Cultura de Bancada - 9º Número

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04 Editorial Sem cartão, mas com identificação 06 APDA

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HISTÓRIA DO movimento organizado de adeptos nos países baixos

de Ligação 16 Oficial com os adeptos

conversa com 20 àanatorg

24 fotografia e a bancada 26 Memórias da bancada 34 resumo da bancada da arquibancada luta torcedora 44 Ase amensagens

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ultras com história gonçalo dias

A BOLA TRANSFORMOU A CLÁSSICA PROVA DE CICLISMO PORTO -LISBOA em PORTO-ALCOBAÇA 50 QUANDO

52 afc wimbledon feminino bancada 54 Onamovimento

60 de olhos na bancada de lés-a-lés 62 portugal

64 clássico visto da bancada 66 cultura de adepto 70 a clockwork orange 3


Edito Os últimos dois meses, ao contrário do que podíamos esperar, têm sido agitados em vários pontos mas, primeiro, antes de passar a bola para eles, gostaríamos de deixar umas palavras sobre um assunto que chegou ao nosso conhecimento. Após o lançamento do último número soubemos que estavam a ser partilhados, em grupos “privados” de várias plataformas, os documentos referentes aos números 7 e 8 da Cultura de Bancada. É muito estranho para nós, que trabalhamos gratuitamente neste projecto, ver a Cultura de Bancada a ser partilhada juntamente com vários jornais e revistas com custo associado. Se os conteúdos fossem pagos ainda podiam existir argumentos, independentemente da sua validade, para justificar a pirataria de que fomos alvo, mas, até hoje, este projecto foi de acesso universal e gratuito. Acreditamos que a palavra respeito deve imperar nesta como em outras situações e é isso que esperamos dos nossos leitores. O respeito de utilizar os nossos canais oficiais para aceder aos conteúdos que produzimos para os adeptos portugueses. Acreditem que não é “por acaso” que o nosso mundo está como está e, como já dissemos em tempo, está na hora de nós sermos a mudança que queremos ver. Que aqueles que querem “ser mais papistas que o Papa” reflitam um pouco sobre a situação. Sob pena de, se isto continuar assim, perderem aquilo que nós temos dado. Em frente, o cartão foi revogado e actualização da Lei já saiu em Diário da República. Devemos todos reter a introdução que passamos a reproduzir: “Revoga o «cartão do adepto», eliminando a discriminação e a estigmatização em recintos desportivos, alterando a Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, que estabelece o regime jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos”.

Director J. Lobo

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Redacção L. Cruz G. Mata J. Sousa

Design S. Frias M. Bondoso

Revisão A. Pereira


orial2 O negrito evidencia o importantíssimo reconhecimento do legislador da discriminação e estigmatização associada ao cartão do adepto porém só o cartão do adepto caiu porque as leis que suportavam a discriminação e estigmatização estão lá todas! Parece-nos fácil de antecipar que o boicote às “jaulas” irá continuar. Com ironia acrescentamos que se não fosse o reembolso previsto a quem fez o cartão do adepto, estava tudo perdido. A pandemia voltou a afectar drasticamente o acesso aos recintos desportivos e, assim, todos os adeptos precisaram de voltar a fazer testes para poderem assistir a eventos desportivos, o que provocou um decréscimo brutal nos números. A partir de 10 de Janeiro os adeptos que tomaram a dose de reforço da vacinação contra a Covid-19 necessitam apenas de mostrar o certificado, dispensando o teste para aceder aos recintos. Do berço do futebol chegam-nos notícias que deitam por terra a pseudo ideia governativa portuguesa da evolução das bancadas. Desde o dia 1 de Janeiro que 5 clubes (Cardiff City FC, Chelsea FC, Manchester City FC, Manchester United FC e Tottenham Hotspur FC) puderam licenciar zonas (safe standing areas) para que os adeptos que preferem ver um jogo de pé o possam fazer... e sem cartões de adeptos nem qualquer mecanismo semelhante. Por fim, foi lançado recentemente o Guia Prático do Oficial de Ligação ao Adepto o que nos deixa com a expectativa de que possa ajudar a revitalizar o propósito da existência desta figura. Um bom ano 2022 para todos os nossos leitores com o desejo que os adeptos continuem em frente na sua afirmação e valorização cultural!

Convidados Martha Gens Claudinho

J. Campos Irlan Simões Gonçalo Dias

Eupremio Scarpa Xana Joao Araújo

S.Peixoto Joao C. P. Alves

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Sem cartão - mas com identificação! Diário da República, 1.ª série N.º 243

17 de dezembro de 2021

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ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA Lei n.º 92/2021 de 17 de dezembro Sumário: Revoga o «cartão do adepto», eliminando a discriminação e a estigmatização em recintos desportivos, alterando a Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, que estabelece o regime jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos.

Revoga o «cartão do adepto», eliminando a discriminação e a estigmatização em recintos desportivos, alterando a Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, que estabelece o regime jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte: Artigo 1.º Objeto

A presente lei revoga o cartão de acesso a zona com condições especiais de acesso e permanência de adeptos, abreviadamente designado «cartão do adepto», de forma a reforçar as medidas de segurança nos espetáculos desportivos, procedendo à quarta alteração à Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, que estabelece o regime jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, alterada pelo Decreto-Lei n.º 114/2011, de 30 de novembro, e pelas Leis n.os 52/2013, de 25 de julho, e 113/2019, de 11 de setembro.

forma que escolhem apoiar o seu clube. É sabido que ainda durante o ano Artigo de 2.º De tal forma assim era, que a lei que 2021 foi revogada a lei que nos trouxe o cartão Alteração à Lei n.º 39/2009, de 30 de julho do adepto - conhecido em todo o mundo, mas revoga este Cartão do Adepto se intitula como a artigos 10.º-A, 10.º-B, 16.º-A, 25.º, 26.º, 42.º 46.º“Revoga da Lei n.º 39/2009,do deadepto», 30 de julho, Leieque o «cartão eliminando pelos pioresOs motivos. passam a ter a seguinte redação: Em Portugal, esta previsão assentava a discriminação e a estigmatização em recintos «Artigo 10.º-A basicamente na necessidade de obtenção de um desportivos” – assumindo que a lei anterior na cartão através de um mecanismo burocrático[...] verdade era discriminatória e estigmatizadora. e administrativo, E agora? O que nos espera desta 1 — [...] para que qualquer um de 2 — [...] nós pudesse aceder às zonas com condições alteração legislativa? Teremos um retorno à — [...] especiais de34 acesso e permanência de adeptos, realidade anterior? — [...] A Lei n.º 92/2021 de 17 de dezembro, uma vez que apenas aí é permitido o uso de 5 — [...] [...] materiais de6 — apoio, nomeadamente bandeiras entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2022 e traz7 — [...] nos novidades – fundamentalmente, é abolido o com dimensões superiores a 1x1m. 8 — [...] Cartão Adepto,desão mantidas as zonas com Obviamente que esta ferramenta 9 — A falta de designação do gestor de segurança ou ado designação gestor de segurança condições especiais de acesso e permanência de era altamente lesiva dos mais nofundamentais sem as habilitações previstas n.º 2 implica, enquanto a situação se mantiver, a impossibilidade serem realizados espetáculos desportivos no recinto desportivo. adeptos, e o seu acesso é agora feito através do direitos de dos adeptos – além de ser um atentado — [...] aos nossos 10 mais básicos direitos, liberdades e igualmente pouco simpático, bilhete nominal. Artigo 10.º-B A aquisição de bilhetes para estas garantias, acabava por estigmatizar uma gigante franja de adeptos, em função da bancada e da[...] zonas mantém-se online e apenas se concretiza

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1 — [...] 2 — [...]


através da cedência dos dados constantes de um documento de identificação - que a lei não discrimina qual e por esse motivo, é nosso entendimento, que pode ser tanto o cartão de sócio do clube como o cartão de cidadão. Aleatoriamente, pode ser solicitada identificação do portador do bilhete nestas zonas, à entrada do estádio ou mesmo no decorrer do jogo. Já para os menores de 16 anos, não podem entrar nas ZCEAP se não estiverem acompanhados de um maior. As questões de implementação no terreno são imensas – louvamos quem quis cortar com o Cartão do Adepto, mas não deixamos de lamentar que o assunto se tenha tornado, tanto na discussão que precedeu esta alteração, como na sua versão final, uma arma de arremesso entre partidos políticos, em período pré eleições. Fundamentalmente, doravante, os bilhetes para estas zonas são adquiridos online, em plataforma electrónica que seja usada pelo promotor, e apenas são emitidos com nome e informação constante de documento identificativo – que na nossa óptica, pode ser qualquer um, desde o cartão de sócio, como bilhete de época ou cartão de cidadão. Durante o jogo ou à entrada do sector, pode ser solicitado aos adeptos a sua identificação, para confirmação com o nome do bilhete – diz a lei, que esta verificação deve ter em consideração uma amostra adequada e proporcional dos adeptos, seleccionados de forma não discriminatória – a ver vamos. Mesmo antes de percebermos como é que tudo isto está a funcionar, não podemos deixar de notar que a esquizofrenia com a cega identificação dos adeptos que veem o futebol nesta bancada – não há cartão, mas não se pode dizer que tenha desaparecido a catalogação de adeptos – pois se optarmos por outra bancada, a nossa identificação deixa de ser uma questão. Por Martha Gens, presidente da Associação Portuguesa de Defesa do Adepto

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Países baixos … Um belo país, muito peculiar. Localizado junto à Belgica e à Alemanha, tem cerca de 27% da sua área abaixo do nível do mar. A sua capital é Amsterdão, sendo que a sede do governo é em Den Haag, cidade que é considerada “capital judicial do mundo”, uma vez que estão lá sediados quatro tribunais internacionais. O país das tulipas é um dos mais liberais do mundo, quanto a política e economia, sustentando a legalização de drogas, prostituição, eutanásia e aborto, tendo sido a primeira nação a reconhecer o casamento homossexual. Em1deAgostode1920foifundadaaprimeiraassociaçãodeadeptoholandesa.Temonome“Supportersvereniging P.S.V”, sendo sua criação impulsionada pelo empresário Anton Philips que fundou a empresa eletrónica Philips com o seu irmão. O Philips Sport Vereeniging está umbilicalmente ligado à empresa, uma vez que foi fundado por trabalhadores da mesma. Atualmente a associação é composta por 15.000 membros. “De Feyenoord Supportersvereniging” foi fundada em 3 de Maio de 1931, por adeptos do Feyernoord que sentiram a necessidade de se organizar para protestar contra a direção do seu clube, uma vez que tinham decidido disputar um jogo caseiro contra o Ajax em casa do vizinho Sparta. É imperioso referir que ambas as associações mencionadas, até ao final da segunda guerra mundial, eram compostas por algumas dezenas de membros. Em 2016, a associação “De Feyenoord Supportersvereniging” fundiu-se com a “De Feijenoorder”, o que levou a alteração do nome para “F.S.V. De Feijenoorder”. Esta associação coordena várias ações das quais destacamos: o financiamento e organização de coreografias e ainda espetáculos de pirotecnia. A coreografia que se pode considerar mais simbólica, realizada pela associação, é demonstrada, anualmente, no jogo de apresentação. Consiste num painel repleto de nomes de pessoas falecidas que estiveram significativamente ligadas ao clube fossem eles adeptos, jogadores, treinadores, dirigentes, entre outros, associando a esta coreografia um minuto de silêncio em sua memória. A associação tem a responsabilidade de gerir a famosa “De Legioenzaal”, sede na qual organizam convívios, nomeadamente, noites de “discoteca” na véspera do dia de jogo. O estilo de música “Gabber” é indispensável naquele meio, estilo esse que foi criado por um adepto do maior clube de Roterdão. O consumo de drogas e álcool é muito usual naquele âmbito.

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Puxamos a fita atrás para recordar como o país lidou com as Grandes Guerras Mundiais. Devido à capacidade de negociação dos seus diplomatas, mantiveram uma posição neutra durante o primeiro conflito. O cenário foi diferente da segunda vez. Apesar da vontade dos políticos neerlandeses ser a mesma, o exército alemão invadiu o seu território. Durante a ocupação nazi mais de 100.000 judeus foram presos e enviados para os campos de concentração. Aquando da derrota germânica, apenas 876 estavam vivos, o que teve influência em clubes como o Ajax, que estavam profundamente ligados à comunidade judaica. Após a Segunda Guerra Mundial as associações de adepto evoluíram, fruto do crescimento do número de membros. Desde cedo, mobilizavam-se para apoiar em casa e fora, viajando preferencialmente em comboios e autocarros. Com o trabalho foi surgindo a comercialização de acessórios de apoio, muitas vezes produzidos e vendidos exclusivamente por associações de adeptos, o que impulsionou o surgimento das lojas dos clubes. Apareceram também as fanzines, as produções de LP’s e CD’s. Diversas associações estavam intimamente ligadas às direções dos clubes, usufruindo da cedência de espaços para criação de sedes e outras vantagens. Por outro lado, algumas associações preferiam ser independentes. Em alguns casos, houve associações que contribuíram financeiramente para evitar a banca rota dos seus clubes ou que ajudaram a melhorar as infraestruturas dos seus estádios. Nos anos 70 o apoio nas bancadas evoluiu. Adaptavam-se músicas populares e cânticos de igreja e surgiam as primeiras bandeiras holandesas com inscrições. A violência associada ao futebol era muito pouca em comparação às décadas seguintes. O exemplo de como se deu a evolução do “tifo” no Twente é bom para perceber o caminho que se trilhou na Holanda. A partir da década de 70, o apoio surgia a partir da Vak-Q (“Vak” quer dizer sector). Os jovens entusiastas que queriam juntar-se ao apoio não tinham dinheiro para pagar o bilhete, então, entravam pela Vak – P. Sorrateiramente passavam por debaixo da vedação e juntavam-se aos mais velhos, tentando acompanhar os seus cânticos. Alguns jogos mais tarde, os jovens começaram a aparecer munidos de pirotecnia. Por vezes usavam-na indevidamente, o que levava à reprovação da velha guarda. Importa referir que a polícia era a favor

