Cultura de Bancada - 10º Número

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e comunicar 05 ser uma cultura de bancada

07 protesto ultra canto 09 porque enquanto perdes?

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HISTÓRIA DO MOVIMENTO ORGANIZADO DE ADEPTOS NA GRÉCIA

conversa com 22 àronan evain

28 memórias da bancada 50 resumo da bancada 62 guerra na ucrânia com o ouvido na rádio 66 todos

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Os ultras e a revolução no egipto

evolução do 72 afutebol moderno

de um símbolo 74 atrás rabo de peixe x belenenses

do povo tondela x mafra 76 taça

ao continente moreirense x maritimo 78 invasão sustentado 80 crescimento

82 andy capp 84 cultura de adepto 88 i.d. 3


Editorial2 Mais dois meses passaram e, das poucas certezas que temos é que, com muito sacrifício e trabalho, continuamos por cá a praticar o nosso sonho. Felizmente assistimos à saída do Secretário de Estado da Juventude e do Desporto, João Paulo Rebelo, que foi substituído pelo João Paulo Correia. A Cultura de Bancada faz votos que as parecenças, entre os dois, sejam apenas no nome. Aproximamo-nos do Mundial e, um pouco por todo o país, por consequência da grande do apuramento de Portugal, vive-se um clima de alguma euforia que infelizmente não podemos partilhar. É impossível para nós conseguir esquecer todo o sangue derramado, pelas cerca de 6750 vítimas, para erguer as bancadas dos estádios onde vão decorrer as partidas do Mundial 2022. Acredito que para a FIFA outros valor€s se levantem mas, para nós, adeptos, não pode ser assim. Também não podíamos deixar de mencionar a incompetência da Liga Portugal que apresentou mais um pacote repressivo, composto por 9 pontos, à APCVD. Não nos surpreende o facto de a Liga ter este posicionamento lesivo para com os adeptos. O que nos surpreende é a sugestão dada, entre outras, de uma intervenção efectiva das forças de segurança nas bancadas em caso de desordem. Convém recordar que isto acontece a seguir ao triste episódio em que a PSP invade uma bancada à bastonada provocando um problema de dimensões muito maiores do que o Director J. Lobo

que motivou a intervenção. Quem nos protege desta gente? Felizmente, para a segurança das nossas vidas, só existiram feridos ligeiros... já bastou a outra vez em que a polícia entrou numa bancada aos tiros indiscriminadamente. Por último, queremos dizer que gostaríamos de manter uma relação mais próxima com os nossos leitores, como ainda agora o tentamos fazer através de um pedido de sugestão de temas para os próximos números, mas infelizmente contam-se com uma mão aqueles que se deram ao trabalho de nos ajudar nas vezes em que lançamos esse apelo. É desolador perceber que nos esforçamos tanto para vos oferecer o melhor possível e da maioria de vós a única coisa com que podemos contar é um enorme ZERO. Só podemos concluir que os adeptos portugueses estão muito distantes daquilo que nós queremos para as nossas bancadas e, por isso, não podemos deixar de escrever estas palavras para que um dia, quando alguém quiser perceber o porquê do panorama português estar em tão baixo nível, possam entender o comportamento de quem o compõe. Fica o registo para a posterioridade. Sabemos muito bem que estas últimas palavras não são agradáveis de ler e possivelmente também não são o melhor para o processo de fidelização dos nossos leitores, mas não estamos aqui para ser simpáticos, estamos cá para semear um futuro melhor para todos!

Redacção L. Cruz G. Mata J. Sousa

Design S. Frias M. Bondoso

Revisão A. Pereira

Mário Rodrigues Pedro Costa D. Andrade

N.Ferreira P. Alves

Convidados Daniel Seabra Ronan Evain Luís Américo

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Yuri Paretski Eupremio Scarpa J. Oliveira


Ser e comunicar uma Cultura de Bancada Como todos sabemos, a bancada não tem cultura. Quem a pode criar são aqueles que, semana após semana, assistem aos jogos de futebol, despendendo, para tal, consideráveis montantes em dinheiro. Parecem óbvias estas afirmações. No entanto, estas evidências não nos podem limitar a uma reflexão simplista sobre o tema, pois este contempla múltiplas dimensões que importa considerar. Afinal, do que falamos quando falamos de cultura? Na sua aceção antropológica, o termo cultura é empregue para designar padrões de comportamento que são característicos de determinados grupos, sociedades e comunidades; orientados por valores, símbolos, crenças e necessidades básicas e derivadas; e que podem configurar modos de vida, cerimónias, rituais e instituições. Quando pensamos na existência de uma cultura de bancada, temos, pois, de olhar para os padrões de comportamento daqueles que as ocupam nos jogos de futebol, bem como para os valores, as crenças e os afetos que traduzem. Observando o comportamento daqueles que ocupam as bancadas dos estádios portugueses, e sem prejuízo das particularidades inerentes a cada clube, parecem coabitar dois padrões. O mais comum e dominante é aquele que é adotado pela generalidade dos adeptos que ocupam as diversas bancadas dos estádios. É um padrão essencialmente caracterizado por um comportamento reativo às incidências do jogo. O mais distintivo é o padrão adotado pelas claques. Assim é, não só pelo sector específico que estas ocupam nas bancadas dos estádios, mas sobretudo pelos cânticos que entoam em uníssono e pelos elementos materiais que assinalam a sua presença (faixas, estandartes, bandeiras, cartolinas, etc.) e com os quais, por vezes, compõem coreografias. Assim se configura, portanto, uma cultura de estar na

bancada que radica, como é consabido, nos valores fundadores do Movimento Ultra. Estes dois padrões que configuram diferentes culturas por parte daqueles que assistem aos jogos de futebol não deixam também de ter um valor de posicionamento entre ambas. Apesar de ter mais visibilidade, o padrão de comportamento das claques é adotado por um número inferior de adeptos, quando comparado com o número da generalidade dos adeptos que assistem aos jogos de futebol. As claques parecem encerram, por isso, uma subcultura, pois além de minoritárias, estabelecem uma relação de tensão com a cultura dominante, na qual se inserem a maioria dos espectadores. Esta tensão deriva, não só do seu padrão distintivo no apoio aos clubes, mas também de alguns comportamentos tidos como disruptivos, dos quais a violência e o recurso à pirotecnia são os mais assinalados, sobretudo pela comunicação social. E esta é uma ambiguidade que contribui para esta tensão, não apenas perante uma cultura de estar na bancada de futebol que é dominante, mas também diante da comunicação social. Em consequência das notícias que esta apresenta, a opinião pública perfilha uma representação social muito negativa acerca das claques. Mas quem conhece o Movimento Ultra sabe que este vê a violência como um comportamento reprovável e que não está em conformidade com

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os valores e ideais que defende. A ambiguidade mencionada leva-nos, porém, a ter de refletir acerca da cultura que é enunciada, mas também sobre a cultura que é praticada. Não é suficiente apresentar os valores e os ideais que norteiam uma cultura. Mais importante é operacionalizá-los em comportamentos que os refletem e que podem ser observados. Há, porém, a considerar que a existência de uma cultura pressupõe tempo. O tempo necessário para que os padrões de comportamento que a caracterizam se tornem regulares, persistentes e incorporados por aqueles que nela se integram. Isto é fundamental, pois são estes os principais elementos de comunicação. Mas no caso concreto das claques, nem estes parecem ser suficientes para desconstruir a representação social muito negativa que a generalidade das pessoas tem acerca destes grupos, e à qual não é alheia a distorção que dos mesmos é feita. Existem, na verdade, as claques e a sua realidade. E sobre estas foi imaginada também uma realidade alternativa gerada pelos discursos que são circularmente produzidos e reproduzidos quase sempre em torno da violência – precisamente o que acontece menos vezes – e que muito têm contribuído para criar abismos entre os membros das claques; sempre estigmatizados e por isso inabilitados para uma aceitação social plena; e os mais diversos agentes que com estes interagem em contexto desportivo. Face ao exposto, e porque cultura é também comunicação que torna possível aos que a integram serem entendidos pelos outros como pretendem ser entendidos, esta é uma vertente fundamental que a subcultura Ultra

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deverá promover. Isto implica dar a conhecer as múltiplas dimensões das claques. Não apenas o seu exuberante apoio aos clubes sem o qual o próprio espetáculo desportivo ficaria mais pobre, mas também as relações de sociabilidade que se geram nestes grupos, as amizades que perduram para toda a vida, a solidariedade ou ainda as intervenções no plano da responsabilidade social. Reconhece-se o quão difícil é promover tais dimensões num campo comunicacional sem espaço para tal, em consequência da apresentação sensacionalista da violência como padrão de comportamento hegemónico por parte das claques. Há, contudo, outra via a seguir, mais desejável e eficaz. Sabe-se que é nos valores e ideais do Movimento Ultra que as claques enquadram a cultura que devem ter. Sem prejuízo disso, e mais importante do que isso, será a adoção de padrões de comportamento de grupo que possam transformar e estruturar as claques, para que estas não tenham apenas uma cultura, mas sejam, sobretudo, uma cultura, naquilo que esta tem de essencial. Se assim for, serão mais estáveis os padrões de comportamento que configuram os valores e ideais dos grupos Ultra, não estando estes tão vulneráveis ao livre arbítrio de lideranças e de agentes externos às claques que sobre as mesmas procuram ter influência. Será nestes que todos se deverão integrar, sendo assim possível fundar uma cultura em que a violência planeada não encontre lugar ou sentido. Importa destacar, por fim, as recordações de um tempo sem público nos estádios. Esta ausência, que todos sentiram, deveria ser suficiente para o reconhecimento do valor dos adeptos, pois só por eles é que o espetáculo subsiste. Por Doutor Daniel Seabra


Protesto Ultra

Durante esta semana 35 grupos de adeptos, com diversas representações clubísticas e, que militam nas várias divisões nacionais, expressaram a sua indignação através de uma frase comum - Des”liga” a repressão, respeitem os adeptos! - em oposição a mais uma atitude persecutória contra os adeptos portugueses, desta vez com a responsabilidade da Liga Portugal. Durante mais de 20 anos, as várias instituições que tutelam o futebol, juntamente com o governo e as forças de autoridade, insistem numa forma repressiva e de censura como linhas orientadoras no combate e prevenção à violência no desporto, sem nunca procurar uma alternativa. Se no início poderiam ter o benefício da dúvida hoje em dia já não o tem. O paradigma que existe enraizado nos “doutores” do nosso futebol está ultrapassado e desalinhado com a própria orientação dos países mais desenvolvidos e até da União Europeia. Porque é que insistem em algo que não trouxe grandes resultados? Porque é que nunca ouvem o que os adeptos têm para dizer?

