiu com a altura em que, devido ao contexto de pandemia, não eram permitidos espectadores nos estádios.

Presentemente, além dos altos e baixos da equipa principal, vamos já com alguns anos de polémicas entre clube e SAD, onde se salientam acusações de falta de pagamento e ameaças de expulsão do estádio. Tudo isto leva a uma grande divisão entre os adeptos e, ao mesmo tempo, ao afastamento de

Não conseguimos prever ao certo o que poderá acontecer a curto ou longo prazo, mas daqui a um ano poderão existir novidades, caso clube e SAD não celebrem um novo protocolo. Para a presente época a SAD já anunciou que, devido a dificuldades financeiras, não terá um plantel para lutar pela subida e irá recorrer a um novo PER (Processo Especial de Revitalização). O futuro poderá passar pelo fortalecimento da SAD com novos investidores ou, no pior cenário, a insolvência.

Uma coisa é certa, Olhão é uma terra de futebol e, com um projeto credível, os adeptos irão voltar a comparecer em massa.

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À CONVERSA COM SEBASTIEN LOUIS

Este mês estamos de volta a esta rubrica com um convidado há muito aguardado por nós. Sebastien Louis é um autor conceituado entre os Ultras, pois trás uma visão real sobre o movimento por alguém que o vivenciou na primeira pele. Desfrutem!

Como nasceu o seu amor pelo futebol e pelo seu clube?

O meu amor pelo futebol começou como começa com a maioria das crianças: primeiro a jogar com os amigos de rua, e depois foi reforçado quando fiz a minha primeira colecção de cromos Panini, em 1982, juntamente com a minha irmã. Já em 1984, fiz a minha primeira caderneta sozinho. O amor pelo meu clube é uma boa história. A certa altura, perdi um barco de regresso à França continental e tive de ficar com a minha tia-avó, que tinha 70 anos e eu tinha 12 anos nessa altura (18 de Abril de 1990).

Ela era adepta do Marselha e assistimos ao jogo contra o Benfica, o qual perdemos por 1-0. Esse jogo marcou-me bastante pela sua importância. Foi o jogo da “mão de Vata” e fiquei extremamente chocado ao perceber que perdemos a partida com um golo de mão. Comecei a acompanhar os resultados do Marselha e pronto.... Então, no ano seguinte,

o Marselha veio jogar ao Luxemburgo (onde eu morava) e o meu pai comprou o meu primeiro cachecol. Eu pedi-lhe uma camisola, mas ele não pôde comprar, pois era muito cara. Vimos a partida na bancada principal, na qual ninguém apoiava. Noutra bancada afastada estavam cerca de 100 ultras de Marselha, que cantaram durante o jogo, e eu disse que queria estar no sector deles. Foi assim que me tornei adepto do Marselha. O que significa para si viver o seu clube? Agora que estou velho, aos 45 anos, acho que tem um significado totalmente diferente do que já teve. Na época em que era um ultra ativo, no período de 1994 a 2007, viver o meu clube era sinónimo de ser um ultra. Acho que essa era a melhor maneira de ir a todos os lugares, apoiar o mais alto possível e fazer a melhor acção. Penso que, se usas as cores do teu clube, tens que cantar. Não precisas ser um ultra, mas deves cantar.

Para os adeptos, o estádio é como uma segunda casa. Quais os episódios, ocorridos dentro de um estádio, que mais o marcaram até hoje? É complicado dizer qual foi o jogo que mais me marcou, pois já vi tantos jogos da minha e de outras equipas…. É difícil…

Em Julho de 1994 deu-se o primeiro jogo do Marselha na segunda liga, após a despromoção em 1993/1994, devido a alegada corrupção. Esse foi o meu primeiro jogo entre os Ultras, e também o jogo com o meu primeiro cartão de membro de um grupo ultra. Julgo que foi importante.

O segundo foi uma semana depois. Vim para Marselha, para depois ir a um jogo fora, numa deslocação de mais de mil quilómetros para

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cada lado. Todos ficaram a olhar para mim como um maluco, uma vez que tinha 17 anos, tinha ido do Luxemburgo e não conhecia ninguém. Paguei muito dinheiro na altura, um valor que actualmente corresponde a 65€ e fui para Saint-Brieuc. Foi uma grande cena, viajámos a noite inteira. Tenho muitas memórias dessa minha primeira deslocação entre os ultras. Mesmo passados 28 anos, é incrível dizê-lo, mas tenho uma enorme recordação da pessoa com quem falei, de não ter dormido durante a noite…. Fomos numa carrinha de 9 lugares e quando chegámos todos ficaram a olhar para nós. O ambiente do jogo… Acabamos dentro do campo depois do jogo…. É memorável e têm aí um jogo fora.

Em casa…. Outros que me recordo foram durante a campanha na Taça UEFA de

chover o dia todo em Marselha, era Outubro e disseram aos ultras e aos demais adeptos para irem para a bancada principal, uma vez que estava a chover muito, a bancada tinha cobertura e havia lugares vagos. Recordo-me disso muito bem. Tenho imensas lembranças, escolher uma é difícil. Vejo o estádio como a minha segunda casa, tal como é para muitos ultras.

Consideras que ser adepto tem importância relevante na tua vida e na tua construção pessoal?

2003/2004, onde chegamos à final em Gotemburgo, contra o Valência e perdemos. Antes, qualificámo-mos contra o Newcastle e contra o Liverpool, num jogo com um ambiente muito louco. Lembro-me de quão selvagem foi o ambiente vivido, um dos melhores que vi em Marselha. Recordo-me de outro jogo de 1994/1995. Jogamos contra o Sion para Taça UEFA, estávamos na segunda liga e o estádio Velodrome encheu com 40 mil pessoas. Nós precisávamos de vencer e vencemos, mas não passamos, porque não fizemos os golos suficientes. O ambiente foi incrível. Três dias depois, tivemos um jogo de merda contra uma equipa pequena para a segunda liga, em casa, perante 10 mil pessoas. Esteve a

Tem importância enquanto adepto, mas tem mais enquanto ultra, porque ser adepto ou ultra são coisas diferentes e vou passar a explicá-lo. Com certeza que ser adepto tem importância na tua vida e no teu crescimento pessoal, quando cresces num meio onde o Futebol é relevante. Enquanto ultra, é diferente. Nessa condição há duas coisas que são muito importantes, a tua equipa e a cultura ultra. Ser ultra teve uma grande importância no meu crescimento pessoal? Com certeza! Se eu fiz um doutoramento baseado nos ultras, eu era um ultra e continuo a estar extremamente ligado ao movimento, apesar de que não ser um ultra activo no Comando Ultra desde 2007 e não ir ver o Marselha há mais de 10 anos. Continua a ter importância para mim, porque é um modo de vida. Para muita gente, é um slogan, é uma moda, mas de facto tem importância para mim. Ser ultra é algo especial. Tens uma ligação especial com as mudanças do mundo, é como uma escola de vida. Acho que temos de aproveitála no bom sentido. Ser ultra dá-nos muitas ferramentas, positivas e negativas. Oferecenos muitas coisas, sendo a primeira delas, que é muito importante, um meio que te permite conhecer pessoas de todos os extratos sociais. Depois, os grupos ultras dão-te uma espécie de educação, uma certa filosofia, que passa por respeitar os mais velhos, de entre ajudarmo-nos sempre como grupo… Passamte o espírito de sacrifício, onde o dinheiro não é importante… São vários valores que nos

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distanciam da sociedade capitalista, na qual pretendem que sejamos individualidades em confronto com outras, em que se tu quiseres ficar numa posição melhor tens de pôr os outros K.O., sejam os teus vizinhos ou os teus irmãos ou quem seja. É uma sociedade muito individualista. Por sua vez, a sociedade ultra é o oposto. Há um sentido de comunidade, no qual o mais importante é a comunidade, não tu próprio. É um valor muito importante, ainda mais numa sociedade em que a maioria está ligada às redes sociais, pensam que têm muitos amigos, mas vivem sozinhos. Ser um ultra é ser protagonista, como diz o título do meu livro: “Ultras- Os outros protagonistas do Futebol”. Tu és o protagonista da tua própria vida, consegues aprender muitas coisas, consegues conhecer muitas pessoas de várias classes sociais, de diferentes sentidos políticos. Isto para mim é realmente importante. Consegues abrir a mente, podemos viajar, podemos descobrir novos sítios para aprender. Também há coisas negativas, não vou deixar de o dizer. Muitos aspectos negativos como o racismo, a violência, etc, mas depende da forma como o absorves e

de como o interpretas. E também há menos hipocrisia no mundo ultra, em comparação ao resto da sociedade. Consegues ver coisas realmente interessantes, mas que não passam para o resto da sociedade. Às vezes, num grupo mais virado à direita, também vês pessoas de esquerda, porque há respeito. É uma sociedade paralela, com uma filosofia de culto, que pode dar-te muitas ferramentas para a vida. A mim, sei que me deu muito. Respeito, valores, o compromisso da palavra de honra, o sacrifício pessoal pelo bem da comunidade, onde não se põe o dinheiro à frente dos valores. São coisas muito usuais, não como artista que estuda e escreve sobre os ultras, mas sim nos actos comuns do meu dia-a-dia.

Como nasceu a tua aproximação ao mundo ultra?

Decidi aproximar-me deste mundo devido à paixão dos ultras. A primeira vez que vi um jogo num estádio foi no dia 18 de Setembro de 1991, no Luxemburgo, entre o Union Luxembourg e o Marselha. Tinha 14 anos e descobri os ultras. Alguns meses depois, em Dezembro do mesmo ano, fui com o meu pai a Metz ver o Marselha. Não ficámos numa boa bancada, mas os ultras estavam lá e eu apreciei o momento. Disse que queria estar novamente entre eles no próximo jogo a que fosse e isso aconteceu em 1992. Foi a assim que me liguei ao mundo ultra, passo a passo. Entre 1991 e 1994, não tinha cartão de membro do Commando Ultra, mas ia principalmente aos jogos fora e ia uma vez por ano a Marselha, porque era muito longe. Ia mais aos jogos que eram muito perto da minha residência, quando jogávamos em Lens, Estrasburgo, Metz, Nancy e, nessas ocasiões, acompanhado do meu pai e da minha irmã, ia para o sector visitante. Passo a passo, aos poucos, ia cantando, tinha um cachecol, mas não era um ultra. Em 1994, quando tinha 17 anos, fiz o cartão. Os meus pais deixavam-me viajar sozinho e comecei a ir a muitos jogos. Houve um jogo em 1994/1995 em que tirei o

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bilhete anual, estávamos na segunda divisão, e comecei a aprender ao ir a muitos jogos, quer fora quer em casa. Fui um sortudo por ter um grande amigo, que pertencia à Section Paris do Commando Ultra, que muito me ensinou. Foi uma grande transmissão de conhecimento, numa altura em que não havia internet. Li fanzines e revistas francesas, mas o principal da educação que obtive foi-me transmitido em Marselha. Também fiz amigos por correspondência, de grupos diferentes, tanto franceses como de outros países europeus. Escrevíamos, trocávamos fotografias, fanzines, autocolantes e isso foi uma aprendizagem. Foi um tempo de aprendizagem, visto que é preciso tempo para aprender a ser ultra, seja no estádio, seja a ouvir a velha guarda.

O que é para ti um Ultra?

Essa pergunta é fácil, mas também complicada de responder. Vou tentar dar uma resposta curta e directa. Ser ultra é um modo de vida, uma forma de apoiar a tua equipa, mas, sobretudo, é dedicação por inteiro. São precisos muitos sacrifícios, como sacrificar a família, o amor, o trabalho, tudo pela tua equipa e pelo teu grupo. O mais importante é a tua equipa e o teu grupo. Por vezes, para algumas pessoas, permanecerem unidos enquanto grupo é o mais importante. Para mim, não é possível definir uma prioridade entre a equipa e o grupo, ambos são equivalentes nesse aspecto. Depois, há a forma como estás no estádio. Não consegues ser ultra sozinho. Ser ultra é ser parte dum grupo. Vestir de uma certa maneira, mas quando falo do estilo de roupas, não falo do estilo Casual. De 1994 até hoje, a moda mudou e não há um código “fashion”, mas um ultra facilmente consegue reconhecer outro ultra pela maneira de vestir. É assim principalmente, mas a moda não é o mais importante. Em alguns casos, as pessoas vestem-se mal e não é por isso que são menos ultras do que os que vestem roupas Casual porreiras. De qualquer forma,

tem a ver com o comportamento. Tem a ver com estar comprometido a apoiar durante 90 minutos, tem a ver com estar apaixonado. Não é permanecer para parecer um tipo fixe, ser ultra é ser activo no apoio à equipa, cantar como um maluco, viajar o máximo possível, acompanhando a equipa para todo o lado, ser dedicado, fazer coreografias, elevar a faixa do grupo, mas, acima de tudo, colocar os interesses do grupo e da equipa à frente dos interesses pessoais. Se viveres sob estes valores, podes ser um bom ultra, mas também tens de ser inteligente, projectar as acções e tentar fazer o melhor possível, respeitando todos os membros.

Podes falar-nos das tuas primeiras vezes em Itália e de que forma isso te influenciou?

Eu lembro-me sempre do dia 30-07-1994, pois nessa data presenciei, pela primeira vez, um jogo em Marselha no meio dos ultras e também foi a primeira vez com o meu cartão de membro do grupo. Foi verdadeiramente importante. Ao nascer do dia, peguei no cartão, numa fanzine, no cachecol, tudo… E logo no princípio fiz amizade com um indivíduo de Paris, que pertencia ao muito bom núcleo de Paris do Commando Ultra. Um dos líderes, Julien, tornou-se um “irmão mais velho” para mim. Ele era um tipo duro, mas também inteligente. Ele sempre me falou de Itália e, na altura, desenvolveu-se a amizade com os Ultras Tito (Sampdoria). De 1994 a 1996, eu desejava ir a Itália, mas era muito difícil. Eu vivia no Luxemburgo e acompanhava o Marselha… Quando digo acompanhar, falo de muitos jogos. Em 1994 ainda andava na escola e nesse ano vi 16 jogos em Marselha e 8 jogos fora. Na época seguinte, estive presente em 30 partidas, enquanto estava a fazer o bacharelato e era muito complicado conseguir conciliar tudo, mas lá consegui. Então, ir a Itália era quase impossível. Não havia voos low-cost na altura, eram os inícios da internet…. Viajar era difícil e arranjei maneira de ir em Abril de 1996. Algo que foi preponderante foi ter lido um livro,

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que encontrei numa livraria, que falava sobre ultras. Chamava-se “Génération Supporter”, foi escrito por Philippe Broussard e tornouse uma bíblia para mim. Continua a ser um bom livro, ele que foi lançado em 1990 pelo jornalista francês. Ele assistiu vários jogos na Europa e explicou o movimento ultra. Após chegar de Itália, o Julien disse-me que nesse livro havia três capítulos sobre o movimento italiano e havia a amizade com os Ultras Tito (Sampdoria)... Eu percebi que deveria ir o mais rápido possível até lá e o milagre dá-se a 31-03-1996. Este jogo foi muito relevante. No dia anterior estive em Marselha a ver a minha equipa, tendo viajado 800 quilómetros para esse jogo da segunda liga entre o Marselha e o Nancy. À noite parti para Génova, pois tinha o compromisso de arrancar com os Ultras Tito até às 11 horas para Udine. Já em Itália surgiu o problema de haver greve no sistema ferroviário. Então, cheguei atrasado e nessa altura não havia telemóveis, o que significava que facilmente poderia perder a transferta. Comecei a pensar no que fazer, vi o calendário e pensei em ir ver o Genoa vs Cosenza, embora estivesse muito triste, uma vez que eu queria ver a Sampdoria. E depois, como por milagre, o tipo com quem eu tinha combinado encontrar-me, foi com dois amigos até à estação de comboios ver se eu chegava. Eu estava com um boné dos Ultras Marselha, ele viu-me, levaram-me até ao autocarro e seguimos caminho directamente para Udine. Foi uma loucura, porque, naquele tempo, a sede dos Ultras Tito era muito próxima do estádio Luigi Ferraris, no qual o Genoa ia jogar duas horas mais tarde. Então, o autocarro estava rodeado de adeptos do Genoa. Arrancou um autocarro dos Ultras Tito para uma viagem muito longa, com a duração de 7 horas. A deslocação foi um sonho, havia um tipo que tentou falar comigo em inglês e eu falava um bocadinho italiano. Quando chegamos a Udine, foi um sonho. Não era a melhor tifoseria, mas o pessoal estava em pulgas. Estávamos 120 adeptos doriani, entre ultras e adeptos, e o jogo foi

de loucos. Bandeiras no ar durante todo o jogo, dava para beber no estádio e durante meia-hora não houve luz, o que levou à interrupção da partida. Os ultras da Udinese aproveitaram esse período para acender pirotecnia e para cantar na escuridão. Os Ultras Tito continuaram a abanar as bandeiras e apoiar como se o jogo estivesse a decorrer. Foi lindo, adorei. Foi como amor à primeira vista. Consegui realmente compreender o que era ser ultra. Eu já tinha compreendido, mas aquilo foi um momento sem igual. Eu adorei e, desde 1996, viajo muito para ver a Sampdoria, fora e em casa. Após 2000, comecei a ir todos os jogos em Itália, mas já antes, em 1998, eu fazia-o com muita frequência e, a partir desse momento, fiquei vidrado no movimento italiano, mesmo ele estando em crise.

Quais as tuas maiores referências de bancada?