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desta união no mesmo sector, pois consideravam ser mais fácil controlar os tumultos. A 29 de Maio de 1974, disputou-se a segunda- mão da final da taça UEFA no estádio De Kuip, entre Feyenoord e Tottenham. Após 2-2 em Londres, os holandeses venceram 2-0 e deu-se o primeiro grande caso de violência associada aos adeptos no país. O estádio estava lotado com 63.0000 pessoas tendo sido policiado por cerca de 150 agentes. A polícia não foi capaz de organizar um evento de tal envergadura e não conseguiu suster a ira inglesa nem a resposta dos da casa. De referir que os Spur’s são de origem judaica, o que ajudou a inflamar a violência. Este acontecimento foi histórico e inspirou muitos jovens neerlandeses, que ficaram fascinados pela cena Hooligan. Houve uma escalada de violência associada aos adeptos devido ao crescimento exponencial de grupos Hooligans no país. Desde logo, destacaram-se o S.C.F Hooligans (Feyenoord), F-Side (Ajax), Bunnik-Side (Utrecht) e Midden Noord (Den Haag). S.C.F Hooligans tinha cerca de 300/350 membros ativos desde os anos 70. Localizavam-se principalmente na Vak-S da “banheira de Roterdão”, embora os seus membros fossem autónomos em diversas ações e estivessem espalhados pelo estádio em subgrupos. Por sua vez, o F-Side foi fundado em Outubro de 1976. Bennie sugeriu o nome aos seus amigos, uma vez que apoiavam a partir da Vak-F e que numa viagem a Inglaterra gostou da palavra “Side”, ao vê-la num estádio, e achou que soava bem para o nome do seu grupo. A maioria dos seus membros eram de Amsterdão e passado alguns anos tinham “núcleos” em algumas pequenas terras das redondezas. Desde cedo, eram compostos por membros de diversas origens, assumindo sempre a identidade judaica, que estava enraizada nas gentes do Ajax. Entre 70’s e 80’s o grupo que participou em mais confrontos foi Bunnik Side, contabilizando 58 no total. Em 1980, depois do apito final do último jogo da época, destruíram todo o seu estádio. O mesmo iria ser demolido e o Utrecht iria ter uma nova casa, assim, o grupo decidiu que seriam eles próprios a fazer o trabalho duro de desmantelar o recinto. Den Haag é a cidade-sede do governo, mas também a casa de um clube conhecido em toda a Europa por causa

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dos seus adeptos. O clube já passou por várias fusões e mudanças de nome, mas os seus “supporters” mantêmse fiéis. Desde 1977, que os Hooligans do clube apoiam na bancada Midden-Noord, e têm amizades duradouras com Ultras da Juventus, Légia de Varsóvia, como também, com gentes do Club Brugge e dos Swansea City. O movimento de apoio dos Países Baixos inclinou-se para seguir a onda Hooligan. Desde a década de 70 que várias instituições e indivíduos começaram a estudar e a discutir como lidar com este fenómeno social. Mais tarde é decidido que as deslocações de adeptos devem ser realizadas sempre de comboio, de forma a facilitar o controlo das autoridades. Ao longo dos anos diversos comboios foram sendo destruídos e até queimados. O primeiro grupo a inspirar-se no movimento Ultra foi o Vak-P (Twente). A época de 1981/82 correu mal ao Twente e, num jogo em casa contra o N.E.C, o grupo mais jovem decidiu protestar contra a direção, através da apresentação de faixas acompanhas de potes de fumo e tochas. No final do jogo, cerca de 200 jovens invadiram o terreno e exigiram conversar com os dirigentes. A velha guarda, pertencente à associação Vriendenking, deixou claro que reprovava aqueles comportamentos e afastaram os jovens do seu sector. Então, decidiram mudar-se para a Vak-P. Contactos individuais com Ultras italianos levaram a que o grupo se assumisse como Ultra, uma vez que fizeram a primeira faixa de sempre, com essa denominação, no país. Iniciou-se o caminho para a elaboração de coreografias, sendo que, as primeiras foram feitas com um panal, com rolos de papel higiénico e pirotecnia. Ao mesmo tempo, o hooliganismo ia ganhando espaço e em 1985 foi criada uma comissão para lidar com o problema, tal como foi sendo elaborado um relatório de todas as ocorrências. Em 1982 os Hool’s, do Den Haag, incendiaram uma bancada de madeira do seu Zuiderpark na sequência de uma derrota que os colocou perto da primeira descida de divisão. Passados 5 anos, voltaram a fazer das suas num jogo que inflamou uma rivalidade sentida até hoje. Cerca de 800 adeptos do Ajax viajaram de comboio até à cidade dos verdes e amarelos. Uma multidão esperava-os na estação mais próxima do estádio, entoando cânticos anti-semitas, tendo a polícia decidido que os forasteiros iriam sair na estação seguinte. Para esse jogo, foram convocados cerca de 250 polícias, o que levou ao encerramento de três esquadras. No estádio, perante 22.000 pessoas, ainda antes do apito inicial, três hooligans do Midden-Noord invadiram o campo, dirigiram-se ao

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sector visitante e roubaram bandeiras do F-Side. Essas bandeiras foram queimadas na bancada dos da casa e a partir daí, valeu tudo. Tudo o que estava à mão foi atirado para o campo, originando um grande atraso no início do jogo que ficou apenas pela realização dos primeiros 45 minutos. Durante o intervalo, os adeptos do Den Haag tentaram invadir o sector visitante resultando numa carga policial que varreu o Midden-Noord. Jogo suspenso e os adeptos do Ajax voltaram a casa em 20 autocarros, tendo sido detidos 18 hool’s. Uma rivalidade que também apimenta as vak’s existe entre Den Haag e Den Bosch. Em 1988 um comboio que transportava adeptos do Den Haag até à cidade de Den Bosch foi abruptamente parado devido a explosivos encontrados nos caminhos férreos. No início da época, em 1989/90, o Ajax recebeu o Áustria de Viena em jogo da Taça UEFA. Já com a eliminatória em 0-4 e o Ajax condenado à eliminação, o F-Side começou a atirar objetos para o campo. O guarda-redes austríaco acabou por ser atingido por uma barra de ferro. A UEFA baniu o Ajax por 1 ano das suas competições e interditou o estádio De Meer em três jogos. Meses depois o Ajax recebeu o Feyenoord e os visitantes lançaram duas bombas artesanais para o sector dos adeptos da casa. As duas bombas de pregos que feriram 19 pessoas e levaram à prisão de três adeptos e a um jogo de interdição para o clube de Roterdão. Por esta altura havia quem considerasse o hooliganismo neerlandês mais forte do que o inglês. A UEFA considerava os hooligans do Feyenoord os mais violentos da Europa. Com o aumento dos incidentes em solo holandês, a juntar à ressaca do desastre de Hillsborough, começou-se a repensar as condições de segurança nos estádios. Entrou nos planos dos clubes renovar os velhos ou construir novos estádios equipados com CCTV, bancadas com cadeiras, grades entre sectores, entre outras condições de segurança. A nova guarda, que apareceu nos anos 90, virava-se muito para a música eletrónica e o consumo de drogas, principalmente de pastilhas. Os grupos hooligans alastraram a sua actividade para as Raves, tendo isto potenciado o movimento. A polícia alargou também o seu trabalho, fazendo buscas e detenções nas pistas de dança que tinham dado lugar a combates.

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O uso de armas brancas, correntes de bicicleta, bastões, martelos e demais armas, começou a ser habitual a partir da década de 70, mas intensificou-se na última década do século XX. A 23 de Março de 1997 deu-se a “batalha de Beverwijk” entre F-Side e S.C.F Hooligans. Nesse dia não havia jogo e ambos os grupos combinaram um confronto no jardim em Beverwijk. Fruto do uso de armas, Carlo Picornie (líder do F-Side) foi morto. Um dia negro nunca esquecido pela facção do Ajax. A viúva de Picornie pediu para que os companheiros do seu marido não procurassem vingança, num processo em que ambos os grupos foram declarados associações criminosas pela justiça. Em 2005, hooligans do Den Haag foram de madrugada até à Amsterdam Arena e incendiaram a sede do F-Side. Um ano depois foi feita a vingança da mesma forma. Diz-se que os Midden-Noord fugiram ao confronto, tendo dois dos seus membros sido alvo de esfaqueamento e de tentativa de incêndio. O governo declarou estado de emergência e a polícia montou uma grande operação nas ruas. A repressão aumentou tendo as autoridades policiais começado a fazer escutas em telemóveis de líderes, a instalar câmaras secretas em sedes e a infiltrar paisanas nos grupos. Passaram a publicar fotos e vídeos de hooligans procurados na internet e nas televisões. Isto teve o efeito de aumentar a hostilidade para com a polícia. Os dirigentes do Futebol ansiavam há décadas por uma lei que punisse com “mão pesada” os hooligans e, em Setembro de 2010, entrou em vigor a lei MBVEO. Em 2015 essa lei foi endurecida. As interdições em recintos desportivos podem ser impostas pelos clubes ou pela federação. No caso de detenção de um adepto em redor ou no estádio, é aplicada uma interdição temporária até à conclusão do processo em tribunal. Esta legislação dá poder aos presidentes de câmara municipal de proibir a deslocação de adeptos ao seu município. Ficou ainda implementado que todos os adeptos que queiram visitar estádios adversários tinham de estar filiados aos seus clubes. No sentido de defender os adeptos em geral surgiu a Supporterscollectief Neederland, uma associação nacional da qual fazem parte 45 associações divididas por 31 clubes. A mesma está filiada à Football Supporters Europe e Supporters Direct e internamente colabora com a federação de futebol, com o ministério de segurança e justiça,

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com o ministério público e com a polícia. Embora o hooliganismo não tenha acabado, o número de distúrbios diminuiu. O apoio aos clubes conquistou muito mais espaço e hoje em dia o movimento de apoio holandês é muito ativo a nível vocal, na apresentação de coreografias e em espetáculos pirotécnicos. O estilo Ultra está muito mais disseminado pelos Países Baixos e as vak’s conseguem cativar os demais “supporters” para acompanhar o seu apoio. Por L. Cruz

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Oficial de ligação com os Adeptos

Recentemente saiu o novo Guia dos Oficiais de Ligação com os Adeptos (OLA’s), compilado pela UEFA em parceria com a Supporters Direct Europe (SD Europe), que tem o objectivo de promover relações positivas com os adeptos de futebol, através do diálogo entre adeptos, clubes, forças de autoridade, associações nacionais e a UEFA. Apesar de a temática dos Oficiais de Ligação com os Adeptos não ser propriamente uma novidade, acredito que é um tema que acaba por passar ao lado da grande maioria dos adeptos. Seja por falta de uma cultura democrática nas estruturas directivas dos clubes ou por falta de uma real cultura associativa entre os adeptos, a verdade é que os OLA’s foram criados para promover o diálogo mas, na maioria das vezes, os adeptos continuam naquilo que mais parece um monólogo. Na última frase tornase fácil concluir que, para mim, os OLA’s não têm mostrado sucesso nas suas funções, pelo contrário, continuam limitados no cumprimento da função para a qual foram criados. Na tentativa de contribuir para um maior esclarecimento deste tema, decidi criar este texto onde procurarei responder a vários pontos que me parecem importantes para a compreensão dos OLA’s. E, para começar, nada melhor do que perguntar, afinal, o que é um OLA? A resposta não é dificil. Um OLA é alguém, dentro da estrutura de um clube, que funciona como uma ponte de comunicação com os seus adeptos. O seu principal papel é criar uma relação entre o clube e os adeptos por meio de uma comunicação

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bidirecional, ou seja, informando os adeptos sobre as decisões do clube e informando o clube sobre o ponto de vista dos adeptos. Para além disso, o OLA também trabalha com outros agentes como as forças de autoridade ou junto dos OLA’s de outros clubes para tentar promover uma partilha de conhecimento que se mostre importante para a organização do jogo e não só. Vemos então que a criação do OLA assenta em dois pontos chave, o aumento da transparência e a melhoraria da comunicação. Vale a pena recordar as palavras do, à altura presidente da UEFA, Michel Platini:”A exigência do OLA explica-se pela necessidade de melhorar a comunicação e fornecer um apoio único para os adeptos se organizarem melhor e fazerem ouvir a sua voz.” Tentando contextualizar o OLA, na história, posso dizer que o primeiro OLA apareceu em 1989 na Alemanha, concretamente no Borussia Mönchengladbach, trabalhando como voluntário e em tempo parcial. Poucos anos depois, em 1992, o “Conceito Nacional de Desporto e Segurança” alemão (Nationales Konzept Sport und Sicherheit , NKSS) aproveitou este conceito para auxiliar na luta contra o hooliganismo e a violência que assolava o futebol alemão. Em 1996 aparece o primeiro OLA a desempenhar esta função a tempo inteiro. A partir da temporada 2018/2019, todos os clubes da Bundesliga, passam a ter três OLAs a tempo inteiro. Pelo descrito anteriormente mostra-se importante perceber como um conceito alemão se internacionaliza. Para entender o processo precisamos de recuar até ao ano de 2007 altura em que foi lançado um inquérito pela UEFA que procurava melhorar as relações entre clubes e adeptos, fazendo dos adeptos “parceiros mais sérios e responsáveis”. Nesse rumo a UEFA estreitou relações com organizações de adeptos europeus, como a Supporters Direct Europe (SD Europe) e Football Supporters Europe (FSE). Logo à frente Desde logo, em 2009/10, o conceito do


OLA é aceite por parte das federações nacionais representadas no Comité de Licenciamento de Clubes da UEFA, que se traduziu depois no o Artigo 35º, Regulamento de Licenciamento de Clubes e Fair-Play Financeiro da UEFA (2010). O seu desenvolvimento e a sua implementação seriam trabalhadas com a SD e a FSE até que tudo se concretizou em 2012/2013.

para existir confiança no mensageiro, deve haver uma isenção e funcionar como um advogado das duas partes onde ambas veêm os seus interesses representados. De outro modo os adeptos podem achar que o OLA é apenas um infiltrado com fins duvidosos, acabando por perder a credibilidade. Assim, mostra-se importante que a escolha do OLA seja feita de uma forma muito

A implementação dos OLA’s não se ficou pelas competições europeias (Champions League, The Europa League e Europa Conference League). Na maioria das federações nacionais da UEFA, onde se incluiu a portuguesa, também se adotou o Artigo 35ª como parte dos requisitos para licenças de clubes nacionais no escalão superior ou escalões superiores das respectivas ligas. Actualmente a função de OLA estende-se a mais de 1000 clubes de toda a Europa.

criteriosa, se possível um adepto pois só assim se garante alguma isenção, e que o próprio tenha um entimento profundo de onde está inserido. É importante que um OLA não se limite ao relacionamento com os grupos organizados e vá ao encontro de todos os adeptos. Também se torna imperativo que o OLA esteja presente entre os adeptos, pois é sua missão conhece-los e ser conhecido, para que sirva o seu propósito. Infelizmente não faltam

A 11 de Setembro de 2019, em Portugal, é publicado no Diário da República a Lei n.º 113/2019, que estabeleceu o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, onde pela primeira vez é incluida e definida a figura OLA e a obrigação da sua implementação, conforme está no Artº 10º -B.

clubes em Portugal onde o OLA não é conhecido pelos seus adeptos. Também no que toca à segurança, o OLA deve ter uma palavra a dizer. Todos nós estamos cansados das experiências negativas do passado, como a violência desadequada, proibições ilegítimas, privação de direitos elementares de um cidadão... a lista é enorme. O OLA, na medida que lhe for possível, tem de se fazer notar quando os seus adeptos estão a ser maltratados sem justificação, como tantas vezes acontece. Como é possível que alguns clubes