A repressão e a censura só têm conseguido afastar, ainda mais, os adeptos do futebol colocando-os à margem das soluções e relegando-os para uma posição social inferior. Os adeptos, cansados desta instência vazia e populista, demonstraram isso mesmo quando lutaram em conjunto veemente contra o cartão do adepto. Vivemos num constante processo de marginalização dos adeptos, com consequências evidentes. Continuamente sofremos nas mãos das várias autoridades hostilidades, discriminações, preconceitos e violência que causaram, e continuam a causar, diversos problemas às nossas vidas. Por fim, mas não menos importante, denunciamos as más intenções da Liga Portugal que nos fazem lembrar a sugestão do cartão do adepto levada a cabo pelo presidente da Federação Portuguesa de Futebol. Foi apresentado um pacote repressivo pela Liga à APCVD e, entre os 9 pontos que o compõe, não tiveram vergonha em sugerir algumas medidas como a “Intervenção efetiva das forças de

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segurança em caso de desordem nas bancadas”. Isto após a PSP invadir uma bancada em Guimarães e transformando um problema com menos de 20 pessoas numa situação de perigo para MILHARES de pessoas. Isto leva-nos a pensar o porquê das nossas vidas perderem valor quando abraçamos a condição de adeptos. Porquê? Basta! Nós somos adeptos, não somos criminosos! Des”liga” a repressão, respeitem os adeptos! Grupos que participaram no protesto: Armata Ultra (U.D. Leiria) Bracara Legion (S.C. Braga) Brigada Ultras Sporting (Sporting C.P.) Colectivo Ultras 95 (F.C. Porto) Desnorteados (S.C. Espinho) Directivo Ultras XXI (Sporting C.P.) Fama Boys (F.C. Famalicão) Fanatics (C.S. Marítimo) Febre Amarela (C.D. Tondela) Força Avense (C. Desportivo das Aves) Força Azul (F.C. Vizela) Força Negra (A.D. Sanjoanense) Green Devils (Moreirense F.C.) Grupo de Adeptos do Leixões (Leixões S.C.) Grupo de Adeptos do Paços de Ferreira (F.C. Paços de Ferreira) Gruppo 1922 (Vitória S.C.) Insane Guys (Vitória S.C.) Juventude Leonina (Sporting C.P.) Magia Tricolor (C.F. Estrela Amadora) Mancha Negra (A.Académica C.) Nação Barcelense (F.C. Gil Vicente) Orgulhe 1914 (Portimonense S.C.) Os de 1915 (Varzim S.C.) Pena Boys (F.C. Penafiel) Red Boys (S.C. Braga) South Side Boys (S.C. Farense) Super Dragões (F.C. Porto) Turma 82 (C.R.C.D. Varziela) Ultras Estoril (G. D. Estoril Praia) Ultras Templários (C.S. Marítimo) Ultras Trofa (C.D. Trofense) Ultra Vasquinhos (Vasco da Gama A.C.) Velhas Maneiras (S.L. Benfica) VIII Exército (Vitória F.C) White Angels (Vitória S.C.)

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Porque canto enquanto perdes?

E por um momento, aqueles homens e mulheres presentes na bancada, tentaram esquecer a ausência de valor que se assistia em campo. Ali já ninguém se sentia representado e, aos olhos de quem lá estava, aquela atitude não era “à Vitória”. E fruto disso, talvez por impulso, a vontade de empurrar aqueles que se negavam a representar devidamente a nossa camisola era agora substituída pela necessidade de honrar o compromisso que abraçamos desde novos dignificar o nosso símbolo e nunca o deixar cair sem lutar. Assim aconteceu, “...a força da nossa voz...” saiu da bancada, e engane-se quem julga que os artistas ausentes em campo estavam a levar com o nosso colo. Valores superiores se levantaram naquele momento. Este relato, escrito após um mau jogo da minha equipa, é genuino e fruto de uma demonstração da incapacidade, por parte dos nossos atletas, de cumprir com a necessidade de estarem à altura da honra que é carregar o nosso emblema. A quente, a atitude exposta, pode ser vista como algo paradoxal mas, aceita-se porque o amor não se explica e, para nós adeptos, é de amor que vivemos. “... desde pequeno sonho em te apoiar, hoje a teu lado estou por ti a cantar e nem na

morte te vou abandonar...”. Fui ensinado, desde pequeno, a ser apenas e só do meu clube . Nunca houve espaço para outras cores porque o meu mundo foi sempre pintado a preto e branco. Hoje, olhando para trás e para a minha volta, questiono-me sobre se alguma vez foi fácil ser de um clube que apenas conquistou uma Supertaça e uma Taça de Portugal. No entanto, encontro facilmente a resposta num trocadilho que o nome do meu clube me permite: sou do Vitória e não das vitórias! É esse o sentimento que me vai na alma e pode ser traduzido num amor incondicional à bandeira que eu ajudo a segurar, seja na derrota ou na glória. É importante entender que questionar não me tira o norte. Estou consciente do que sou

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e daquilo que quero enquanto adepto do meu clube. E o que quero eu enquanto adepto do meu clube? No limite, tal como qualquer adepto, quero vencer sempre e fazer juz ao nosso nome mas, devemos ser racionais e entender, ninguém vence sempre. Sei bem, quando estamos na bancada é muito difícil lembrarmo-nos que isto é assim mas, perder ou empatar, é uma realidade

a curto ou médio prazo. Alguém consegue provar o contrário? Mesmo que conseguissem, nada mudava porque, “... quando tu jogas sigo o meu coração...”. Então, se não podemos ganhar sempre, só nos resta pedir uma coisa à nossa equipa: “... joga sempre para ganhar...”. Numa concepção racional, esta parece ser a única vontade que é totalmente exequível e que, no fundo, nos pode deixar mais próximos do sentimento que a vitória nos traz. “...na bancada damos tudo, em campo deem o melhor...”, é isto. É mais fácil refletir sobre este ponto de vista num momento como este, enquanto escrevo o texto, mas até mesmo na bancada nós conseguimos perceber quando os jogadores estão a dar tudo, comprometidos com a voz da

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bancada que lhes diz: “... honrem o emblema que têm ao peito, suem a camisola mostrem respeito...”. E por mais que aqueles que têm a missão de envergar o nosso emblema dentro das quatro linhas sejam apenas homens, tal como nós, pergunto-me sobre qual de nós não carrega a fé de que, quando os jogadores vestem a nossa camisola se transformam em mais do que isso e que a sentem de verdade? No fundo, nós que carregamos o fado de “...honrar tuas cores, erguer a bandeira, viver a teu lado...”, apenas pedimos uma entrega total que dignifique a enorme bandeira que nos cobre. Falei apenas na entrega total porque o amor... esse só o esperamos de nós próprios. Ao longo deste texto evidenciei a negrito partes de letras, de várias músicas, que criei para o meu clube. Na sua composição sempre tentei incluir uma mensagem associada ao forte sentimento que me liga ao meu clube. Porque no final é isso mesmo, as músicas são a expressão do nosso sentimento, sejam traduzidas em apoio ou noutra motivação. Por fim, termino o texto com outra letra que responde, em boa parte, à questão que lhe deu o título. Porque canto enquanto perdes? “Estranha forma de viver, a ganhar ou a perder, caminhamos a teu lado até morrer, não interessam jogadores, o dinheiro e os directores, tudo passa e nós ficamos pelo amor.” Sempre e apenas pelo símbolo! Por J. Lobo


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Considerado o berço da civilização ocidental moderna, a Grécia é uma fonte de inspiração para muita gente. Desde cedo os gregos destacaram-se não só na vertente do desenvolvimento humano, onde intelectual e fisicamente foram mais além, como também na vertente política, na qual desenvolveram a democracia. Tornaram intemporais a sua cultura e influência na ciência do mundo. O país mediterrânico, localizado junto aos Balcãs, viveu sob domínio de diversos impérios, o que provocou várias guerras. O povo grego encontrou na Igreja Ortodoxa um bastião da sua identidade. Foi através do culto religioso que surgiram os primeiros indícios do nacionalismo grego. Importa referir que, em 776 antes de Cristo, durante a era mitológica, realizaram-se pela primeira vez os Jogos Olímpicos. Tratava-se de um festival religioso e atlético, realizado de quatro em quatro anos no santuário de Olímpia, em honra de Zeus. Antes dos jogos, decretava-se a “trégua sagrada”, que proibia a guerra durante o período dos jogos. De uma forma geral, os atletas pertenciam às classes mais altas e tinham sido iniciados na actividade física desde a sua infância, sendo que só eram admitidos a competir atletas gregos. Disputavam, pela glória, corridas pedestres, corridas equestres, luta, pugilato, pancrácio e pentatlo. Os vencedores eram condecorados e usufruíam de prémios como alimentação gratuita, elevação de estátuas em sua homenagem, serem cantados pelos poetas, entre outras coisas. Durante esta época, o Futebol não existia e ninguém poderia imaginar a importância que o mesmo viria a ter no futuro do país. O povo helénico viveu sob grande instabilidade, tendo sido colonizado pelo Império Romano, pelo Império Bizantino e pelo Império Otomano. Mais tarde, viria a ser liderado por reis de outros países, mesmo após o país ter sido considerado um estado independente. Entre grandes disputas pelo poder, o país oscilou várias vezes entre ser uma monarquia ou uma república. Durante a Segunda Guerra Mundial os nazis invadiram o solo grego, entre 1941 a 1943, e o país mergulhou numa sangrenta guerra civil em que democratas e monárquicos disputaram novamente o poder, entre os anos de 1946 e 1949. Por essa altura, o aparelho estatal ,de direita monárquica, penetrou no Futebol. Todos os agentes desportivos que se manifestaram contra o regime foram exilados em ilhas desertas. Desde então os políticos de direita ficaram intimamente ligados ao poder dos

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principais clubes e organismos, como a federação. Os anos 50 foram marcados pelo aparecimento dos primeiros grupos de apoio minimamente organizados. Desde essa década os adeptos organizavam-se por local de residência, criando grupos e abrindo sedes que serviam como espaços de convívio para gente de todas as gerações. Esta tendência tornou-se uma tradição na cultura de adepto helénica. Os pioneiros surgiram em 1952, com o nome “Sfopsilogos Filathlon Opadon Panathinaikou”, eles que eram afectos ao Panathinaikos de Atenas. Os S.F.O.P. tinham o seu próprio sector no Estádio Leoforos e foram os primeiros a acompanhar o clube em jogos no estrangeiro. Não se faziam acompanhar por faixas ou bandeiras. As bandeiras apareceram pela primeira vez nas bancadas dos “verdes” quando foram inaugurados os topos do seu estádio, em 1955. Esse aumento da infraestrutura contribuiu para o melhoramento do apoio à equipa, uma vez que os adeptos mais entusiastas se agruparam nos topos. A década de 50 foi recheada de conquistas do Olympiakos, o que contribuiu para o aumento da popularidade do clube, apoiado predominantemente pela classe operária. Por sua vez, os fanáticos pelo Olympiakos decidiram organizar-se oficialmente no ano 1957, também sob a sigla “S.F.O.P.”. Mais tarde, adeptos daquele clube fundaram a “S.A.F.O.P”. Em Salónica, o primeiro grupo de apoio do P.A.O.K. foi fundado em 1963 por moradores de Neapoli. O ano de 1966 tornou-se marcante na história do movimento de apoio helénico. Foi nesse ano que um grupo de adeptos do Panathinaikos, oriundos do centro da capital Atenas, decide associar-se e abrir uma sede na sua zona. Como tinham por hábito ir para o sector número 13 do seu estádio, adoptaram o nome de “Porta 13”, traduzindo para a língua de Camões. Algo próprio do movimento de apoio grego é que boa parte dos grupos adicionou ao seu nome, o número da porta referente ao sector que ocupa ou ocupava inicialmente. O Gate 13 primou por isso e grupos como Gate 7 (Olympiakos-anos 70), Gate 21 (A.E.K.-1975), Gate 4 (P.A.O.K.-1976), Warriors Gate 6 (Panetolikos-1981) ou Super 3 (Aris-1988) são exemplos de seguidores desta tendência.