Boa pergunta. Isso foi mudando. Comecei a acompanhar os ultras aos 17 anos e tudo na vida vai mudando. Quero dizer com isto que, quando era miúdo, as minhas referências eram os ultras italianos e a velha guarda do Commando Ultra do Marselha. Como é claro, hoje em dia as coisas são diferentes. Vejo as coisas de outra forma e não sou activo desde 2007. Não sei bem como responder… Antes de tudo, como disse, as minhas primeiras referências foram os mais velhos do Commando Ultra, inclusive o fundador que em 1994 continuava activo. Depois, um dos líderes do Commando também se tornou uma referência para mim. Como já referi, é sempre muito importante ouvir a velha guarda. Os ultras da Sampdoria também foram uma referência. Eu seguia a Sampdoria enquanto equipa, era diferente, e eles tornaram-se uma grande referência no contexto ultra. Quando era jovem, havia vários grupos que me ficaram na retina… Quando fui ver a Fiorentina, o Collettivo Autonomo Viola também se tornou uma referência. Os CUCS da Roma... Nunca os vi,

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porque quando fui a Roma eles já se tinham dissolvido, mas ficaram como referência na minha mente, após ler um livro dos ultras do Milan. Apesar de não gostar deles, uma vez que são rivais da Sampdoria, são uma referência para mim. Os grupos históricos em Itália são toda uma referência no geral. Actualmente, dizer-vos uma referência é difícil. Às vezes, tenho surpresas muito boas. Tenho adorado ir ver a Serie D, a Eccellenza, Prima Categoria... Divisões muito baixas, entre a quarta e oitava divisões italianas. Às vezes, vejo 30 gajos a acompanhar a sua equipa e a apoiarem como malucos e digo: “Uau, isto são ultras!”. Recordo-me dum jogo do Savoia, possivelmente em 2005, em Torre Annunziata… Não havia grupo rival na outra bancada, eles já estavam há 8 ou 10 anos na Serie D e apoiavam como loucos. Pensei: “Wow! Estamos entre Nápoles e Salerno e estes gajos apoiam a equipa local de maneira tão apaixonada, sem terem um rival pela frente, estando vários anos estagnados nesta divisão, sempre com jogos de merda…São ultras.”.

Enquanto movimento social, como caracterizas o movimento Ultra? Há algum movimento que se assemelhe a este?

Eu acho que não existe nenhum movimento comparável ao movimento Ultra, por diversas razões. Primeiro, porque o objectivo social dos Ultras é apenas apoiar o seu clube o melhor possível e defender a sua cidade, mas depois há um conjunto de coisas diferentes dentro dos grupos e, por isso, torna-se complexo. Para o descrever posso dizer que é uma subcultura, dentro de um ponto de vista sociológico, não é uma contra cultura, pois não quer impor a sua cultura como dominante dentro da camada juvenil (assim como o exemplo dos Mods, Rockers, Graffiti, Skaters, Skinheads ou até os Punks).

Não há nenhuma meta a atingir para ser Ultra, apenas devemos apoiar a nossa equipa, mas após estarmos dentro do movimento percebemos que ser Ultra é também algo

social, por ser um colectivo jovem que tenta apoiar a sua equipa, mas que também domina um território.

O propósito dos Ultras, nos primórdios da origem em Itália, era entrar num território e estarem livres das regras e leis existentes. Penso que ainda hoje é assim. A bancada dos Ultras é, por definição de um sociólogo Turco, um espaço autónomo que reivindicam e onde são impostas regras próprias por um determinado período de tempo, como é o caso das bancadas nos estádios. Embora seja mais difícil nos estádios modernos, como também acontece em Portugal com vários grupos, que não conseguem colocar a sua faixa. De qualquer forma é um movimento social muito interessante, uma questão de rebeldia e liberdade. Muita gente não percebe, mesmo estando dentro do movimento, que é uma questão de liberdade e está conectada com a juventude, mesmo que agora seja possível ver ultras mais velhos, o que torna interessante apreciar a relação entre as gerações mais novas e as mais velhas.

O que te levou a escrever sobre os Ultras? Quando estava no quarto ano da universidade, enquanto completava o mestrado, tive de fazer uma pequena tese sobre um assunto histórico. Inicialmente estava a pensar fazer sobre um assunto da história clássica e, entretanto, tive a ideia “porque não escrever sobre os ultras?”. Naquele tempo já tinha alguns livros, não muitos porque vivíamos o ano 2002 ou 2003, mas dos que existiam tinha todos. Pode parecer estranho, uma vez que tantos sociólogos e antropólogos escreveram sobre Ultras, mas eu estudava História e então tentei escrever numa perspectiva histórica. Então, fiz a proposta à universidade de poder fazer aquela tese para Master 1, à qual obtive uma resposta afirmativa e o resultado final foi muito positivo. Depois, para Master 2, fiz outra tese que também me correu muito bem e passado uns tempos um amigo meu do Commando Ultra pediu-me para ler as teses. Eu entreguei-lhe e quando

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ele as leu considerou que estavam muito boas. A partir daí, comecei a procurar uma editora para publicar o meu primeiro livro, no ano de 2006, que foi a síntese das minhas teses Master 1 e Master 2. Hoje não estou tão orgulhoso desse livro, porque não o acho tão bom, mas de qualquer modo tem alguns pontos positivos. No fundo, foi publicado devido ao meu amigo do Commando Ultra. Depois das teses, onde tive muito boas notas, os Ultras ficaram surpreendidos, pois não lhes tinha contado. Dediquei-me e fiz um trabalho verdadeiramente de História. O meu supervisor da faculdade disse-me para fazer um doutoramento e eu decidi fazê-lo, o que resultou no meu segundo livro.

Podes falar-nos um pouco mais sobre os teus livros?

Os dois livros são diferentes. Posso dizer que o primeiro foi um pouco mais ingénuo, porque o publiquei poucos anos após terminar as teses, quando ainda era um aluno de mestrado e ainda não era bom como historiador e as minhas fontes também não eram tão boas como pensava. Por isso, se tiver que destacar algo do meu primeiro livro, destaco as entrevistas realizadas a vários ultras italianos que são bastante interessantes. Uma delas foi feita a um dos líderes da Brigate Autonome Livornesi, do Livorno, outra a um dos antigos líderes da Brigate Gialloblú, do Verona, uma ao Boccia da Atalanta, uma a um membro importante do Collettivo Autonomo, Viola… Penso que as entrevistas foram muito interessantes, mas a pesquisa não foi excepcional. O segundo livro é diferente, porque eu fiz o doutoramento durante quatro anos. O doutoramento acabou por ser muito melhor do que as duas teses, até porque o trabalho do doutoramento tem de ser mais profundo na argumentação. Uma coisa que fiz bem foi não publicar logo o doutoramento, tendo esperado alguns anos até fazê-lo. Terminei o doutoramento em 2008 e depois não tinha mais energias, estava exausto. Concretizá-

lo foi como jogar os Jogos Olímpicos por muito tempo ou fazer dez maratonas. Queria publicar, mas aguardei até 2014 para concretizar esse desejo. Por vezes, os doutoramentos são demasiado académicos e de difícil leitura, o que me fez optar por reescrever o trabalho e adicionar novas fontes, o que se revelou uma escolha muito boa. Aí já estava relaxado e, por essa altura, trabalhava num museu ao mesmo tempo. Tinha uma ideia clara do que queria e em 2017 saiu o meu segundo livro, do qual me orgulho bastante, o “Ultras: les autres protagonistes du football”. Penso que este é o melhor que fiz, numa perspectiva histórica.

Procuraste abordagens diferentes nos dois livros, ou seguem a mesma linha de pensamento?

A abordagem é a mesma, mas a grande diferença é que no primeiro era um estudante e no segundo um investigador. A abordagem é a conexão da história italiana com o nascimento e a evolução

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do movimento ultra italiano. A ideia base era praticamente a mesma, com algumas diferenças, seguindo a mesma lógica, mas eu estava mais capaz como investigador. Há ainda o facto de ter mudado a forma de escrever entre as teses e o doutoramento. Eu esperei, reescrevi o doutoramento, estava mais maduro, tinha uma filosofia de vida diferente e via o movimento ultra de outra perspectiva. Aquando da edição do primeiro livro, eu era um ultra activo e eu tinha alguma animosidade com certos grupos, porque não gostava deles… Mais tarde já não me importava se gostava ou não de quem retratava, não estava ali para dar a minha perspectiva, nem para dizer o que gostava ou não, nem para fazer julgamentos morais, mas apenas para tratar os factos.

Foi fácill ganhar a confiança de vários grupos para fazer este tipo de trabalho? Como desenvolveste a tua rede de contactos?

A minha rede de contactos foi sendo desenvolvida passo a passo. Eu comecei a ser correspondente por carta há 28 ou 29 anos, na altura em que trocávamos impressões pela escrita, trocávamos fotografias e diverso material, como autocolantes. Em tempos que não tinha muito dinheiro, trocar autocolantes era um excelente acordo. Esta rede de contactos aumentou devido à pesquisa e devido à credibilidade que surgia baseada na confiança. Quando comecei a trabalhar foi o mesmo, baseou-se na confiança e nas amizades. No meu caso, falo inglês e italiano há muito tempo, costumava viajar, costumava ir a muitos jogos em casa e fora… Não posso dizer que foi difícil. Não foi difícil porque, em primeiro lugar, eu era um ultra activo quando comecei este trabalho. Actualmente não continuo activo, mas, quando comecei este trabalho, há 15 anos, era e sabia que havia um “código” e continuo a conhecê-lo. Eu sabia o que podia ou não fazer. Por isso não posso dizer que foi muito difícil. Nessa altura, eu era um investigador desconhecido e era um bocado mais fácil não partilhar o que

recolhia. Nós éramos amigos dos Ultras Tito, por isso tinha uma boa ponte para o antigo líder da Brigate Gialloblu do Verona. Através de amigos que tinha, consegui aproximar-me de alguns grupos. Após 17 anos a trabalhar, consegui uma boa rede de contactos de gente que sabe quem eu sou e como trabalho. Não posso dizer que foi muito difícil, mas foi desafiante.

Que comentário podes fazer à recetividade dos teus livros entre os Ultras que os leram?

Os comentários são muito positivos, o que me deixa muito feliz. Não digo que me enviem flores, mas deixa-me feliz o que me transmitem. Em relação ao primeiro, porque imensa gente gostou e, em relação ao segundo, porque, para mim, está mais consistente, mais académico, embora pior para ler, mas estou feliz, porque é um bom livro. Tanto gente importante, como gente mais comum do movimento ultra, deu um feedback positivo e todos compreenderam o trabalho que esteve por de trás. Mesmo nos jornais, assim como nas revistas, as críticas foram boas e esse reconhecimento é bom.

De que forma o movimento Ultra influencia a sociedade em geral e os próprios adeptos? O movimento ultra influencia a sociedade de algumas formas. Vou falar-vos de uma dessas formas. Em protestos sociais ou políticos é possível ver muita pirotecnia, muitas músicas que surgiram nos estádios e palmas coordenadas, o que não acontecia antigamente e é interessante. Eu explico nos meus livros que os ultras italianos absorveram diversas características políticas na sua génese. Hoje é o oposto. De há 20 anos para cá, é possível ver movimentos políticos a retirarem muitas coisas do movimento ultra. No geral, os ultras não exercem muita influência na sociedade. Acontece mais o contrário, que é a sociedade influenciar os ultras, o que se comprova com as mudanças dos últimos 60 anos.

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Como vês o trabalho dos políticos e das forças de segurança em relação aos Ultras?

Depende muito do país e depende do ponto de vista. Darei a minha opinião relativamente ao exemplo Italiano e Francês. Em Itália, em geral, existe muito pouco interesse político nos ultras porque têm uma má imagem e são vistos como algo demoníaco, equiparados a criminosos. No geral, as forças policiais têm uma imagem negativa dos ultras e, como disse, depende de país para país. Se formos a ver, em Espanha ou Itália essa imagem é muito negativa. Em alguns países, a abordagem da polícia é mais soft. Há muitas diferenças para o exemplo de França, por exemplo: os políticos têm algum interesse nos ultras, eles têm um certo lobby com a Association Nationale des Supporters. Em seis anos de trabalho, tem havido resultados. A associação está representada no parlamento e há uma comissão parlamentar que fez um relatório sobre os adeptos de Futebol e os ultras estiveram incluídos.

Como avalias as bancadas portuguesas e os seus grupos organizados de apoio? Não sou um conhecedor nato do movimento ultra português. Então, é difícil ter uma opinião formada e responder a isso. Estive em Portugal apenas uma vez, na ocasião, para ver o Marselha no Porto. Do que conheço é um movimento antigo. Durante os anos 90, enquanto era um jovem ultra, a cena portuguesa era interessante e uma das melhores da Europa, embora por essa altura não houvesse muitos grupos ultras. Devido à repressão e à modernização dos estádios, os grupos optaram por um caminho mais comercial. Nem todos, claro. Os grupos começaram a ser mais formais. Os membros de alguns grupos passaram a ter uma cadeira com o seu nome no sector, alguns grupos vendiam material como se vende em lojas de roupa... Na minha perspectiva, o movimento foi mais interessante durante a década de 90 e os inícios de 2000 do que é actualmente. Os grupos ultra continuam activos e, para um

país que é pequeno, as três grandes massas adeptas dominam, do Benfica, Sporting e Porto. Para os do Benfica é mais complicado devido ao cartão do adepto, pois ao que sei, há divisões como em todo o lado. Hoje é um movimento pequeno, mas que continua a sua história.

Como vês o movimento ultra no futuro? Não é fácil projectar o futuro do movimento ultra, porque está a mudar bastante em Itália e em todo o lado desde há 60 anos para cá. Vejo cada vez mais interacção com a palavra “Hooligan”. A palavra “Ultra” dominou até um certo ponto, até há 10/15 anos, antes da internet se expandir. As pessoas viajam com mais facilidade e liberdade para toda a Europa. O futuro do movimento ultra será diferente, certamente. Considero que houve um fortalecimento dos hooligans em França e acredito que seja uma consequência dos incidentes ocorridos em Marselha durante o Euro 2016. Isso trouxe mais espaço ao movimento hooligan e maior importância à cena dos países ocidentais, no quais acabou por haver uma maior mistura de estilos entre ultra e hooligan. É um bocado complicado compreender, mas as novas gerações gostam dessa mistura de estilos. Neste mundo consumista, no qual todos têm um telemóvel, em que todos estão na internet, nas redes sociais e em que a cultura Casual tornou a roupa muito popular.... Então, como será o movimento ultra.... Certamente será diferente.

Que caminhos devem ser construídos para que haja um reforço da cultura dos grupos? Acho que se deve acreditar nos princípios ultras e apostar na educação, como que voltar à base. Posso parecer um velho estúpido ao dizer isto, mas quando digo “voltar à base”, falo em educar. A base dos ultras foi mudando, é claro, e não podemos viver os tempos antigos em 2022. Porque é que se usa as redes sociais ridiculamente? Os grupos ultra têm diversas hipóteses de

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aproveitar bem as redes sociais e há muita educação a passar. Na minha visão do ideal ultra, dinheiro e ultras são coisas distintas. Demasiado dinheiro mata o espírito ultra e, para mim, temos de ter uma cultura ultra muito ortodoxa. Quero dizer que, como na vida, se tu achares que a tua maneira de ser é a certa e que não deves ouvir e debater com os outros, estás errado. Os mais velhos devem dar espaço, boa educação e passar bons princípios aos mais novos. Falo de respeito... Respeito mútuo, respeito por todos os grupos ultra, inclusive pelos grupos rivais. É bastante importante perceber por que motivo ainda vejo estrangeiros a acenderem pirotecnia de cara à mostra no sector visitante... Para mim, é absolutamente estúpido e fora de uso. Para reforçar a cultura dos grupos ultra é preciso transmissão de histórias, é preciso falar dos pontos negativos. Pela cultura, pela sociedade, não fiques no teu “mundinho”.

Que opinião tens acerca das fanzines e o seu papel para as bancadas?

As fanzines são uma ferramenta importante para espalhar a cultura ultra. Em Espanha, Itália, França, durante os anos 80, as fanzines foram muito importantes para espalhar a cultura ultra. Primeiro, considero que é um meio muito bom para as pessoas se expressarem em relação à cultura, para transmitirem informação e também para a nova guarda fazer algum trabalho e escrever sobre o que gosta. Eu lembro-me de quando comecei a escrever numa fanzine, por volta dos meus 17 anos. Era um ultra novato, não escrevia nada de excepcional, mas isso contribuiu para que eu entendesse o que é escrever e o prazer que retiro disso. Uma fanzine é um excelente instrumento, especialmente nos dias que correm, em que por todas as redes sociais há comentários ridículos. Muitas fanzines têm uma qualidade muito boa. Seja em França, seja na Alemanha.... Noutros países não sei, pois não consigo ler tudo. Mas as fanzines contribuem para que haja uma cultura ultra melhor.

Queres deixar uma mensagem final aos nossos leitores?

Eu já dei conselhos e recomendações como um velho estúpido. Talvez seja mesmo um velho estúpido, uma vez que tenho 45 anos... O que pretendo dizer é que o mundo ultra é um bom mundo, mas deves ser uma pessoa aberta, ser sempre inteligente e usar a cabeça. Quando vejo muita moda, muitas coisas de que não gosto, penso em resistir às modas. Não quero dizer “fashion”, porque algumas pessoas podem não gostar ou compreender. O que quero transmitir é que devemos agir por nós próprios e interagir com os outros. Ser ultra é comunidade, é fazer parte dum colectivo e o que adoro neste mundo é a agregação. Acho que algo que é muito relevante é pensarmos sempre no colectivo. Quando alguém começa a falar de uma forma individualista, quando pensa que é o melhor, que vai lucrar em dinheiro... Isso é o começo do fim da cultura ultra. O grupo é verdadeiramente o mais importante e eu sinto que em 2022 as coisas têm mudado imenso na sociedade. Os ultras têm mudado e continuarão a mudar, então não temos de ser demasiado conservadores. É óbvio que o que for de valor deve permanecer, mas também devemos adaptar-nos ao nosso tempo.

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UMA VONTADE DE TIFAR

A arte de tifar é um pilar central da cultura do adepto e, em Braga, leva-se esse princípio bem à letra. São vários os exemplos disso mesmo, de grandes e bem conseguidas coreografias que colocam os adeptos do SC Braga num patamar respeitável nesta área, e isso é tido em conta de cada vez que se inicia um novo projecto. Fazer grande e fazer bem é uma ambição permanente, e quem se quer superar tem, inevitavelmente, de arriscar.

Esta ideia já germinava há algum tempo nas “cabeças pensantes” de onde normalmente saem os projectos que embelezam esporadicamente as bancadas do Estádio Municipal de Braga, mas as contingências relacionadas com as limitações impostas pelo governo para o combate à pandemia da COVID 19 levaram a que ficasse

guardada na gaveta durante algum tempo, embora não estivesse esquecida.

A temática central era a transmissão da mística e da cultura bracarense entre gerações, e o desenho final viria a representar isso mesmo. A representação do Estádio 1º de Maio lado a lado com o Municipal, e de uma família por quem os anos passaram e que juntou um novo guerreiro à “causa” são ilustrativas dos valores que nos movem e que tencionávamos ver representados no tifo. O desenho é o resultado das ideias sugeridas

pelas tais “cabeças pensantes” misturadas com os habituais conselhos e sugestões dos “artistas” que, em conjunto, vão trabalhando até alcançar o produto final.