Conhecendo o processo, é importante perceber o que se espera desta figura. A comunicação bidirecional é um dos pilares mas,

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continuem a ignorar a importância de uma forte relação com os seus adeptos? Como é possível que alguns instaurem uma relação com adeptos equivalente à que vemos entre outro tipo de empresas e os seus clientes. Se quem representa muitos dos nossos clubes não sabe a importância dos adeptos na vida económica, como a valorização da marca, então mais dia menos dias, quando as torneiras secarem, correm sérios riscos de fechar portas. Que ninguém duvide da importância dos adeptos na vida de um clube. Vejamos jogadores, equipas técnicas e os orgãos sociais ficam ligados activamente aos seus clubes por um periodo de tempo limitado enquanto que os adeptos não. Vivem uma vida inteira ao lado dos seus clubes e devem ser reconhecidos por isso. Haverá alguém mais interessado na subsistência de um clube do que os próprios adeptos? Temos de garantir que a verdadeira alma dos clubes seja ouvida e considerada! O OLA podia ser um passo na construção de um caminho melhor mas, infelizmente, o seu êxito está dependente de muitas variaveis e, por isso, nada garante que o seu papel é correctamente executado. Talvez o primeiro passo seja colocar um contacto do OLA na página oficial do clube, disponivel a todos os associados. O segundo virá com o tempo, a confiança, que nascerá num processo de relação entre ambos. De outra forma será apenas mais um conceito importado do exterior para camuflar a falta de consideração pelo movimento associativo. Termino com uma mais uma citação do Guia prático, traduzido para português, de 2011: “A evidência mostra que se os adeptos tiverem uma palavra a dizer sobre a forma como são tratados, se comportarão melhor, enquanto que a exclusão e a repressão comprovadamente não funcionam bem.” Por J. Lobo

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À CONVERSA COM ANATORG Agradecemos à Associação Nacional das Torcidas Organizadas do Brasil (Anatorg) na pessoa do seu presidente Luiz Claudio Santo, mais conhecido entre as torcidas brasileiras por Claudinho, que iniciou o seu mandato recentemente e será extendido até 2026. Claudinho, em nome da equipa da Cultura de Bancada agradecemos o facto de ter aceite este convite. Para nós é muito importante este câmbio de informação para a construção de um Cultura de Adepto cada vez mais forte!

no seu Estado e Torcida Organizada. Assim começou nossa luta em defesa das Torcidas Organizadas do Brasil. Passado o tempo, identificamos a necessidade de transformar todo esse diálogo e canalizar como Associação. Assim, surgiu em 2014 a ANATORG (Associação das Torcidas Organizadas do Brasil). A Anatorg é uma associação exclusiva para torcidas organizadas ou também abrange o adepto comum? Sim, somos uma Associação em defesa das Torcidas Organizadas. Porém, combatemos alguns pontos no Estatuto do Torcedor, que abrangem os torcedores comuns. De início quais foram os objectivos traçados pela Anatorg? Até agora têm tido sucesso na sua concretização? Constituir o diálogo entre as Torcidas Organizadas (PRINCIPALMENTE ENTRE AS QUE TÊM MAIOR RIVALIDADE). Sim, a Anatorg vem desempenhando bem, e trazendo as Torcidas Organizadas para importantes debates.

Porque houve a necessidade de criar uma Associação de Torcidas no Brasil? A rivalidade ficou incontrolável, ocasionado confrontos de grandes proporções, deixando pessoas gravemente feridas e/ou mortas. Assim, houve a necessidade de iniciar diálogos entre as Torcidas Organizadas de todo Brasil. Quando e como foi criado este projecto? Essa luta não é de agora, há aproximadamente 13 anos atrás, surgiu um grupo de torcedores organizados, cada um com sua representatividade

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Das acções que já realizaram quais são as que merecem um destaque? Atualmente conseguimos, através de nossas Torcidas filiadas, o dia Estadual da Torcida Organizada e torcedores em alguns Estados do Brasil. Já está em andamento o pedido para o Dia Nacional das Torcidas Organizadas e Torcedores. Também estamos ajudando com doações e auxiliando, junto com nossas filiadas e outras representatividade populares, no desastre natural ocorrido pelas fortes chuvas na Bahia, onde milhares de pessoas perderam parentes e tudo o que construíram durante uma vida inteira. Tem sido fácil unir as torcidas na luta por valores comuns? A ANATORG, é uma Associação gigante. Como em


todo movimento popular com essa magnitude, temos divergências, porém, em um contexto geral, estamos caminhando bem com os diálogos. De forma continuada a Anatorg usa a expressão “fale conosco e não sobre nós”. Poderá ser lida como uma queixa pela ausência do adepto nos centros de decisão? Ou tem outro sentido? Quer falar mais um pouco sobre isso? Sim, é exatamente isso. Por muitos anos as Torcidas Organizadas vem sendo marginalizadas, forçando a sociedade brasileira a julgar as Torcidas Organizadas de uma forma errada. A Anatorg entende que a violência está em qualquer âmbito da sociedade. A Anatorg faz parte da SOCIEDADE!!

Quais as vossas maiores dificuldades enquanto associação? Como todo movimento associativo GIGANTE, temos dificuldades em alcançar todas as Torcidas Organizadas do Brasil. Ainda não temos todas na Anatorg. Mas estamos caminhado bem para alcançarmos todas as Torcidas Organizadas, sejam elas das séries A, B, C, D. Como acha que as entidades políticas e desportivas têm reagido à existência e ao trabalho da Anatorg? É muito relativo, mas em um contexto geral estamos sendo bem aceites. Hoje conseguimos chegar nesses órgãos e debater em alto nível qualquer tipo de assunto. Numa passagem pelo vosso Website encontramos uma área sobre um Conselho

Consultivo composto por um número muito significativo de académicos de várias áreas sociais. À primeira vista isso parece muito interessante. Como nos descreve o papel deles? Foi um setor criado até mesmo antes da fundação da Anatorg, e mantivemos esse modelo consultivo, através desses excelentes professores, sociólogos, historiadores, antropólogos, cientistas sociais. Formamos um time e tanto para inúmeras pesquisas, não só no Brasil, mas no Mundo. Hoje posso afirmar que a Anatorg tem um material vasto, de vários países, com todos os tipos de informação sobre Torcidas Organizadas, a forma de policiamento, e seus comportamentos em dias de jogos ou não.

O que nos pode falar sobre o estado actual do movimento de torcidas brasileiro? Somos um movimento em constante crescimento, conseguimos alcançar todo território Nacional (Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e Norte). Estamos dentro dos principais Estados dessas regiões, e em uma crescente evolução. Quais as maiores dificuldades que um adepto brasileiro sente actualmente? A maior dificuldade é o torcedor organizado entender que o erro vem dele próprio. Se as Torcidas Organizadas se unissem em prol de um objetivo, tenho a certeza que não teríamos os obstáculos que temos hoje em dia. E se tivéssemos, conseguiríamos transpor com habilidade e naturalidade.

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A repressão ao adepto é transversal pelo mundo. Como é que ela é sentida no Brasil? No Brasil, a cada dia, a cada ano que passa, surgem novas punições. Tais punições com o intuito claro de “exterminar” as Torcidas Organizadas das arquibancadas do Brasil. Porém, a Anatorg vem combatendo essas punições, dentro da legalidade, para ajudar e auxiliar as Torcidas Organizadas punidas. Também entendemos que cada caso é um caso, já solicitamos as punições individuais, mas as autoridades insistem em punir as Torcidas Organizadas no coletivo, apesar de estudos apontarem que essa não é a melhor opção. A Anatorg seguirá firme combatendo, auxiliando e ajudando as Torcidas Organizadas. A Anatorg nasceu para isso!!

Como vê a cultura de adepto em Portugal? Acompanho um pouco as Torcidas de Portugal, inclusive várias Torcidas Organizadas do Brasil tem amizade com a Torcida Porto. Temos um bom diálogo com Fernando Madureira – Macaco, Líder da Torcida Super Dragões. As Torcidas de Portugal costumam seguir diretrizes implantadas pelos seus Líderes, politicamente dentro dos seus clubes são bem fortes. Na política em geral e junto as entidades desportivas, creio que exercem um papel de luta em prol de suas Torcidas. As fanzines de adeptos são comuns no Brasil? Não temos essa cultura de fanzines no Brasil, porém, temos livros falando das Torcidas Organizadas, mas não é uma cultura forte como em Portugal e na Europa.

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O que acha das fanzines enquanto meio de comunicação? Considera que têm importância para o desenvolvimento desta cultura nas pessoas? Sim, acho interessante, não só na cultura popular, mas em direcionamento para entender melhor as Torcidas Organizadas e suas ideologias. Uma mensagem final para os nossos leitores. Primeiramente, gostaria de agradecer a toda Equipe da Cultura de Bancada, por essa oportunidade de estar representando milhões de torcedores brasileiros nesse intercâmbio sobre Torcidas Organizadas do Brasil e Portugal. Nós, Torcedores Organizadas ou não, somos movidos por nossas paixões no futebol, seja pelo nosso Club ou nossa Torcida. Entendemos que as ARQUIBANCADAS DO MUNDO são o reflexo da nossa SOCIEDADE. Com isso, esse ambiente se torna uma válvula de escape para inúmeros torcedores, organizados ou não. Claro, sabemos que existem pessoas com má índole. Porém, essas pessoas também existem dentro dos poderes de polícia, no judiciário, legislativo e executivo. Imaginemos se uma pessoa desses poderes cometesse algum ato ilícito. Seria certo aplicar-se a punição ao INDIVIDUO INFRATOR ou a toda INSTITUIÇÃO a que ele pertence? Quem seria punido? Deixo aqui essa reflexão para a cultura de bancada e todas as Torcidas do Mundo. No Brasil, SIM AO CPF e NÃO AO CNPJ. ESSE É O NOSSO RECADO. Claudinho Anatorg Presidente da Anatorg (Associação das Torcidas Organizadas do Brasil) FALE CONOSCO, E NAÕ SOBRE NÓS!! Obrigado a todos!!


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Fotografia e a bancada Desde início dos anos 90 comecei a fotografar as bancadas. Tudo começou através das fanzines e revistas que existiam na altura onde fui adquirindo vários contactos que me vendiam e trocavam fotografias. O passo seguinte foi natural e comecei a tirar as minhas próprias fotos, influenciado por alguns amigos mais velhos do meu Grupo que já o faziam. Tornou-se um gosto, um verdadeiro prazer, poder captar aqueles momentos que se imortalizam para a vida. São verdadeiras recordações daquilo que os meus olhos assistiram naquele momento em que se carrega no botão e

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que, de outra forma, seriam apenas imagens na memória de quem lá esteve. Inicialmente as fotos que tirava eram nas próprias bancadas em que nos encontravamos. Muitas vezes saltava redes e tirava as fotos desde a central ou ia para a ponta da superior para apanhar de esguelha os grupos. Aquando da criação da Ultra Magazine, fui convidado a participar e foi a partir daqui que dei o salto para o relvado, onde me podia movimentar à vontade, para realizar o que mais gostava. Numa fase inicial fazia trocas e vendas através de anúncios nas revistas Ultra portuguesas e depois, quando apareceram os sites, foi um passo natural e criei o meu, o Foto-tifo. com. Feito por mim, sem grandes ciências, tinha as listagens das fotos por Clubes e a descrição de cada uma associada a um código para facilitar as encomendas. Mais para o final da primeira década de 2000, fui criando albuns um pouco como faziam os sites italianos mas, começou a ser demasiado e, aquando da expansão do Facebook, o site tornou-se um pouco obsoleto. As fotos que mais gostava de tirar eram as de pirotecnia (tochas e fumos), mas também gostava de tirar a braços no ar e cachecoladas. Só que, no final de tudo, para a foto existir é preciso um fotógrafo que, por sua vez, tem despesas, perde tempo e muitas vezes


não vê o retorno nem o reconhecimento do seu importante papel. Embora tudo isto seja verdade e acertado, não gosto de pensar no passado. Tirava fotografias, percorria quilómetros, perdia tempo, faltava ao trabalho, tudo pelo prazer de tirar fotos a grupos Ultra. Gostava e era feliz, isso é o mais importante. Ainda assim, é bom que se perceba que não é por acaso que cada vez menos adeptos se dedicam a esta área.

Actualmento tenho mais de 12.000 fotos em minha posse. Eu diria que as fotografias são as partes mais importantes das fanzines. Por mais que se escreva bem, ou mal, uma imagem com cor ou sem cor leva-nos sempre a pensar inúmeras coisas. Por J. Campos

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MEMÓRIAS Da BANCADA Por: J. CAMPOS

sta eiri algu oavista S a Alm ros x B uei 2002 Salg 2001/

s egra ras N orting e t n Pa x Sp ista Boav 2001/2002

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a melh a Ver gueiras i f á M Fel ões x Leix 2003/2004

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a Negr Alvi to a t a r g Po Bri im x Varz 2/2003 0 20

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Nesta fase de início do Inverno registou-se, naturalmente, um aumento de casos do vírus, provocando mais e diferentes medidas de restrição de acesso aos recintos desportivos. Isto, para além da manutenção das Zonas com Condições Especiais de Acesso e Permanência de Adeptos, fez com que os adeptos não tivessem a vida facilitada no acompanhamento das suas equipas. Ainda assim, alguns jogos contrariaram a tendência de diminuição das assistências.

SL Benfica x Sporting CP | 03-12-2021 Pese embora as restrições, boa casa no Estádio do Sport Lisboa e Benfica, com o tradicional ambiente de um clássico daquele género. Ainda assim, nota para a ausência da Juventude Leonina que anunciou dias antes o boicote ao encontro em questão, dadas as burocracias existentes para a aquisição de ingressos. De qualquer maneira, a exibição e respectiva vitória da equipa sportinguista fez elevar o patamar do próprio apoio sentido a partir do sector visitante. Nota para o facto de, antes do jogo, se terem registados alguns incidentes, filmados pelas próprias televisões, depois de uma turma de adeptos sportinguistas, que se deslocou à Luz sem escolta, ter sido atacada por alguns elementos dos Diabos Vermelhos. FC Paços de Ferreira x Vitória SC | 04-12-2021 Boa invasão dos adeptos vitorianos até Paços de Ferreira, ficando instalados na bancada coberta atrás da baliza uma vez que a descoberta (que era até então oficialmente a visitante) ficou interditada pelas más condições que apresentava. Para além do número, destaque para o apoio que se foi sentindo e que foi coroado com uma vitória nos momentos finais do encontro, provocando o rejubilo nesse sector!