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Voltando atrás no tempo, uma semana após a fundação do Gate 13 o grupo fez a sua primeira deslocação. Um autocarro com 45 aficionados viajou até à casa do Veria. Infelizmente, no regresso a casa, deuse um acidente que levou o autocarro a capotar, provocando a morte de dois membros e ferindo gravemente outros oito. Nessa época, não era normal os grupos de aficionados fazerem-se acompanhar das suas faixas. Essa tendência era contrariada nos jogos mais importantes, uma vez que era nesses confrontos que havia mais oportunidades de as faixas serem fotografadas e aparecerem nas páginas de jornais. A primeira faixa do Gate 13 dizia, traduzindo: Grupo de Amigos Porta 13, 1966. Com o passar do tempo, esse colectivo tornou-se o grupoguia do Panathinaikos e outros grupos locais pretenderam afiliar-se ao mesmo, o que levou a um crescimento considerável do número de elementos. Em 1967, coronéis das forças armadas formaram uma junta e lideraram um golpe de estado que acabou por ser bem sucedido. O regime tornou-se bastante repressivo para com as suas gentes e aproveitou o mundo do Futebol para desviar atenções da vida política, manipulando-o, algo que só mudou quando o regime militar sucumbiu em 1974. As duas primeiras décadas após a restauração da democracia, em 1974, foram marcadas pela intenção de politização e radicalização de grupos juvenis. Já em 1975, nasce o primeiro grupo de apoio do A.E.K. de Atenas, um grande clube, maioritariamente apoiado por pessoas de esquerda. O coletivo de adeptos teve o nome de “Gate 21”. O “Gate 4” do P.A.O.K. foi fundado no ano seguinte, 1976. Desde aí que respeitam os seus princípios de independência e solidariedade entre membros. A sua acção expandia-se para fora das bancadas, tendo o grupo tido o seu próprio jornal e programa de radiofónico. O movimento de apoio grego começou a sentir as consequências de encontrar influências em bancadas de outros países, principalmente de Itália, antiga Jugoslávia e Inglaterra. Essas influências começaram a chegar através de jovens estudantes no estrangeiro e através dos jogos europeus no estrangeiro. Aquando da disputa de partidas em outros países, havia uma mobilização de adeptos de vários emblemas helénicos para apoiarem

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um em concreto e uma convivência sã entre todos eles, deixando as rivalidades de lado. O nacionalismo grego foi ganhando espaço nas bancadas. Por exemplo, o Gate 7 está tradicionalmente ligado à direita, grupo esse fundado na década de 70. Na segunda metade dessa mesma década, em 1977, surgiu o “N.O.P.O” (associação de adeptos nazis do Panathinaikos). Afiliado ao mesmo clube, surgiu também por essa altura, o “Vasileios Bulgaroktonos”, grupo que encontrou no nome de um imperador Bizantino a sua inspiração. O Futebol entrou num processo de profissionalização no ano de 1979, tendo os clubes mudado a sua estrutura. Constituíram-se sociedades e os seus capitais foram divididos em acções e vendidos, sobretudo a políticos e empresários ligados a partidos poderosos. Devido a isto, os adeptos do Panathinaikos organizaram uma reunião entre 52 grupos de adeptos afectos aos “trevos”, na qual fundaram um associação nacional de adeptos daquele emblema, de forma a terem mais peso na vida activa do clube no futuro. Uma relação salutar entre apoiantes e a presidência deteriorou-se. A direcção do clube começou por cortar os apoios aos Gate 13 e por requisitar mais polícia para os jogos, o que levou o grupo a tomar uma postura de protesto, mais radical e mais próxima do hooliganismo. Os anos 80 trouxeram consigo o “boom” do número de grupos e número de elementos dos mesmos. No A.E.K., apareceu o “T.O.F.A.” (organização terrorista de adeptos), também ele conotado à extrema-direita, em contraste com a ideologia da maioria dos adeptos daquele clube. Nas bancadas do estádio do Atromitos apareceram os “Fentagin”, em 1980. Por sua vez, em 1981, surgiram os “Warriors Gate 6” afectos ao Panetolikos. Nesse mesmo ano, durante um jogo entre Panathinaikos e Juventus de Turim, foi acesa pela primeira vez pirotecnia no Estádio Leoforos. Esse ano também ficou marcado por graves incidentes em Salónica, num dia em que 3000 “trevos” viajaram de autocarro sem escolta. Não menos graves foram os incidentes que se sucederam uma semana depois, em Atenas, por ocasião da recepção do Panathinaikos ao P.A.O.K. Milhares de adeptos do clube da capital esperavam desde manhã os forasteiros e só descansaram depois de os expulsarem das bancadas do seu recinto.

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Devido ao número elevado de túmulos e má fama do emblema, os dirigentes do Panathinaikos retiraram a cedência de bilhetes ao Gate 13. O presidente do clube manobrou a fundação duma nova associação de adeptos, que recebia apoios, em especial bilhetes para o sector do Gate 13. O grupo acabaria por ficar suspenso. Em Fevereiro de 1981 deu-se uma tragédia no Estádio Karaiskakis, casa do Olympiakos, durante o derby contra o A.E.K. Cerca de 35 000 adeptos fizeram parte da festa que virou pesadelo pouco antes do apito final. O Olympiakos vencia por 6-0. A euforia levou vários membros do Gate 7 a sair do estádio, em direcção à porta principal do mesmo, para festejar à saída dos jogadores. Instalou-se a confusão à saída da bancada, provocando a queda e consequente esmagamento de muitas pessoas. Infelizmente morreram 21 adeptos e 55 ficaram feridos, naquela que foi a maior tragédia registada nos estádios gregos. No interior da Grécia nascem os “Monsters”, em 1982, eles que apoiam o Larissa. Eram antigos membros do “Ierolohites”, que foi o primeiro grupo de apoio do clube. O nome “Monsters” surgiu durante uma noite em que membros procuravam a designação ideal num dicionário. Contudo, a inspiração apareceu através de uma banda desenhada. No mesmo ano, dá-se mais uma cisão, desta feita no Gate 21 do A.E.K. Vários membros activos do grupo saem e fundam o “Original 21”, um grupo intimamente ligado a ideologias de extrema-esquerda e anarquismo. Os anos seguintes foram prolíficos na fundação de novos grupos de apoio como, por exemplo, “Panthers” (Panionios-1983), “Snakes Gate 4” (O.F.I. Crete), “Green Cockney Club” (Panathinaikos-1986), Super 3 (Aris Salónica-1988), entre outros. Era Março de 1988 e o Larissa encontrava-se no primeiro lugar da liga grega. O pequeno clube do interior foi bizarramente castigado pela federação com a perda de quatro pontos que lhe retiravam a liderança do campeonato. As gentes de Larissa revoltaram-se e fecharam a cidade até que a verdade fosse reposta. Durante dias, os acessos à cidade foram cortados, fossem eles estradas nacionais ou caminhos de ferro. Foram declaradas tréguas quando os quatro pontos foram devolvidos à pontuação do Larissa. Nos anos 90, foi homologada a Lei n°1892/90 que contemplava que o Estado helénico poderia perdoar

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dívidas aos clubes e implementar planos de revitalização nos mesmos. Vários clubes viram as suas divídas astronómicas serem apagadas, sob conivência política e pressão dos fanáticos adeptos. Nos meados dessa década, o país voltou a viver anos de instabilidade, com a crise económica a tomar conta dos destinos do povo. Quanto às relações internacionais, a Grécia viveu também vários conflitos diplomáticos devido às suas posições em relação à Macedónia, Albânia e Turquia. Em 1992, o P.S.G. viajou até casa do P.A.O.K. O árbitro teve de interromper o jogo devido a violentos incidentes. A U.E.F.A. aplicou ao clube de Salónica um castigo de dois anos sem competir nas suas competições oficiais que, após recurso,diminuiu para um ano de suspensão. No último ano do século XX, após um jogo em Atenas, um dos autocarros que transportava adeptos “alvi-negros” de regresso a Salónica colidiu com um camião. Infelizmente, morreram seis aficionados do P.A.O.K. e muitos mais ficaram feridos. O novo milénio deu-nos oportunidade de conhecer um novo colectivo, o “Galazia Stratia”, que supostamente foi criado para apoiar a selecção nacional de Futebol. Este grupo foi criado pelo partido de extrema-direita Golden Dawn. O objectivo deste grupo era a promoção do nacionalismo e recrutamento de militantes para o partido, segundo declarações públicas de alguns membros. Desde o início da actividade do Galazia Stratia que houve diversas demonstrações de símbolos ligados à extrema-direita, acções de protesto contra as autoridades gregas, fossem elas governamentais ou desportivas e ataques a adeptos estrangeiros. Um caso que envolveu o Galazia Stratia e o Golden Dawn, tornando-se mediático, foi a infeliz morte por esfaqueamento de um adepto albanês, após um jogo entre ambas as selecções em 2004. A esquerda política apercebeu-se do terreno que a direita tinha conquistado nos estádios e decidiu apostar em políticas que os envolvessem no mundo do Futebol. Grupos de extrema-esquerda começaram a infiltrar-se nos grupos de apoio e elevaram a luta entre grupos, e entre os grupos e as autoridades judiciais, a outro nível. Em Março de 2007, um adepto de 25 anos do Panathinaikos foi esfaqueado até à morte, durante um

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luta combinada entre Gate 13 e Gate 7. As autoridades apertaram o cerco, penalizando os clubes pelo eventual mau comportamento dos seus adeptos, implementaram bilhetes electrónicos e nominais, proibiram a presença de visitantes em todos os jogos nacionais e promoveram o agravamento das penalizações individuais. Isto levou a uma resistência mais radical e a uma maior consciencialização dos membros dos grupos em relação a direitos pessoais. A politização das curvas gregas continuou em ritmo acentuado e uma rede de adeptos ligados à extrema-esquerda foi criada, a “Radical Fans United”. Mais tarde, os adeptos ligados à extrema-direita passaram a encontrar-se no site “No Fair Play 88”. Temos a lamentar mais uma morte, desta feita em Dezembro de 2008, quando um polícia assassinou um jovem de 15 anos, adepto do Panathinaikos. Tal acontecimento levou a uma resposta muito agressiva nas ruas, com manifestações em todo o país, que acabaram em confrontos entre adeptos e a polícia e ainda à ocupação de escolas, estações de rádio e câmaras municipais por parte dos radicais do Futebol. Os confrontos estenderam-se ao jogo da Liga dos Campeões, no Olímpico de Atenas, entre Panathinaikos e Anorthosis Famagusta. O Gate 13 atacou a polícia anti-motim e apresentou uma frase: “Sem justiça não há paz”. Os tempos seguintes foram caóticos, com confrontos, muitos comunicados de diversos grupos e muita arte de rua a apelar à revolta anti-sistema. A situação económica no país deteriorou-se imenso e, em 2010, o Estado solicitou ajuda monetária ao F.M.I. A Troika implementou medidas de austeridade, o desemprego aumentou, a precariedade tomou conta do mercado de trabalho e, inevitavelmente, o povo empobreceu bastante. Os clubes também entraram em retracção financeira, diminuindo gastos e lucros. Esta situação levou a uma perda de qualidade dos campeonatos e a uma maior discrepância qualitativa entre os clubes com maior capital e os demais. Apesar de terem grandes bases sociais, alguns clubes históricos passaram por enormes dificuldades financeiras. A legislação contemplava que os clubes que voluntariamente optassem por descer até às divisões amadoras, teriam as suas dívidas perdoadas e assim fizeram alguns clubes míticos, como o A.E.K., o Larissa, Pansseraikos e Kavala.

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Ao longo dos anos de comando da Troika, o povo helénico manifestou-se imenso contra a austeridade, contando com a presença dos grupos de apoio politizados nas ruas. O partido Golden Dawn tratou de tentar reforçar a sua posição junto dos adeptos. Nos últimos meses de 2011, a luta intensificou-se e as autoridades proibiram manifestações políticas nos estádios, algo que fracassou. As mensagens dos grupos foram sendo difundidas e comentadas na comunicação social e nos meios políticos, o que trouxe um maior peso ao mundo das bancadas. Isto aconteceu durante um período em que a média de assistências dos estádios baixou bastante. Os tempos seguintes foram férteis em incidentes, envolvendo a política no Futebol. Membros da Golden Dawn bateram a um deputado da Coligação de Esquerda Radical, num jogo do A.E.K., o que originou um grande protesto do Original 21. Meses depois, um jovem jogador do A.E.K. fez a saudação nazi durante um jogo, acabando suspenso para sempre do Futebol nacional. No P.A.O.K. também houve um incidente. Um jogador albanês das “águias de duas cabeças” postou no Facebook uma foto com uma t-shirt do Exército de Libertação do Kosovo. O Golden Dawn prontificou-se a publicar um comunicado contra tal acto, chamando o Gate 4 a intervir contra o jogador. O Gate 4 reagiu com um ataque aos escritórios do partido de extrema-direita, vandalizando o mesmo com o arremesso de pedras, garrafas, cocktail’s molotov, etc. O Golden Dawn continuou no epicentro de graves incidentes, tendo Pavlos Fyssas (rapper e antifa) morrido às mãos de um membro do partido. Praticamente todo o movimento de apoio repudiou de sucedido, visto que o Gate 7 não o fez, o que levou a uma disputa interna no grupo afecto ao Olympiakos. As eleições presidenciais de 2012 confirmaram uma mudança de paradigma na Grécia. Três membros influentes de grupos de apoio foram eleitos para representar partidos, desde a extrema-esquerda à extremadireita, no Parlamento Grego. Nas eleições autárquicas participou um partido recente, fundado por adeptos dos “trevos”, que tinha o nome de “Movimento Panathinaikos”. Por sua vez, Theodoros Zagorakis, ele que capitaneou a selecção à glória no Euro 2004, foi eleito nas eleições europeias. O caminho tinha sido aberto nas eleições europeias e autárquicas de 2004, nas quais vários dirigentes de clubes foram eleitos para cargos de relevância.