Nesta, como em todos as coreografias anteriores, começa-se por

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planear um arranque atempado dos trabalhos, que por esta ou aquela razão vai sendo sucessivamente adiado, até que o dia do jogo se vai aproximando em demasia e aí os trabalhos arrancam sob pressão e a todo o vapor. É uma mistura de planeamento atabalhoado e de tradição, mas a verdade é que sempre assim se fez, e o resultado final é invariavelmente positivo. Faltavam apenas 9 curtos dias para o dérbi quando se iniciaram as colagens do plástico. Muitas tiras, muita fita-cola gasta para unir 5400 metros quadrados de plástico. A projecção é o passo seguinte, desta feita num local que permitia manter o plástico aberto na quase totalidade, com um método novo que facilitava a execução e permitia iniciar a pintura sem ter ainda a projecção concluída. O recurso ao tão habitual desenrascanço português é uma constante quando se executa este tipo de actividades com materiais adaptados para a função.

As pinturas começaram já na tarde de segunda-feira, a 5 dias do jogo, com a projecção a avançar em paralelo, mas apenas no período nocturno fruto da natural necessidade da escuridão para utilizar o projector. A afluência em massa da rapaziada em período de férias escolares, somada ao facto de naquele período ainda muitos dos mais experientes estarem a gozar férias laborais, permitiu que se fizessem grandes progressos em poucos dias, tendose trabalhado das 3 da tarde às 3 da manhã, nomeadamente entre segunda e quarta-feira, os 3 dias em que praticamente se pintou 95% da superfície do plástico. As dificuldades vão naturalmente surgindo, ora por falta desta referência de tinta, ora porque os rolos são escassos. Embora com paciência e dedicação tudo se ultrapasse, para complicar, começou a pairar a ameaça de chuva que constava nos boletins meteorológicos para os últimos dias da semana.

Concluído o processo de pintura, e antes de transportar o tifo para a bancada, entendeu-se por bem reforçar a parte

superior do plástico com mais fita-cola e tiras adicionais, até porque o risco de o mesmo rasgar era, para nós, bem evidente, face à dimensão da peça, agravado pelo facto de não haver nenhum metro quadrado da mesma que não tivesse coberto de tinta, o que aumenta de sobremaneira o peso e, como tal, o risco de as coisas correrem mal.

Em simultâneo começou a montagem da estrutura que permite elevar com segurança o tifo até junto da pala de cobertura do estádio. Várias roldanas e cabos de segurança são colocados pelos nossos “técnicos de montagem”, malta com vasta experiência adquirida, ao longo dos anos, nos tifos que se foram realizando até hoje. Para que se conseguisse içar convenientemente a peça foram colocadas 32 cordas, por forma a distribuir o peso o melhor possível.

Depois de todos os restantes preparativos feitos, é chegada a véspera de dérbi. Tudo foi montado e devidamente testado, as pessoas reunidas para que se organizasse a execução de forma organizada, isto sabendo que o ruído inerente a um estádio quase lotado e a fervilhar tornam quase impossível a comunicação à distância entre os intervenientes no processo.

Na noite que antecede um dérbi é sempre difícil de dormir, mas com este estímulo extra torna-se ainda mais complicado, e a cabeça não para de rodar à volta dos imensos cenários e de tudo aquilo que pode acontecer de bom e de mau. A ansiedade é ingrediente normal na vida de quem arrisca e procura a superação, e é assim que se contam as horas até que chegue finalmente o momento. Estava tudo apostos, foram cerca de 150 adeptos envolvidos no levantamento do monstro de 120 metros de largura por 40 de comprimento, seguramente uma das maiores coreografias feitas mundialmente em registo de peça única de plástico. O plástico sobe depressa demais, ainda demasiado cedo, o vento faz-se sentir com intensidade e vai projectando aqueles que inutilmente tentam segurar nas pontas,

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mas as coisas parecem correr relativamente bem até que antes da equipa entrar em campo o plástico cede a meio e acaba por frustrar as expectativas de quem tanto se esforçou para que tudo corresse bem.

A natural desilusão inicial dói, mas acabou por ser paulatinamente substituída por um sentimento de dever cumprido. Afinal o tifo subiu, o efeito visual foi o esperado e o cenário não foi assim tão negro. É verdade que não correu tudo na perfeição, ninguém gosta de ver um tifo rasgar, mas certamente que foram extraídas lições para o futuro, e que se corrigirá aquilo que de mal se fez. Para além disso, tanto ou mais importante que o resultado final é o caminho que se percorre. O sacrifício, o suor, as discussões, mas também as gargalhadas, as histórias e os valores partilhados entre novos e velhos, assim como as noites de poucas horas de sono são, sem sombra de dúvida, a melhor forma de passar o testemunho e de garantir que o amanhã será no mesmo trilho em que hoje caminhamos, e esse trilho não temos dúvidas, é o certo!

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O Vitória Sport Clube completou 100 anos no passado dia 22 de Setembro. As comemorações do centenário começaram bem cedo, há cerca de um ano atrás, e têm contado com actividades de diversos tipos, organizadas por uma comissão própria. Começou com o debate sobre o cartão de adepto, seguido de algumas tertúlias onde se falou, essencialmente, na primeira pessoa através dos vários ex-atletas convidados, acerca das décadas passadas. Estas tertúlias

lágrimas e suor de várias gerações. Houve também espaço para algumas actividades, que ficaram aquém das minhas expectativas, onde se tentou reposicionar o Vitória no seio da nossa comunidade. Ainda no âmbito das celebrações, foi lançado um livro contando a história do Clube, trazendo à tona novas discussões na procura de um conhecimento mais detalhado sobre os primeiros passos da nossa existência. Para além deste, está previsto o lançamento de um livro infantil

foram momentos especiais pela oportunidade que nos deram de “sentir” o que era o Vitória antes de muitos de nós existirmos. Senti de forma única aqueles relatos que, dentro de mim, soavam como poesia e, para tristeza de muitos, nem em livros os encontram. Aquelas velhas glórias deixaram um testemunho que jamais poderá ser esquecido e, para além disso, algo que também me tocou bastante foi o exercício que prova que, para ter o Clube da forma que hoje temos, foi necessária muita dedicação e paixão ao ritmo do sangue,

e muito provavelmente um livro, mais completo, sobre a nossa história ao longo dos últimos 100 anos. Faço ainda referência a duas exposições que estão a decorrer neste momento, com maior destaque para a que o Arquivo Municipal organizou. O último acontecimento, até à data do lançamento deste texto, organizado de forma institucional, foi a gala do centenário do Vitória, mas, segundo a comissão do centenário, vamos contar com mais actividades ao longo dos próximos meses.

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Inequivocamente, este é um momento especial que queremos ver eternizado nas nossas memórias e as expectativas para o programa que vai sendo

cidade (11 até ao dia em que este número saiu). Desse modo, nos últimos meses, estes adeptos conseguiram anunciar de uma forma original a chegada do 100º aniversário do nosso Clube.

Entretanto chega o momento que todos esperávamos, a noite de 21 para 22 de Setembro, e via-se que algo estava a ser preparado sob as pedras da calçada da zona antiga da cidade de Guimarães. Todos os Ultras, reunidos em prol de um só objectivo, espalharam-se por todo o centro histórico e levaram o centenário ao coração da nossa terra. Informações que, entretanto, vieram a público dizem que mais de 600 tochas foram abertas naquela noite, a par de dezenas de

apresentado são sempre muito elevadas. Não é para menos, até porque esta é uma característica que faz parte da identidade que personifica o Vitória Sport Clube. Talvez seja com base neste valor que, aos meus olhos, mesmo sabendo das várias actividades realizadas pela comissão/Clube, tem faltado alguma coisa. Este parágrafo acaba por servir, na perfeição, como ponte entre a parte institucional e a parte popular que, de resto, era a estrutura prevista para dar corpo a este texto.

Desde cedo que os nossos adeptos se organizaram para também celebrar o centenário do Vitória, em particular os grupos organizados. Começou também há cerca de um ano atrás, quando o grupo de apoio que se situa na nascente inferior, começou a colocar pequenos tifos espalhados pela

caixas de fogo de artifício, o que culminou num espetáculo de uma dimensão que talvez nunca tenha sido vista em Portugal. Em seguida todos se reuniram no Toural, a praça central da cidade, e deslocaram-se até ao local onde o Vitória “nasceu” - o edifício da antiga Chapelaria Macedo. Daí houve um enorme cortejo até ao estádio, a nossa casa, onde foi prestada homenagem à existência do Clube. Nesta noite sentimos que se viveu a comunhão perfeita, o Vitória e Guimarães

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unidos pelas mãos dos seus próprios filhos.

Por estes dias os Ultras andavam a trabalhar noutro projecto, mas antes de chegar aí ainda houve a gala do centenário. Esta gala contou com a presença de perto de 4000 pessoas incluindo muitos Ultras que estiveram nas bancadas laterais, longe dos convidados de protocolo, onde se fizeram ouvir várias vezes, embelezando ainda mais aquela noite. Porém, houve um tempo em que os cânticos de festa foram substituídos por outros. No preciso momento em que o Presidente da Câmara Municipal de Guimarães subiu ao palco e começou a dirigir os primeiros cumprimentos institucionais, mais precisamente a Pedro Proença e a Fernando Gomes, a reação de vários dos vitorianos presentes não se fez esperar e ouviram-se as primeiras vaias seguidas do cântico que

se universalizou como de protesto contra a Liga. Pouco após este episódio houve espaço para outro, quando o Secretário de Estado da Juventude e Desporto é chamado ao palco para entregar uma Medalha de Honra Mérito ao Clube. A reação de desagrado foi semelhante à anterior, tendo sido brindado com um enorme coro de assobios que o impediram de discursar de forma serena. Dias depois chegava o esperado dia 1 de Outubro, data em que estava agendado o primeiro jogo após o centenário, mas antes

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de contar o que se passou neste dia convém lembrar a história invisível que está por trás daqueles 5 minutos que se viveram antes do início da partida. Tudo tinha começado há umas semanas atrás e contava com a participação de todos os grupos de apoio. Poucas certezas havia, a não ser a vontade de todos para construir algo digno de apresentar no dia do jogo. Este processo de definição de uma ideia nem sempre correu como os grupos queriam, mas por cada problema que aparecia, o dobro das soluções era encontrado. É certo que isto é um jeito de falar, mas, na verdade, não foge muito à

decalcar as imagens para o plástico, unir os desenhos que resultaram e pintar. Enquanto esta dinâmica acontecia outros montaram mais de 15.000 bandeiras de cor branca que iriam complementar a coreografia. Foram cerca de 3 semanas de trabalho, mas também de convívio, aprendizagem e de prazer. Em suma, para os mais velhos e para os mais novos, aqueles dias significaram viver de um modo mais completo aquilo que somos por dentro – Ultras.

Por fim o dia do jogo, recebíamos o Benfica naquela noite de sábado. Durante a tarde, a ansiedade era grande e o sentido

realidade. Encontrados os desenhos, que sofreram algumas alterações ao longo do percurso, era hora de começar a reunir as “tropas” e pôr mãos à obra. O primeiro passo foi tratar dos plásticos e, entre o cortar e colar, 2/3 dias passaram. Foi muito plástico e, acreditem, que nunca faltou gente para ajudar, mas com alguns condicionamentos de espaço no local onde trabalhámos, e também devido ao facto de a maioria do pessoal ter compromissos profissionais, havia poucos períodos para poder avançar no desenvolvimento do tifo. A fase seguinte foi

de responsabilidade, de garantir que tudo acontecia da melhor forma, também. O tifo consistia em cobrir as três bancadas ocupadas pelos nossos adeptos, nas suas zonas inferiores, com tarjas à sua dimensão, e nas bancadas superiores estavam colocadas bandeiras em todos os lugares.

Estiveram presentes no estádio mais de 19.000 adeptos, onde se incluíam mais de 1500 benfiquistas. O estádio começou a ser preenchido desde cedo e quando faltavam cerca de 5 minutos para o apito inicial, ao som do hino “Sou Vitória”, as tarjas subiram e

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as bandeiras estavam no ar. Poucos segundos depois vê-se uma tochada em todo o estádio. Na bancada nascente estavam representados 10 momentos de relevo para a evolução do Clube desde o seu nascimento. Na bancada sul as datas “1922” e “2022”, ladeadas pelo brasão da cidade e pela primeira bandeira nacional, enquanto ao centro foram apresentados os vários símbolos que usámos ao longo da nossa existência. Para finalizar, a bancada poente foi coberta com uma tarja onde se podia ver um avô a contar a história dos 100 anos do Vitória ao seu neto e ao lado uma outra tarja onde se podia ler “A história da minha vida”.

Estes momentos criados pelos grupos do Vitória foram especiais por várias razões, entre elas algumas mais perceptíveis

do que outras, mas destaco uma menos evidente no tifo. Estes 5 minutos, descritos anteriormente, foram aqueles que uniram e levaram mais vitorianos a participar na celebração do nosso centenário. E caso o resultado da coreografia não fosse suficiente para termos orgulho no que fizemos, então esta é sem dúvida uma grande razão para ter.

“Foi ao nascer que tudo começou, uma união que não podem quebrar, já são 100 anos de história de um clube sem igual, tenho orgulho em te amar!”

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Na história do futebol, encontramos alguns eventos/acontecimentos de quanto o nosso jogo preferido, consiste em muito mais que 22 homens/mulheres que correm atrás de uma bola. Futebol é também política, resistência, antifascismo. Em Portugal temos a gloriosa epopeia dos jogadores da Seleção, Mariano Amaro, José Simões e Artur Quaresma (os três craques do Belenenses) que no dia 30 de janeiro de 1938, recusaram fazer a saudação fascista, (o Mariano Amaro até levantou o punho fechado!) um hábito das equipas na apresentação às bancadas e às autoridades antes do início dos jogos , neste caso contra a seleção da Espanha Franquista.

Mas há também a história “italiana” de um herói desconhecido que quis, ele também, quebrar esta regra, recusando-se num jogo de fazer a saudação fascista. Ele, que amava o futebol mas amava ainda mais a democracia: deixou os relvados e entrou na clandestinidade combatendo contra as tropas nazis que tinham invadido o seu país. O seu nome? Bruno Neri.

Bruno Neri nasceu em Faenza/ Faença, pequena cidade no centro da Península, no dia 12 de outubro de 1910; logo despontou a sua habilidade com a bola :jogador de raça e garra , começou como defesa mas passou a jogar no meio-campo “Antes de receber o passe, é preciso saber o que fazer com a bola”, era um dos seus lemas. Começou no clube da terra natal, formou-se no Instituto Agrário de Imola e passou pelo Livorno até receber a grande oportunidade de sua carreira. Em 1929, a recém-fundada Fiorentina desembolsou o equivalente a cinco vezes o salário anual do trabalhador

médio italiano para contratá-lo. Naquela época, o profissionalismo começava a ser a regra e não a exceção . Já era possível viver do futebol, mas Bruno Neri nunca se encaixou no estereótipo de jogador profissional. Além de ter estudado, nutria o gosto pela literatura e frequentava ambientes pouco apreciados por boleiros, como o Caffè Giubbe Rosse, tradicional ponto de encontro de intelectuais, escritores e artistas no centro de Florença.

E, desde cedo, a sua veia contestatária chocou com o surgimento e desenvolvimento do fascismo de Mussolini. E não fez nada para escondê-lo. Em 1931, a Fiorentina inaugurou o seu estádio, batizado de Giovanni Berta em homenagem a um mártir ligado ao fascismo, assassinado por militantes comunistas na década anterior. Para a abertura foi marcado um jogo amigável

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contra o Admira Viena, da Áustria. Como de praxe nos rituais de jogos durante os regimes fascistas, os jogadores no meio do campo cumprimentavam esticando o braço direito saudando assim a bancada. Apenas um deles, permanecendo com os braços colados ao tronco, se recusou a fazer a saudação romana: Bruno Neri.

Neri, como um dos atletas que mais jogou na campanha 1930-31, conduziu a Fiorentina à Série A pela primeira vez. Todavia, só foi convocado para a seleção em 1936, quando já defendia o Lucchese. Disputou apenas três jogos pela seleção. Depois de várias lesões pendurou as chuteiras em 1940 , jogando os últimos anos no Turim, pouco antes deste se transformar no GRANDE TORINO. Começou então uma breve carreira de treinador. Mas já não era o futebol o seu enfoque principal: revoltado com as leis raciais contra os judeus (que prejudicava muitos dos treinadores húngaros, austríacos que viviam em Itália e que foram seus “mestres”), por intermédio de um primo, aproximouse do Comitê de Libertação Nacional (CLN), embrião da organização antifascista que originaria a Resistência italiana conhecida como os partigiani.

No dia 7 de maio de 1944, depois do jogo Faenza-Bologna (estava a treinar a equipa da sua cidade, Faenza), entrou na clandestinidade; o seu carisma e liderança transformaram-no logo num dos vice comandantes do Batalhão «Ravenna» com o nome de batalha de BERNI. Guiava umas vintenas de partisans nas montanhas da Italia Central. No dia 10 de Julho del 1944, os seus homens se cruzaram com um grupo de alemães e começaram os disparos: Berni e os partisans tentaram responder. Encurralados, ainda resistiram por alguns minutos à artilharia pesada dos nazis, mas sucumbiram sob o fogo dos inimigos.

Na sua cidade, o estádio do Faenza passou a ter o nome do Bruno Neri, eternizado numa lápide na antiga casa que serviu de abrigo para vários líderes

da Resistência: “Aqui nasceu Bruno Neri, Comandante partigiano morto em combate em Gamogna, no dia 10 de julho de 1944. Depois de se destacar como atleta de primeiro nível, revelou magníficas virtudes de combatente na ação clandestina. Um grande exemplo para as futuras gerações”.

O Torino também quis eternizar esta figura com uma lápide na cidade Sabáudia.

E continuam a dizer que o futebol é só um jogo…viva Bruno Neri!!!!!!

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MEMÓRIAS Da BANCADA

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SC Braga x Sporting CP | 07-08-2022

Um jogo de destaque a iniciar o campeonato de ambas as equipas, com direito a mais de 17.000 espectadores presentes, que coloriram o Estádio Municipal de Braga. A abrir, uma coreografia dos ultras da casa, na sua bancada, em que se podia ler a seguinte mensagem: “Juntos até ao fim!”