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SL Benfica x FK Dynamo Kyiv | 08-12-2021 Olhos postos no que se passou em Lisboa por parte de todas as pessoas que gostam do movimento. Confrontos pouco habituais para a realidade do nosso país, com um grupo de cerca de meia centena de ucranianos contra os benfiquistas. Essa turma dos visitantes apareceu nas imediações da Luz, atacou alguns adeptos do clube encarnado e depois os grupos da casa ripostaram, com muitas tochas lançadas de um lado para o outro, chegando mesmo a haver contacto físico. Os ucranianos acabaram detidos, não tendo podido assistir ao jogo, sendo libertados apenas no dia seguinte. Relativamente ao encontro, o Benfica venceu e teve um apuramento num grupo bastante complicado, tendo sido obviamente motivo de grandes festejos e de um bom ambiente. SC Braga x FK Crvena Zvezda | 09-12-2021 Receber o Estrela Vermelha na sua própria casa é evidentemente uma tarefa difícil para qualquer um conseguir impor-se no apoio à sua equipa e na defesa da sua cidade, ainda por cima num encontro decisivo para o apuramento numa Liga Europa. Muitos sérvios vieram a Portugal, a grande maioria pertencentes aos Delije, eles que já ansiavam pelo encontro em questão a mais de uma semana do mesmo, quando já entoavam cânticos contra o Braga, demonstrando a importância da partida. Houve momentos de confronto entre eles e a polícia na cidade bracarense, com balas de borracha disparadas. No encontro, demonstraram o seu bom poder vocal, com os grupos da casa a tentarem, ainda assim, fazer-se ouvir e empurrar a sua equipa para uma vitória que garantiria o primeiro lugar. O jogo terminou empatado, com uma grande festa dos visitantes. Pese embora esse resultado, o SC Braga não foi eliminado da competição, uma vez que beneficiou de um empate no outro jogo do grupo. SC Salgueiros x Valadares Gaia FC | 12-12-2021 Jogo realizado precisamente quatro dias após o 110º aniversário do Salgueiros, o que levou aos festejos da Alma Salgueirista. Uma coreografia, com o símbolo e ano de fundação do clube, seguida de muito fumo e pirotecnia, foi a maneira escolhida pelo grupo do histórico emblema portuense para dar cor ao seu sector nesta ocasião especial!

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FC Vizela x FC Porto | 19-12-2021 Muito boa casa e excelente ambiente das duas partes neste jogo. Os adeptos vizelenses têm tido um destaque já habitual esta época e os portistas obviamente que também demonstraram muita procura nos ingressos para este encontro, sendo que tiveram apoio em dois sectores distintos do estádio. A Força Azul mostrou-se em bom plano, mas o resultado que se foi avolumando favoravelmente aos azuis e brancos fez aumentar, de forma natural, os cânticos do lado visitante. Vitória FC x Caldas SC | 22-12-2021 Destaque para a homenagem do Grupo 1910 a Ricardo “Matic”, um elemento da claque em questão que falecera dias antes. Com uma imagem do jovem feita à “mão”, juntamente com a frase “Para sempre, um de nós. Até já recruta”, decidiram prestar essa homenagem. Houve também a presença do grupo Commando 13, do Estoril Praia, naquele sector, fazendo vincar a amizade existente com os sadinos. FC Porto x SL Benfica | 23-12-2021 Primeiro clássico da época no Dragão, o que proporcionou uma boa assistência. Tensão na chegada dos adeptos benfiquistas, com algumas trocas de tochas, registando-se também alguns atritos entre a polícia e os apoiantes da casa que esperavam os rivais. Pirotecnia tanto nas claques da casa como no sector visitante. O FC Porto venceu confortavelmente por três bolas a zero, sendo um resultado evidentemente desagradável para os visitantes que, ainda assim, tiveram momentos de bom apoio durante grande parte do encontro. CS Marítimo x FC Vizela | 28-12-2021 A Força Azul levou pelo menos uma dezena de elementos até à Madeira, demonstrando a sua regularidade no apoio à sua equipa, independentemente do local dos encontros. Os da casa, através do grupo Fanatics 13, exibiram uma tarja em homenagem a Luís Calisto, antigo jogador do clube que infelizmente faleceu dias antes.

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Vitória SC x Boavista FC | 29-12-2021 Um jogo que é considerado também um clássico do futebol nacional, mas que não teve a assistência de outros anos. O facto de se ter realizado a meio da semana e com todas as regras de acesso ao recinto contribuiu para não ter tido o ambiente de outrora. Ainda assim, nota para a tochada dos White Angels e também para um momento de abertura de pirotecnia na bancada nascente. FC Porto x SL Benfica | 30-12-2021 Uma semana depois, o mesmo clássico no Dragão e novamente com vitória portista. Mais uma boa casa (cerca de 46.000 pessoas, entre eles 1.400 visitantes), um ambiente habitual neste tipo de jogos e, sobretudo, nota para o facto de ter havido pirotecnia em todos os grupos de apoio que se encontravam no estádio: Super Dragões, Colectivo 95, grupo portista (contra o cartão) que se encontra na parte superior central da bancada norte e dos benfiquistas. Em todas essas zonas e sectores houve registos de pirotecnia. A nível de apoio nota, mais uma vez, para o público encarnado que se fez ouvir quando o resultado estava desfavorável. Ainda antes do jogo, novamente alguns incidentes entre adeptos da casa e a polícia, no momento da passagem do cortejo encarnado. Houve espaço também para mensagens provocatórias contra os rivais, por parte de ultras azuis e brancos. Intervenções do grupo Os De 1915 Dezembro bastante activo para o grupo do Varzim SC. Para além dos jogos em que marcaram presença, fizeram uma tochada para comemorar o 4º aniversário do seu grupo, outra para festejar o 106º aniversário do clube e ainda intervieram com a colocação de tarjas de indignação contra a actual direcção do Varzim e a possibilidade de ser criada uma SAD. Era possível ler-se nas frases em questão: “Bancadas + Academia + Formação = 0”; “É esta a alma que nos une?”; “Ego Pinho, SAD o caralho”. Frases no Estádio do Mar | 01-01-2022 No dia em que o estádio do clube leixonense cumpriu o seu 58º aniversário, os ultras leixonenses fizeram questão de demonstrar a sua indignação, através da colocação de várias tarjas, contra o estado actual do recinto e de um campo da formação nas imediações. A principal

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visada foi a Câmara Municipal de Matosinhos, mas também o antigo presidente Carlos Oliveira. FC Vizela x Moreirense FC | 08-01-2022 Dérbi minhoto que se voltou a realizar ao fim de muito tempo, precisamente na última jornada da primeira volta. Muita expectativa de ambos os lados. Os de Vizela ansiavam bastante o jogo contra os seus rivais, vendo-o como um dos melhores motivos de “apimentar” esta sua época de regresso ao primeiro escalão. Os de Moreira de Cónegos deixaram uma mensagem para a sua equipa no último treino antes do encontro: “Derby bom é derby ganho”. Boa casa e grande ambiente de ambos os lados durante o encontro, como já seria de esperar. No final, vitória dramática do Moreirense, com um golo nos últimos instantes da partida. Leça FC x Sporting CP | 11-01-2022 A prova raínha da Taça de Portugal, quando restam oito equipas e o sorteio dita que uma do quarto escalão defronta o actual campeão nacional, acaba por ser sempre especial. Porém, a poucos dias deste mesmo encontro, muita dessa essência perdeu-se ao ter-se sabido que a Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto não autorizou que se realizasse no estádio do próprio Leça. A partida aconteceu em Paços de Ferreira, tendo os adeptos da casa ficado numa bancada central e os sportinguistas no lado oposto. Bom ambiente de parte a parte, apesar de tudo. CD Aves x USC Baltar | 16-01-2022 A Força Avense comemorou o seu 22º aniversário com uma bela coreografia a cobrir o seu habitual sector. À frente, estava a seguinte mensagem: “Condenados por te amar há XXII anos!”. FC Vizela x Sporting CP | 16-01-2022 Mais um jogo grande em Vizela, com uma boa casa. Muito apoio de parte a parte, fumo, pirotecnia e tensão. Do lado da casa, pese embora o resultado negativo, nota para um bom ambiente da Força Azul e de um momento final positivo entre a claque e os jogadores. Do lado sportinguista, para além da festa criada, que se foi acentuando com o

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desenrolar da partida, destaque para bons registos de fumarada verde e de tochas abertas. Os instantes finais foram algo caóticos nas bancadas, com muitas provocações e até alguns incidentes entre os adeptos visitantes e o público da casa que se encontrava ao lado. FC Famalicão x FC Paços de Ferreira | 16-01-2022 Encontro entre duas equipas com algum historial recente de rivalidade entre os seus adeptos, tendo contado, como habitualmente, com uma boa casa. Os Fama Boys, para além do apoio, tiveram um bom momento de fumarada azul. Os apoiantes pacenses deslocaram-se em bom número, compondo aquele pequeno sector visitante fora da Zona com Condições Especiais de Acesso e Permanência de Adeptos. 101º aniversário do SC Braga | 19-01-2022 Destaque sobretudo para a tochada da Bracara Legion no centro da sua cidade, de maneira a festejar mais um aniversário do seu clube. Ermesinde SC 1936 x Vilarinho | 19-01-2022 Noite grande em Ermesinde, mais concretamente no Estádio dos Sonhos. Com uma espécie de “finalíssima”, na última jornada da fase regular, entre dois conjuntos em que apenas um podia passar para a fase de subida. Cerca de 1.500 espectadores presentes, entre eles cerca de 250 visitantes. Números de fazer inveja a muitos jogos das ligas profissionais nacionais. O destaque vai para a prestação dos Ultras Ermesinde que realizaram uma série de acções como uma coreografia (que foi exibida na bancada central), muita pirotecnia e muito apoio. No final, um empate que serviu à equipa do Vilarinho o desejado segundo lugar, levando a uma festa entre os seus jogadores e adeptos. CD Tondela x FC Vizela | 22-01-2022 Deslocação em massa dos adeptos vizelenses até Tondela. Eles têm-nos habituado às suas boas prestações, mas esta acabou por não ser menos impressionante pelos números levados até uma região que fica a cerca de duas horas da sua localidade. Um bom apoio que resultou numa vitória, por 2-3, depois de a sua equipa ter estado a perder por duas vezes. Naturalmente, originou uma grande festa na bancada atrás da baliza, local onde eles ficaram. Do lado da casa, nota também para o bonito momento entre os jogadores e a Febre Amarela, pese embora o resultado desfavorável.

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Sporting CP x SC Braga | 22-01-2022 Com o fim do Cartão do Adepto e a possibilidade de se poderem comprar bilhetes para todos os sectores visitantes sem necessidade de se ir para uma Zona com Condições Especiais de Acesso e Permanência de Adeptos, os ultras do Braga voltaram a apoiar a sua equipa fora de portas, depois do boicote que tinham vindo a realizar. Bom ambiente de parte a parte, com destaque para a vitória dos minhotos, com um golo decisivo nos instantes finais do encontro, que fez os adeptos rejubilarem numa bonita festa final. FC Foz x SC Freamunde | 22-01-2022 Os adeptos da formação freamundense deslocaram-se em bom número até ao Parque Desportivo de Ramalde, com destaque para o apoio e um bom espectáculo pirotécnico da Turma 1933. Ermesinde SC 1936 x AD São Pedro da Cova | 23-01-2022 Outra vez Ermesinde como destaque. No entanto desta vez ,infelizmente, não foi pelas razões desejadas como partilha. Um cenário de violência policial sobre os apoiantes da casa, no final do jogo, depois de algumas picardias entre jogadores e staff de ambas as equipas, que levou a invasões de campo de alguns adeptos. Seguiuse um cenário de repressão desproporcionada que foi notícia na comunicação social nesse dia. SL Benfica x Boavista FC | 25-01-2022 Destaque para o apoio dado pelos adeptos boavisteiros em Leiria. O clube axadrezado passou pela primeira vez a uma meia-final da Taça da Liga, empolgando naturalmente os seus apoiantes, pese embora o jogo ter decorrido numa 3ª feira e em Leiria. Foram várias centenas que se deslocaram até à cidade do Liz. Tiveram uma boa prestação vocal, mesmo estando em inferioridade numérica nas bancadas. Do lado benfiquista, nota para a tochada dos No Name Boys. SC Farense x CF Estrela da Amadora | 28-012022 Apesar de ter sido a uma 6ª feira à noite, este

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foi um dos melhores jogos da época, do segundo escalão português, no que a bancadas diz respeito. O Farense, numa situação particularmente complicada na tabela classificativa, decidiu abrir as portas do seu estádio aos seus apoiantes, com bilhetes gratuitos para os seus sócios e para quem levasse adereços do clube. Do lado visitante, numa situação muito mais positiva na classificação, pelo menos quatro autocarros de adeptos do clube da Reboleira seguiram até Faro, compondo também o sector visitante do São Luís em bom número. Resultado disto foi, obviamente, um ambiente como qualquer um de nós gosta, com muitos cânticos de parte a parte. Sinal mais para os South Side Boys a nível de apoio, fruto também de uma vitória importante por 3-0, que fez animar as hostes farenses. SC União Torreense x Caldas SC | 29-01-2022 Dérbi da zona do Oeste, com destaque para o grupo da casa, o Topo SCUT. Fizeram uma coreografia simples, mas bonita, exibindo as cores do clube e a mensagem: “1917 - O ano da fundação do maior da região”. Em simultâneo, ainda abriram alguma pirotecnia. O Torreense venceu por 1-0, ficando bem encaminhado para passar à fase de subida, empolgando obviamente os adeptos que estiveram presentes no Estádio Manuel Marques.

SL Benfica x Sporting CP | 29-01-2022 Final da Taça da Liga, em Leiria, entre os dois maiores rivais de Lisboa. Naturalmente com expectativas elevadas, sendo que o ambiente fora das quatro linhas não desiludiu. No exterior, ainda antes do jogo, bom aquecimento de parte a parte, com vários momentos de muita pirotecnia e recepções às respectivas equipas. Essa pirotecnia estendeu-se para a própria hora da partida, com muita abertura de tochas e outros artefactos durante a mesma, havendo espectáculos de ambos lados e em vários sectores distintos do estádio. A vitória sorriu aos sportinguistas, que criaram um excelente ambiente nos momentos finais, empolgados por mais um triunfo sobre o Benfica. Já os encarnados, insatisfeitos com o momento vivido pelo seu clube, exibiram várias tarjas de indignação, nas imediações da Luz, nos dias seguintes a este mesmo encontro.