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Um caso no mínimo curioso envolveu o Original 21, no ano de 2015. O presidente do A.E.K. pretendia construir um novo estádio e alguns partidos de esquerda e organizações anarquistas opuseram-se a tal. O Original 21 acabou por atacar os protestantes, vandalizar a sede de um conjunto anarquista e agredir o líder de um partido. Durante um jogo, abriram uma tarja na qual demonstravam que estavam a favor da construção do estádio e que iam ter isso em conta nas eleições que iriam acontecer tempos mais tarde. No primeiro dia de Fevereiro deste ano, o movimento de apoio grego voltou a viver dias negros, assombrados pela morte de um jovem adepto do Aris Salónica. Alkis Kampanos, de 19 anos, foi morto por supostos rivais do P.A.O.K., que ainda deixaram dois amigos de Alkis feridos durante o incidente que aconteceu junto ao estádio do Aris. À posteriori, as autoridades lançaram uma operação na qual foram detidas nove pessoas. Foram emitidos dois mandatos de prisão, mas somente um homem foi formalmente acusado de assassinato. Na ressaca do acontecimento, os adeptos do Aris, incluindo o Super 3, prestaram homenagens a Alkis. Num jogo das competições europeias, contra o Midtjylland, o Gate 4 apresentou durante trinta minutos uma frase em que declarava solidariedade para com os suspeitos do assassinato. O Estado grego avançou com uma operação policial, na qual se realizaram buscas em sedes de grupos em Salónica e Atenas, tendo esses espaços sido fechados. Importa recordar que, já antes deste acontecimento, a lei contra a violência no desporto estava englobada numa legislação contraterrorismo. Contudo, os governantes apresentaram, no passado mês de Março, um projecto-lei que contempla a suspensão dos grupos de apoio por cinco meses, o agravamento das penalizações individuais, o aumento de polícias em eventos desportivos, a definição de regras para existirem grupos de apoio e associações. O Super 3 apresentou ao Parlamento uma carta com medidas que achava necessárias incluir no projecto-lei, de forma a que a prevenção da violência seja mais eficaz e não tão prejudicial para a continuação de actividade dos grupos de apoio. Essa carta foi subscrita por 12 grupos de diversos clubes. O infeliz caso de Alkis Kampanos acabou por trazer algo de positivo. O clube, em conjunto com uma organização educacional, lançou uma iniciativa que consiste em oferecer uma bolsa de estudos universitária em

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homenagem ao jovem falecido. A bolsa será atribuída a um adepto do clube que seja financeiramente carenciado. O movimento grego é de facto peculiar. Nas primeiras décadas os grupos de apoio eram uma espécie de contra-poder que fazia frente ao Estado e à polícia. Mais tarde, os fanáticos começaram a alargar o seu foco de contra-ataque e adicionaram a comunicação social aos seus inimigos. Nas bancadas, o fervor, o fanatismo e entusiasmo com que apoiam as suas equipas são contagiantes. As curvas gregas têm um enorme poder vocal, que se evidência numa mistura de estilos de apoio. A promiscuidade de alguns membros com dirigentes e políticos acabou por estragar o cenário, a par do extremismo com que vivem a vida dos seus grupos. Por L. Cruz

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À CONVERSA COM RONAN EVAIN Desta feita temos o gosto de conversar com Ronan Evian, Director Executivo da associação de adeptos Football Supporters Europe. A sua ligação a Portugal intensificou-se desde a fundação da APDA e, desde aí, já tivemos o gosto de o ter presente nas nossas páginas. Também desde aí foram realizadas acções em conjunto, destacandose a co-organização do Congresso Europeu de Adeptos de Futebol em Julho de 2019. Em Novembro de 2021, a Magia Tricolor recebeu, no Estádio José Gomes, membros da FSE que lá realizaram a reunião bienal da associação. Passemos então a palavra a quem de direito, para conhecermos melhor a Football Supporters Europe, com um agradecimento, desde já, ao Ronan Evian pela disponibilidade. Como nasceu o seu amor pelo futebol e pelo seu clube? É a história familiar habitual. O FC Nantes sempre foi uma referência familiar, mas foi sobretudo pelo o meu tio e a minha tia que me levavam aos jogos quando eu era criança. Eu venho de uma zona rural, a uma hora de carro de Nantes, uma região que tem sido sempre fiel ao clube. E depois, é claro, à medida que envelhecemos, começamos a olhar para o que se passa nas bancadas. Sou membro da Brigada Loire 1999 há quase 20 anos e podemos estar muito orgulhosos do que o grupo é hoje. Como é para si viver o seu clube? Na verdade, na maior parte das vezes é doloroso. O clube tem sido controlado pelo mesmo dono “doido” há quase 15 anos e a situação só tem vindo a piorar. Acho que me lembro do dia em que me envergonhei do meu clube pela primeira vez. E dói, dói mesmo. A partir desse momento, a única forma de restabelecer o sentimento de orgulho e de pertença é reconstruir algo local,

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concentrado no que está a acontecer no campo, em vez de fazer dinheiro. Mas ainda há esperança, e é por isso que estamos a lutar. Existe uma comunidade fantástica a preservar um sentimento de pertença, uma história. Quando o clube está uma confusão e nada funciona normalmente, as pessoas não vêm ao estádio só para ver o que está no relvado. É porque ainda se orgulham desta cultura e desta comunidade. Existe agora um projecto muito bom para assumir o clube, gerido por antigos jogadores e empresas locais. Eles trabalham em estreita colaboração com os adeptos e esperamos realmente que o projecto seja levado a cabo. Considera que ser adepto tem importância relevante na sua vida e na sua construção pessoal? Sim, absolutamente. Crescer dentro de um grupo é como se aprende a viajar, a viver com os outros, a assumir responsabilidades desde uma idade relativamente jovem. E mais importante: abraçar um objectivo comum com pessoas que não têm nada em comum. Foi também assim que percebi o poder da acção colectiva. A minha vida teria sido muito diferente se não fosse pelo futebol - e isso é algo que eu não mudaria por nada no mundo.


Porque foi criada a Football Supporters Europe? A FSE foi criada em 2008, numa altura em que existiam muito poucas organizações nacionais de adeptos. Penso que nessa altura apenas existiam em Inglaterra, Noruega, Espanha, Alemanha e Israel. Antes, houve algumas tentativas de criar uma coordenação europeia, mas estavam centradas principalmente em torno dos adeptos das selecções nacionais. Em 2008, a UEFA organizou um primeiro encontro com grupos de adeptos, mas não foi nada estruturado. As pessoas então convidadas perceberam que precisávamos de uma organização democrática adequada, capaz de representar a voz dos adeptos do futebol europeu. Assim, reuniramse alguns meses mais tarde para o primeiro Congresso Europeu de Adeptos de Futebol, que teve lugar em Londres durante o Verão de 2008. De início quais foram os objectivos traçados pela FSE? Até agora têm tido sucesso na sua concretização? Eu não estava presente na altura, mas creio que o primeiro objectivo era ser bem estruturada e representativa. E, para isso, precisávamos de ser capazes de representar todas as culturas de adeptos na Europa e não impor um certo padrão. Em França ou em Portugal, o activismo dos adeptos é impulsionado por grupos ultra. Noutras partes da Europa, os grupos ultra recusam-se a ser integrados em qualquer tipo de relações institucionais- e isso é perfeitamente normal. O nosso papel como organização europeia é respeitar e integrar todas as culturas de adeptos, e espero que o consigamos fazer. O número de organizações nacionais de adeptos está a crescer todos os anos, com mais de 15 organizações activas neste momento. Mostra o valor da acção colectiva. Quais os maiores desafios da FSE? Há bastantes, mas vou concentrar-me nos mais difíceis. Em primeiro lugar, poder representar o interesse dos adeptos activos dentro das 55 nações da UEFA. Mas lidar com essa diversidade cultural é o que eu mais gosto no nosso trabalho. Depois, é continuar a ser relevante para os adeptos dos jogos. Podemos construir a mais

abrangente política de diálogo dos adeptos com a UEFA ou outras instituições, mas é inútil se não fizer qualquer diferença para as pessoas que se encontram nas bancadas. É por isso que concentramos o nosso trabalho em questões como os direitos dos adeptos visitantes ou a segurança nas bancadas, que esperamos ver um progresso significativo nos próximos meses. Finalmente, é permanecer independente - em espírito e enquanto organização. É um desafio que qualquer organização de adeptos enfrenta: temos de nos sentar na mesma mesa com pessoas com quem discordamos e negociar com organizações que sabemos terem uma visão oposta do futebol. Quais os melhores momentos, que nos pode contar, relacionados com a sua presença na FSE? Se tivesse de escolher um seria o trabalho que fazemos com a Sport & Rights Alliance, uma coligação global de organizações de direitos humanos. Há 10 anos atrás, estávamos incrivelmente isolados, mal éramos considerados cidadãos com direitos. Hoje em dia, lideramos organizações globais de direitos humanos, como o Observatório dos Direitos Humanos ou a Amnistia Internacional, defensora dos nossos direitos. Eles sabem que os direitos dos adeptos são direitos humanos, e vão lutar pelos nossos direitos. Isso é algo de que nós, como organização, nos orgulhamos. Mas isso é um processo de duas vias, porque aprendemos

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muito através dessa parceria, desde o impacto dos torneios internacionais nos direitos dos trabalhadores até à importância de defender os direitos dos LGBTQI+. Os nossos direitos não existem isoladamente, só podemos ter impacto se lutarmos colectivamente por uma sociedade mais justa e mais inclusiva. No seu entendimento, como convivem os adeptos e as instituições que tutelam o futebol? Acha que há real conhecimento do fenómeno social e cultural da cultura de bancada por parte das instituições? Qual o papel do adepto ou dos adeptos organizados nessas instituições? Quer se trate da FSE, de organizações nacionais de adeptos como a Associação Portuguesa de Defesa do Adepto ou de grupos locais, chegase sempre a dois pontos: Primeiro, os nossos membros acreditam que devemos falar com estas pessoas ou com aquela organização? E segundo, podemos conseguir algo de positivo através disto? Se não for esse o caso, a FSE afasta-se. E eu acredito que é o caso de qualquer “organização” de adeptos independente. Penso que, de vez em quando, nos deparamos com verdadeiros adeptos de futebol que trabalham para instituições de futebol. A maioria das instituições de futebol na Europa não é fundamentalmente contra o activismo dos adeptos - excepto a FIFA, que claramente nos vê como um incómodo. O problema está antes na escala das prioridades. Por exemplo, se explicar a um ser humano normal o que significa jogar um jogo numa segunda-feira à noite, o impacto na sua vida pessoal, a pessoa à sua frente irá muito provavelmente compreender o problema. Mas como sabemos, as nossas vidas estão no fundo da lista de prioridades e a maior parte da governação do futebol colocará o interesse dos patrocinadores ou da televisão à nossa frente. Precisamos de lutar para estar mais acima na cadeia alimentar - onde pertencemos. Como convivem os interesses que vemos cada vez mais presentes no futebol moderno com a preservação dos valores da bancada? Sente que os adeptos no geral se sentem a despertar para estas problemáticas?