Foi um encontro emocionante, como o resultado de 3-3 o comprova, o que levou a vários momentos de maior ou menor alegria e de maior ou menor apoio de ambas as partes.

GD Chaves x Vitória SC | 07-08-2022

Uma casa muito boa, com cerca de 7.500 espectadores presentes, em que muito contribuiu a excelente deslocação da falange de apoio vimaranense, que ocupou praticamente a totalidade do sector visitante, estendendo-se mesmo até à bancada central. Destaque, naturalmente, para esta invasão dos forasteiros, que foi premiada com um triunfo, o que levou a uma enorme festa no final!

Vitória SC x HNK Hajduk Split | 10-08-2022

Fora das quatro linhas, este encontro (relativo à segunda mão da 3ª pré-eliminatória da Conference League) foi o que mais destaque nacional e internacional teve nesta semana europeia. Quando por cá se abrem telejornais sobre incidentes, significa que as coisas foram “quentinhas”...

Na véspera, uma turma bastante numerosa

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envolvendo a Torcida Split e os No Name Boys juntou-se no centro da cidade de Guimarães numa clara tentativa de confrontação com adversários locais. No meio de algumas correrias, lançamento de pirotecnia e alguma tensão em esplanadas, não houve propriamente nenhuma batalha campal entre grupos. No meio do caos e das rápidas notícias que viralizavam pela Internet, surgia também uma fotografia de portistas na Ribeira do Porto naquele momento. A verdade é que os apoiantes do Hajduk Split seguiram em autocarros do território vimaranense até aos arredores da cidade portuense, onde foram interceptados pela polícia. No dia do jogo, a grande maioria de adeptos visitantes apanhou comboio na estação da Trofa e deslocou-se em cortejo da estação de Guimarães até ao estádio. Ainda assim, houve algumas dezenas de ultras do Hajduk que optaram por ir de outra maneira e geraramse alguns incidentes com os ultras do Vitória, nas imediações do recinto. Relativamente à partida, o Vitória precisava de recuperar uma desvantagem de dois golos trazida da Croácia, o que levou a que os adeptos tentassem criar um ambiente ainda mais fervoroso do que o costume, de maneira a empurrar a sua equipa, pese embora um horário nada convidativo (durante a tarde de uma 4ª feira). Os vitorianos até começaram como queriam, com um golo madrugador, mas o desafio terminou mesmo por 1-0, o suficiente para o Hajduk Split se apurar. Várias carrinhas com matrículas croatas que se encontravam estacionadas junto à estação da Trofa foram vandalizadas e, consequentemente, algum material do Hajduk e do Benfica apareceu na posse de ultras portistas.

FC Famalicão x SC Braga | 12-08-2022

Jogo entre vizinhos, numa noite de 6ª feira, com direito a uma boa casa. Sinal mais para os adeptos bracarenses, que encheram praticamente a parte da bancada que lhes estava destinada e tiveram um apoio digno de

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registo, motivados por uma boa vitória para a sua equipa (0-3). No final, tiveram ainda uma boa sintonia com os jogadores durante os festejos.

FC Vizela x FC Porto | 14-08-2022

O Vizela voltou no ano passado ao principal escalão nacional, ao fim de muitos anos, mas parece que já nos habituámos aos bons ambientes daquela casa neste tipo de jogos, ao nível do que qualquer adepto pretende num estádio. Bancadas compostas praticamente na sua totalidade e cânticos de parte a parte na tentativa de se ser mais audível. Como também lá tem vindo a acontecer, existem visitantes separados em partes opostas do recinto, com o Colectivo (fora da ZCEAP) num sector separado dos Super Dragões (integrados na ZCEAP). Do lado dos da casa, a Força Azul foi comandando os cânticos, que se iam espalhando esporadicamente também para os restantes simpatizantes vizelenses. O Porto venceu, com um golo solitário perto do final, que levou a uma grande festa azul e branca.

CF “Os Belenenses” x Académica de Coimbra | 20-08-2022

Quis o destino ditar que os dois emblemas históricos que foram esta época para a Liga 3 (no sentido inverso, diga-se) se defrontassem logo na primeira jornada! Mais de 3.000 espectadores estiveram presentes no Restelo. Do lado da Fúria Azul, uma mensagem dentro do seu habitual registo, com a seguinte inscrição: “Rumo ao nosso lugar”. Várias centenas de academistas compuseram o lado visitante, demonstrando que não desistem de acompanhar a sua formação, num momento nunca vivido pelo clube - o de estar no terceiro escalão.

O recém-promovido Belenenses venceu por 2-0, motivando uma grande festa entre o público da casa. Já os academistas, pese embora não terem entrado com o pé direito nesta nova realidade, fizeram questão de apoiar a sua equipa mesmo depois do apito

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GD Chaves x FC Vizela | 20-08-2022

Destaque para a boa deslocação vizelense até território transmontano, que ocupou a grande maioria do sector visitante, levando naturalmente também a um bom apoio da Força Azul durante o jogo. No final, depois de um empate a uma bola, houve boa sintonia com a equipa, que foi até junto da bancada agradecer.

FC Porto x Sporting CP | 20-08-2022

Estádio praticamente cheio neste clássico, que ocorreu logo na terceira jornada. O habitual num encontro deste género, com muitos cânticos e picardias de parte a parte, vários (bons) momentos de pirotecnia. De salientar uma frase dos Super Dragões para Carlos Secretário, ex-jogador portista que atravessa uma fase complicada a nível de saúde. O Porto venceu por 3-0, levando naturalmente a um bom ambiente entre os muitos adeptos da casa.

UD Leiria x Vitória FC | 21-08-2022

Os leirienses continuam com a sua política de abertura de portas, o que leva a que os seus encontros caseiros sejam uma verdadeira atracção para os locais. Estiveram 12.581 espectadores, segundo os números oficiais, o que representa um dos jogos com mais público a nível nacional neste início da temporada. Para além das muitas pessoas presentes, destaque também para o bom ambiente vivido, com os da casa a serem comandados pelo apoio da Armata Ultra e os vitorianos com uma boa deslocação, evidenciando-se o apoio do seu grupo ultra, o Grupo 1910.

O Leiria conseguiu uma vitória confortável por 4-0, que galvanizou ainda mais o público da casa.

Portimonense SC x Vitória SC | 21-08-2022

Destaque para a autêntica invasão dos adeptos forasteiros até Portimão - estiveram mais de 2.000 a apoiar o Vitória nesta noite de Domingo em território algarvio! Um apoio

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constante ao longo do encontro, ecoando naquele recinto como se estivessem a jogar em casa. A formação vimaranense até começou melhor no resultado, mas o Portimonense deu a volta e venceu por 2-1. Curiosamente, o último golo, que foi marcado aos 88 minutos por Cariello, foi seguido de um festejo, no mínimo, provocatório para com a bancada onde estavam instalados os vitorianos, depois do jogador brasileiro ter pegado na bandeirola de canto e ter apontado a quem lá estava.

Académico de Viseu FC x CD Tondela | 2708-2022

O regresso deste dérbi do distrito viseense, que conta naturalmente com uma grande rivalidade entre adeptos. Aconteceu numa manhã de Sábado e contou com uma boa casa no Estádio do Fontelo (mais de três milhares de espectadores presentes).

Cá fora, alguma tensão. Os ultras da casa exibiam material conseguido no passado aos rivais, enquanto esperavam pela chegada dos rivais. Na passagem do cortejo visitante, houve mesmo troca de lançamento de fumos. No interior do recinto, um bom apoio de parte a parte, sendo raríssimos os momentos de silêncio. O Tondela chegou à vantagem de dois golos, mas o Académico de Viseu empatou mesmo, recuperando dessa desvantagem nos instantes finais do encontro, motivando uma grande festa no Fontelo!

Varzim SC x AD Fafe | 28-08-2022

O Estádio do Varzim encontra-se em remodelações nesta fase inicial da época, levando a que a formação poveira jogue em casas emprestadas. Contra o Fafe, foi no Estádio Cidade de Barcelos que a partida se realizou. Um reduto interessante escolhido por facilitar a deslocação dos adeptos de ambos os conjuntos, o que levou a uma muito boa casa e, sobretudo, um bom ambiente de parte a parte.

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SC Braga x Vitória SC | 03-09-2022

Numa bela tarde de Sábado, o Dérbi do Minho contou com cerca de 22.000 espectadores presentes. Os ultras do Braga realizaram uma coreografia que ocupou praticamente toda a Bancada Nascente, sendo a maior de sempre realizada pelos mesmos, com a seguinte mensagem: “Do 1º de Maio ao Municipal - Um amor geracional”. Esta acabou por rasgar, mas fica o mérito pela forma como foi pintada, dada a dimensão da mesma. O ambiente foi naturalmente muito bom de parte a parte, com os ultras do Vitória a serem bastante audíveis. O Braga venceu com um golo nos últimos instantes da segunda parte, que despoletou uma enorme festa no estádio.

Nota também para alguns registos peculiares. Uma turma de cerca de meia centena de vitorianos foi impedida de entrar, uma vez que os bilhetes eram destinados à bancada contrária. Isto levou a que ficassem no exterior do estádio. Vários carros de adeptos visitantes foram vandalizados no decorrer da partida. Por fim, mas talvez o episódio mais surreal: durante o intervalo, um ultra dos Red Boys foi identificado pelas autoridades polícias por causa de... uma tatuagem! Este episódio lamentável fez com que o seu grupo abandonasse o recinto em forma de protesto, o que resultou num impedimento por parte dos próprios polícias até que todos eles fossem identificados. Algo, no mínimo, ridículo!

UD Leiria x Académica de Coimbra | 03-092022

Um dérbi histórico do Centro que voltou a ter lugar ao fim de vários anos. Oficialmente, estiveram presentes 17.122 espectadores, o que representa um recorde de assistências na Liga 3. Mais uma vez, uma ‘fanzone’ esteve preparada para acolher o maior número de leirienses possivel, aliada à política de bilhetes gratuitos. Os apoiantes da formação coimbrense também apareceram em muito bom número e de várias formas na capital do

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distrito vizinho.

Muito bom ambiente de parte a parte, tendo sido um duelo equilibrado dentro e fora das quatro linhas, uma vez que acabou com um resultado de 1-1.

Anadia FC x Varzim SC | 04-09-2022

Nota para deslocação de adeptos varzinistas, que representaram mais de metade do público presente na bancada. Um apoio constante ao longo de toda a partida que foi coroada com uma vitória já na parte final.

Eintracht Frankfurt x Sporting CP | 07-092022

Cerca de 1.500 sportinguistas estiveram no Waldstadion, um dos estádios com melhor ambiente a nível mundial, como ficou comprovado neste encontro. Os ultras do Frankurt, que se localizam na Nordwestkurve, realizaram uma dupla coreografia na entrada das equipas. O Sporting até venceu, com três golos sem resposta na segunda parte, ainda assim o ruído criado pelos alemães dificilmente fez com que se ouvissem cânticos vindos do sector visitante. De qualquer maneira, de salientar a presença de todos os grupos leoninos nesta difícil deslocação!

Atlético de Madrid x FC Porto | 07-09-2022 Muito bom apoio portista no Estádio Metropolitano. Cerca de 2.000 estiveram presentes no sector visitante e foram bastante audíveis ao longo de grande parte da partida, motivando vários comentários elogiosos também internacionalmente. Destaque para o facto de a polícia espanhola ter retido vários autocarros dos Super Dragões na entrada para a cidade de Madrid, fazendo longas e rigorosas revistas aos elementos que integravam a deslocação, horas antes do encontro.

Malmö FF x SC Braga | 08-09-2022

Cerca de três dezenas de apoiantes braguistas, sobretudo pertencentes às duas claques, fizeram a deslocação até à cidade

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sueca. Num recinto com um bom ambiente criado pelos ultras da casa, os adeptos do Braga iam fazendo os possíveis para também se fazerem ouvir. O esforço foi compensado com uma vitória importante por 0-2, neste jogo inaugural da fase de grupos da Liga Europa.

FC Arouca x Boavista FC | 11-09-2022

Nota para a deslocação em bom número dos boavisteiros até Arouca, que tiveram um apoio digno de registo e que foi corado com uma vitória forasteira, motivando uma boa comunhão, no final, com os jogadores.

Rio Ave FC x SC Braga | 11-09-2022

Sector visitante repleto, numa nova (e boa) deslocação de adeptos do Braga. Destaque para bons momentos de apoio vocal, um apoio constante ao longo da partida e uma boa festa com os jogadores após nova vitória, dando sequência ao bom momento da equipa.

Sporting CP x Tottenham Hotspur FC | 13-092022

Muito bom ambiente em Alvalade, que culminou com uma importantíssima e excelente vitória do Sporting, com dois golos já nos instantes finais da partida, provocando uma enorme festa. O apoio das bancadas Sul e Norte foi digno de registo, destacandose também pirotecnia aberta por parte da Juventude Leonina. Do lado inglês, a tradicional deslocação em bom número.

Juventus FC x SL Benfica | 14-09-2022

Sector visitante praticamente completo, com muitos cânticos e vários momentos de pirotecnia. Os benfiquistas tomaram conta do apoio em Turim durante a grande maioria do jogo. Em campo, o resultado também sorriu ao Benfica, o que levou a uma enorme festa entre equipa e simpatizantes encarnados. De realçar ainda que, antes da partida, houve espaço para os Diabos Vermelhos

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apresentarem uma tarja de homenagem ao Torino, algo que já não é inédito no historial de boas relações entre o grupo ultra do Benfica e os ultras do Torino.

SC Braga x 1. FC Union Berlin | 15-09-2022

Destaque principal para a invasão dos adeptos deste clube do leste da capital alemã até Braga. Foram mais de 2.500 adeptos que viajaram até Portugal.

Fizeram um cortejo massivo antes do encontro na cidade bracarense. Dentro do estádio, não desiludiram e apoiaram de forma audível a sua equipa, com pelo menos três bons momentos de pirotecnia (um deles, pode-se dizer que foi uma das maiores tochadas assistidas em território nacional nos últimos anos).

Do lado da casa, de registar uma boa iniciativa a pedir o boicote do Mundial do Qatar deste ano. Ao minuto 65, as claques do Braga fizeram um minuto de silêncio, enquanto expunham uma mensagem de solidariedade para com as cerca de 65.000 vítimas mortais envolvidas na construção das infra-estruturas do evento.

De salientar que o Braga venceu, sendo que, no final, houve um bom momento de festa entre o público da casa e a equipa!

Varzim SC x FC Felgueiras 1932 | 17-09-2022

Mais um jogo do Varzim em casa emprestada. Desta vez, em Fão (e com direito a lotação esgotada!). Bom ambiente nesta localidade a norte da Póvoa de Varzim, com um bom apoio que foi também motivado pela vitória confortável por 3-0.

FC Arouca x Vitória SC | 18-09-2022

Mais uma excelente deslocação do público vimaranense. Agora até Arouca, onde encheram praticamente toda a parte inferior da bancada a eles destinada. Um apoio de salutar e pouco habitual para a realidade portuguesa.

No final, um empate a duas bolas, com a particularidade do último golo dos vitorianos

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ter acontecido 12 minutos depois dos “90”, motivando um misto de festa e de alívio entre os adeptos visitantes.

Académica de Coimbra x Sporting CP “B” | 18-09-2022

Mais uma situação surreal em Portugal. A Académica realizou este encontro à porta fechada, num castigo por um jogo pelo qual já tinha sido castigada... Há mais de de três anos atrás, numa partida de pré-temporada frente ao Benfica, resultaram incidentes na bancada que já tinham motivado castigo por parte da Comissão de Disciplina da FPF. Desta vez, foi a famosa APCVD a fazer o mesmo. Ainda assim, a Mancha Negra decidiu receber a sua formação, antes do encontro, entre fumos e cânticos. O público academista decidiu acompanhar o encontro, em bom número, em esplanadas pelo centro da cidade.

SL Benfica x CS Marítimo | 18-09-2022

Destaque para a homenagem dos No Name Boys a Rita, Tino e Gullit, pelo facto de já se terem passado 28 anos pelo fatídico episódio que levou à morte dos três históricos elementos do grupo encarnado. Os NN realizaram uma tochada a acompanhar uma mensagem de lembrança, no terceiro anel do topo sul.

Aniversário Vitória SC | 22-09-2022

O centenário do Vitória Sport Club foi celebrado com pompa e circunstância. A noite de dia 21 começou com o jogo amigável entre Joane e Vitória, jogo que mereceu lotação esgotada. De seguida, os vitorianos mobilizaram-se para o centro da “cidade berço” e iniciaram os festejos deste marcante aniversário. À meia-noite, Guimarães viu-se iluminada pela luminosidade das tochas que centenas de adeptos acenderam, enquanto que milhares cantavam o amor ao clube local. Lindíssimo cenário e muita emoção, que nos fizeram pensar que estávamos a ver imagens de Itália. À posteriori, os Ultras marcharam

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até ao Estádio D. Afonso Henriques, onde continuaram as comemorações com cânticos e pirotecnia constantes. O Pavilhão de Congressos de Guimarães encheu-se para a gala centenária e aí houve belíssimos cânticos de devoção, como de protesto contra a liga e o secretário de Estado do Desporto através do cântico “Querem matar o Futebol”.

Sporting CP vs SL Benfica | 25-09-2022

Matosinhos acolheu os eternos rivais lisboetas que, desta feita, disputaram a Supertaça de Futsal. Os grupos de apoio mobilizaram-se desde a capital, aproveitando assim o fim-de-semana das selecções de Futebol. Antes do jogo, nota para a incursão sem escolta de cerca de 150 No Name Boys até ao pavilhão. Nas bancadas, bom apoio de ambos os lados, com sinal mais para os benfiquistas, até porque o apoio dos leoninos foi negativamente afectado pelos confrontos com stewards.

FC Porto x SC Braga | 30-09-2022

Jogo de cartaz da oitava jornada da Liga, aquele que foi um duelo entre o segundo e o terceiro classificados. Do lado portista, há a destacar a boa presença e apoio constante do Colectivo Ultras 95’. Viajaram cerca de 2000 braguistas até ao Dragão, e deram uma excelente réplica no apoio vocal durante os mais de 90 minutos, apesar de verem sempre a sua equipa em desvantagem no marcador e do resultado se ir avolumando. Apesar da repressão, os bracarenses apresentaram-se com muitos adereços, entre os quais destacamos os panos alusivos ao 30° aniversário dos Red Boys e a pirotecnia.