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Rio Ave FC x Varzim SC | 30-01-2022 Terceira partida da época entre estes rivais, mas a primeira em Vila do Conde. Tal e qual como nos anteriores desta temporada, várias acções a acontecer logo na noite precedente ao próprio desafio. Tarjas, autocolantes, mensagens em spray... Tudo foi valendo para tentar marcar a sua posição e provocar o rival. O jogo teve início às 12h45, sendo que a claque do Varzim, Os de 1915, organizou um cortejo sem escolta até ao estádio no final da manhã, não havendo registos de incidentes. Por causa das obras que continuam a existir no Estádio dos Arcos, apenas uma bancada está disponível, fazendo com que a lotação se encontre, de certa forma, limitada. Ainda assim, casa naturalmente bem composta e muitos cânticos de parte a parte. FC Vizela x Vitória SC | 30-01-2022 Jogo entre duas equipas vizinhas marcado por uma excelente casa e ambiente, como seria previsível. Os vitorianos abarrotaram os sectores que lhes estavam destinados. Do lado da casa, para além do apoio, houve grande clima de festa pela vitória conseguida. Houve ainda registos de incidentes na cidade vizelense entre adeptos de ambos os conjuntos, já depois do final da partida.

Leixões SC x Clube Kairós | 30-01-2022 Encontro de voleibol feminino, com mais um bom ambiente dos adeptos leixonenses. Porém, este teve uma particularidade relevante. Aconteceu ao mesmo tempo do jogo da equipa de futebol profissional em Coimbra, num claro boicote por parte dos ultras do clube matosinhense, em protesto contra a SAD, visível numa tarja aberta após a vitória da sua formação no pavilhão (“O Leixões somos nós e hoje só jogamos aqui”), enquanto faziam uma pequena tochada, causando um bom cenário no interior do recinto.

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SC Salgueiros x Leça FC | 30-01-2022 Jogo entre os dois primeiros classificados da sua série do Campeonato de Portugal, sendo curiosamente ambas as formações conhecidas pelas falanges de apoio muito acima da média para a realidade do quarto escalão nacional. Não foi de estranhar a boa casa e o bom ambiente no Complexo Desportivo de Campanhã, com destaque para a prestação da Alma Salgueirista. Coreografia, pirotecnia, fumarada, muito material, bom apoio... Tudo isto culminado com uma importante vitória, que faz a equipa da Invicta seguir confortavelmente isolada no primeiro posto da tabela. De notar também, naturalmente, a presença da Brigada Verde no sector visitante.

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As mensagens da arquibancada e a luta torcedora De antemão, peço licença aos patrícios para usar categorias nativas das arquibancadas brasileiras. Sem dúvida o texto se fará muito mais compreensível se escrito integralmente na minha “língua” de origem. Consta na mais respeitável bibliografia sobre os estudos do futebol que os zines foram parte central no processo de organização das Independents Supporters Associations (ISA). Essas organizações, surgidas principalmente nos anos 1980, atuavam em contraposição às antigas associações de torcedores que, por razões históricas, geralmente atuavam de forma muito aderente aos interesses dos proprietários dos clubes da Inglaterra. As ISAs foram centrais na dura luta contra o processo violento de “higienização” dos estádios ingleses, políticas elaboradas com o objetivo de “exterminar o hooliganismo” e em consequência à Tragédia de Hillsborough (que não foi causada por hooligans, frise-se). Ainda que seja um dos países mais rígidos do planeta em termos de política de controle do público dos estádios, é possível imaginar que os estádios ingleses seriam ambientes ainda mais nefastos para as culturas torcedoras, não fosse a presença dessas organizações na resistência a essas políticas. A começar pelo preço dos ingressos. Proporcionalmente – e com base no poder aquisitivo do cidadão comum local –, é mais barato assistir a uma temporada inteira da English Premier League do que assistir a uma temporada inteira do Campeonato Brasileiro. É a presença e pressão desses torcedores organizados que mantém os agentes do negócio-futebol na rédea curta. Por óbvio, essa é uma batalha desleal. Pânicos morais, sensacionalismo midiático e interesses econômicos se aliam no universo do futebol em ofensivas aos modos festivos de torcer.

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Um estádio dedicado ao consumo passivo é muito mais interessante do que uma claque ruidosa e promotora de protestos, dinâmica contraditória que une as arquibancadas de todo o planeta, sem dúvida. Foi essa batalha, pelo direito de torcer, a que mais movimentou os torcedores nas últimas décadas. Mas a organização dos torcedores sempre fará diferença em algum nível da vida cotidiana, se for capaz de demarcar concepções alternativas sobre a lógica do futebol enquanto negócio, o clube enquanto empresa, o estádio enquanto shopping center e o torcedor enquanto cliente. Reclamar o futebol e os clubes como bens comuns, cultura popular e patrimônio histórico é um processo político que só pode se dar na troca entre os torcedores. É quando se percebe o que pode unir o sujeito-torcedor. É onde voltamos aos zines. Se hoje é fácil promover espaços virtuais de troca de informação ou (tentar) mobilizações para eventos presenciais através das redes sociais, não podemos deixar de reconhecer o esforço e criatividade daqueles que mobilizaram recursos para ofertar conteúdos impressos para seus colegas de arquibancada. Além da dedicação e esforço, também estamos falando de uma crença, uma convicção quanto à importância de organizar os torcedores contra o império da mercadoria no futebol. Porque a luta não é apenas em tirar o torcedor comum de um pretenso estágio de letargia ou resignação quanto às mudanças impostas pelo lado “negócio” do futebol; mas principalmente por combater “ideologicamente”, por assim dizer, o próprio sentido do futebol nas nossas vidas. Não dedicamos valiosos dias da nossa semana para o mero consumo de um espetáculo. Fazemos isso tudo porque o clube e o estádio são parte de nós e sem eles não nos


entendemos em vida. Mas que é bom e o que é ruim no mundo do futebol hipermercantilizado que ofende diariamente torcedores como animais selvagens? São as respostas que surgem das trocas – da comunicação. Iniciativas como a “Cultura de Bancada” partem desse espírito, e por isso deixo a minha saudação. É preciso elaborar instrumentos como esse, porque são eles que formam e reciclam as formas de garantir o futebol para os torcedores. E se o combate àquilo que nos expropria do que temos de mais valioso é injusto, fazendo a vitória parecer inalcançável, consideremos então a própria luta como um fim. Façamos um inferno na vida dos engravatados mesquinhos que se acreditam donos do futebol. Façamos festas cada vez mais ruidosas e esfumaçadas. Façamos marchas que atravessem e tomem toda a cidade. Façamos os estádios populares e “desdentados”. Façamos torcida! Por Irlan Simões, jornalista, pesquisador e torcedor do Esporte Clube Vitória.

Foto: Bruno Cruz / Diário do Pára

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ULTRAS COM HISTÓRIA GONÇALO DIAS Neste número voltamos a trazer a rúbrica “Ultras com história” até aos nossos leitores, contando com a presença de um velho conhecido das curvas portuguesas, o Gonçalo Dias. O nosso convidado é benfiquista e fundador do grupo No Name Boys mas, o melhor, é deixar as apresentações para o próprio. Agadecemos desde já a disponibilidade do Gonçalo por este enorme contributo para a Cultura de Bancada. Quem é o Gonçalo Dias? Sou um dos fundadores dos No Name Boys (4 de Março de 1992) e fui dirigente do Grupo até Dezembro de 1995. Após alguns anos de afastamento involuntário, seguidos de mais uns tantos de afastamento voluntário, regressei ao Topo Sul em 2010, onde revi velhos e bons amigos e fiz muitas novas amizades para a vida. Desde então tive a oportunidade de reviver momentaneamente velhas sensações do Mundo Ultra e, simultaneamente, partilhar alguns episódios das épocas iniciais dos NN e algumas técnicas “Old School” com a Nova Geração, como pintura manual de faixas, organização de coreografias e deslocações, e outros princípios que considero importantes para a continuidade da essência do Grupo. Como começou a tua ligação com o Benfica e com o movimento de apoio? A ligação com o Benfica começou pelo meu avô, que levava o meu pai ao Estádio da Luz a pé desde Campo de Ourique e essa tradição continuou pela mão do meu pai, o meu primeiro “companheiro de bola”. Com o passar do tempo, fui sentindo a atração ULTRA e fui-me aproximando, na bancada, do sector onde se encontravam os DV, arrastando o meu pai até ao ponto em que comecei a ir sozinho ao futebol e sabia que era aquele o meu lugar. Era ali que queria assistir aos jogos, junto daqueles “malucos” que cantavam

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durante todo o jogo. Queria que a minha voz ajudasse a fazer a diferença. Como viveste os anos que precederam a fundação dos No Name Boys? Os anos que precederam a fundação dos No Name Boys desenrolaram-se no seio dos DV, onde fui fazendo amigos, nomeadamente a Sandra, Diogo, Gullit, Macaco, Pedro, Paulinho, etc... que me acolheram no grupo desde logo com um espírito que me cativou. Em 1990 inscrevime nos DV, mas após passar uma época inteira à espera do meu cartão de membro, resolvi envolver-me mais e participei numa reunião que expôs a contestação que reinava na claque e esteve na origem da dissidência e de um grupo que mais tarde viria a fundar os NN. O objetivo inicial desse grupo seria assumir a liderança dos DV. Assim que (discretamente) conseguimos tomar posse de todas as faixas e bandeiras mais emblemáticas dos DV, em final de Fevereiro de 1992, esperámos por um jogo na Luz e mudámonos para o Topo Sul, anunciando a mudança de bancada dos DV através de panfletos distribuídos à entrada para o jogo e cartazes colados nas paredes do Estádio da Luz.


Porque fundaram os No Name Boys? Tudo começou porque queríamos um Grupo independente e mais democrático, onde todos pudessem participar nas decisões do dia-adia, onde todos confiassem em todos. Uma vez que verificámos que a marca Diabos Vermelhos tinha sido registada pelo Presidente da claque à altura, decidimos formar um novo Grupo. Assim surgiram os NN, no dia 4 de Março de 1992, num jogo Europeu com o Sparta de Praga. A estreia foi marcada pela maior tochada feita no Estádio da Luz até à data. Qual o impacto que o acidente que vitimou Gullit, o Tino e a Rita, teve nos No Name Boys? Decisivo. Foi um evento que mudou o rumo de muitas vidas e, na altura, uniu muito o Grupo em torno de um novo lema “SEMPRE PRESENTES”. A imagem da Bancada de Split passou a ser algo de Sagrado para o Grupo. A partir desse dia, a nossa Missão e a nossa motivação seriam honrar os Ultras que partiram, estando sempre lá, apoiando sem condições. Como vivias um derby nos teus primeiros tempos dos No Name Boys? Com muito trabalho de preparação prévia, muitas reuniões, muitas medições de bancada, muito corte de plásticos, muita pintura de panos e faixas, muito convívio, muita união, muito Amor à causa. Nos dias de hoje, ainda se vive da mesma maneira? O que mudou? Hoje em dia o Grupo assumiu uma postura mais casual. Apenas ocasionalmente usa o símbolo ou se reúne para preparar coreografias. Faixas e bandeiras, compra-se tudo feito... existem felizmente alguns pequenos subgrupos que tentam manter essa cultura de participação positiva e trabalho gerador de convívio e união, o verdadeiro legado de amizade e amor à camisola que esteve na génese dos NN, e que assim vai sendo transmitido através das gerações. Quais as deslocações e episódios que te marcaram mais? Qualquer uma das deslocações que fizemos no

início dos anos 90 ao estrangeiro, em carrinhas de 9 lugares, foram momentos marcantes. Era uma semana inteira a conduzir, comer enlatados, lavar os sovacos nas áreas de serviço, dormir todos tortos dentro das carrinhas... Tudo isso foi criando um espírito ímpar.

O incidente do very light teve fortes consequências para o grupo, podes falar sobre elas? Foi um acontecimento muito infeliz e tristemente fatídico. O momento mais negro da nossa existência, a par do acidente no regresso de Split. Nada justifica a perda de uma vida! Consequências surgiram desde logo para as pessoas que foram afectadas directamente pela repressão atabalhoada da investigação policial, que disparou em todas as direções. Pessoalmente, viria a ser detido dois meses após a final, na posse de haxixe e condenado a 5 anos e meio de prisão. Muitos foram acusados injustamente e viram as suas vidas serem viradas do avesso. O Grupo desuniu-se e teve de assumir uma postura mais casual e anónima, de forma a evitar perseguições. O estigma permanece. Os traumas também. Quais são as coisas que mais valorizas dentro de um grupo? Amizade, união, lealdade, humildade e trabalho em prol de um Amor comum. No geral, como avalias o movimento Ultra nos anos 80 e 90? Nessa época estávamos a desbravar caminho.

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Cada grupo assumia uma postura de acordo com as suas influências externas. Aos poucos, cada um foi encontrando o seu ideal. E nos dias de hoje, como avalias? Nos dias de hoje vejo mais postura ULTRA nos grupos que apoiam os clubes mais pequenos. Esses estarão a viver as sensações e a enfrentar os obstáculos que os grupos mais numerosos viveram nos anos 90. O que observo nos três “grandes” é uma enorme promiscuidade entre direções dos clubes e os grupos, que tem vindo a desvirtuar os princípios que deveriam reger esses grupos. Muitos abdicaram dos seus ideais em troca de bilhetes e deslocações, apoiando direções “chicas-espertas” que, essas sim, têm vindo a manchar o nome do jogo nos últimos anos. Como comparas a repressão policial que existia no passado com a que vai acontecendo no presente? Repressão será sempre repressão, independentemente das formas que possa assumir. Existiu e sempre irá existir sobre os grupos, pelos riscos que estes representam para a “ordem pública”. Os meios de hoje em dia permitem que os grupos se desloquem aos terrenos dos rivais sem grande hipótese de confronto direto, o que considero uma vantagem para quem os dirige, pelos problemas que evita. Mas nada se compara às sensações que

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tivemos nos anos 90, onde as deslocações começaram por ser feitas sem qualquer proteção policial. Era cada grupo por si. Quando a polícia aparecia, era para reprimir mesmo! Hoje em dia assume um papel de prevenção, embora por vezes abuse da utilização de alguns meios tecnológicos postos à sua disposição. Sempre acreditei que há maneiras de lidar com as forças policiais levando-as, muitas vezes, a entender a melhor forma de interagir com cada grupo. Quais foram as tuas maiores influências no contexto das bancadas? Os amigos que fui fazendo ao longo dos tempos. A maior de todas, sem dúvida, do Gullit, que era uma autêntica enciclopédia ULTRA que me foi sempre cativando para as coreografias e cânticos que vinham de outras paragens como Brasil, Itália e Inglaterra. O meu foco sempre foi tentar fazer o melhor possível com os meios que tínhamos à disposição, sem ligar muito a influências de outros grupos ou países. Na altura, acho que as experiências que vivíamos eram o que mais ia influenciando o rumo a seguir. Estávamos basicamente a “desbravar mato”. Ao fim de tantos anos, o que significa para ti a palavra Ultra? A palavra ULTRA significa uma postura na


bancada e na vida. Significa também convívio, união, espírito de grupo e sintonia. E significa saber ultrapassar obstáculos e barreiras. Eu sou um “ex-ULTRA”, hoje em dia, praticante apenas em part-time. Não vivo o fenómeno diariamente, mas em dia de jogo vem à tona o Velho ULTRA que há em mim, o que me valeu algumas multas por uso de pirotecnia já este século... invariavelmente oiço a frase “já tens idade para ter juízo!”, mas não me consigo render a ver os jogos de pipocas e Coca-Cola na mão...

para divulgação de informação nos grupos. Fui “formatado” para dar importância às fanzines e foi dos primeiros meios de divulgação que criámos nos NN para divulgar os nossos princípios e iniciativas. Na altura foi crucial para um crescimento sustentado (informado) do Grupo.