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É difícil, a maioria de nós debate-se com múltiplas contradições. Mesmo quando é fiel a si próprio e à sua cultura de adepto, continua a desempenhar um papel no futebol moderno ao comprar bilhetes ou material oficial do seu clube. Alguns adeptos optaram por desistir do futebol moderno e passar a seguir o futebol amador. Foi isso que as pessoas de Falke em Hamburgo fizeram, por exemplo, afastando-se do Hamburger SV e criando o seu próprio clube. Tenho muito respeito por isso, embora pense que não poderia fazer o mesmo. Penso que os Ultras sempre estiveram conscientes do perigo do negócio do futebol e fizeram o seu melhor para preservar uma cultura popular de adeptos da classe trabalhadora na

maioria dos países europeus. Outros adeptos provavelmente aperceberam-se, nos últimos anos, da gravidade da situação. Os tempos de pontapés de saída loucos ou os preços elevados dos bilhetes têm um impacto em todos. O lançamento da superliga também desempenhou um papel na sensibilização da opinião pública, assim como o Covid - quando um clube como o Manchester United pediu aos seus adeptos que pagassem o restante valor do seu bilhete de época ao clube, muitos adeptos aperceberam-se do quão insustentável é o modelo de negócio do futebol moderno.


Os adeptos europeus têm hoje mais peso que antes? Como descreve esse peso? Acredito que sim, embora seja um processo lento. Os adeptos europeus estão melhor organizados do que nunca, pelo menos a um nível nacional. Nos últimos 5/10 anos, foram criadas organizações nacionais em França, nos Países Baixos ou em Portugal. Assim, temos mais influência a nível nacional, junto de políticos, meios de comunicação social ou organismos que regem o futebol. A nível europeu somos finalmente reconhecidos como parte interessada pela UEFA e outros organismos de futebol europeus. A nossa influência é obviamente limitada, mas no papel estamos no mesmo nível dos clubes, das ligas ou

dos jogadores. É muito recente, uma vez que a UEFA está actualmente a reformar a sua gestão, pelo que é difícil dizer se fará a diferença. Mas é certamente um passo na direcção certa.

ou instituições europeias, que compreendem a nossa cultura e partilham os nossos ideais. Eles são, frequentemente, aliados importantes para nós activistas. Mas tudo depende da real influência que têm ou com que interesses conflituosos têm de lidar. Por vezes, enfrentamos funcionários que compreendem as nossas expectativas, mas colocam os interesses dos organizadores do jogo, da polícia ou dos patrocinadores em primeiro lugar. É por isso que temos de ser fortes e unidos. Quanto mais fortes formos, mais podemos equilibrar esses outros interesses. O trabalho da polícia é muito diferente de um país europeu para outro. E, infelizmente, ainda somos tratados como cidadãos de segunda classe em vários países europeus. Como organização europeia a FSE trabalha sobretudo em competições europeias. E há destinos, mesmo dentro da União Europeia, onde sabemos que os direitos dos adeptos são sistematicamente violados. Barcelona, Roma, Feyenoord ou Marselha são certamente alguns dos piores exemplos em termos de policiamento. O mesmo se aplica ao Porto ou Benfica, pelos quais recebemos queixas após quase todos os jogos - o mais recente para o Benfica-Liverpool, com revistas incríveis e excessivas aos adeptos visitantes feitas pela polícia, levando a um tempo de espera ridiculamente longo e fazendo com que um grande número de adeptos perdessem o pontapé de saída. Sabemos que os portugueses estão a ser tratados da mesma forma, mas esperamos que ao salientar essas dificuldades a nível europeu possamos de alguma forma ajudar a aumentar a pressão sobre as autoridades públicas em Portugal.

Considera que os vários agentes desportivos, os governos e as autoridades de segurança têm uma real compreensão do fenómeno cultural que são os adeptos? Como interpreta a abordagem dos mesmo em matérias de segurança? Sabemos que existem adeptos de futebol em todos os níveis nas nossas sociedades - essa é a beleza de qualquer estrutura ou grupo de adeptos. É certo que há algumas pessoas que trabalham no futebol, para autoridades públicas

O que dirias a um jovem adepto para o motivar a lutar também pelos seus interesses e de forma a cativa-lo para os caminhos que, por exemplo, as associações de adeptos nacionais, e no teu caso em concreto a fse, têm estado envolvidas? É relativamente simples: se não lutarmos pelos nossos direitos ninguém o fará. Se não conseguirmos um lugar à mesa, outra pessoa tomará o nosso lugar. Todos sabemos que a prioridade é sempre o seu clube, o seu grupo.

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Mas também sabemos que, para fazer a diferença perante políticos, entidades de futebol ou jornalistas, é necessário que os grupos sejam capazes de falar a uma só voz a nível nacional. O mesmo se aplica ao nível europeu. De que forma vê a Associação Portuguesa de Defesa do Adepto? Como uma organização muito bem-sucedida, coerente e credível. O seu desenvolvimento e reconhecimento, em apenas alguns anos, é realmente impressionante. A APDA é uma das organizações nacionais de apoio que é capaz de coordenar a acção tanto nas bancadas como nos corredores do parlamento ou dos estúdios de televisão. A nossa organização nacional em França (Association Nationale des Supporters) é bastante semelhante à APDA a esse respeito, com uma maioria de grupos Ultra nos seus membros. E é realmente importante em termos de credibilidade. Qualquer protesto que se organize dentro dos estádios ajuda o trabalho institucional. Sabemos que os meios de comunicação social ou os funcionários do futebol acompanham de muito perto os protestos nos estádios e isso dá uma grande credibilidade ao trabalho institucional. Quando uma organização consegue equilibrar o lobby e o activismo nos estádios, como faz a APDA, coloca-se na melhor posição possível. E também, a um nível pessoal, gostamos realmente de trabalhar com a equipa da APDA. Construímos fortes ligações desde o Congresso Europeu de Fãs de Futebol de 2019, em Lisboa, e espero que possamos continuar o bom trabalho que estamos a fazer em conjunto. E, claro, ter Martha Gens no Conselho FSE é uma grande contribuição para o nosso trabalho. Como vê a cultura de adepto em Portugal? A cultura de adepto em Portugal, provavelmente, não obtém reconhecimento suficiente em França, por isso tenho de admitir que provavelmente não sei muito sobre isso, excepto sobre os grandes grupos que frequentemente vemos em acção na Europa. Quando penso na cultura dos adeptos portugueses, duas coisas vêm à cabeça. A primeira é o impacto do EURO 2004, os novos

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estádios, os elefantes brancos, e como deve ter sido difícil para a cultura activa dos adeptos sobreviver naquele ambiente. Salvámos com sucesso o nosso estádio em Nantes há alguns anos e só posso imaginar o que é mudar para um ambiente novo e moderno. E o segundo são os desafios que os adeptos portugueses têm de enfrentar em termos de segurança e policiamento. Como discutimos anteriormente, o policiamento é uma das escolas mais antigas da UE e as coisas não estão a melhorar. Sem secções de pé, sem álcool nos estádios... todas aquelas coisas que sempre existiram noutros lugares da Europa, ou foram recentemente reintroduzidas, parecem completamente impossíveis em Portugal. Mas os adeptos portugueses também obtiveram recentemente uma das maiores vitórias para os direitos dos adeptos na Europa. São os únicos a conseguir matar um sistema de identificação de adeptos tão rapidamente após a sua introdução. O trabalho realizado pela APDA e pelos grupos foi verdadeiramente impressionante e irá ajudarnos a matar o conceito de identificação do adepto onde quer que ele reapareça a seguir. Porque irá reaparecer, é incrível como uma ideia tão terrível parece reaparecer sempre algures - e falhar sistematicamente. Portanto, suponho que nada é impossível, basta uma frente unida


do lado dos adeptos e paciência. Felizmente, a paciência está sempre do nosso lado porque não vamos a lado nenhum. Sabemos que o Ronan conhece um pouco o nosso projecto, inclusive já escreveu para nós e também criou uma ponte entre nós e uma fanzine francesa. Daquilo que conhece, consegue tecer alguma opinião acerca da Cultura de Bancada? Penso que é realmente impressionante que uma equipa de voluntários consiga montar uma fanzine de tal qualidade. O conteúdo, o design, tudo isto é realmente impressionante. E o facto de estar disponível online, torna-o acessível para nós fora de Portugal. Gosto muito do foco na história e no activismo dos adeptos, porque é sobre isso que prefiro ler pessoalmente. Está realmente bem feita. Considera que as fanzines podem ter importância na formação ou reforço da cultura de adepto? Que outros “caminhos” aponta nesse sentido? Penso que as fanzines desempenham um papel crucial na nossa cultura. É assim que a nossa história é feita e documentada. Há alguns anos atrás, um dos meus colegas da FSE doou a sua enorme colecção de fanzines a um museu em Berlim e agora está totalmente acessível aos visitantes. É uma peça importante da história da

cultura dos adeptos alemães, que não existiria se não fosse pelos grupos e indivíduos que os publicaram. Se não documentarmos o nosso trabalho, se não escrevermos a história do nosso movimento, ninguém mais o fará. Nos últimos anos assistimos ao desenvolvimento de uma geração de fanzines realmente de alta qualidade- quer sejam genéricos como a Cultura de Bancada, quer sejam publicados por grupos. Num mundo em que temos acesso constante a notícias relacionadas com os adeptos nas redes sociais, geralmente mantidas por pessoas que tentam rentabilizar o trabalho dos grupos, a necessidade de qualidade e conteúdo independente é mais importante do que nunca. Portanto, espero que a renovação da cultura de fanzine em vários países europeus dure e que vejamos muitos outros projectos como o vosso. Quer deixar uma mensagem final aos nossos leitores? Bem, obrigado pelas perguntas desafiantes! Gostei muito do exercício e espero que também seja agradável para os leitores.

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E passaram 30 anos! As (boas) memórias são de facto aquilo que muitas vezes nos alimenta a alma, são um lugar onde podemos sempre voltar, que maravilha! Por vezes parece que fazem parte de outra vida... Estas fazem mesmo, a Voz das Claques é uma memória de outra vida, vivida com paixão, emoção e amor. Só foi possível naquele tempo com aquelas pessoas. Tenho a sorte de ser filho do Luís César, um grande Jornalista. O meu pai é de uma integridade e generosidade sem igual... Já lá vamos... Eu era um apaixonado pelo movimento ultra e tinha um conhecimento profundo sobre o tema a nível mundial, assinava a Supertifo, conhecia o movimento ultra italiano in loco, correspondiame com ultras do mundo inteiro, enfim... uma doença aos olhos de qualquer pai ou mãe que sonha com um filho Doutor ou Engenheiro. Contudo, quando tens a sorte de o teu pai estar envolvido no mesmo mundo que tu, mesmo que paralelamente, há um momento em que ele vai perceber que provavelmente o teu conhecimento sobre o tema tem profundidade e valor. Acho que foi isso... Um certo dia o meu pai falou comigo e perguntou-me: - O que é que tua achas de fazer uma página sobre claques no Record? ... Ontem, em conversa com o João Marcelino, o teu nome veio à baila, estávamos a falar da contracapa do jornal, que é a cores, e como a poderíamos aproveitar com algo diferente... Eu sugeri-lhe essa possibilidade e ele “comprou” logo a ideia... Eu nem queria acreditar, disse logo que sim e na semana seguinte estava em Lisboa com o meu pai a reunir com o João Marcelino e a entender

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todo o processo de envio dos artigos, fotos e paginação. Era um momento importante na evolução das claques com uma nova mentalidade a surgir, essencialmente importada de Itália, mas, acima de tudo, o reconhecimento de que este movimento estava para ficar, não era um fenómeno de moda. Era importante dar voz às Claques! E assim se deu a voz às claques... A primeira edição de “A Voz das Claques” arranca... Tão bem que o Jornal esgotou em vários pontos do país, algo inédito até então! Foi uma surpresa para todos e, sobretudo, a confirmação de que algo de muito especial estava a acontecer. A morada oficial da Voz das Claques era a morada da minha casa... Após a primeira edição, chegávamos a receber mais de 100 cartas por dia, o correio era entregue à porta porque não cabia na nossa “caixa de correio”. Nem dava para acreditar naquela loucura. Ao fim de 3 meses tínhamos um arquivo gigante com milhares de cartas, fotos, autocolantes.... Era quase impossível tratar tanta informação. Eu e o meu pai passávamos as noites a selecionar informação, fotos e imagens. Os textos eram escritos à mão e posteriormente tratados num editor de texto básico e impressos numa impressora de 9 agulhas. Paginávamos tudo numa cartolina cortada à medida da página do jornal. Fotocopiávamos tudo e colávamos na cartolina até chegar ao formato final. Os artigos eram enviados em separado assim como as fotos e tudo o resto. Era mágico ver o resultado final!