Vitória SC x SL Benfica | 01-10-2022

Para quem gosta dos espectáculos de bancada, este era possivelmente o jogo mais aguardado da semana. Os Ultras do Vitória prepararam e apresentaram uma coreografia por todo o estádio, acompanhada de imensa pirotecnia, mesmo em zonas “fora do seu

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habitat”. Quem viu a partir do segundo anel do D. Afonso Henriques, percebeu melhor os tifos das bancadas nascente e poente.

Académica de Coimbra x CD Tondela | 02-102022

Duelo entre símbolos da Beira Litoral e da Beira Baixa para a mais tradicional competição nacional, a querida Taça de Portugal. Os jogadores da Briosa entraram em campo vestidos a rigor, uma vez que estavam munidos da capa do traje académico, e o Tondela só garantiu a vitória nos penaltis. O Municipal de Coimbra sentiu o apoio efusivo e regular de cerca de 300 elementos da Mancha Negra, número idêntico ao total de tondelenses que se deslocaram para apoiar a equipa de Tozé Marreco.

FC Famalicão x Boavista FC | 02-10-2022

As partidas entre estes dois símbolos têm fomentado cada vez mais a rivalidade entre os mesmos. Algo que pode comprovarse com o arrufo entre ultras e hooligans famalicenses e boavisteiros, antes da partida. Nos degraus de cimento do antigo Campo dos Bargos, os Fama Boys levaram a sua avante com uma prestação que contou com 150/200 apoiantes. Do Bessa viajaram cerca de 250 adeptos, tendo esgotado esses bilhetes em menos de um dia.

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VITÓRIA X HAJDUK

Decorria o mês de abril, altura em que já se disputava a última fase da época 2021/22 e em que marquei as minhas férias. Com muita pena minha, o meu clube não disputa competições internacionais há duas décadas e, então, decidi tirar dois dias das férias para ir ver os outros jogar. “Jogar” é como quem diz: ver por cá a prestação de massas adeptas que admiro ou que me despertam curiosidade.

Antes do sorteio da terceira préeliminatória da Liga Conferência, falou-se da possibilidade do Vitória S.C. defrontar o Hajduk Split. Sorteio realizado… A “sorte” torna real a possibilidade. O jogo em Guimarães tinha tudo para ser marcante. Tinha ido uma vez ver o Vitória no D. Afonso Henriques como neutro (aquando do jogo com o Eintracht Frankfurt em 2019) e valeu a pena pelo ambiente que os vitorianos proporcionaram e pela forma como defenderam a sua casa. Quanto ao Hajduk, despertava a minha curiosidade há vários anos, pela história e capacidades da Torcida Split, como também pela militância dos adeptos no dia-a-dia do clube. Além disso, já viajei pela Croácia, onde comprovei “in loco” a devoção ao clube mais representativo da Dalmácia. Uma situação impensável, uma vez que vi centenas de murais (“todos” eles bem pensados e produzidos), tanto em Split, como em todas as outras localidades por onde passei ao longo da região.

A primeira-mão desta eliminatória marcou o regresso dos “Bili” à Europa depois do enorme fracasso da época anterior e eles voltaram com intenções de afirmarem o seu projecto. Os jornalistas croatas não tardaram em antecipar que os vimaranenses iriam jogar num ambiente galvanizador para os da casa e hostil para os forasteiros, ao que lhes

foi respondido que o ambiente no D. Afonso Henriques é idêntico, o que por si só acalorou o embate. O Poljud encheu, viu a Torcida fazer uma coreografia difícil e a equipa portuguesa ser derrotada por 3-1.

Chegou a semana do jogo em solo português e havia bastante expectativa em relação às deslocação da Torcida e a actuação dos diversos grupos nacionais. Hora de ver como arranjar bilhete e de pensar se valia a pena correr o risco de ir ao jogo. Para “melhorar” a situação, a véspera do jogo ficou marcada por uma incursão da coligação Torcida Split/No Name Boys pelas ruas de Guimarães. À saída da “cidade berço”, começaram a ser acompanhados pela polícia, tendo sido interceptados já no Porto. Uma prova da capacidade de organização e mobilização destes grupos. Naturalmente, o ambiente ficou mais inflamado, com ajuda da

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comunicação social e dos políticos. Pelo que me foi possível ver, ninguém foi agredido e os danos materiais resumiram-se a duas cadeiras e uma mesa de esplanada danificadas.

Quarta-feira, dia de jogo… Gente de Split espalhada entre o distrito do Porto e o de Braga. Esperava uma acção dos amigos “luso-croatas” no Porto, mas não se registou. Em Guimarães, a polícia tinha montado um grande “teatro de operações”, com um drone no ar e com muitas forças especiais no terreno. À posteriori, a imprensa difundiu a informação de que houve muitos agentes a cumprir mais de 40 horas seguidas de serviço… Mesmo assim, pelo que soube, houve alguns confrontos antes da partida, incluindo malta do Vitória espalhada em alguns pontos da cidade, com a polícia a afastá-los dessas zonas ou a não conseguir evitar que enfrentassem forasteiros sem escolta.

O horário do jogo não foi o melhor, o que levou a que algumas empresas do concelho vimaranense dessem tolerância de ponto aos vitorianos que apresentassem o cartão de associado ou o bilhete de jogo. Na minha ida para o estádio, o trânsito e o branco dominavam as ruas. As pessoas precisavam de beber para fazer face ao calor e, então, os cafés encheram. Entrei no estádio meia-hora antes do apito inicial, o qual já se encontrava bem composto. Foi um jogo de “meia casa”, estimando-se a presença de 700 visitantes.

Antes do jogo, o público estava um pouco amorfo. Os vitorianos assobiaram os jogadores forasteiros à saída do aquecimento, ao passo que os elementos da Torcida estavam somente a confraternizar entre si. “Sou Vitória” é a música que despoletou o apoio intenso dos da casa, seguindo-se vários cânticos que surgiram de diversos sectores. Com a entrada das equipas, começaram a ser abertos os panos da Torcida Split, entre os quais o pano que evoca a amizade com os No Name Boys. De forma compacta, soltam os primeiros cânticos de apoio à equipa.

Vi o jogo na nascente e,

naturalmente, pude sentir mais o apoio vindo dos grupos que ali se situam, ao que sei: Insane Guys, Gruppo 1922, Tiffosi e Nova Gera. Contudo, desde logo os White Angels impuseram-se, tal como os croatas, que cantando músicas simples e curtas conseguiram potenciar o apoio vocal desde início.

Aos 5 minutos, o estádio entra em ebulição. Golo de belo efeito de Anderson e o Vitória encurta assim a vantagem do Hajduk. O apoio à equipa de Moreno intensificouse e no sector visitante manteve-se igual. A animosidade aumentou e o jogo continuou bom de se ver, tal como o espetáculo nas bancadas. Os jogadores e staff do Hajduk Split “puseram a faca nos dentes” e foram sempre provocadores e destemidos, o que incendiou ainda mais as bancadas durante os 90’. A equipa caseira atirou-se à baliza adversária e o público do “berço da nação” entoou cânticos em uníssono, inclusive contra o Benfica, após um “Força Benfica” vindo dos visitantes.

Termina a primeira parte, é tempo de ir ao bar e dos ultras descansarem. Reinicia o jogo e, à volta do minuto 70, tochada da Torcida Split. Tochas nas mãos e balaclavas ou t-shirt’s na cara… Antes e depois dos “protagonistas” entrarem em acção, os companheiros protegiam-nos levantando bandeiras e t-shirt’s .

No cômputo geral, considerei um belíssimo jogo, no que a apoio vocal diz respeito. Quanto aos grupos da nascente, tiveram uma primeira parte de bom nível, com

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cânticos fortes e consistência. Na segunda parte, a prestação decaiu um bocado, julgo que devido à escolha das músicas, a maioria delas com letras longas (e com bom conteúdo). Por sua vez, esperava mais impacto vindo dos White Angels, mas estiveram imparáveis, sem tempo para respirar entre cânticos. A ausência de bombos e megafones torna esta “missão” mais difícil para os grupos que combatem as leis repressivas. Enquanto isso, os croatas puderam usar dois bombos e um megafone (continuo sem perceber o critério dos legisladores nacionais). Uma prestação muito regular, para a qual todos os que estiveram presentes contribuíram. Todos cantaram, todos bateram palmas, palmas que foram muito usuais. Não se deixaram abalar com o golo, também não tiveram tempo para respirar entre músicas e sustentaram a equipa quando ela mais precisou.

Nos minutos finais do jogo, e na despedida das equipas, viveram-se momentos “quentinhos”. Numa fase em que o Vitória quase empatou a eliminatória, os adeptos “perderam a cabeça” perante tantas provocações dos intervenientes croatas.

Ânimos exaltados e estádio em polvorosa, a usar de tudo para atingir os representantes do Hajduk. Dezenas de cadeiras, de garrafas de água e isqueiros pararam no relvado, ao passo que a equipa vitoriana com grande união defendeu-se e atacou quem com eles brincou. Acho que o staff do Hajduk Split acabou surpreendido pela resposta das gentes de Guimarães. Perante isto, e com o bilhete para a próxima fase garantido, a Torcida festejou à sua maneira, tentando também mandar cadeiras para dentro do campo. Contudo, havia uma “gaiola” e acabaram por atingir os seus comparsas.

Festejos de um lado, juras de amor e apoio incondicional do outro… Foi muito bonito o que se viveu após a “turbulência”. De seguida, as ruas vestiram-se outras vez de branco, houve de novo trânsito q.b. e um regresso tranquilo a casa…

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Convidamos dois adeptos Alemães, o Tim e o Seb para nos nos falar um pouco sobre algo que tem vindo a crescer exponencialmente um pouco por todo o mundo, em especial pela Europa – O Groundhopping. Fiquem a conhecer um pouco mais acerca deste tema, com ajuda destes dois adeptos, através da entrevista que vos deixamos nas próximas linhas

CdB: Como te tornaste adepto do teu Clube?

Tim: A Bundesliga foi criada em 1963 e o MSV Duisburg é um membro fundador e foi parte essencial dela durante vinte anos. Depois de descer de divisão em 1983 e de anos difíceis nas ligas inferiores, voltamos à Bundesliga para a temporada 1991/1992 e tivemos um início fulgurante. Embora o meu pai não gostasse muito de futebol, ele sabia que algo grande estava a acontecer numa cidade vizinha. Então, ele levou-me ao meu primeiro jogo contra o Hansa Rostock em setembro de 1991, que vencemos por 2 a 0. Fiquei impressionado ao ouvir os cânticos e ao ver as bandeiras nas bancadas. O tamanho da multidão, por si só, foi uma experiência avassaladora para mim, sendo eu um rapaz de sete anos. Claro que pedi ao meu pai que voltássemos ao Wedaustadion o mais rápido possível. E, a partir daquele dia, comecei a apoiar o clube.

Seb: Infelizmente, não tive outra hipótese que não tornar-me adepto do MSV Duisburg! (Risos) Cresci em Duisburg e o meu pai já ia regularmente a quase todos os jogos em casa desde a fundação da Bundesliga em 1963, como continua a fazer. A época em que comecei a frequentar o estádio foi a mesma que o Tim já mencionou. No início dos anos

90 o clube teve bastante sucesso e para mim, quando criança, o sábado era sempre o melhor dia da semana.

CdB: Qual é a tua definição de groundhopping?

Seb: Bem, eu acho que há muitas maneiras diferentes para descrever este tipo de hobby. Cada “groundhopper” tem as suas próprias prioridades e cada um deve encontrar o seu próprio caminho. Quanto a mim, eu nem me chamaria de um clássico “groundhopper”. Para mim o estádio, em si, geralmente não é o principal motivo de uma viagem para outra cidade ou país. As minhas principais prioridades são ver jogos com bom ambiente, assistir derbies, ver os grupos ultras mais relevantes do mundo. E claro: viajar. Visitar diferentes países, conhecer outras culturas, o modo de vida em outros continentes, tão diferentes da nossa vida na Europa. Além dos jogos de futebol, isso está a tornar-se cada vez mais importante para mim.

Tim: Eu gosto da liberdade que está associada. Podes fazer o que quiseres, como quiseres e teres resultados imediatos. Tudo o que fazes, seja relacionado ao itinerário, horários das viagens, recolha de informações sobre

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destinos interessantes e/ou jogos, pode ser traçado com as tuas próprias decisões. Tu és responsável pelos riscos que gostas de correr, por exemplo, reservar uma combinação de voo com tempo muito curto para mudar de um avião para outro ou entrar no estádio por um bairro complicado. Se der certo, fico muito feliz, se eu falhar, geralmente sou o único culpado.

Seb: Para mim foi quase o mesmo. Quando eu tinha cerca de 16-17 anos, juntei-me ao nosso grupo local de Ultras e comecei a ir a todos os jogos fora de casa do MSV Duisburg. Um dia descobri que alguns dos adeptos mais velhos às vezes iam a jogos de futebol noutros países. Vi isso como algo muito interessante para mim, então perguntei se podia participar. A minha primeira viagem foi ao Luxemburgo, provavelmente os adeptos no carro eram os mesmos que o Tim mencionou. Embora o jogo no Luxemburgo não tenha sido muito interessante, continuei, e comecei a planear as próximas viagens. Nos primeiros anos, viajei principalmente de carro ou de comboio para os países vizinhos. Por exemplo, para a Suíça (FC Basel), Áustria (Rapid Vienna), França (RC Strasbourg), etc. O primeiro voo que reservei para um tour de groundhopping foi para a Itália, para ver o Derby de Milão.

CdB: O que te levou ao groundhopping?

Tim: Na minha adolescência, juntei-me a outros adeptos da minha idade que foram atraídos pela cultura Ultra, principalmente influenciada por Itália. Queríamos dedicar mais tempo ao futebol e a tudo o que o envolve. Uma vez que esta necessidade não podia ser totalmente satisfeita com a ida aos jogos do MSV, procurava outras formas de ver mais futebol. Um dia, um dos mais velhos que eu conhecia das bancadas e que fazia groundhopping perguntou-me se eu me queria juntar a ele para um jogo na Holanda. É uma curta viagem de carro de Duisburg para cruzar a fronteira, então assistimos a um jogo da segunda divisão em Venlo. Embora eu pensasse que as diferenças culturais existentes, como estilo de apoio, alimentação etc. tivessem sido interessantes, não me apaixonei imediatamente. Mas depois de algumas viagens à Holanda e Bélgica, apanhei a “febre” e a vontade de ver mais jogos no exterior, assim como a fome de viajar para outros países aumentou constantemente.

Infelizmente, os Ultras de ambos os clubes fizeram um boicote naquele dia. Que desastre. Mas de qualquer forma, foi um ótimo fimde-semana. Vimos 1 ou 2 bons jogos e tive a certeza de que voltaria em breve.

CdB: Sabemos que praticas groundhopping já há algum tempo. Mudou alguma coisa desde o dia em que começaste ou continua tudo igual?

Tim: Os fundamentos ainda são os mesmos –tu coleccionas campos e viajas para onde quer que o teu interesse te leve. Fora isso, a cultura mudou muito. Em primeiro lugar por causa da

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internet. Hoje em dia, as informações sobre os próximos jogos e os modos de transporte são facilmente acessíveis, o que permite mais flexibilidade no planeamento de viagens, bem como para cobrir uma ampla gama de países. Também a comunidade grounhopper tornou-se muito maior, o que levou a que esta subcultura fosse cada vez mais popular e acessível.

Seb: Há acerca de 15 anos atrás, assisti aos primeiros jogos no exterior. Durante estes 15 anos, o groundhopping mudou definitivamente de várias maneiras. Algumas mudanças são boas, algumas mudanças não são tão boas. Uma das principais mudanças é que está a ficar mais fácil planear uma viagem para outra cidade. É tão fácil reservar voos e hotéis baratos online, poder conferir os jogos com antecedência, poder ver como são os estádios e, nas redes sociais, podes ver fotos e vídeos de todos os grupos Ultras do mundo. Então, se estiveres interessado, não é difícil planear uma viagem de acordo com as tuas próprias prioridades. Essas mudanças também resultaram no aumento acentuado de pessoas que fazem “groundhopping”, em comparação com o número de pessoas que o faziam há 15 anos.

CdB: Qual é a tua opinião sobre as mudanças pelas quais o groundhopping passou?

Seb: Na minha opinião, nem todas as mudanças supramencionadas são desenvolvimentos positivos. Claro que também gosto que as coisas se estejam a tornar mais fáceis, mas também estou muito feliz por ter experienciado o groundhopping no tempo em que não haviam smartphones. Naquela época tudo era muito mais emocionante. Simplesmente não sabias o que esperar durante uma viagem.

Tim: Eu concordo totalmente com o Seb nisso, já que começámos mais ou menos na mesma época. A minha apreciação pela

tecnologia é de alto nível. Ainda assim, fico com o coração quente ao lembrar-me de passar horas e horas a ler listas de estádios ou de revirar mapas de papel com o dedo. Acho que é justo dizer que tanto o presente quanto o passado são e foram tempos bem passados.

CdB: Importam-se de partilhar algumas das vossas melhores experiências e curiosidades? Seb: A minha melhor experiência? É uma pergunta muito fácil para mim. Definitivamente, foi a minha primeira viagem fora da Europa, quando viajei para a Argentina em 2011. Três semanas, futebol quase todos os dias, malucos, simplesmente perfeito. Assistir jogos de San Lorenzo, Boca Juniors, River Plate, entre outros, mudou muito a minha vida. É verdadeiramente outro mundo e eu simplesmente não queria acordar desse sonho quando voltasse para casa. Um ano depois voltei à Argentina. Infelizmente, desde 2013, a maioria dos jogos de futebol na Argentina acontecem sem adeptos visitantes. De qualquer forma, ainda vale a pena uma visita.

Tim: As minhas prioridades de groundhoping são definidas de forma diferente. Tenhome focado principalmente em viagens que me façam ver muitos jogos, de preferência sem repetição. Ainda assim, posso apreciar um derby quente e tenho que admitir que mudei de ideias nos últimos anos, desde que o Covid chegou e tornou as viagens mais difíceis. Se eu tiver que citar alguns dos meus

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jogos favoritos, direi os Derbys em Calcultá, Belgrado, Djurgarden - Hammarby, um jogo em casa muito intenso do Arema Malang na Indonésia, bem como um jogo do Raja Casablanca. Além do lado futebolístico do groundhop, todas as interações humanas, especialmente quando passas por situações difíceis e recebes ajuda de estranhos, serão inesquecíveis para mim. É muito difícil para mim escolher uma situação em particular, porque já passei por tantas…

grande. Eu tento sempre planear as minhas férias de acordo com os jogos de futebol e não é um hobby barato. Mas felizmente o meu patrão é bastante flexível quando se trata de planear as férias. Também tenho muita sorte, pois a minha namorada aceita o meu modo de vida.