Hoje, ao recordares o teu passado, o que é que te deixa mais orgulhoso? O que me deixa mais orgulhoso foi ter conseguido tocar a vida de algumas pessoas de uma forma positiva. Esse é o meu lema e sempre o tentei praticar em todas as diversas facetas da vida. O facto de ter deixado uma semente de algo que tem muito significado na sua essência, um espírito muito positivo e um apoio que para sempre acompanhará o Benfica em qualquer parte do Mundo é algo que também me enche de orgulho. Como ouvir agora entoar um cântico na bancada e recordar o dia em que o Gullit aparece com a ideia e a primeira estrofe já na cabeça e os dois passávamos umas horas a trautear e nos saía uma “obra-prima”.

Uma mensagem para os nossos leitores a pensar no futuro do movimento. Libertem-se das influências nefastas das direções dos clubes! Independência e Valores acima de tudo!

Qual a tua opinião sobre o nosso projecto? O projecto Cultura de Bancada parece-me bem estruturado, com uma apresentação muito cuidada e uma motivação positiva.

Olhem para dentro dos grupos e vejam o que ali há de bom. Valorizem as pessoas pelo trabalho, pela positiva!

Se actualmente um pequeno jovem benfiquista for ter contigo, dizendo que pretende juntar-se a um grupo, dás-lhe algum conselho em especial? Acima de tudo, o conselho que daria em qualquer situação. Para ser humilde, não se deixar influenciar pelas pessoas erradas e mostrar que acima de tudo está o Amor ao Clube e a vontade de fazer a diferença pelo apoio. O que significam as fanzines para ti? Eu sou do tempo do papel, em que as fanzines representavam (no início dos anos 90) uma espécie de Bíblia para quem se interessasse pelo fenómeno. Juntávamo-nos para as ler e falar sobre as coreografias. Também serviam para estabelecer pontes entre grupos ou entre adeptos de diferentes origens, troca de material, etc. Hoje em dia, com os formatos disponíveis, penso que podem ser ainda mais importantes

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QUANDO A BOLA TRANSFORMOU A C DE CICLISMO PORTO -LISBOA em PO

30 de Maio de 1982, campeonato nacional da 2ª Divisão, Zona Centro. Depois de um renhido jogo ganho por três bolas a uma contra o Beira Mar, o Ginásio Clube de Alcobaça conquista a primeira posição e uma inédita e histórica subida à 1ª Divisão. Adeptos em delírio, uma cidade em festa, mas…uma semana depois, a subida era posta em dúvida. O que teria acontecido? No dia 8 de junho o Académico de Coimbra (então descendente direto da histórica Académica) entregou um protesto ao Conselho Técnico da Federação Portuguesa de Futebol, alegando que no encontro válido pela 28ª jornada, num jogo contra o Guarda, houve graves erros da arbitragem, pedindo a repetição do jogo. Numa época em que a falta de seriedade nos campeonatos portugueses de futebol era já de domínio público, o Conselho Técnico da FPF e o próprio Académico tudo fizeram para que a situação se alterasse. Bastaria que se repetisse o jogo, anteriormente empatado, entre o Desportivo da Guarda e os conimbricenses que, ganhando esse jogo, ultrapassariam o Ginásio no 1º lugar do campeonato, impedindo a subida

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conquistada no campo pelos alcobacenses. Sucederam-se dias quentíssimos: toda a comunidade de Alcobaça se insurgiu contra a injustiça! Com o então Presidente da Câmara, Rui Coelho, a incitar animosamente a população, foi preparado um protesto peculiar, de grande impacto, que iria ter grande visibilidade mediática. Já no dia 9 de junho, como relata o Diário de Lisboa, “populares interromperam o trânsito na Estrada Nacional nº 1”, manifestações que se prolongaram até às quatro da madrugada do dia seguinte. Mas o culmine do protesto foi no dia 10 de junho de 1982, feriado nacional, data em que se verificava mais uma edição (a 52ª) da mítica prova velocipédica Porto-Lisboa, cuja passagem por Alcobaça constitui um dos pontos mais populares e emblemáticos. Nesse mesmo dia, realizou-se em pleno Rossio uma espécie de Assembleia Geral Extraordinária do Ginásio e de Alcobaça, e ali acabou por ser decidido, por aclamação, que nesse dia se cortasse a Estrada Nacional para interromper a clássica de ciclismo. Os ciclistas, os mais prejudicados,


CLÁSSICA PROVA ORTO-ALCOBAÇA aguardaram que as coisas se resolvessem. Mas até perceberam o motivo do protesto e, mesmo tristes, aguardavam na esperança de poder continuar a corrida. Mas já não havia nada a fazer. A Organização determinou que o vencedor da prova seria Alexandre Ruas, o primeiro classificado no sector Porto - Coimbra. O protesto teve sucesso. Houve confusão com a Liguilha já a decorrer (e o Alcobaça a participar) mas depois foi anulada a alteração da classificação do Campeonato Nacional da II Divisão dessa época. Confirmouse assim a subida direta do Ginásio à I Divisão. A Aventura no principal campeonato português só durou uma época, nada que apague a teimosia dos adeptos e simpatizantes frente a injustiças e má governação da FPF que, infelizmente, ao longo dos anos iremos ver protagonistas em muitas outras trapalhadas. Por Eupremio Scarpa, Vintage Football City Tours

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AFC Wimbledon

Fundado no ano de 2002, o AFC Wimbledon é uma formação futebolística gerida de forma democrática pelos seus adeptos e, apesar de recentemente criado, carrega nos seus ombros o legado de um clube histórico do futebol britânico, nascido no século XIX, o Wimbledon FC. Para percebermos as motivações que levaram à criação deste novo clube, temos de recuar até ao início dos anos 1990, quando o Wimbledon FC vivia a fase mais brilhante da sua longa história. Depois de ter vencido a FA CUP, em 1988, numa final disputada em Wembley frente ao gigante Liverpool, e de ser um dos clubes fundadores da Premier League em 1992, a direcção do Wimbledon FC sonhava com um novo estádio, de uma dimensão e modernidade condizentes com o período dourado que a formação vivia. Contudo, em contraste com as performances nos relvados, a situação financeira ia-se tornando instável e as dívidas não paravam de crescer. É então que Charles Kopel, presidente do clube, decide responder afirmativamente a uma proposta de um consórcio composto por uma série de multinacionais, sediado na recém-fundada cidade de Milton Keynes, para

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que o clube mudasse a sua “residência” para lá, a 90 quilómetros da sua terra natal. É nesta fase que um conjunto de fervorosos adeptos do clube, agregados na Wimbledon Independent Supporters, decidem resistir a esta tentativa de adulteração de identidade e organizam uma série de protestos contra a direcção, chegando inclusivamente a bloquear estradas. Apesar desta renitência dos adeptos, uma comissão nomeada pela Football Association (organismo que tutela o futebol inglês) para acompanhar o caso dá luz verde à mudança de localidade e frustra todas as tentativas de travar este processo elencadas pela Wimbledon Independent Supporters. A mudança dá-se em 2002, um ano antes da data inicialmente prevista. É com um certo sentimento de amargura, por “conceder a vitória a Charles Kopel”, que quatro adeptos decidem lançar as bases de um novo clube criando a “The Dons Trust”, uma cooperativa que tem como finalidade manter como propriedade dos adeptos o clube que estava prestes a ser fundado: o AFC Wimbledon. Refira-se também que a comissão nomeada pela Football Association, que não teve problemas em avalizar a decisão meramente mercantilista de Kopel, procurou intimidar estes perseverantes adeptos, afirmando que a fundação de uma nova formação não era “do maior interesse do futebol”. Mesmo com todos estes condicionalismos, estes adeptos conseguiram em tempo recorde recolher os fundos necessários para arrendar um estádio em Kingsmeadow, localidade vizinha, apresentar um logotipo inspirado no do clube percursor,


nomear um treinador e organizar uma campanha de recrutamento de jogadores, para a qual se apresentaram 230 candidatos, na Wimbledon Common. Com uma gestão inspirada em valores tais como “paixão, compromisso, integridade, comunicação aberta e envolvimento das pessoas nas tomadas de decisão”, o AFC Wimbledon iniciou a actividade competitiva logo na temporada 2002/2003, na Combined Counties League, o 9º escalão do futebol britânico. Ivor Heller, um dos fundadores da colectividade, descreve a primeira temporada como “maravilhosa”, dizendo que “depois do inferno dos anos anteriores, creio que todos os que seguiam o clube tiveram uma sensação de libertação”. Uma recta final fantástica, com 11 triunfos consecutivos não foi o suficiente para que a promoção à divisão seguinte fosse alcançada, mas as hostes não desanimaram e em apenas nove temporadas o AFC Wimbledon conseguiu escalar até ao futebol profissional, depois de uma emocionante vitória alcançada em Maio de 2011 frente ao Luton Town, numa eliminatória decidida nas grandes penalidades. Durante esta meteórica ascensão, o clube bateu o recorde de invencibilidade do futebol sénior inglês, com um registo de 78 jogos sem averbar derrotas, num período compreendido entre Fevereiro de 2003 e Dezembro de 2004. A caminhada de sucesso não se ficou por aqui, e em 2016 seguiu-se nova promoção, desta feita até à League One, escalão em que se mantém até hoje, e onde “reencontrou” o MK Dons FC, nome com que foi rebatizado o Wimbledon FC após a mudança de cidade. A rivalidade entre as duas formações é intensa e acesa, e os apoiantes do Wimbledon apelidaram “carinhosamente” os rivais de “Franchise Bastards”, dedicando-lhes vários cânticos insultuosos, em referência à índole mercantilista dos MK Dons. Depois de vários anos de diferendos, o AFC Wimbledon é hoje o detentor oficial do legado e do palmarés que o histórico Wimbledon FC foi criando desde a sua fundação em 1889, e os adeptos não esquecem as suas origens,

fazendo-se acompanhar nos jogos de um grande e simbólico pano no qual se pode ler a inscrição: “We Are The Resurrection”. Outra das vitórias deste humilde clube foi alcançada em 2017 quando, através de um crowdfunding, conseguiu amealhar a verba necessária para iniciar a construção de um estádio próprio, que se irá localizar a escassos metros de Plough Lane, a mítica casa do Wimbledon FC. Este estádio terá capacidade para 9 mil adeptos, com a possibilidade de ser ampliado no futuro para uma lotação de 20 mil lugares. A título de curiosidade, damos conta de que o AFC parece ter herdado do seu antecessor a tradição de contar nas suas fileiras com jogadores “peculiares”. Se nos anos 80 e 90 o hoje actor Vinnie Jones espalhava o “terror” pelos relvados das terras de sua majestade com a camisola do Wimbledon FC, o AFC Wimbledon também contou durante duas temporadas com os préstimos de um futebolista famoso, o avançado Adebayo Akinfenwa, mais conhecido pelo seu volumoso porte do que pelas suas prestações. A perseverança e coragem destas gentes em desafiar as grandes corporações e o “futebol negócio”, lutando arduamente para construir um clube genuinamente seu, inspirou outros adeptos a seguir este valoroso exemplo. Um dos casos mais conhecidos é o FC United, clube formado por dissidentes do Manchester United, que já demos a conhecer numa das edições anteriores da Fanzine e que teve como inspiração e modelo precisamente o AFC Wimbledon. Por J. Sousa

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9 a d a c n a B a n o n i n i m e f o t n e m i Mov Desde cedo me habituei a ouvir que “o futebol é para os homens” e, apesar de saber que é uma expressão meramente simbólica, devo dizer que, no que toca à minha experiência, tanto na rua como na escola, era muito raro uma rapariga intrometer-se nas nossas brincadeira com a bola. Por outro lado quem não se lembra de ouvir o professor a dizer algo como: “Os rapazes podem ir jogar à bola e as raparigas fazem outra coisa”. Talvez estas questões, com raízes culturais, sejam um bom ponto de partida para entender uma parte da razão de, ainda num passado não muito distante, a presença feminina nas bancadas portuguesas, e no mundo, não ser muito expressiva. Nesta zona do planeta o futebol era um jogo de domingo e, no contexto social e familiar enraizados na maioria da população, havia outras prioridades e outras coisas bem mais adequadas que uma mulher precisava de fazer. Não acreditam? Perguntem às vossas avós. Seja como for, ainda que ténue, a presença feminina sempre existiu e tem vindo a crescer e a ser cada vez mais sentida. Porém convém ter na memória que, em vários países, esta é uma luta que ainda está longe de ver o seu fim. Não devemos apagar das nossas cabeças o caso de Sahar Khodayar, que morreu depois de se ter imolado à porta de um tribunal em Teerão. Esta adepta revoltouse depois de saber que poderia ir presa por ter tentado entrar num estádio, disfarçada de homem, para contornar uma proibição criada após a Revolução Islâmica de 1979, que impedia as mulheres iranianas de entrarem nos estádios durante eventos desportivos masculinos. Ainda hoje a presença de mulheres nos estádios iranianos carece de aprovação do governo como aconteceu em Outubro de 2021. Na Arábia Saudita o cenário não era muito diferente e só recentemente, em 2018, as mulheres foram

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autorizadas a entrar nas bancadas de um estádio de futebol, sozinhas ou com os seus maridos, mas com a condição de se sentaram numa zona separada dos restantes homens. Nas últimas décadas, em Portugal, os clubes trabalharam na tentativa de aproximar ainda mais as adeptas do futebol. Há inúmeros casos de oferta de bilhetes para promover essa aproximação e também há o exemplo de clubes que baixaram o valor das quotas das mulheres para que as suas adeptas tivessem ainda mais facilidade em estar presentes nas bancadas. No que diz respeito aos grupos de apoio, eles funcionam exactamente como um espelho da sociedade e por isso assistimos também a uma presença feminina cada vez mais forte. Tendo em conta que só na época de 1979/1980 é que apareceu, em Itália, o primeiro grupo exclusivamente feminino, de apoio à Sampdoria, podemos ver que não estamos assim tão mal na forma como a presença do movimento feminino se fez sentir em Portugal. Presença essa que não se fica pelo simbolismo, pelo contrário, existe um enraizamento profundo e activo e a prova disso é que actualmente podemos ver mulheres a integrar direcções de grupos. É importante sublinhar que são vários os grupos de apoio que apresentam núcleos femininos. Não nos podíamos esquecer que, também esta revista, tem uma adepta na equipa e que a Associação Portuguesa de Defesa do Adepto é presidida por uma mulher. Não fosse a repressão policial e cada vez mais tarjas, identificando a presença feminina, seriam exibidas, suportando essa emancipação, em todos os estádios de Portugal. Depois do que foi escrito é importante ressalvar que não é só nas bancadas do futebol masculino que as mulheres estão a solidificar a sua presença. Hoje, também no futebol feminino, há um crescimento notório da sua presença nas bancadas mas, já que tocamos neste segmento,