1° número: 21 de outubro de 1991 29° número (último): 12 de maio de 1992 A importância da isenção, seriedade e fair-play Eu era o fundador dos SD e assinava a Voz das Claques... Se há alguma coisa de que me orgulho profundamente, é de ter tido sempre a capacidade de “separar as coisas”, e aqui o meu pai foi uma “peça” fundamental.... Ser jornalista não é para todos, é a arte de comunicar, e neste caso foi decisivo. Era muito importante que a imagem das claques fosse valorizada, mostrar a beleza do movimento, a importância social... O meu pai entendeu isto desde a primeira hora e conseguimos criar uma linguagem de comunicação que nos valorizou a todos... Tudo foi sempre tratado com isenção, seriedade e fair-play. A mensagem de “Não à violência” estava sempre presente.

O fim da Voz das Claques Nunca me foi explicado o porquê do fim da “Voz das Claques” Infelizmente, mais tarde percebi que a liberdade de imprensa não é assim tão livre, ninguém obriga ninguém a nada, mas por vezes é sugerido que certas publicações não são simpáticas...Para bom entendedor meia palavra basta, diz o povo e com razão. O Record recebeu centenas de cartas a pedir o regresso, mas a mensagem era clara. Assim nasceu a Tribuna das Claques no Norte Desportivo. Por Luís Américo

Nascimento dos NN Se há acontecimento que marcou a “Voz das Claques” foi o nascimento dos NN, o Gonçalo Dias relata bem o que aconteceu na entrevista à Cultura de Bancada, mas para nós foi verdadeiramente emocionante! Foi um grande momento para as claques do Benfica que acabou por fazer crescer o movimento a nível nacional principalmente nos chamados 3 grandes. Os NN foram muito importantes para o movimento ultra nacional.

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MEMÓRIAS Da BANCADA Por: L. AMÉRICO

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Numa fase em que estamos a chegar à parte final da época, os adeptos em Portugal vão comparecendo cada vez em maior número aos recintos desportivos, seja pela cada vez maior importância dos jogos das suas equipas, como também pelo facto de as limitações impostas pelas autoridades de saúde terem diminuído. Uma altura marcada pelo conflito russo-ucraniano, que tem levado ao aparecimento de várias bandeiras ucranianas nas bancadas e de mensagens solidárias para com esse país. Por falar em bandeiras, essas escasseiam, com muitas bancadas ainda muito despidas de material, muito por culpa da existência das tão famosas Zonas com Condições Especiais de Acesso e Permanência de Adeptos (ZCEAP), que têm gerado um boicote da grande maioria dos grupos nacionais. Em alguns casos, tem havido mesmo ausência de deslocações desses grupos por ainda existirem casos de venda de bilhetes visitantes exclusivos para esse tipo de sectores. Eis alguns dos destaques destes dois meses: CF Estrela da Amadora x Académica de Coimbra | 08-02-2022 A Académica vive tempos bem cinzentos, afundada nos últimos lugares do segundo escalão. Porém, mais de 100 adeptos da formação coimbrense marcaram presença na Reboleira, numa noite fria de 3ª feira. Essa demonstração de amor e sacrifício foi coroada com a sua primeira vitória fora de portas para o campeonato. FC Porto x Sporting CP | 11-02-2022 Tal como esperado, um bom ambiente para este clássico entre os dois primeiros classificados da tabela classificativa. Houve bastante polémica dentro de campo, mas também não faltaram incidências fora dele dignas de registo. Houve pirotecnia espalhada por vários sectores do estádio, algo que vem sendo habitual nos grandes jogos do Dragão esta época. Nota para várias dezenas de elementos da Juventude Leonina não terem podido entrar no recinto, alegadamente por uma confusão como os bilhetes. Esses mesmos elementos foram então para o centro comercial ao lado ver o

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encontro, tendo estado lá várias horas até à saída dos sportinguistas do estádio. Saída essa que acabou por ser bastante demorada, levando a alguns momentos mais loucos, filmados em alguns vídeos. FC Famalicão x Moreirense FC | 13-02-2022 Encontro entre duas equipas não muito distantes, tanto na localização geográfica como da própria classificação. Logo por aí teve direito a uma boa moldura humana de parte a parte e um bom apoio dos respectivos grupos de ambas as formações (Fama Boys e Green Devils). Sporting CP x Manchester City FC | 15-02-2022 Fora do estádio, registo de um ou outro incidente, alguns panos conseguidos por parte dos elementos da Juventude Leonina e dos “Sporting Youth” aos ingleses. De qualquer maneira, a melhor nota vai sobretudo pelo ambiente vivido em Alvalade, principalmente nos momentos finais em que a equipa da casa estava a ser derrotada por... 0-5! Um apoio arrepiante, que provocou sorrisos e elogios da parte do treinador Rúben Amorim, relativamente ao que foi vivido nas bancadas. Leixões SC x AJM/FC Porto | 16-02-2022 Não é a primeira vez que destacamos um jogo de voleibol feminino em casa do Leixões, sítio que é conhecido por ter um apoio fora do vulgar, na realidade portuguesa, no que a esta modalidade diz respeito. Neste jogo, contra as actuais campeãs nacionais, que aconteceu numa 4ª feira à noite, o pavilhão esteve praticamente repleto, com um ambiente muito bom, numa partida que contou com cinco sets em que a equipa leixonense levou a melhor. FK Sheriff x SC Braga | 17-02-2022 Mais uma excelente deslocação europeia por parte dos adeptos braguistas, desta vez até Tiraspol, na Moldávia. Estamos a falar de cerca de 4.000 quilómetros de distância desde a cidade de Braga até lá! Os dois grupos estiveram representados. Nota mais novamente para a Bracara Legion, que compôs grande parte das várias de dezenas de elementos lá presentes.

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FC Porto x SS Lazio | 17-02-2022 Registo para a mensagem apresentada pelos Super Dragões a saudarem os ‘laziali’: “Benvenuti amici laziali”. Uma frase que já tinha sido exibida pelos próprios SD em 2003, no Aeroporto Sá Carneiro, aquando de um encontro entre Benfica e Lazio que se realizou no Estádio do Bessa. Algumas centenas de ultras da Lazio visitaram a Cidade Invicta, fazendo notar-se a sua presença pelo seu típico estilo italiano. Eles que deram um bom apoio no sector visitante do Dragão. Os adeptos da casa foram-se empolgando pela reviravolta conseguida a seu favor, alcançando uma importante vantagem no final da primeira desta eliminatória, a contar para a Liga Europa. SC Braga/AAUM x SL Benfica | 19-02-2022 Belo ambiente no pavilhão bracarense, com os grupos da casa a marcarem presença em bom número numa tarde de Sábado. Apesar da derrota por 2-5 para os visitados, viveu-se um clima digno de registo para uma modalidade de pavilhão em Portugal. FC Paços de Ferreira x Vizela FC | 19-02-2022 Mais uma romaria vizelense, agora nesta curta deslocação até ao Capital do Móvel. A bancada ocupada pela Força Azul, e restantes adeptos, esteve muitíssimo bem composta, com excepção naturalmente para a ZCEAP. Dentro de campo a vitória sorriu à equipa pacense, mas fora de campo destaque para o apoio dos simpatizantes visitantes!

SL Benfica x AFC Ajax | 23-02-2022 Alguns incidentes na noite anterior ao encontro entre a PSP e adeptos neerlandeses. Estes últimos vieram em bom número a Portugal, como já tem sido habitual neste tipo de deslocações. Um jogo emotivo, com um empate 2-2, fez aquecer ainda mais o apoio por parte dos apoiantes de ambos os conjuntos.

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SS Lazio x FC Porto | 24-02-2022 Mais de um milhar de adeptos portistas viajou até à capital italiana, neste jogo bastante importante para ambas as formações. Por isso, não foi de estranhar o bom ambiente vivido no Olímpico de Roma, com os portistas a fazerem o que podiam para se fazerem notar no apoio à sua formação. Os azuis e brancos aproveitaram a vantagem da primeira mão e conseguiram passar aos oitavosde-final, para grande festa, no final, entre equipa e público. GD Estoril Praia x Boavista FC | 27-02-2022 Boa deslocação e apoio dos boavisteiros na Amoreira. A presença das muitas dezenas de adeptos axadrezados foi coroada com a primeira vitória fora de portas da época, no campeonato, sendo motivo de grandes festejos entre equipa e apoiantes, pela importância na luta pela fuga aos lugares de despromoção. 118º aniversário do SL Benfica | 28-02-2022 Tanto os Diabos Vermelhos como os No Name Boys festejaram, de forma separada, mais um aniversário do seu clube. Porém, ambos com a particularidade de, logo pela madrugada, utilizarem bastante pirotecnia nas imediações do Estádio do Sport Lisboa e Benfica. Académica de Coimbra x Académico de Viseu FC | 28-02-2022 Um dérbi do Centro, entre dois clubes que vão lutando pela manutenção no segundo escalão. Apesar de ter sido realizado numa 2ª feira, a verdade é que o Estádio Cidade de Coimbra esteve bem composto, algo que já não é novidade, pese embora o mau rendimento da equipa da casa. Do lado forasteiro, os Viriathus 1914 anunciaram a deslocação gratuita através de um autocarro. Não foi de estranhar o bom ambiente vivido nas bancadas, com presença dos dois grupos da casa (Mancha Negra e XXIV), dos muitos estudantes e simpatizantes academistas e também dos ultras do Viseu. No final, foram estes últimos a sorrir, com uma importante vitória para o seu conjunto, que serviu para afundar ainda mais os rivais...

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Sporting CP x FC Porto | 02-03-2022 Típico clássico com bom ambiente e estádio muito bem composto. O destaque vai para o autêntico festival pirotécnico criado pela Juventude Leonina, logo nos instantes iniciais, que obrigou mesmo à interrupção durante alguns minutos. Algo que criou imediatamente polémica no país, com os típicos debates sobre penalizações e interdições aos adeptos. Ainda na bancada sul sportinguista, houve espaço para algumas provocações aos rivais, mais concretamente com tarjas provocatórias do Directivo Ultras XXI. Do lado portista, um bom apoio, que se foi avolumando ao longo da partida, principalmente pela reviravolta a seu favor. Uma grande festa final, junto ao sector visitante, entre equipa e público, depois da importante vitória alcançada, nesta que foi a primeira mão das meias-finais da Taça de Portugal. 37º aniversário da Mancha Negra | 03-03-2022 O histórico grupo da Académica de Coimbra cumpriu mais um aniversário e festejou em grande estilo, através de uma tochada na sua cidade, bem visível do outro lado do rio Mondego, criando um cenário bastante bonito logo pela madrugada!

Portimonense SC x SL Benfica | 05-03-2022 Na véspera deste encontro, foi dia de 30º aniversário dos No Name Boys. Logo aí eles já tinham feito um autêntico festival pirotécnico nos arredores da Luz. Podia-se antever então algo de especial para a partida em Portimão... E assim foi. Ao minuto 30, dezenas de tochas foram abertas pela bancada onde estavam instalados (não muito grande e muito propícia para se conseguir fazer de forma “discreta”, diga-se de passagem - o que torna ainda mais arriscado e meritório), interrompendo imediatamente o jogo e havendo o risco de não ser retomado, o que de facto não passou de uma mera ameaça. Sem muita surpresa, o tema da pirotecnia das claques voltou ao debate em Portugal...