CbD: Que tipo de conselho dariam aos adeptos portugueses que estão interessados em Groundhopping e consideram começar a fazê-lo?

Tim e Seb:

CdB: Que impacto teve e tem o groundhopping na tua vida?

Tim: A minha vida teria sido completamente diferente sem o groundhopping. Uma vez que o desejo de viajar desenvolveu-se pelo groundhopping, isso mudou a minha mentalidade no geral. Viajar para todas as partes do mundo fez-me pensar e agir de forma diferente e deu-me uma mentalidade mais aberta para outras culturas e pontos de vista também.

Seb: Eu diria que o impacto ainda é muito

Em primeiro lugar, gostaríamos de elogiálos, porque têm belos destinos de viagem no continente, bem como têm a Madeira e os Açores que também oferecem futebol. Assim, visitar uma boa quantidade de campos em Portugal pode ser uma boa forma de descobrir as próprias prioridades no groundhopping e de também sentirem que a recompensa emocional é maior do que o sacrifício financeiro, de folgas e outras actividades que costumem fazer nos tempos livres. Acreditamos que dedicar tempo para descobrir qual o estilo de groundhopping preferido é muito importante. Depois de descobrires se preferes derbies ou jogos amadores, jogos em casa ou se ficas louco por viajar para fora, talvez um interesse por um determinado país/continente se desenvolva automaticamente. Além disso, as tuas prioridades de groundhopping podem mudar se tu fizeres isso por algum tempo. Claro que tudo o que tu fazes é, até certo ponto, dependente dos teus recursos. Se tu ainda és jovem, podes não ter dinheiro para viajar para longe no início. Mas isso também pode ser usado como forma de motivação para poderes fazer viagens maiores no futuro.

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SAMPDORIA X JUVENTUS

Chegamos a Génova por volta do meio dia. Apenas tivemos tempo para pousar as coisas no hotel, almoçar, já na companhia dos nossos amigos dorianos, e seguir para a sede da Fieri Fossato para organizar as coisas para o jogo.

Bandeiras prontas e arrancamos para o estádio. O pessoal juntou-se durante a tarde na rua habitual, cheia de bares, que dá acesso ao estádio. Ambiente de jogo grande com bastantes cânticos e álcool à mistura. Como era dia de trabalho, as pessoas chegavam a conta-gotas, mas esteve sempre um grande ambiente. Foi toda a tarde ao sol, com 34º C a bater, e toda a gente ali a falar e a beber. Uma tarde espetacular com a rua cheia até se entrar no estádio. Para além do Colectivo, estavam também presentes elementos do Inferno do Hellas Verona com a Fieri Fossato.

Já no estádio, foi dos melhores ambientes que vi até agora, com a Gradinata Sud completamente cheia. Desde o início da época que os Ultras Tito também ocupam o anel inferior ou seja, todos os grupos organizados da Sampdoria estão agora na parte baixa da bancada o que dá outra vida ao apoio com os cânticos a sairem muito mais coordenados e ritmados. O apoio do lado

FOTOS:
LUCA DEA, SPORTMEDIA
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da Sampdoria foi muito forte e constante ao longo dos 90 minutos.

Do lado da Juventus o sector visitante estava muito bem composto e parecia que se mexiam bem, mas como o apoio do lado dos ultras da casa era tão forte, não foi possvel sentir o apoio bianconero. É de realçar que os grupos da Juventus voltaram a seguir a equipa no final da época passada, passando ainda por um boicote aos jogos em casa devido à proibição de faixas e material de apoio por parte da direcção do Clube. Esta época nota-se de novo a adesão aos jogos fora, com algumas mudanças, Drughi con faixa San Marco 1988 e os Viking com 1986 Milano uma vez que os nomes estão proibidos.

O jogo acaba com um 0-0 para o prazer dos adeptos da casa que começaram mal a época e somam apenas um ponto.

Depois do jogo, os grupos locais voltaram a juntar-se na rua dos bares onde permaneceram ainda cerca de 2 horas num bom ambiente.

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ULTRAS COM HISTÓRIA JOÃO GALRITO

Quem é o João Galrito?

Nascido e criado em Faro, apaixonado pela minha cidade e fanático pelo clube da minha terra. Tive a sorte de ter um pai que me transferiu valores bairristas e de ter crescido no bairro da Carreira de Tiro, paredes meias com o estádio de São Luís. Alguém que foi seduzido ao longo da sua vida para apoiar “também” um dos três grandes de Portugal, mas decidiu-se apenas pelo clube da sua terra, alguém a quem foram apresentadas curvas com ambientes fenomenais e com milhares, mas que decidiu trilhar o seu próprio caminho e ajudar a criar uma curva no São Luís com uma ideia utópica, naqueles tempos, de ter centenas de fanáticos Farenses apenas.

Como começou a tua ligação com o Farense e com os South Side Boys?

Desde tenra idade que me tornei atleta do Sporting Clube Farense, na década de 80/90. Foram anos de ouro para o nosso clube, o que me permitiu viver em primeira mão esses momentos de glória, de pisar o relvado com as nossas estrelas…tempos do Inferno de S. Luís, em que era normal ter o estádio com mais de 7000 adeptos nos jogos em casa. Paco Fortes, Jorge Andrade, King, Lemajic, Rufai, Hassan, Hajry… nesta altura era permitido beber cerveja no estádio, hoje é proibido, anos em que me sentava ao lado do meu velhote comendo pinhões enquanto viva o jogo, hoje é proibido porque o prego é visto com uma arma, tempos em que o Sr. Polícia falava com o adepto para se acalmar, nos dias de hoje bate, leva preso e ficamos interditados…

Tive a sorte de estar no Jamor na Final e na

Finalíssima juntamente com mais de 20000

Farenses, tive a sorte de ter um pai que não perdia um jogo fora e me levava de arrasto… fui um sortudo e estas vivências tornaram-me no fanático que sou hoje.

No início dos anos 90 tive a oportunidade de frequentar as curvas de dois “Grandes” portugueses através de amigos que pertenciam aos mesmos, na tentativa de me meter o veneno…experiências únicas, mas depois de cada uma dessas experiências a minha pergunta entoava na minha cabeça… “porque não tem o Farense um grupo Ultra?” Na altura já tinham existido grupos de apoio em Faro, Pujança Moura, Alma algarvia, mas nenhum durava muito tempo…eram aqueles “malucos” que o meu velhote não me deixava aproximar, mas que me seduziam ao longe. Os South surgiram em 1994 e tudo foi natural. O fanatismo que já existia em mim fez com que fizesse o primeiro grupo dos South Side, os Ultra Boys. Era constituído por elementos da Carreira de Trio e zonas envolventes, erámos 60. Com eles conheci o “Querido”, com quem consumi tudo o que era ultra.

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Anos em que não existia internet…fizemos

Zines totalmente concebidas à mão, batidas com máquina de escrever, fazendo colagens, fotomontagens que trocávamos por correio com Ultras de outros países, cujos contactos arranjávamos através de Zines que trazia de Espanha, como a “Super Hincha”, cada vez que os meus velhotes lá me levavam para comprar chocolates (era tradição na altura). Fizemos estandartes e faixas quando não existiam projetores…foram anos de ouro.

Como vivias um jogo nos teus primeiros tempos de South Side boys?

A pergunta mais usual dos Ultras mais novos dos South Side…como eram os South Side na bancada no início?

Era tudo muito intenso… tive a sorte de crescer nos anos 80/90, em que nada nos prendia em casa, nos dias de hoje tudo é feito para nos prender em casa.

A bancada era cheia de bandeiras, as redes de faixas, os fumos eram uma constante, as coreografias proliferavam de jogo a jogo, o que nos proporcionava uma vivência entre Ultras durante a sua concepção e concretização, alimentando o espírito de “família” entre Ultras. Tudo isto fazia com que, na bancada, os momentos fossem de uma alegria e intensidade constantes. Nos dias de hoje, tudo isso é proibido… Vestíamo-nos a rigor para um jogo de futebol… as botas Doc Martens, as calças camufladas, as sweats cheia de estampas, era um ritual…nos dias de hoje seria demasiado “piroso”, pois temos Fred Perry, Adidas e outras marcas…

Nos dias de hoje ainda se vive da mesma maneira? O que mudou para ti? Seria uma mentira dizer que tudo é igual… tudo está diferente e temos que aceitar isso. Eram anos diferentes, maneiras de estar diferentes, maneiras de pensar diferentes, maneiras de estar diferentes, a própria sociedade mudou, o mundo mudou…e temos que aceitar isso.

Da mesma maneira que os nossos pais olhavam para nós de lado, erámos a geração “rasca” …temos que aceitar que tudo mudou e saber adaptar-nos a isso sem nunca perder os nossos valores e princípios.

Os South Side estão neste momento numa fase de mudança, reestruturação… não são momentos fáceis.

Os velhos, já quarentões, que dedicaram a sua energia e tempo ao grupo, já não conseguem ter a mesma disponibilidade, têm trabalhos com horários impróprios, família e filhos ocuparam esse tempo e, às vezes, para ir simplesmente ao jogo é uma luta. Surge uma geração com essa disponibilidade, energia e vontade de dar continuidade a este grupo que caminha para os 30 anos.

Não são tempos fáceis, os valores e história são transmitidos, mas a maneira de pensar e estar é diferente…e temos que aceitar isso.

Na bancada a intensidade e maneira de estar continuam a proporcionar-nos momentos únicos, não sabemos estar um momento calados ou sossegados, assim foi e assim continua a ser…

Quais as deslocações e episódios que te marcaram mais?

Os quase 30 anos de história dos South Side, tornam difícil fazer uma pequena selecção dos melhores momentos, graças a Deus são muitos… os jogos com o Porto, em casa, eram jogos à parte, viveram-se verdadeiros motins em Faro; os jogos com o Olhanense, fora, com o Portimonense, em casa, a ida a Lyon, a transferta às Caldas com 2000 adeptos para

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a Taça de Portugal, o regresso ao Jamor na subida à 2ª Liga com o Mafra…tantos, mas tantos momentos únicos. Mas na realidade os que mais me marcaram foram os jogos que mais adeptos tivemos ou que mais ultras levamos… 1997, ida a Coimbra sem dinheiro para voltar, a ida a Braga em 96, e os jogos no distrital…foram momentos únicos que deixaram uma saudade imensa. Afirmo, com toda a convicção, que no distrital e divisões inferiores é onde se vive o futebol no seu estado mais puro e sem as regras e leis que temos na Liga.

Quais são as coisas que mais valorizas dentro do teu grupo?

A amizade, a lealdade e o espírito de família, valores que fizeram de nós e do nosso grupo o que somos hoje e proporcionaram a bonita história que temos hoje.

Apesar do momento que vivemos internamente, nos dias de hoje, no nosso grupo, acredito que esses valores irão prevalecer.

Atitude, Mentalidade e Coerência!

Isto são os South Side Boys!

No Geral, como avalias o movimento Ultra nos anos 80 e 90?

Como já referi, vivemos décadas de ouro… vivemos tempos em que Bandeiras, tambor, faixas, fumos e coreografias eram permitidos na bancada, o que tornava as curvas em espaços Ultra cheios de magia. Nos dias de hoje tudo isso é proibido! Naqueles anos tudo o que concebias tinhas que lutar para ter ou conceber…não havia internet, projetores, tudo era feito à mão o que fazia com que a relação dos Ultras com o grupo fosse mais forte e intensa. Ir ao Norte roubava-te um ou dois dias nos transportes públicos que existiam naquela altura, hoje em 3/4 horas vais ao Porto.

Foram décadas de pura magia.

E nos dias de hoje como avalias?

A magia que tivemos a sorte de viver nessas décadas de ouro, já não nos é possível nos dias de hoje, devido às leis e regras que existem na Liga Portuguesa. E que saudade eu tenho dela… a perseguição e repressão que vivem os Ultras nos dias de hoje, quase que

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nos obrigam a viver na clandestinidade.

Nos dias de hoje, temos os Ultras, os casuais, os hooligans e sabe-se lá o que mais, muitas maneiras de pensar e estar…demasiadas modas e estilos, e todas elas querem fazer valer a sua voz, muitas vezes mais alto que o próprio grupo. Isto leva a demasiados problemas internos quando, no final, todos deveriam estar pela mesma razão, o apoio ao nosso clube.

Nos South Side, apesar das inúmeras maneiras de pensar e de estar, sempre houve um bom equilíbrio e respeito por todas as partes, pois na curva todos estamos pelo mesmo propósito, o apoio ao Sporting Clube Farense. E espero que assim se mantenha!

Como comparas a repressão policial que existia no passado com a que vai acontecendo no presente?

Nos dias de hoje podes vir a ter a tua vida profissional e social muito comprometida… as multas monetárias são enormes e a restrição de entrar no estádio está sempre presente.

O estigma social em relação aos Ultras está criado, as autoridades têm carta verde para

ofender, bater e prender só porque sim… são tempos muitos difíceis e, para os grupos pequenos, ainda mais.

Quais são para ti, os melhores grupos que existiram em Portugal?

Temos sempre que falar dos grupos grandes, pela dimensão… e respeito por todos eles. Mas tenho que evidenciar outros, pois em realidades bem diferentes, em dimensões nada comparáveis, nutrem de uma enorme mentalidade, o que acabou por nos aproximar… Mafia Vermelha e Mancha Negra e também White Angels, Insane, Panteras Negras, Bracara e Red Boys…grupos que tudo têm feito para contrariar o sistema que temos, grupos que tudo têm feito para mudar as mentalidades das suas terras e, graças a eles, por mais pequena que seja a luz ao fundo do túnel para o movimento Ultra Português…ela continua lá!

Ao fim de tantos anos, o que significa para ti a palavra Ultra?

Ultra é aquele que nunca o diz que é, Ultra é estar onde mais ninguém consegue estar,

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Ultra é apoiar quando mais ninguém tem forças ou moral para o fazer, Ultra é acreditar quando todos desistiram… um Ultra não faz sacrifícios para estar…sacrifício é não o conseguir.

Hoje, ao recordares o teu passado, o que te deixa mais orgulhoso?

Ter pertencido a um grupo de amigos com a ideia utópica de mudar mentalidades e impor a maneira de estar “Sou de Faro, Sou do Farense”.

Faro é uma cidade apaixonada pelo futebol, mas sofre também da clubite… amam o Farense, mas muitos têm também um segundo amor.

Os South Side nasceram para contrariar essa tendência, propagar o espírito bairrista e apoiar APENAS o Farense, e eu tenho o privilégio de pertencer a este grupo e ajudar a dar continuidade a esse projeto! Hoje olho para trás e, revendo todo o nosso percurso, confesso que é um orgulho imenso. Costumo dizer, desta vida não levamos nada, mas podemos deixar muito. Os South Side serão o nosso legado quando partirmos.

de hoje seja complicado explicar isso a uma criança com as influências contrárias que ele recebe diariamente, graças a Deus…é apenas Farense.

Quanto à mentalidade Ultra, não acredito que seja igual, é algo que apenas a própria pessoa poderá decidir, se realmente se revê na maneira de estar nesse modo de vida.

Quem se revê aproxima-se, nós só temos que saber receber e passar os valores. Farense por paixão, South Side por opção. A única mensagem que poderia dar seria… respeita, diverte-te e apoia APENAS o clube da tua terra.

Se actualmente um pequeno jovem Farense for ter contigo, dizendo que pretende juntarse a um grupo, dás-lhe algum conselho em especial?

Ao meu filho sempre transmiti os meus valores e a importância de defendermos apenas o clube da terra, embora nos dias

Quais foram as maiores influências no contexto das bancadas?

Cresci e evolui no movimento Ultra Português durante a década de 90 rivalizando com Ultras de enorme mística nos seus grupos, Fernando Madureira, Macaco, Gullit, Moreira, JP… desculpem-me todos eles, mas as minhas maiores influências de bancada foram os da minha Terra. Cresci vendo o nosso “Manu” nas redes do S. Luís, a loucura

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do Ivo na curva, da mistica do Bimbo na bancada, da intensidade da voz do “F”, da devoção, paixão,lealdade e mentalidade do “Valter”, do ritmo do tambor do “jonhy”... ou do “Palmeira”, da inspiração do Marroquino, da rebeldia do Leitão, do Alex, do Amaral, do Pimpão…do “Castilho” …do “R. Roque” …e da lealdade de muitos mais. Foi com eles que cresci, foi neles que me inspirei.

cibernético e o projeto da SSZine teve altos e baixos ao longo da nossa história.

No passado teve um papel preponderante na passagem dos ideais e todo o tipo de propaganda aos nossos sócios, era habitual nos intervalos de jogo ver Ultras a ler a mesma.

Os tempos mudaram… é mais fácil chegar às pessoas através de um site, Blog ou página, pois é mais fácil apanhar os miúdos em casa atrás de um teclado. Mesmo assim, acredito que é o meio mais pessoal e carregado de essência de transmitir ideias aos Ultras, mas isso sou eu que continuo preso ao papel e um pouco avesso a muitas tecnologias.

Qual a tua opinião pelo nosso projecto?

Nos tempos de mudança que passamos onde surge uma nova geração e junto da qual tentamos passar e defender os velhos valores, o vosso projeto tem tido um papel essencial.

O que faz falta no movimento Ultra português?

Será difícil mudar algo em Portugal, o problema é cultural e todo o sistema está a favor apenas da propaganda dos três grandes… quando tens uma comunicação social incapaz de fazer um serviço público e apenas dá destaque aos 3 grandes, quando a generalidade dos apoios financeiros são canalizados para os 3 grandes, é muito difícil contrariar esta máquina que está montada. Vamos vendo grupos pequenos com grande mentalidade que lutam contra este sistema, mas em Portugal será complicado combater o que quer que seja quando o movimento não é unido… O que faz falta? União no movimento Ultra nacional!

O que significam as fanzines para ti? Muito! Cresci consumindo Fanzines de toda a Europa, e tentei dentro do nosso grupo manter essa tradição que vem desde o primeiro ano. Não é fácil impor o papel num mundo

Um enorme obrigado por estenderem essa luta para fora das bancadas e um desejo de sucesso para o futuro.