é principalmente no campo que se verifica a grande mudança. Actualmente discute-se a igualdade de salários entre o futebol masculino e o feminino o que faz parecer muito distante o ano de 1923, a primeira vez que houve um jogo feminino mediatizado em Portugal, aquando uma digressão de jogadoras francesas, e que contou com a presença de 5000 espectadores. Igualmente longe vai o ano de 1981 quando havia apenas 400 atletas federadas no nosso país. A partir do primeiro torneio feminino da FIFA, em 1988, e do primeiro Mundial Feminino, em 1991, a participação de mulheres e jovens que jogam futebol, por todo mundo, não parou de aumentar! Que se engane quem pensa que com a evolução descrita o respeito pelas mulheres mudou de 8 para 80. Pelo contrário, este é um processo que ainda está em curso e muita coisa tem de ser feita. Ainda recentemente a FIFA proibiu as cadeias de televisão internacionais de focar mulheres atraentes nas bancadas dos estádios em que decorreram os jogos do

Mundial 2018, uma medida que se prendeu pela necessidade do combate ao sexismo. Quem disse que as mulheres não sabem o que é um fora de jogo ou que para as mulheres a bola é quadrada? Durante anos foram estes os clichês com as quais foram bombardeadas, mas hoje as nossas senhoras enfrentam sem receio esses estereótipos. Que não restem duvidas, o futebol é jogado, sentido e vivido da mesma forma, seja pelos homens ou pelas mulheres. Por João Lobo Para falar sobre este tema convidamos uma adepta que, durante uma boa parte da sua vida, se dedicou a apoiar o seu clube de uma forma activa e apaixonada. Achamos que, deste modo, vamos conhecer melhor a realidade sobre a presença feminina nas bancadas. Agradecemos à Xana, assim conhecida na sua bancada, por ter aceite o nosso convite para trocar algumas palavras connosco.

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Como começou a tua vida enquanto adepta? Por influência familiar, o futebol sempre fez parte da minha vida, não nas mesmas cores mas com a mesma paixão. Ir ao estádio era um ritual, e o fato de ser rapariga nunca foi condicionante para me introduzirem no mundo da bola. A única condicionante foi mesmo ter conhecido precocemente quase todos os estádios, do Porto e arredores, excepto o único que alimentava os meus sonhos. A certa altura, e com as minhas convicções clubísticas bem definidas, segui o meu caminho rumo ao Estádio das Antas e nunca mais o deixei. No início apenas em casa, com ajuda de vizinhos e amigos da familía que me metiam na bancada até conseguir o tão desejado e sonhado cartão de sócia, que só chegou em 1990. Aí tudo mudou, emancipei-me como adepta, apenas precisando do bilhete para o autocarro e de destacar o bilhete de jogo, que nessa altura se comprava em papelarias, em blocos, de acordo com o dinheiro disponível. Eram tardes de domingo perfeitas. Quando e como te juntaste aos Super Dragões? Foi inevitável e rápida a passagem da bancada para a Superior Sul. A bancada foi a porta de entrada, mas a porta 10 era o meu lugar e uma época foi suficiente para perceber isso. O ambiente, o apoio, o calor que emanava da Sul era cativante, absorvendo-me, às vezes, mais do que o próprio jogo. Fui sozinha, porque senti que era onde devia estar. Sentiste alguma forma de censura, por parte da tua família, por ingressares num grupo de apoio? Não, sempre fui responsabilizada pelos meus

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atos e alertada das consequências que me podiam trazer, mas sempre com a liberdade de fazer as minhas escolhas. O único alerta foi que se alguma vez fosse detida não me iriam buscar, mas não nunca comprovei a veracidade. Nunca senti a necessidade de chegar a casa e dizer que pertencia aos SD, naturalmente foram-se apercebendo. Quais as melhores memórias que guardas desses tempos iniciais? Éramos uns miúdos, com toda a sua inocência e rebeldia, que se juntavam nos dias de bola para apoiar o seu clube. Cada deslocação era uma aventura, sabíamos a hora de partida e o local, Loja Azul se fosse de autocarro, Trindade e São Bento se fosse de comboio, mas nunca sabíamos a hora de chegada. Tudo combinado com uma semana de antecedência no jogo em casa, ou convencidos à última da hora por alguém que encontrávamos na rua e dizia: “Domingo é às 9h”. O que quer que acontecesse, éramos um todo, como normalmente se diz, poucos mas bons. Um dos pontos fortes dos SD, no meu entender, é que nunca interessou quem eras, de onde


vinhas, o que fazias, apenas se querias seguir e apoiar o clube. Isso fez a identidade do grupo e criou uma verdadeira família, composta por outras várias pequenas famílias, havendo lugar para todos. Na tua perspectiva é correcto dizer que no tempo em que entraste para os SD, as bancadas eram um “mundo de homens”? Como te sentias nesse mundo? Em casa! Nunca pensei nem senti a curva, e o futebol em geral, como um território masculino, mas admito que isso tem muito a ver com a minha maneira de ser e os valores que me foram incutidos. Se a minha presença é em prol do grupo e do amor pelo clube, que diferença faz se sou mulher ou homem? Sempre fui tratada como igual que sou. Alguma vez ambicionaste pertencer à direção do teu grupo? No caso de a resposta ser afirmativa, o que fizeste por isso? Nunca fiz parte da direcção nem nunca ambicionei tal, aliás nenhuma mulher fez parte da direção dos SD, o que nunca desvalorizou o papel importante que várias mulheres foram tendo na curva e que perdura até hoje. Basta ver a Sandra, é meritório o trabalho e dedicação dela, e é sem dúvida fundamental e responsável pela grandiosidade da Curva. O papel das mulheres sempre foi muito para além do apoio, tendo tido ao longo do tempo responsabilidades como o apartado, a quotização dos sócios, a organização das deslocações, a venda de material do grupo, a venda e distribuição das fanzines na curva, e sempre fundamentais e muito ativas na execução de coreografias, etc.. E deve ser este o caminho e percurso que se deve trilhar dentro do grupo, estar e ser presente no seu todo, ajudando onde é preciso. O que reténs daquilo a que podemos chamar o processo de afirmação das mulheres na bancada e principalmente nos grupos de apoio? Quando cheguei à Sul abordaram-me no sentido de pertencer às Girls, de ir ver o jogo para junto delas, mas sinceramente não me entusiasmou a ideia. Gostava de ver a bola onde me apetecia

e com quem queria, e facilmente me fui identificando mais com algumas pessoas sem olhar ao género. Nos anos 90 surgiram as Super Queens. Um grupo de mulheres que por norma acompanhava o grupo em casa e fora foi presenteado com um lindíssimo desenho pelo artista mais talentoso da curva. Usámos para fazer t-shirts apenas para próprio uso, mas nunca nos assumimos como núcleo. Nos anos 2000 senti pressão para criar algo mais oficial, principalmente para servirmos como referência e facilitador da entrada e manutenção na curva do cada vez maior número de jovens raparigas que aparecia. Apareceu o estandarte, o cachecol e a bandeira, mas sempre com a certeza que mais do que um núcleo éramos uma família, uma grande família, e qualquer mulher na Curva SD era considerada Queen. “Faixa não há, mas nós estamos cá” foi o lema que escolhemos, exatamente porque tem de haver liberdade de escolha, cada uma escolhe onde se sente melhor, com quem se sente melhor sem ter que, para isso, abdicar de se identificar com um lema ou uma causa. Às vezes brincávamos e dizíamos: se todas as mulheres da Curva estivessem inscritas nas Queens éramos o maior núcleo dos SD. Mas o número nunca foi o nosso objetivo, apenas fazer com que se sentissem em casa, felizes e bem-vindas ao mundo ultra. Ter a certeza que o conseguimos é o meu grande orgulho na vida minha vida Ultra! Quais as grandes diferenças da presença feminina nas bancadas no passado e no presente? O Estádio das Antas, desde os anos 90, e

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mais recentemente o Estádio do Dragão, sempre tiveram uma forte presença feminina nas bancadas, um facto que me deixa particularmente feliz, principalmente pelo número estar em crescendo. Continua a haver uma forte componente familiar, uma tradição e amor que passa de geração em geração, mas cada vez há mais mulheres em grupos de amigas e/ou amigos. A grande diferença, a meu ver, é hoje existirem referências femininas na Curva. O que representa para ti ser Ultra? Apoio incondicional ao Clube, ao Futebol Clube do Porto! Hoje a presença feminina é natural e generalizada por todas as bancadas e mesmo nos grupos de apoio. Inclusive, no desporto, há uma maior oportunidade para as mulheres. Sentes que estamos no caminho certo? Na tua opinião, o que é que ainda falta mudar? Falta mudar principalmente a mentalidade das mulheres! Sei que não é fácil na nossa sociedade, em que a mulher continua a ter um papel no seio familiar muito definido e preponderante nas tarefas, manterem-se na curva a partir de determinada altura da vida, ainda mais se a família não acompanha a mesma paixão ou cor. Muitas vezes me dizem que sou uma privilegiada, eu digo que é uma escolha. O único privilégio é viver numa sociedade e num país em que tenho direito a essa escolha, ao contrário do que infelizmente ainda acontece em muitos lugares do mundo. Se quero ir, vou, não penso se vai alguma mulher. Ainda num dos últimos jogos no Dragão uma mulher disse que eu tinha sorte em acompanhar o clube, que também gostava de o fazer mais, mas quer era um mundo de homens e era chato estar-se a intrometer ou impor. A reação foi de riso de quem estava por perto, tendo um dito, se ela pensasse como tu não tinha ido a grande parte dos jogos e lugares onde já foi. Achas que uma adepta sente a repressão policial da mesma forma que um adepto? Não existe qualquer diferença quando estamos

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no seio de um grupo ultra, o tratamento é o mesmo, e sempre na mesma proporção. Já se entramos noutra bancada o caso muda de figura. Esta época fui a Alvalade com bilhete de público, por não poder aceder à ZCEAP, exclusiva na altura ao cartão de adepto. Apesar de identificada com camisola do FC Porto, não fui revistada na entrada, embora me encontrasse a pequena distância, apenas separada por uma grade, dos “adeptos perigosos”. Bastava estar do outro lado para ser exaustivamente, e às vezes abusivamente, revistada. Nos anos 90, quando ainda não havia policiamento feminino nos estádios e éramos poucas, eram um pouco condescendentes, tipo, “oh menina passe lá, saia daí”, mal sabiam eles que erámos autênticas mulheres-bomba, com toda a pirotecnia possível de esconder por baixo da roupa. Já sentiste algum preconceito, nas bancadas, por seres mulher? Existe sempre aquele machismozinho latente, mas que é transversal à nossa sociedade, não só exclusivo do futebol. Quando acontece, é frequente ser por parte do adepto comum, da polícia, grupos rivais ou comunicação social. Dentro dos SD não o sinto, muito pelo contrário. Uma expressão dos comentadores que me deixa doente é – “Elas dão colorido à bancada” – eu pergunto-me sempre, elas quem? As bandeiras só pode. Uma mensagem final para os nossos leitores, especialmente para as nossas leitoras. Li uma vez – “Não é aceitável que continuem a existir mulheres fora jogo”. É a mais pura das verdades, seja em jogo no campo, na bancada ou na vida em geral, cabe-nos a nós mulheres mudar a situação e não desculpar-nos ou escusar-nos na sociedade, leis ou quotas. Sejam vozes ativas na vossa vida, e vão ser vozes ativas no Estádio!


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De Olhos n

Por L.

Jogo interessante entre duas equipas que lutam pela permanência, no principal escalão, disputado (como deve ser) durante um domingo à tarde. O sol raiou no Estádio do Bessa e ajudou a completar o cenário perfeito para uma partida de futebol. As bancadas receberam 4332 adeptos, sendo que cerca de 1 200 deles eram de Vizela. Muito boa mobilização do povo vizelense que culminou numa das maiores deslocações de sempre de adeptos afectos ao clube da Rainha. O grupo de apoio Força Azul encheu três autocarros, tendo os demais adeptos viajado em outros seis autocarros a par de inúmeras viaturas particulares. Curioso, para mim, notar que muitos adeptos faziam-se acompanhar de bandeiras do concelho de Vizela. Em campo os jogadores batiam-se com tudo. Foi um jogo intenso no qual se viu um Boavista com um futebol menos vistoso do que o Vizela. O conjunto forasteiro, impulsionado pelo forte apoio da Força Azul, chegou à vantagem aos 27 minutos. As gentes de Vizela entraram em êxtasee intensificaram o seu apoio até ao intervalo. O mítico grupo Panteras Negras, presentes com cerca de 150 a 200 membros, teve uma primeira parte de apoio a espaços. Os PN estiveram localizados no topo sul, no sector ZCEAP, munidos de faixas, bandeiras e tambor. Do lado oposto, o grupo visitante fez-se acompanhar de pequenos panos com dimensões até 1x1 metro.

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na Bancada

. Cruz

No reinício do jogo, apoiantes de ambos os clubes saudaram as suas equipas e desde logo começou o apoio de parte a parte. Os comandados por Petit entram determinados a mudar o resultado e, minutos depois, um jogador axadrezado é expulso. Ainda assim, a determinação dos homens da casa levou-os a minimizar estragos. Durante a segunda parte os Panteras Negras melhoraram no apoio ao B.F.C., mas as gentes de Vizela continuaram a ter sinal mais pois, em vário momentos, conseguiram ser muito audíveis durante um apoio vocal constante. Os boavisteiros foram igualando quando as bancadas centrais acompanhavam os Panteras Negras, o que aconteceu por várias vezes, especialmente quando fizeram golos. Já no tempo de compensação, o histórico Boavista tem uma grande oportunidade para vencer a partida, naquela que foi a última jogada da mesma. Penalty claro a ser marcado pelo árbitro e sentiu-se uma imensa festa boavisteira, com provocações à mistura perto do sector forasteiro. Para frustração do povo do Bessa, e alegria dos vizelenses, o marcador do penalty desperdiça a chance e mantém-se o empate. Divisão de pontos, num jogo emocionante, onde os jogadores tiveram atitude combativa. Os aficionados de ambos os clubes reconheceram o esforço dos intervenientes e estiveram em comunhão com as suas equipas, protagonizando bonitos momentos, que fecharam a tarde de domingo desportivo.