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Moreirense FC x CS Marítimo | 06-03-2022 Cerca de uma centena de simpatizantes do clube insular deslocaram-se até Moreira de Cónegos, esperando pelo autocarro da sua equipa e dando também um bom apoio no interior do encontro. Houve ainda espaço para algum convívio com os adeptos da casa. Um registo invulgar, mas que é uma prova de união dos maritimistas, depois do momento da mudança de direcção, pois o antigo presidente foi sendo muito contestado ao longo dos últimos anos. Vitória SC x FC Famalicão | 06-03-2022 Bom ambiente no estádio de parte a parte, numa noite de bom apoio ao longo dos 90 minutos. Os famalicenses realizaram uma boa deslocação em bom número neste curto trajecto até Guimarães. CS Marítimo x Vitória SC | 13-03-2022 Excelente deslocação dos adeptos do emblema vimaranense até ao Funchal. O sector visitante composto de forma atípica no que se refere ao número, algo que costuma ser habitual apenas nos três clubes portugueses de maior dimensão. Para além da presença, nota também para um bom apoio, que foi premiado com uma vitória forasteira. Houve registo de incidentes na noite anterior ao encontro, numa discoteca local, noticiados na comunicação social. Do lado da casa, houve presença de pelo menos dois grupos (Fanatics 13 e Templários), demonstrando também o tal bom espírito presente nas hostes dos simpatizantes maritimistas pela troca de direcção e pelos recentes bons resultados da sua formação. SC Braga x Gil Vicente FC | 13-03-2022 Encontro entre quarto e quinto classificados do primeiro escalão nacional, com um ambiente digno de registo. Para além da típica presença dos grupos bracarenses, nota mais para a excelente (curta) deslocação dos gilistas até ao Municipal de Braga. Eles que foram bastante audíveis ao longo do tempo e tiveram motivos para festejar ainda mais com uma vitória através de um golo nos momentos finais...

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AFC Ajax x SL Benfica | 15-03-2022 Jogo grande para os encarnados, nesta segunda mão dos oitavos-de-final da Liga dos Campeões. Desloção em massa dos benfiquistas até Amesterdão, esgotando os bilhetes que lhes estavam destinados. Muitos chegaram antecipadamente à capital neerlandesa, mas foi na noite anterior ao jogo que o centro da cidade esteve praticamente inundado de portugueses. Quanto ao encontro, teve direito, naturalmente, a estádio cheio, numa noite em que a vitória sorriu ao Benfica, com um golo solitário na segunda parte, provocando cenas de autêntico rejubilo no sector visitante. Os adeptos mais fanáticos do Ajax ainda fizeram a sua típica “entrada”, neste tipo de grandes jogos, reunindo-se de forma massiva junto ao estádio e criam um cenário de grande espectáculo com muitos cânticos e pirotecnia, de forma a aquecerem para os importantes 90 minutos. Houve, logo depois disso, registo de incidentes entre esses ultras neerlandeses e a polícia.

AS Monaco x SC Braga | 17-03-2022 Nova deslocação, em grande número, dos adeptos da formação bracarense além-fronteiras. A maior mobilização desta época, diga-se, aproveitando o facto de ser no Mónaco (muito menos longe em relação ao que já tiveram durante a temporada). As várias centenas de forasteiros presentes no Stade Louis II foram, ao longo do encontro, os mais audíveis, organizados pelo apoio dos Red Boys e da Bracara Legion. Esta presença braguista tornou-se ainda mais memorável, pois foi coroada com a passagem aos quartos-definal da Liga Europa, originando naturalmente uma grande festa final no sector visitante, entre equipa e simpatizantes. Olympique Lyonnais x FC Porto | 17-03-2022 Cerca de 3.000 portistas encheram o sector que lhes estava destinado, em mais uma grande deslocação de apoiantes de um conjunto português até França. O Parc OL teve um excelente ambiente durante o encontro, com muitos cânticos de parte a parte, coreografias dos dois grupos da casa (Bad Gones e Lyon 1950) em cada uma das bancadas atrás da baliza, e com os azuis e brancos a fazerem a sua parte para tentar recuperar a desvantagem levada da primeira mão.

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FC Vizela x FC Famalicão | 18-03-2022 Noite de 6ª feira com grande ambiente entre duas formações vizinhas, cujos adeptos não morrem propriamente de amores uns pelos outros. Excelente ambiente, com um jogo também emotivo dentro das quatro linhas, que terminou com uma divisão de pontos. Vitória SC x Sporting CP | 19-03-2022 Jogo com uma excelente atmosfera em Guimarães. Pirotecnia, picardias e forte apoio vindo de várias bancadas, sendo apenas manchado por uma carga policial completamente injustificada e desproporcionada na nascente. Curiosamente, esta partida foi realizada no dia em que a Juventude Leonina comemorou o seu 46º aniversário, não sendo de estranhar que tivesse aproveitado esta deslocação para criar um bom espectáculo no sector visitante (com tochas e um pano com o símbolo do grupo em simultâneo, criando um bom cenário visual). A dada altura, vários elementos da Juve Leo conseguiram mesmo retirar parte da rede divisória para o relvado, o que levou a uma certa indignação de adeptos vitorianos que se encontravam na bancada ao lado, originando então a tal carga policial, cujas imagens foram mediatizadas. Houve registos também de um ou outro incidente ou momento mais tenso no exterior do estádio. Leixões SC x Vitória SC | 19-03-2022 Final da Taça de Portugal de voleibol feminino, realizada em Viana do Castelo, que contou com um pavilhão muito bem composto e um ambiente de valor. Diga-se que houve, de 6ª feira a Domingo, a realização de seis jogos de voleibol, pois as ‘final-four’ de ambos os géneros foram feitas de forma consecutiva, contando com a presença de adeptos de vários clubes. Porém, dado o facto de ultras leixonenses terem marcado presença em bom número, num apoio organizado, nessa final feminina (também estiveram presentes no dia anterior, embora com menos elementos, nas meias-finais contra a AJM/FC Porto) fez com que elevasse ainda mais a “temperatura” do pavilhão, tendo sido coroados com mais uma conquista da Taça.

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CD Nacional x Académica de Coimbra | 20-032022 Nota para a presença de simpatizantes academistas na Choupana, neste encontro que foi realizado numa manhã de Domingo. A sua equipa somou mais uma derrota, parecendo cada vez mais que a despromoção à Liga 3 é o destino provável, mas nem isso demoveu os adeptos, com destaque para a Mancha Negra, de assinalarem mais uma presença, agora em território insular.

Ramaldense FC x CD Aves 1930 | 20-03-2022 Partida com um ambiente muita acima da média para a realidade de uma distrital portuguesa, como é naturalmente hábito nos jogos da formação avense, se bem que este teve a particularidade de ter sido vivido sob alguma tensão, pois na primeira volta houve registo de alguns incidentes entre jogadores, staff e adeptos. A Força Avense deslocou-se num autocarro até à Invicta e também houve presença organizada de apoiantes do conjunto da casa no Parque Desportivo de Ramalde.

Boavista FC x FC Porto | 20-03-2022 Dérbi da Invicta que contou com uma forte presença portista no topo norte do Estádio do Bessa, criando imagens extraordinárias dos adeptos azuis e brancos, principalmente no início, após o golo e no final, empolgados com mais uma vitória. Do lado da casa, o apoio organizado não foi o mais forte, mas houve um ambiente mais aguerrido espalhado por diversas partes do estádio. Nota para o facto de, um dia depois dos acontecimentos em Guimarães, terem surgido igualmente imagens de uma carga policial sobre um grupo de boavisteiros, num café nas imediações do recinto.

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Selecção portuguesa de futebol no Estádio do Dragão | 24-03-2022 - 29-03-2022 Portugal teve de realizar um play-off para garantir a passagem ao Mundial, sendo que ambos os jogos aconteceram no Estádio do Dragão. O primeiro contra a Turquia e uns dias depois contra a Macedónia do Norte. Em ambos houve registo de um apoio mais organizado do que o habitual, na realidade dos jogos da selecção, substituindo algo que costuma ter mais folclore por cânticos mais constantes. A bancada sul foi a que mais agregou ultras de diferentes equipas, criando também um bom cenário visual.

30º aniversário dos Ultras Ermesinde | 30-032022 Os Ultras Ermesinde cumpriram 30 anos de vida em dia de encontro em casa do Pedroso, a contar para a Taça Distrital da AF Porto. Deslocaram-se em bom número até Vila Nova de Gaia, apesar de ter sido a meio da semana. Três dias depois, no Sábado, realizaram um jantar de aniversário e foram para a sua habitual bancada, no Campo dos Sonhos, comemorar com um espectáculo pirotécnico. Iniciativa conjunta de vários grupos portugueses Numa altura em que a Liga propôs nove pontos à APCVD, que não servem para mais do que aumentar a repressão sobre os adeptos portugueses, os grupos nacionais voltaram a ter um momento de protesto unido, numa iniciativa organizada pela Associação Portuguesa de Defesa do Adepto, sob o lema: «Des”liga” a repressão - Respeitem os adeptos!» Dias antes, a própria APDA tinha colocado uma tarja, junto à sede da Liga, com a mensagem: «Mais repressão, zero incentivos?! Continuem a afastar os adeptos dos estádios»

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SC Braga x SL Benfica | 01-04-2022 Noite grande de 6ª feira nas bancadas do Estádio Municipal de Braga. Boa casa, com os simpatizantes da casa a conseguir fazer uma coreografia inicial, em forma de mosaico, por todo o primeiro anel da bancada nascente. Os benfiquistas, que ficaram no anel superior dessa mesma bancada, tiveram um bom apoio, com um bom poder vocal, que pouco esmoreceu mesmo com a desvantagem no marcador, havendo também momentos de pirotecnia. Quem sorriu no final foram os da casa, que, depois de um jogo bastante emotivo, lá conseguiram festejar, criando um bom clima entre equipa e adeptos. GD Estoril Praia x FC Vizela | 02-04-2022 Mais uma excelente deslocação dos vizelenses, agora até à Amoreira. Um sector visitante muito bem preenchido, um apoio ao longo do encontro, premiado com uma vitória importantíssima, numa altura em que a formação minhota estava numa posição mais desconfortável da tabela. Álvaro Pacheco, o icónico treinador da equipa, fez questão de salientar na conferência de imprensa a importância dos adeptos, considerando-os uma “mais-valia”, tecendo rasgados elogios aos mesmos. FC Famalicão x Boavista FC | 02-04-2022 Mais um típico jogo com uma boa casa no futebol português, ou seja, as bancadas quase repletas e as ZCEAP sem um único adepto. Apoio de parte a parte, com o da casa a ser comandado pelos Fama Boys e os forasteiros empolgados pelo resultado positivo. A vitória sorriu mesmo aos boavisteiros, neste embate entre formações que lutam pela manutenção, motivando grandes festejos entre equipa e simpatizantes visitantes. GD Marinhais x GD Forense | 03-04-2022 Nota para a excelente coreografia realizada pelo grupo da casa, os Blue Pigs, neste dérbi ribatejano. Não é a primeira vez, no passado recente, que este grupo do modesto conjunto das distritais de Santarém cria um cenário de uma dimensão muito acima da realidade desportiva em causa. Este teve a particularidade de ter sido feito na última jornada, já numa altura em que a

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sua equipa nem sequer tinha possibilidades de, matematicamente, conseguir ultrapassar o rival e ter hipóteses de subir de escalão. Moreirense FC x Vitória SC | 03-04-2022 Dérbi do concelho vimaranense com mais uma invasão dos vitorianos a Moreira de Cónegos. Um apoio constante, coroado com uma vitória, fez com que houvesse uma boa comunhão entre os muitos simpatizantes do Vitória e os jogadores. Do lado da casa, a derrota fez com que acabassem a jornada no último lugar, provocando algumas reacções mais emotivas, obrigando o treinador e os jogadores do Moreirense a intevir, justificar e acalmar os seus adeptos.