Uma mensagem para os nossos leitores a pensar no futuro do movimento Apoiem o clube da vossa terra APENAS!!!

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DIREITOS

NO FUTEBOL

Nos últimos tempos tem-se falado bastante acerca dos direitos televisivos, muito por culpa da questão da sua centralização negocial. Este tema tem-se tornado de tal modo importante que já passou pela agenda do governo português. É, sem dúvida, um tema de relevo que poderá abrir a porta a algumas oportunidades.

Para contextualizar o que ocorre no presente em Portugal, devemos ter em mente que temos um modelo de negocial de direitos televisivos onde cada clube vende os seus direitos, fazendo-se valer da sua própria capacidade comercial enquanto marca, procurando atingir os melhores resultados financeiros possíveis. Sabendo de antemão que existe um enorme fosso histórico, que por várias razões separa os três maiores clubes portugueses dos restantes, não é difícil de entender que a diferença de verbas transacionadas neste negócio é igualmente significativa. E neste detalhe colidimos com uma das notas que o Governo deixou, a fim de justificar a sua posição, onde afirmam que

“no que concerne às receitas provenientes da comercialização dos mesmos, a diferença entre a sociedade desportiva que mais recebe e a que menos recebe é de aproximadamente 15 vezes, traduzindo-se, assim, em assinaláveis desigualdades quando se compara com países que já adotaram o modelo de comercialização centralizada. Por exemplo, em Espanha e em Itália a diferença é de 3 vezes mais, na Alemanha 2,5 vezes mais e em Inglaterra 1,3 vezes mais.”

Temos, portanto, de um lado uma barricada que une a grande maioria dos clubes portugueses, interessados em ver aumentadas as suas receitas provenientes deste sector, e do outro os três maiores clubes. Em defesa dos interesses destes últimos têm sido apresentados vários argumentos que tentam antever possíveis problemas que poderão vir em consequência da futura distribuição de receitas. Entre eles destacase aquele que afirma que, estes três clubes, vão perder competitividade fruto de uma redução parcial das suas receitas uma vez que

TELEVISIVOS
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estas receitas poderiam ser canalizadas para aumentar a força das suas equipas de modo a corresponder às expectativas de vitórias nos quadros europeus, onde para além de conseguirem maiores financiamentos, podem também conquistar pontos para o ranking português, levando a que mais clubes nacionais possam estar mais facilmente presentes nesse palcos.

Entre os estudos e apreciações que se têm feito à adopção deste novo modelo, encontramos dados como as estimativas de perda que têm sido apresentadas onde podemos verificar que tanto o Benfica, como o Porto ou o Sporting poderão ter perdas de receitas na ordem dos dos 10 a 25 milhões de euros. A única forma de esses clubes não perderem receitas, apresentadas nesses estudos, parece consistir em fazer com que o “bolo” total possa atingir o dobro do valor do somatório do que os clubes recebem actualmente. Não deixam de ser projecções mas as considerações que daqui advêm merecem ser consideradas. Alguns sectores temem que este processo que está em marcha traga consequências negativas, em função do que já referi atrás, tais como a perda de lugares directos na Liga dos Campeões e restantes competições europeias mas, principalmente, a descida no ranking e com isto um menor interesse externo no nosso campeonato, algo que, de resto, poderia prejudicar o alcance de objectivos financeiros ligados à centralização. Sem má fé, afirmo que, num país que habitualmente dá preferência aos três clubes, vejo a necessidade de considerar a informação, ao mesmo tempo que lhe aplico um filtro

O diploma determina:

sob pena de cair em narrativas que nada mais querem senão blindar a hegemonia desportiva dos mesmos.

No meio destas posições deve ser sublinhado que, para haver alguma decisão, teve de haver uma intervenção governamental que rege a tramitação deste futuro acordo, com uma directriz particularmente importante, que declara que os clubes estão proibidos de vender os seus direitos de modo individual a partir da época 2028/2029.

• A impossibilidade de as sociedades desportivas participantes nas I e II Ligas comercializarem de forma individualizada os direitos dos respetivos jogos relativos às épocas 2028/2029 e seguintes;

• Que a Federação Portuguesa de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional apresentem uma proposta de modelo centralizado de comercialização (até ao final da época desportiva de 2025/2026);

• Que a Autoridade da Concorrência aprove o referido modelo.

A conclusão a que se chega é de que, no ponto de vista do Governo, o actual modelo “traduz-se numa menor competitividade dos campeonatos e limita a concorrência nos mercados de comercialização destes direitos”. Acho estranho que perante uma afirmação destas ninguém se questione sobre como só chegaram a esta conclusão agora!? Pareceme proeminente dizer que, em Portugal, atrasouse deliberadamente a promoção de um campeonato mais competitivo, contribuindo para o aumento do fosso que separa os clubes que o compõem.

Alguns clubes têm expressado a sua vontade de antecipar o processo da centralização dos direitos televisivos para 2023/2024, mas aqui esbarram-se com um problema – as antecipações de receitas realizadas que, de algum modo, inibem a concretização da meta desta proposta. Uma coisa é certa, o ano de 2028 será o prazo máximo para finalizar este processo.

Apesar de este modelo trazer um maior equilíbrio financeiro entre os clubes, não será suficiente para melhorar

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o nosso campeonato e os nossos clubes. É preciso que todo este dinheiro não venha para servir os interesses e a ganância dos empresários. Espero estar errado mas, ou muito me engano ou, vão gerar uma inflação que beneficie os seus próprios negócios. Ainda assim, não quero esperar um cenário tão negro, tenho alguma esperança que este dinheiro possa ajudar na aposta necessária ao desenvolvimento e evolução dos próprios clubes, levando a que o campeonato fique nivelado por cima.

de encaixar naquilo que apelido de ciência exacta porém, os negócios que gravitam à volta dele possuem uma carga de incerteza ainda maior, colocando-nos de pé atrás relativamente a tudo e mais alguma coisa. Independentemente de o sistema se poder apresentar idêntico a um cartel, de os outros países não terem espaço na sua programação para acolher o nosso campeonato, de sabermos que não podemos pagar mais por assinaturas naquele que é dos países que paga mais por este serviço em função da

Antes de fechar a porta a este tema gostava de introduzir mais um dado, em tom de questão. Vocês sabiam que a NOS possui 25% da Sport TV, a Olivedesportos mais 25%, a Vodafone Portugal, outros 25% e a MEO mais 25%? Estes dados dão que pensar, e se não dão, pelo menos deviam. A começar por quem os vende, que está à espera que haja concorrência e as ofertas dos compradores se exponenciem naturalmente no mercado mas, segundo estes dados, esse será um cenário que parece estar vedado.

O mundo desportivo está longe

qualidade de vida dos seus habitantes, ou até de desvalorizar a nossa liga e nos empurrar a fazer com Espanha aquilo que a Bélgica está a fazer com a Holanda, não me restam muitas dúvidas sobre a necessidade de uma centralização dos direitos televisivos para potenciar os nossos clubes e, em segunda linha, mas não menos importante, o nosso campeonato.

Por J. Lobo 90
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Ninguém no seu perfeito juízo imaginava que a reedição do clássico Belenenses – Académica seria jogado na 3ª divisão nacional. Por razões diferentes ambas as equipas estão longe do lugar que devem ocupar na hierarquia do futebol luso, mas isso é outra conversa … Clássico é sempre clássico, e este não foi diferente nem deixou ninguém indiferente, pois foram vários milhares os espetadores que, numa tarde de Sol, trocaram o sofá e a areia da praia pelas bancadas do Restelo.

Mas vamos à razão de ser desta crónica, o apoio que veio das bancadas para o relvado dado por dois dos grupos mais antigos do país, a Fúria Azul e a Mancha Negra. E que apoio foi dado!

De Coimbra viajaram algumas

centenas de adeptos incluindo uma Mancha Negra sempre ativa e a apoiar e a incentivar a Briosa durante todo o jogo. Mesmo após o final da partida, e perante o resultado negativo que a equipa registou, o grupo nunca deixou de estar junto da equipa. Que continuem iguais a si próprios e que nunca desistam, pois a Académica precisa da Mancha como nunca precisou antes. Um abraço especial ao meu amigo JP que não via há muitos anos, apesar de trocarmos umas mensagens de vez em quando.

No que diz respeito à “minha” Fúria Azul, esteve ao nível dos últimos anos, onde tem sido parte fundamental nesta travessia do inferno a que o Belenenses desceu quando, por vontade dos Sócios, se separou da SAD e começou a caminhada rumo ao nosso lugar. Aliás, foi essa a frase que o grupo

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abriu no seu sector, na entrada das equipas: “Rumo ao nosso lugar”. O apoio, esse, foi constante durante os 90 minutos com o sector quase cheio e com o resto da bancada a acompanhar muitas vezes como vem sendo habitual.

Com o resultado favorável desde muito cedo, o ambiente na bancada azul foi sempre de festa e, no final, a equipa repetiu um ritual iniciado na 7ª divisão ao perfilar em frente ao sector da Fúria Azul batendo palmas ao compasso dos tambores e cânticos, não só do grupo como da grande maioria dos Sócios que ficam na bancada à espera deste momento de união.

Este “renascer” do Belenenses devolveu às bancadas do Restelo muitos Sócios e Adeptos, e a Fúria acompanhou esse crescimento no número de membros e na qualidade do apoio que é dado, em casa e em todo o lado como foi o caso da deslocação aos Açores para um jogo decisivo na época passada e onde o grupo esteve presente com mais de 50 elementos.

Quanto ao clássico, nas bancadas e dentro do relvado, foi de fazer inveja à maioria dos jogos da liga principal … e isto diz tudo!

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Imaginem aquelas situações de filme onde alguém que tenha estado em coma nos últimos 5/6 anos, agora já plenamente recuperado e cheio de saúde, vai a passar pelo Estádio do Restelo e vê em pleno sábado à tarde uma agitação, autocarro cheio de adeptos a chegar, uma boa moldura humana a circular em volta do estádio e pergunta, vai haver jogo!?? Quem joga… do outro lado responde, Belenenses contra a Académica… Uiii! Aquela cabeça, que esteve apagada da realidade da vida futebolista, pensa: que grande jogo da primeira divisão entre 2 clubes com muita história, vou ter de ir ver…

Na bilheteira vendem-se bilhetes a 10€ para sócios da Académica, 15€ público em geral… e pensa: para jogo de primeira divisão não está mau… sendo a malta de Coimbra como é, desenrasca sempre e é sempre prestável, alguém compra bilhetes de sócio e facilita a vida…

Ao receber o bilhete olha para um logo, liga 3!!! Então pergunta-se: o que é isto???

E alguém responde, é o logo da liga 3, nós e o Belenenses agora estamos a jogar na liga 3!!!! Espanto…

Mas caindo na real, são clubes com história, que não se adaptaram e prepararam para este novo futebol. Do negócio para uns,

do profissionalismo para outros, da evolução dos tempos modernos dizem ainda outros…

No que à Académica diz respeito, estamos onde estamos porque parámos no tempo, não nos adaptámos às exigências e profissionalismo que hoje em dia são necessários para andar a top no futebol, vivemos de um passado que, a meu ver, pouco futuro nos dará.

Clubes com história e com massa humana na sua retaguarda, sim poderemos dizer e nos dias que correm e em pleno mês de Agosto, mês tradicional de férias, ter mais de 3500 adeptos no estádio não é mau… para uma liga 3 então, pelo que vou vendo, foi bom.

Em Coimbra, e depois da queda ao inferno, havia uma grande expectativa para perceber como os adeptos iam responder a esta fase mais negra do seu clube. Perceber se vão estar a seu lado e ajudar a recuperar, se se vão afastar e deixar que somente os indefectíveis lá continuem sempre, independentemente da divisão!!??? Havia

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muitas dúvidas e a resposta foi bastante agradável…

Na Mancha Negra, também ela a viver pela primeira vez a saída da Briosa dos campeonatos profissionais, pois ainda em 2013 as suas faixas andavam a circular e marcar presença pelos jogos e estádios da liga Europa, havia muita expectativa para perceber como os seus ultras iam responder à chamada… e não sendo das mais brilhantes, foi uma resposta muito boa e marcada, mais uma vez, pela mentalidade forte de Amor à mágica Briosa…

De Coimbra, carregado de fé, saiu um autocarro lotado (e a exceder a lotação), e vários carros com membros do grupo. Em Lisboa mais membros da secção Lisboa e membros que estavam de férias juntaramse no sector ultra, mas o melhor sentimento do dia foi o estar novamente em liberdade!!! Inexplicável, chegar à porta e entrar sem grandes problemas todo o material do grupo, faixas, bandeiras grandes e pequenas, o tambor (saudades que já tinha de ouvir o ritmo das batidas na bancada) e o megafone, finalmente a liderança do apoio estava novamente entre nós…

Num jogo que nem sempre foi bem jogado, ainda me estou a habituar a este nível futebolístico, o apoio na bancada foi digno de liga 1, quer da parte dos ultras do Belém, também eles com todo o material, dando um enorme colorido ao sector, quer dos ultras da Briosa. A fome de bola, mas sobretudo a fome de bancada, e desta liberdade, levou a uma motivação tal que nunca nos calámos, apesar da desvantagem no marcador… o apoio foi de tal ordem, quer dos ultra como dos cerca de 700 adeptos presentes, que no final do jogo os jogadores e restante staff foram até a bancada agradecer…

Há que levantar a cabeça e, sobretudo, começar a pontuar… porque já vivemos este filme e temos a consciência que ainda há mais buraco para descer… por isso há que arrepiar caminho…

No início do jogo uma coreografia

da Fúria Azul a apelar ao regresso ao escalão que acham que é seu por direito, conversa que ouço também muitas vezes das gentes da Académica, mas se calhar neste futebol negócio este é mesmo o seu escalão…

Esperamos para ver como, em Coimbra, os ultras e restantes adeptos vão agora responder a este novo cenário de liga 3. Novos campos, novas viagens e, sobretudo, perceber tal como o lema diz: futebol Puro. Se for por tudo isto, já valerá a pena…

Por JP

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O CLAQUES PORTUGAL

Para introduzir, gostaria de sumariar aquilo que foi o nosso blog. Nosso, porque sempre foi de todos os ultras e todos os adeptos que semanalmente se deslocam ao estádio ou ao pavilhão.

Como ainda hoje é possível ler na página online claques-portugal.blogspot. com, o blog era uma proposta de Fanzine Online que teve início a 28 de Dezembro de 2004, contou com quase 5000 publicações, mais de 3 milhões de visualizações e viu a sua última publicação ser feita em Setembro de 2011. Foram quase 7 anos de muito trabalho. Viu muitos grupos organizados nascer e morrer, alguns com prazos de vida mais curtos que o próprio blogue, e foi escrito numa altura mais conturbada a nível de visibilidade política e, consequentemente, de legislação nacional.

Desde o seu início, o blog contou com muita coisa que hoje em dia é moda na dialética de qualquer influencer, como a colaboração muito forte com outros blogs de adeptos e Claques, participações cruzadas, entrevistas, que hoje poderiam muito bem ser bons podcasts, notícias ao segundo, e algo que a nossa imprensa já não tem, um revisor externo de todas as publicações. Esta revisão, por vezes, criava atritos com novos colaboradores, mas mais vale publicar menos com maior qualidade, pelo menos esse era o meu entendimento!

Levando o tema para um ponto que, na altura, despertava muita curiosidade, mas que não tinha nada de secreto, pelo menos para as situações offline, o blog contava, como chave de ignição, com o Luís Marques, que sou eu, que na altura pertencia aos Red Boys, e que sempre foi (provavelmente continuará a ser) sócio do SC Braga com cadeira anual no estádio. Mesmo hoje, que a vida não possibilita presença assídua

no estádio, a quota de sócio do clube e a cadeira anual estão em dia. Isto parte muito da minha crença de que eu estava e estou lá pelo clube. O ponto percursor do início do blog foi a minha curiosidade pela cultura não só das Claques mas também dos adeptos não só em Portugal como no mundo. Assim iniciei a minha jornada, conhecendo aquilo que nos movia.

Foi esta vontade que gerou a motivação das centenas de reportagens e dezenas de entrevistas que fiz, participações em convívios de outras Claques e clubes e até convívios entre Claques de clubes diferentes. As histórias continuam escritas no blogue pois decidi deixá-lo para a posteridade, como uma enciclopédia.

Ainda assim, o fim não se deve à minha saída

ERA UMA VEZ
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forçada aos 24 anos, mas sim à rejeição da responsabilidade por parte de outras pessoas envolvidas no projecto pois, como disse anteriormente, este não era um projecto pessoal. Gostaria de aproveitar este espaço para agradecer a todos aqueles que contribuíram para tornar possível este projecto que numa altura em que a Internet ainda não era acessível a todos chegou a atingir 8000 impressões diárias. Essas pessoas sabem quem são e, por diversos motivos, também nunca quiseram os seus nomes escritos para a posteridade. Esses apoios iam desde redação e fotografia à abertura de portas para comunicação com as Claques ou mesmo a cedência de bilhetes para podermos ter colaboradores nos estádios. Não vou mencionar nomes pois não tive tempo de contactar todos eles e alguém iria ficar injustamente de fora, mas vou mencionar que os apoios iam de revistas e jornalistas a membros e líderes de Claques, todos eles pessoas incríveis que me moldaram enquanto pessoa.

Virando agora o leme para um assunto que nos une, relativamente ao qual gostaria de começar por congratular a APDA pela ação na luta contra a inconstitucionalidade da perseguição dos grupos organizados de adeptos, ultimamente mais personificado no cartão do adepto. Os meus parabéns, pois subiram a um nível que eu jamais esperaria ver alguém subir. Pena é que a generalidade dos adeptos que vão ao estádio ou ao pavilhão não entenda que esta é uma luta de todos.

Vi forças de segurança apresentarem-se de forma repressiva através de equipamentos, armas e animais visíveis em frente aos adeptos. Vi um Leiria vs Braga que jamais poderei esquecer, em que 5000 adeptos do Braga se viram obrigados

a descalçar para entrar num estádio que pouco mais teria que 300 pessoas da equipa local no extremo oposto do estádio. Vi um senhor comissário que, por alguma frustração pessoal, decidiu abrir uma lata de gás pimenta para cima de adeptos que nada tinham a ver com Claques, inclusivamente os meus pais. Lembro-me de só ter força de os puxar para um sítio que parecia mais calmo, embora sem garantias, porque éramos cercados como um rebanho de ovelhas. Tal como a nós, aconteceu a muitos outros adeptos de muitos outros clubes. Vi provas de uma ação injustificada e vi notícias nos telejornais de que os adeptos são os maus da fita enquanto outros polícias que zelam pela nossa segurança diariamente eram condenados por interferir em crimes reais, fossem eles de colarinho branco ou colorido.