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Portugal de lés-a-lés 1300 kms, 18 anos depois Para os amantes do futebol “in loco” uma transferta é, e sempre será, dos maiores clímax que poderá haver. Quanto mais longa a viagem, maior o convívio, mais histórias ficarão para contar e maior satisfação trará àqueles que decidam embarcar em tais aventuras. No entanto, nem tudo são histórias de amor ou felicidade. Longas distâncias também implicam grandes sacrifícios e, por vezes, grandes desilusões. Para quem tem a sorte de efectuar viagens ao estrangeiro em apoio à sua equipa há uma certa magia acrescida, pois o estandarte do seu clube e do seu país é ostentado orgulhosamente alémfronteiras. No entanto, para quem tem o seu clube numa divisão inferior e percorre longas distâncias para “apenas” (dizem alguns) ir tentar buscar uns pontos... bom, não é fácil identificar as motivações ou proezas em tal transferta. Quem as faz sabe, apenas quem as faz. A primeira vez que estivemos em Chaves foi há aproximadamente 19 anos atrás, aquando da fugaz passagem do Farense pela 2ª liga na época 2002/03. Nessa mítica viagem a Chaves fomos numa carrinha desconfortável que pouco ou nada andava. Com os tostões contados, em virtude da tenra idade dos seus 9 ocupantes, forçou-nos a ir por estradas nacionais. Era uma altura em que viajar ao Norte era uma verdadeira epopeia, digna dos maiores aventureiros e onde os cerca de 650 kms que separam Faro de Chaves se prologavam numa trajetória de tempo indeterminado. Quem foi, ainda hoje apelida essa transferta da “pior viagem jamais feita em prol do nosso Farense”. No entanto, é dessas que nos lembramos e contamos aos mais novos. O espírito de camaradagem era ímpar e as loucuras, próprias da idade, brotavam de forma constante, daí ter ganho o estatuto de “mítica viagem” a Chaves! Era um tempo para espíritos livres e sem restrições, era quase uma faixa por pessoa, a batida do tambor fez-se sentir nos 90

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minutos, o bar servia a bela imperial fresquinha e o controlo nas portas era feito pelo simples rasgar de um bilhete. Até parece mentira. Após algumas deslocações entre 2013 e 2016, ditou o calendário da 2ª liga que no sábado, dia 18 dezembro 2021, o Farense se deslocasse novamente a Chaves. Os tempos são outros, a idade e os confortos actuais fazem com que tudo seja mais fácil no que diz respeito à viagem. Desta vez fomos em carros, no entanto, alguns pela autoestrada, outros mais aventureiros pela nacional... Para estes, a viagem começou na 6ª à noite e terminaria no domingo de manhã, a relembrar a tal viagem de 2003. Para um dos carros que foi pela autoestrada, um encontro não planeado com uma raposa em plena A1 ditou uns estragos na viatura e um atraso no regresso (felizmente apenas isso!!). No meu carro, foi sair pelas 05h e estar em casa pelas 23h30’. Relativamente ao jogo, chegámos a Chaves e, após um ligeiro almoço de Grupo para afinar gargantas, lá nos dirigimos para a nossa porta e aí foi mais do mesmo. Um controlo policial disparatado que nem isqueiros permitiu. Foram proibidos

panos com mais de 1 m ou qualquer menção à palavra Ultra ou South Side. Fizemos o nosso papel e, mais uma vez, apoiámos durante todo o jogo... Saímos de Chaves com uma derrota, nada de novo. Nada que nos faça colocar tudo em causa ou exigir cabeças em bandeja. O nosso papel terá sempre que passar por exigir e retribuir, exigir esforço e entrega, mas sem nunca alimentar o nosso ego pessoal com vitórias ou diminui-lo com derrotas. Isso não é o nosso ADN. Até à próxima transferta.. Por João Araújo

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Como diz o ditado: “não há fome que não dê em fartura!”. Depois de um hiato de praticamente dois anos, voltaram os clássicos no Dragão, com adeptos nas bancadas e logo em dose dupla. O Porto vivia um bom momento, em oposição ao Benfica, mas um clássico é sempre um clássico e um detalhe pode mudar o figurino por completo.

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O pré-partida foi morno, como vem sendo hábito. Uma ou outra frase de incentivo, recepção às equipas no hotel e uma tentativa de chegar ao cortejo benfiquista, que gerou alguma confusão com as forças policiais. O estádio, apesar de quase cheio, aparentava ter um pouco menos de povo amontoado, talvez motivado pelo aumento de casos após o primeiro jogo. Não obstante, sectores de apoio, quer da casa, quer visitante, bem compostos. Realce, na bancada Norte, para uma revista apertada a alguns elementos do Colectivo em busca de pirotecnia, que culminou com nova tentativa de apreensão de uma bandeira Jolly Roger, o que levou a uma intervenção mais musculada, mas que, com algum bom senso, acabou por não descambar em confrontos mais sérios. No que respeita ao jogo ,propriamente dito, foi menos intenso que o da semana transacta, mas com um desfecho semelhante. Nas bancadas, teoricamente, quem joga em casa tem vantagem e com o jogo favorável, mais ainda. No entanto, e a bem da verdade, os adeptos visitantes estiveram, no cômputo geral, melhor! Cada sector tem a sua identidade, posturas e estilos à parte, vocalmente, os vermelhos estiveram fortes e mesmo com o jogo praticamente perdido deram aparato pirotécnico. Ainda uma nota para a existência de cada vez mais “pequenos” grupos de adeptos dispersos pelas bancadas do Dragão, em particular na Norte, aparentando ser malta rodada e com peso. No final as habituais diligências, um contingente policial impressionante impede qualquer troca de galhardetes entre as partes. Em suma, sinal mais para os Tripeiros dentro de campo e para os Lampiões na bancada. S. Peixoto


Último jogo do ano, segunda deslocação ao Dragão numa semana, bilhetes praticamente esgotados e rumam 7 autocarros da Luz até ao norte do país. Viagem de pouco mais de 3 horas, sempre de copo na mão e com muito tempo para afinar as vozes. Espalhava-se o “boato” que os grupos do Porto, no dia anterior, tinham conseguido, 1000 bolas de golfe para nos receber, mas a história repete-se todos os anos e como sabem, nas últimas deslocações, pouco ou nada se passa. Viagem tranquila, chegamos ao parque da STCP em Bonjoia às 18:45h e estavam centenas de adeptos já à nossa espera para começarmos o cortejo. Começa-se a ver alguma pirotecnia e as vozes já bem afinadas. Faltam 2 horas para o jogo e estamos a 10 minutos do estádio. A polícia, tal como na semana passada, demora imenso tempo a iniciar o cortejo. Começamos a andar às 19:30h, a 1:30h do jogo começar. Não entendo tanto tempo de espera, as coisas funcionam de maneira completamente diferente na Luz. Chegando ao estádio, há sempre o encontro com alguns adeptos adversários antes das escadas, arremesso de tochas e isqueiros, mas nada fora do “normal”. Chegamos às famosas escadas, e temos quase mais 2 horas de espera, agora graças aos certificados. Mesmo chegando a Bonjoia 2h15m antes do jogo, voltamos a entrar na bancada já com o jogo a decorrer. Super Dragões com uma enorme coreografia a felicitar o aniversário do presidente do clube, juntando alguma pirotecnia. No decorrer do jogo, os adeptos do Benfica muito fortes relativamente a apoio, a destacar a forte presença em números dos No Name Boys e no geral, deixando o setor do cartão do adepto vazio, como era de esperar. Nos minutos finais do jogo, verificou-se uma enorme enchente de pirotecnia do lado dos Diabos Vermelhos mostrando que, mesmo numa altura menos positiva do clube, estão presentes e nunca deixarão de apoiar. Terminado o jogo e com as equipas já

nos balneários, restou-nos aguardar mais 1 hora para que nos deixassem sair até aos autocarros para rumar novamente a Lisboa. Mais uma viagem tranquila sem nada a registar, chegada ao Estádio da Luz às 4h da manhã. João C.

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CULTURA DE ADEPTO Por P. Alves e M. Bondoso

“A memória é o essencial, visto que a literatura é feita de sonhos e os sonhos fazem-se combinando recordações”. Jorge Luís Borges

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Se Deserte Son Le Strade Internacional Autor: Luca Ghiglione, Gerolamo Calcagno Equipa: UC Sampdoria Ano: 2016 Páginas: 354 Preço: 35eur Desta feita trazemos um livro que pode ser encarado como uma bíblia dos adeptos da Sampdoria. Desde os primeiros confrontos dentro e fora do estádio (ainda como adeptos da Andrea Doria), até 1994 depois da vitória no campeonato e as históricas participações nas competições europeias. O objectivo do livro era mesmo fazer uma linha cronológica da criação dos diversos grupos de apoio, sejam ultras ou calcio clubs, e a história do próprio clube. São vários os episódios relatados, fruto de imensas entrevistas realizadas às várias personagens da Gradinata Sud ao longo de gerações, o que torna o livro riquíssimo em detalhes para quem aprecia várias histórias dentro de uma grande história. Conta ainda com uma mostra fotográfica invejável, fruto de vários colecionadores que colaboraram com os autores, bem como de material ultra, cartazes e recortes de jornais que vão acompanhando a narrativa. Um excelente pedaço de história para quem gosta do movimento e podemos dizer com toda a certeza de que continuamos a aguardar o 2º volume com expectativa!

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Grupo Manks Nacional Autor: Luis Monteiro Equipa: SL Benfica Ano: 2021 Páginas: 50 Preço: 10€ Dos grupos do Estádio da Luz chega-nos mais um livro, desta feita dedicado aos 25 anos de atividade do Grupo Manks, agora denominado de Velhas Maneiras. Trata-se de um pequeno livro A5 de 50 páginas, similar a uma fanzine, no qual é feita a retrospectiva do grupo ao longo dos anos, desde a sua génese dos “Ultras Benfica” e dos “No Name Boys” até aos dias de hoje. O livro é composto por 6 capítulos distintos. No primeiro aborda-se a temática da identidade e valores do Grupo Manks, que se tentam distanciar da realidade vivida pelas restantes claques do SL Benfica. De seguida é dedicado um capítulo inteiro à partilha de fotografias, com especial foco às frases, coreografias e material feito em mais de duas décadas. No terceiro capítulo aborda-se o tema da reinvenção do grupo, o qual deixou de se dominar por Grupo Manks, para passar a ser conhecido como Velhas Maneiras. As últimas 3 partes são dedicadas às amizades oficiais do grupo, com destaque para a Mancha Negra a nível nacional e a Roma e Mérida a nível internacional. São mostradas ainda memórias relativas às viagens internacionais feitas a acompanhar a equipa encarnada, terminando o livro com mensagens e reflexões de alguns dos seus membros mais ativos.

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Se Deserte Son Le Strade

Grupo Manks

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Clockwork Orange é um filme da autoria do realizador norte-americano Stanley Kubrick, editado em 1971, e que 50 anos após o seu lançamento continua a dividir opiniões. Inspirado num livro de Anthony Burgess, a película desenvolve-se num futuro distópico, em torno da vida de Alex DeLarge, interpretado por Malcom McDowell, e do seu gang juvenil. O grupo de marginais “ocupa” as suas noites praticando crimes “ultraviolentos”, tais como assaltos, espancamentos e violações, enquanto se exprimem numa linguagem chamada “nadsat”, uma mistura de inglês, russo e gírias. Paralelamente as estas práticas, o protagonista Alex nutre uma grande paixão pela música clássica, em particular por Ludwing van Beethoven. O assassinato de uma mulher leva Alex à cadeia. Lá, o jovem voluntaria-se para ser sujeito a uma técnica de recondicionamento chamada “Método Ludovico” por forma a ver a sua pena saneada. Toda a restante trama gira à volta deste processo de recondicionamento e das consequências que dela resultam para a vida do jovem sociopata. Este filme tornouse objecto de culto e para isso contribuíram, de forma significativa, tanto a genialidade do realizador como as peripécias que sucederam durante a sua rodagem, do que é exemplo a lesão na córnea sofrida pelo protagonista enquanto gravava uma icónica cena do processo de recondicionamento, lesão essa que deixou McDowell temporariamente cego. A forma como a longa-metragem explora uma sociedade degenerada, a delinquência juvenil, as tricas políticas e o crescente autoritarismo governamental fizeram com que esta obra “entrasse no coração” de várias gerações de jovens, que se apropriaram do “nadsat”, do “dress code” das personagens, de toda uma atitude irreverente e inclusive da “ultraviolência”. O realizador e a família foram alvo de um sem número de ameaças, culpados pela crescente

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violência que vigorava entre a juventude britânica, o que fez com que Kubrick pedisse inclusive para que o filme deixasse de ser exibido nas salas de cinema do Reino Unido até à data da sua morte, que aconteceu em 1999. A influência de “Laranja Mecânica”, o título em português, também se fez sentir, e muito, na Cultura Ultra, e moldou a imagem e a atitude de muitos grupos ao longo dos anos, um pouco por toda a Europa. Os Ultras Tito Cucchiaroni da Sampdoria foram o primeiro grupo a designar-se como Ultras e, aparentemente, foram também os primeiros a utilizar simbologia retirada do filme. Na Juventus surgiu durante os anos 80 um grupo chamado “Arancia Meccanica”, grupo esse que viria mais tarde a dar origem aos Drughi. Em Portugal também foram vários os grupos a beber simbologia de “Laranja Mecânica”, nomeadamente os Ultras Ermesinde, que ainda hoje têm ao centro da sua faixa principal uma referência visual retirada do filme. Outros grupos como os South Side Boys do Farense ou os Desnorteados do Espinho, bem como outros grupos italianos e um pouco por toda a Europa, fazem ou fizeram a “apropriação” de imagens ou expressões, confirmando assim o papel preponderante desta obra na “modelagem” de todo um movimento Ultra que, ao longo de mais de meio século, saltou as fronteiras italianas e se espalhou pelos quatro cantos do mundo. Esta obra-prima de Stanley Kubrick foi um enorme sucesso de bilheteira. Rendeu, na sua primeira passagem pelas salas de cinema, 26,9 milhões de dólares, muito acima dos 2,2 milhões em que foi orçamentado. Recebeu 4 nomeações para Óscares, mas foi também alvo de inúmeras críticas, e no nosso país só foi colocado nas salas de cinema após a revolução de Abril de 1974. Para uns obra de culto, para outros “bagunça ideológica”, o certo é que “Clockwork Orange” sobreviveu ao tempo e ainda hoje, 50 anos após o seu lançamento, o filme é rodado em salas de cinema e desperta os mais variados sentimentos nos olhos dos seus espectadores. Por J. Sousa

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