Tudo isto me fazia

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acreditar que aqueles agentes em particular, pagos com os nosso impostos e o dinheiro dos nossos clubes, mais apetrechados que o mais comum agente da autoridade, sobre o qual tanto se fala de condições precárias, não era melhor que nós. Aliás, a célebre expressão “molhar a sopa”, que eles tanto gostavam de utilizar, só demonstrava a falta de relação com aquilo que deveriam defender, que deveria ser um ambiente seguro. Não passavam e ainda hoje não passam de mais um “grupo” com a diferença de que estão armados, o que faz deles perigosos como já se provou.

E desengane-se quem acha que são as fanzines que nos colocam na lista negras, porque nós já constamos na ficha, mais catalogados e fotografados que um qualquer jogador de futebol. E deste misto de acontecimentos e sentimentos surgiu a iniciativa “Somos Adeptos, não somos criminosos” com ênfase para o “Somos Adeptos” em primeiro lugar. Na altura a ação foi protagonizada por mais de uma dezena de Claques e uns quantos adeptos independentes, mas ainda assim considerei um fracasso pois isto era uma ação por todos. Não alcançar pelo menos 50% do apoio do público alvo era para mim insuficiente.

A campanha foi divulgada, não só online, mas em mãos em diversos estádios. Pessoalmente falei com pessoas que nem conhecia em diversos estádios para lhes dizer “contamos convosco” e muitos outros apoiantes do blog e da iniciativa fizeram o mesmo. Hoje a luta está nas vossas mãos e vejo uma força maior que a nossa pelo que vos desejo a maior sorte nesta jornada!

E por fim, os meus parabéns à Cultura de Bancada por se dedicar a trilhar um percurso que sei ser difícil e que implica dar muito mais que receber. Muita força no vosso percurso!

Por Luís Marques

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momento temos até uma série na Liga 3 com vários exemplos de clubes que têm história noutros patamares e acabaram por cair em competições inferiores. Os motivos são os mais variados.

No que toca a esta liga, acho que vários clubes começaram a perceber que necessitam urgentemente de reconquistar a sua identidade, muitos com assistências que não tinham noutras ligas.

A UD Leiria começou esta época a mudar o seu paradigma, fez uma mudança drástica na maneira como o futebol está

pensado. Acabou com a venda de bilhetes com o objetivo óbvio de trazer pessoas ao estádio e criar uma habituação à população leiriense de ir ver a bola aos fins de semana.

Para além disso resolveu criar uma envolvência em torno do jogo, fazer de cada duelo do clube uma festa para o povo, com concerto, atividades para os mais jovens, criação de uma “fanzone” dedicada aos adeptos da casa, porco no espeto e muita cerveja!

Resultado? Cerca de 12.500 adeptos do estádio a assistir ao jogo. Isto possibilitou também retorno financeiro para o clube. Não vendeu bilhetes, mas as camisolas oficiais da época esgotaram em

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menos de duas horas, o merchandising esgotou, os bares esgotaram e mais importante que isso, as pessoas aderiram ao jogo, levaram os filhos ao estádio, foram em família.

Tivemos a terceira melhor assistência de toda a jornada.

Será este o caminho? Não sei responder a isso neste momento. Inicialmente era contra pois considerava que toda esta envolvência estava a desvirtuar o espetáculo que é o futebol, mas temos de nos enquadrar na realidade de cada um e, neste momento, começo a ver retorno de toda esta iniciativa com o aumento da procura das pessoas para se tornarem sócias do clube, e ao ver cada vez mais jovens a carregar o Símbolo do clube ao peito.

Numa altura em que os clubes desprezam cada vez mais os seus adeptos, houve uma estratégia clara de aproximar os nossos do estádio e, independentemente do resultado, tiro o chapéu à tentativa.

Nós, enquanto Grupo, e dado o crescimento que tivemos o ano passado com a fase final de acesso à liga 2, também sentimos esse crescimento pois, cada vez mais, os jovens procuram juntar-se a nós para apoiar a equipa de uma forma mais ativa. Cabe-nos agora implementar os valores que consideramos corretos.

Ao terminar esta crónica já tivemos mais um duelo entre históricos, desta vez contra a Académica e a lotação passou de 12.500 para sensivelmente 17.000 espectadores, conseguindo superar, em conjunto, os jogos de dois eucaliptos nacionais.

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Por P. Alves e M. Bondoso CULTURA DE ADEPTO

Na variedade de livros sobre a tematica dos adeptos, há alguns que conseguem ser bastantes especificos. Nesta edição trazemos dois livros fotográficos que entre si também são bastante diferentes.

Um é o retrato de um dia histórico para os adeptos vimaranenses, o outro é o retrato de uma vida passada a fotografar campos de diversos quadrantes.

“O livro é uma extensão da memória e da imaginação!” José Luís Borges

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We Stand

Internacional

Internacional

#westand

Autor: Andrea Rigano

Equipa: N/A

Ano: 2020

Páginas: 192

Preço: 28,50eur

Este livro editado a Julho de 2020, apresenta o trabalho do autor nos campos de futebol italianos de 2003 a 2010 e pretende mostrar os ultras tal como são, sem preconceitos, com as partes boas e más, mas puras e sinceras. O Livro está dividido em duas partes, uma com fotos de cachecoladas, coreografias e presença nas bancadas. A segunda retrata manifestações de rua, confrontos com a polícia e cortejos de deslocações. As fotos ocupam a totalidade da página o que dá a sensação de estarmos a ver a foto em grande zoom, uma vez que o formato também é idêntico a uma foto bem grande.

Para quem gosta de fotografias ultra, este é, sem dúvida, um excelente registo sempre com uma qualidade acima da média em fotografia profissional.

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Dia V

Nacional

Nacional

Dia V

Autor: N/A

Equipa: Vitória SC

Ano: 2022

Páginas: N/A

Preço: 25eur

A 26 de Maio de 2013, defrontavam-se, no Estádio Nacional, o SL Benfica e o Vitória SC, em mais uma final da Taça de Portugal. Este evento, que a equipa Vimaranense venceria por 2-1, acabaria por ser o mote de um livro fotográfico chamado “O Dia V”.

Este livro nada mais é do que o retrato, em imagens, daquele dia aos olhos de 3 fotógrafos: o ambiente na mata, os picnics, os autocarros, as coreografias na bancada, os cânticos, os golos, as celebrações.

Ao desfolhar as várias páginas, o leitor quase consegue sentir aquilo que os milhares de adeptos minhotos viveram nessa tarde no Jamor.

Não sendo propriamente um livro ultra, apesar das belas imagens das claques do Vitória, acaba por resultar num trabalho interessante que enaltece aquilo que o verdadeiro Ultra gosta de sentir, de viver e de experimentar numa final de Futebol.

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A GUERRA DO FUTEBOL

Há, na história das qualificações para campeonatos do mundo de futebol, um episódio que caiu no esquecimento, mas que na época se revestiu de uma tremenda importância, e que algumas crónicas afirmam até ter sido o catalisador para o despoletar de um conflito armado entre duas nações localizadas na América Central.

Os países envolvidos foram El Salvador e as Honduras, duas repúblicas vizinhas, que para além da língua partilham muitas outras semelhanças culturais. El Salvador é o mais pequeno país da América Central, e debatia-se, em meados do século XX, com problemas causados pela sua elevada densidade demográfica. A somar a essa situação, havia também a questão do controlo de grande quantidade dos solos aráveis do país por parte duma pequena elite de proprietários de latifúndios, situação que tornava insustentável a vida de milhares de camponeses pobres. Em busca de terras para cultivar, muitos salvadorenhos atravessaram a fronteira e migraram para o país vizinho, as Honduras, que possuíam um território seis vezes maior e uma concentração demográfica bastante mais baixa. Na década de 1960 eram aproximadamente 300 mil os salvadorenhos radicados nas Honduras.

É então que o governo local dá início a um processo de reforma agrária, deixando “intocadas” as grandes propriedades detidas pelas multinacionais dos Estados Unidos

que se dedicavam à produção de banana, e expropriando exclusivamente os imigrantes provenientes de El Salvador. O governo de El Salvador, temendo as consequências e conflitos que podiam advir do regresso de tão grande diáspora a uma zona já de si tão sobrecarregada, ordenou que se fechassem as fronteiras, retendo assim os camponeses no país vizinho, situação que fez crescer a tensão diplomática entre os governos dos dois países.

É neste contexto político e social, que as duas selecções disputam uma eliminatória de acesso ao Campeonato do Mundo de 1970 que se viria a disputar no México. A Concacaf contava habitualmente com apenas uma vaga de acesso para os mundiais, mas visto que o México normalmente garantia essa vaga por ser o país anfitrião, as outras selecções menos poderosas lograram sonhar com a presença na emblemática competição.

O primeiro jogo foi disputado em Tegucigalpa, capital das Honduras, a 8 de Junho de 1969. Na noite anterior, adeptos locais tomados por um fervor patriótico exacerbado pela propaganda transmitida pelo governo e comunicação social, concentram-se junto ao hotel onde iriam pernoitar os jogadores da selecção rival, e entre gritos, buzinas e apedrejamentos às janelas do edifício, tornaram impossível que os jogadores salvadorenhos tivessem o conveniente descanso.

O jogo foi vencido pelas Honduras, que garantiu o triunfo já perto do final do jogo. Este desaire foi tão doloroso para o orgulho dos patriotas salvadorenhos, que segundo o relato de Ryszar Kapuscinski, uma jovem chamada Amelia Bolaños, pegou no revolver do pai e suicidou-se depois de assistir pela televisão ao golo da seleção das Honduras.

Todo este clima de tensão

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foi escalando, e a segunda mão viria a demonstrar isso mesmo. Uma semana após o primeiro jogo, disputou-se em El Salvador o jogo que poderia decidir a eliminatória, mas uma vitória contundente da equipa da casa por 3-0, levou a que a decisão sobre o vencedor fosse adiada para a negra, disputada em território mexicano uma vez que os salvadorenhos tinham pago com a mesma moeda a hostilidade hondurenha. Na noite que antecedeu o jogo, os adeptos de El Salvador fizeram semelhante tropelia àquela que tinha sido feita dias antes pelos rivais. Juntaram-se também nas imediações da unidade hoteleira onde se encontravam os rivais e chegaram inclusivamente a arremessar ratos mortos para dentro do local. Os internacionais das Honduras, escapuliramse disfarçados do hotel, e procuraram refúgio em habitações de conterrâneos radicados em El Salvador por forma a conseguir algum descanso, mas toda esta envolvência levou a que sofressem uma pesada derrota e a que a fadiga e o cansaço fossem notórios nos jogadores.

diplomáticas com o país vizinho, e as tensões foram escalando, redundando num conflito bélico que rebentou no dia 14 de Junho, escassas três semanas volvidas do jogo decisivo. El Salvador que era mais poderoso militarmente, bombardeou território hondurenho e encetou mesmo uma invasão da qual resultariam vários milhares de vítimas mortais, apesar desta confrontação ter durado apenas quatro dias e terminado sem vencedor aparente e com a intervenção da Organização dos Estados Americanos.

Os relatos do jornalista e escritor polaco Ryszard Kapuscinski valeram ao conflito o epiteto de “A guerra do futebol”, nome do livro que o autor acabaria por editar depois de ter coberto “in loco” o conflito. A verdade é que a origem do conflito transcende em muito o futebol, e é inegável também o carácter sensacionalista e fantasioso do livro, em que se registam várias imprecisões e histórias fabuladas, nomeadamente a do suicídio da jovem Amelia Bolaños, que não consta em registo algum, e, jogadores da selecção hondurenha da época, que segundo os relatos de Kapuscinski assistiram ao cortejo fúnebre, afirmam não se recordar de nenhum episódio do género.

Este jogo ficou também marcado por violentos confrontos que vitimaram mortalmente dois hondurenhos segundo relatam algumas fontes. Para além disso o Hino Nacional das Honduras foi vaiado e um “pano de chão” foi hasteado em vez da bandeira. O Estádio Azteca na Cidade do México, foi o local escolhido para o desempate, e a vitória viria a sorrir por 3-2 a El Salvador, num jogo decidido já no prolongamento. Curioso é que horas antes do encontro, o governo de El Salvador anunciou o corte de relações

Na verdade, o conflito foi motivado por questões económicas e geográficas, mas ambos os governos, percebendo o potencial mobilizador do futebol, utilizaram estes encontros para exacerbar o sentimento patriótico e o ódio pelo país vizinho. Kapuscinski “adornou” o livro de forma ficcional de modo a que este se tornasse mais “vendável”. Certo é que a selecção de El Salvador, depois de derrotar as Honduras, viria a levar de vencido o Haiti na eliminatória seguinte, garantindo desta forma presença no Campeonato do Mundo do México, e ficando enquadrado no grupo que contava com o país anfitrião juntamente com a Bélgica e a União Soviética, tendo averbado três derrotas nos três encontros realizados.

Por J. Sousa 105

DESASTRE NA INDONÉSIA

Pensávamos que a elaboração de artigos sobre desastres em estádios de Futebol ia ficar pelo que foi publicado no número 3 da Cultura de Bancada, mas infelizmente estávamos enganados. Foi muito triste assistir a mais um episódio lamentável, daqueles que não se enquadram na suposta evolução humana.

Cento e vinte anos depois de se ter registado o primeiro acontecimento deste género, por incrível que pareça, a tragédia acontecida no passado 1° de Outubro é uma das maiores de sempre, devido ao número de vítimas mortais e de feridos.

O Kanjuruhan Stadium recebeu o derby tradicional da região de Java Oriental, entre o Arema FC e o Persebaya Surabaya, clubes de cidades separadas por cerca de 90 km. É um confronto com grande história, vivido sob fanatismo extremo. Há 23 anos que o Persebaya Surabaya não vencia em casa do Arema e os homens da casa já sabiam que os adeptos só admitiam a vitória.

O Arema tem nos seus quadros dois jogadores portugueses, Sérgio Silva e Abel Camará (que marcou dois golos neste jogo), e também um preparador físico português, João Pedro Moreira. Ao intervalo registavase um empate a dois, empate esse desfeito pelo Persebaya aos 51’. O jogo terminou com esse resultado, perante uma assistência em

possível sobrelotação, num estádio com 38 mil lugares.

Ao apito final do árbitro, a comitiva do Persebaya Surbaya recolheu logo aos balneários em corrida. A equipa da casa continuou no relvado por alguns minutos, enquanto os jogadores se lamentavam e agradeciam o apoio dos adeptos, embora não o tenham feito com a habitual “volta olímpica” uma vez que o ambiente estava tenso, com os adeptos a vaiarem a equipa e a atirarem objectos para o relvado. A comitiva visitante abandonou o estádio poucos minutos após o jogo, deslocando-se em tanques blindados da polícia, fortemente escoltados por muitos agentes mobilizados em motos, carros e camiões da polícia e do exército. Mesmo assim, esses tanques blindados foram atacados à pedrada.

Enquanto isso, alguns adeptos invadiram o campo para chegarem até aos jogadores do Arema ou por “simples diversão”. O jogador português Sérgio Silva relatou que um dos adeptos pediu aos jogadores para lutarem mais pela sua equipa e que parecia que outros procuravam explicações dos intervenientes para o resultado negativo. Daí para a frente, começaram a entrar centenas de adeptos e em segundos o relvado ficou

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repleto deles. Como as imagens comprovam, diversos jogadores foram abraçados pelos adeptos. Contudo, tem sido difundida a informação de que a invasão foi uma forma de protesto contra a viciação de resultados, concretizada através de apostas. Os jogadores do Arema regressaram ao balneário sem sofrer agressões, apesar do descontentamento de muitos adeptos, barricando-se por mais de quatro horas. Durante essas horas, viveram momentos de enorme angústia e ansiedade, sem saber se o que ouviam era uma espécie de revolta contra eles ou simples sofrimento das pessoas que passavam pelo exterior do balneário. Acabaram por auxiliar adeptos que estavam em agonia, abrindo-lhes a porta do balneário e prestando alguns cuidados. Os portugueses relataram ainda que várias pessoas morreram à sua frente e só saíram do balneário quando a polícia conseguiu evacuar todo o estádio. No caminho até casa viram um verdadeiro cenário de guerra, com tudo destruído e imensas marcas do sofrimento humano vivido naquela noite.

A invasão de campo dos adeptos locais foi seguida de uma atuação policial baseada em agressões desmedidas e no lançamento de muitas munições de gás lacrimogéneo. Isso resultou no retorno descontrolado dos invasores às bancadas e consequente atolamento nas saídas dos sectores, provocando o esmagamento e atropelamento das pessoas que tentaram fugir. Outra das causas das muitas mortes foi a inalação de gás lacrimogéneo.

O uso de gás lacrimogéneo nos estádios é proibido pela FIFA, o que não

é nada abonatório para a Indonésia, país escolhido como sede do Mundial Sub-20 e pretendente à organização da Taça da Ásia no próximo ano.

À posteriori registaram-se graves incidentes nas ruas de Malang tendo sido vandalizados, pelos menos, 10 carros da polícia e outros de civis. Também foram danificadas viaturas policiais dentro do estádio.

Inicialmente as autoridades avançaram dados do falecimento de 174 pessoas, tendo retificado o número para 125 indivíduos, entre os quais 32 crianças. No dia seguinte, houve um memorial em homenagem às vítimas, nas imediações do estádio, onde havia pessoas à procura de familiares que foram ao jogo e permaneciam em parte e estado de saúde incógnitos.

Por consequência, têm sido tomadas diversas medidas. A Liga Indonésia suspendeu o campeonato por uma semana e interditou o estádio do Arema até ao fim da temporada. O chefe da polícia local foi demitido, 9 agentes estão suspensos e 28 estão a ser investigados pelo lançamento de gás lacrimogéneo e por outros possíveis crimes, como o uso excessivo de força, uma vez que praticaram agressões brutais e desumanas. Por sua vez, o presidente indonésio anunciou que vai indemnizar as famílias das vítimas mortais com 50 milhões de Rúpias, cerca de 3350€. É hora de aprender com a história...

Por L. Cruz

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