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Guerra na Ucrânia O Inverno na Ucrânia é frio e nevado. A pausa nas ligas de futebol profissional dura de Dezembro a Março. Os clubes que têm dinheiro preferem realizar campos de treino no estrangeiro. Equipas com orçamentos mais modestos treinam em casa. Para os amadores, a época é ainda mais curta. No Inverno, participam em campeonatos e taças locais, jogam em torneios de futsal ou não se reúnem de todo. É fácil adivinhar que o Inverno é a época mais difícil do ano para o movimento Ultra na Ucrânia, pelo que os adeptos aguardam sempre ansiosamente a Primavera, começando a fazer planos muito antes da sua chegada. Este ano não é excepção. Como parte desta preparação esperava terminar o trabalho num catálogo que iria recolher capas e algumas características de todas as fanzines e livros conhecidos, lançados na Ucrânia no período de 1983 a 2022. Realizar a sua apresentação, recordando aos jovens a importância da impressão em papel, que é parte integrante não só da cultura ucraniana, mas também da cultura global Ultra. E depois, sendo um ávido groundhopper, sonhei ir ao oeste do país, para lá viajar com a minha mulher e o nosso cão, e assistir aos jogos das ligas inferiores, que eu amo muito, enquanto desfrutava da natureza dos Cárpatos, da cozinha local, e da comunicação com velhos e novos amigos. Mas agora tudo

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isto pode ser esquecido. Como milhões de ucranianos, hoje apenas sonho com o fim da guerra. Talvez isto seja a coisa mais importante neste momento. Ainda não consigo acreditar que depois de tantos artigos sobre futebol, cultura e literatura Ultra, tenho de escrever um texto sobre uma verdadeira guerra, escondendo-me de misseis de cruzeiro no andar subterrâneo de uma casa localizada no centro de uma grande cidade europeia. Infelizmente isto não é um sonho. Na sequência da anexação da Crimeia e do conflito armado em Donbass, em 2014, a Rússia foi ainda mais longe ao lançar uma invasão em grande escala sobre a Ucrânia soberana no dia 24 de Fevereiro. Sob a capa da noite, nós, dormindo e não suspeitando de nada, fomos atacados pelo exército de um dos países mais militarizados do mundo, no qual nasci e fui criado, onde os meus pais e amigos ainda vivem. Assim, para mim, não foi apenas um murro na cara, mas também nas costas. Como resultado da nova agressão russa na Ucrânia, já na quarta semana, sangue foi derramado e pessoas inocentes estão a morrer. Como resultado de sabotagem, ataques aéreos maciços e lutas de rua, dezenas de cidades neste belo país estão em ruínas, locais sem electricidade, calor e água, e estão à beira de uma catástrofe humanitária. A pior situação é no Mariupol sitiado. Imagine-se que, devido aos constantes bombardeamentos,


resiste heroicamente ao inimigo, defendendo abnegadamente o que é verdadeiramente querido, arriscando as suas vidas em nome de uma vitória comum sobre o mal absoluto que desencadeou esta guerra com o povo outrora fraternal. Muitos dos meus amigos e conhecidos foram para a frente. as pessoas já não são retiradas de debaixo dos escombros, e os mortos têm de ser enterrados em valas comuns, simplesmente falando, trincheiras cavadas apressadamente por uma escavadora. Sacanas mentirosos do Ministério da Defesa da Federação Russa, afirmam que apenas atacam as infra-estruturas militares do inimigo, mas na realidade lançam bombas sobre edifícios residenciais, hospitais, escolas, jardins de infância, bibliotecas e estádios em Kyiv, Chernihiv, Okhtyrka, Kharkiv, Kramatorsk, Mykolaiv e outras cidades. Algumas delas estão praticamente varridas da face da terra. Eles raptam e torturam pessoas. Colunas de refugiados que se deslocam ao longo dos corredores verdes estão a ser alvejadas. Empenham-se em pilhar nas colónias que ocupam. Capturam centrais nucleares, ameaçando o mundo com uma catástrofe nuclear. O número total de vítimas civis é da ordem dos milhares, e estes números terríveis estão em constante crescimento. Digo-vos isto - um russo que vê tudo com os seus próprios olhos, e ao contrário da maior parte dos russos que acreditam na propaganda que se difunde dos ecrãs de televisão, que sabe o que realmente se passa na Ucrânia. As acções do povo ucraniano livre causam-me uma sincera simpatia. Tendo-se unido,

Foto: Aris Messinis

Foto: Aris Messinis Alguns juntaram-se às fileiras do exército regular ucraniano, enquanto outros se juntaram às unidades de defesa territorial. Os restantes fazem o que podem: fazer fortificações antitanque, cocktails molotov, doar sangue aos feridos, fazer voluntariado na própria Ucrânia, ajudar os refugiados, ajudá-los a chegar e a estabelecer-se num novo local. Todos os dias, em Kherson, Berdyansk, Melitopol, milhares de ucranianos vão a comícios, cantando unanimemente o slogan compreensível para todos: “Um soldado russo é um ocupante fascista”. Os Ultras locais também participam activamente na defesa da pátria. Não quero destacar ninguém, porque agora não há divisões entre Ultras no país, nem opiniões políticas de direita nem de esquerda - essas posições foram deixadas de lado. Isto diz muito.

Foto: Aris Messinis

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Quer saber porque é que eu, russo, estou firmemente do lado da Ucrânia? Porque esta é a minha casa. E porque viajei pela Ucrânia durante 15 anos, consegui visitar cada uma das suas regiões. E em nenhum lugar, nem nas grandes cidades, nem nas pequenas aldeias, mesmo no oeste do país, com as pessoas “banderovtsi” que a propaganda gosta de usar para assustar, tive algum, sublinho, algum problema por causa da nacionalidade ou da língua russa, que falo com um claro sotaque de Moscovo. Mesmo agora não há problemas, embora, naturalmente, o ódio à Rússia e ao chamado “mundo russo” na Ucrânia tenha atingido um nível proibitivamente elevado. Garanto-vos que os ucranianos são um povo pacífico muito hospitaleiro. E tudo aquilo de que falam os hipócritas meios de comunicação russos e bielorussos, justificando os crimes dos governos destes países, é uma mentira descarada. Finalmente, quero citar as palavras do meu amigo, que está agora sentado nas trincheiras perto de Chernihiv. Ele disse isto: “Não podem escolher a vossa pátria. Tal como os vossos inimigos”. Glória à Ucrânia! Por Yuri Paretski (@magshopreport)

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Foto: Aris Messinis

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Sejamos sinceros, atualmente somos invadidos por jogos na televisão, pela possibilidade de ver futebol em direto, como se estivéssemos presentes na bancada do estádio. Mas o fascínio da rádio, do relato oral, continua a resistir, a sobreviver ao monopólio “visual”, podemos parafrasear o famoso hit dos Buggles “VIDEO DIDN´T KILL THE FOOTBALL RADIO STARS”. Idealizar o passe, a defesa, o golo do nosso ídolo, mantém-se parte do imaginário de todos os amantes da bola que ainda vibram ouvindo os relatos radiofónicos. Em Portugal, o desenvolvimento da radiodifusão começou nas primeiras décadas do século XX. Em 1923 é criada a Sociedade Portuguesa de Amadores de Telefonia sem Fio; a Emissora Nacional começa as suas transmissões em 1935 e, um ano depois, a Rádio Renascença. Como se pode imaginar, com o passar dos anos, os eventos desportivos começaram a preencher a grelha de programação: futebol, hóquei em patins, boxe. Mas então quando foi o primeiro relato de futebol em Portugal? Não há consenso sobre este evento. Fala-se que já em 29 de janeiro de 1933, Jorge Botelho Moniz, através do posto CT1GL, transmitiu o jogo entre Portugal e a Hungria, a decorrer no campo do Lumiar, em Lisboa. Mas nós queremos falar de um outro relato, talvez o segundo em absoluto, mas com certeza o primeiro entre equipas e não seleções.

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E… pode ser surpreendente, mas não foi nenhum clássico derby Benfica-Sporting, ou jogo do Belenenses e do Porto, mas um outro derby igualmente histórico que torna esta “estória” ainda mais fascinante. 5 de janeiro 1935, defrontaram-se no Campo de Santa Cruz (o local de jogo não é consensual, há quem diga que foi no Campo do Arnado) a Associação Académica de Coimbra e a União Foot-Ball Coimbra Club, na segunda mão de um desafio que decidia qual das duas formações seria a vencedora do Campeonato

de Coimbra, vitória que dava também acesso a competir no Campeonato da 1ª Liga Experimental (nacional) 1934-35. Pois é! Um jogo do campeonato regional, um clássico conimbricense foi o protagonista deste relato! É de salientar que, em Coimbra, desde 1927 que se emitiam transmissões experimentais: o primeiro posto rádio “CT1CZ – Rádio Coimbra” é deste ano, embora só tenha funcionado um ano. Mas voltamos ao nosso jogo de janeiro


1935: António Madeira Machado, estudante de Direito e fervoroso radioamador, relatou integralmente este jogo que, pela crónica, acabou empatado. Este resultado favoreceu a Académica que tinha ganho a primeira mão por 1-0 e decretou os Estudantes campeões de Coimbra, assegurando-lhes a presença na 1ª Liga Nacional. O feito teve grande impacto na cidade, na universidade e até a nível nacional. E são contadas por historiadores circunstâncias engraçadas sobre este relato: como o facto do “senfilista”

(locutor) estar sempre alerta e atento para que não se ouvissem nos microfones palavrões e imprecações proferidas pelos adeptos mais animados na bancada…outros tempos… Que o jogo entre Académica e União não seja talvez o primeiro em absoluto, pouco importa; nada vai apagar uma “estória” que engrandece os dois clubes e a história do nosso desporto preferido Por Eupremio Scarpa, Vintage Football City Tours

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Os Ultras e a revolução no Egipto

Durante as últimas décadas, a generalidade das nações do norte de áfrica foi governada por regimes autocráticos, liderados por governantes que estenderam longamente no tempo o seu reinado. Essa longevidade trouxe, ao contrário do que sucede no restante continente, uma aparente estabilidade à região. Contudo, o ano de 2011 traria ventos de mudança, e esses ventos começaram por soprar com maior intensidade na Tunísia. No dia 14 de Janeiro, o presidente tunisino Ben Ali, abandona o seu país, e parte para o exílio, depois de se terem registado tumultuosas manifestações contra o seu regime. A queda de Ben Ali marcaria o início de um período que ficaria para a história como “Primavera Árabe”, que viria a alterar profundamente a estrutura geopolítica da região. Assente numa civilização multimilenar e com uma história extremamente rica, o Egipto debatia-se com um leque de problemas similar aos seus vizinhos da bacia do mediterrâneo. Uma crise económica de grande envergadura, uma liderança autocrática que durava há três décadas e uma constante privação de uma série de liberdades eram marca do regime autoritário de Hosni Mubarak. Foi neste contexto repressivo que o movimento ultra galgou fronteiras e chegou até à Tunísia, mais exactamente no ano de 2002, quando um grupo de adeptos do Espérance

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de Tunis resolveu fundar os “Emkachkines”. Rapidamente estas sementes germinariam, e o fervor da paixão “Ultrá” se expandiria por toda a região. Em 2005 surgiriam grupos em Marrocos e na Argélia e no ano de 2007 seriam fundados os Ultras Ahlawy (UA-07) do Al-Ahly e os White Knights do Zamalek, respectivamente os maiores clubes do Egipto. A juventude egípcia rapidamente aderiu em massa a esta nova tendência, e viu na bancada uma espécie de escape à sua realidade quotidiana miserável. O sentimento de pertença, o companheirismo, a irreverência e o combate ao que estava institucionalmente convencionado foram algumas das motivações que mais contribuíram para o recrutamento massivo dos grupos ultras locais. A classe política do Egipto, que sempre viu no futebol uma oportunidade para chegar ao coração do povo, não anteviu o potencial mobilizador que estes grupos detinham. O Al-Ahly é o clube de futebol mais popular do Egipto, e conta com o apoio de dezenas de milhões de adeptos. A sua ligação à identidade nacional remonta à sua fundação, numa época em que foi catalisador para as lutas anticolonialistas contra os ocupantes britânicos. Mubarak sempre se serviu do clube, e também da seleção nacional para atingir os seus intentos. A título de exemplo, para que se perceba a instrumentalização que o regime fazia do futebol, podemos atentar ao aproveitamento que Hosni Mubarak fez dos acontecimentos resultantes de um jogo de qualificação para o Mundial de 2010 entre Egipto e Argélia. Depois da derrota egípcia e de uma série de tumultos decorridos a propósito da partida, o líder do país utilizou a ocasião para fazer um apelo ao


fervor patriótico, falando inclusive de ataque à “honra da nação”, aproveitando o sucedido para camuflar as consequências da crise económica que assolava o país. Esta retórica “beligerante” causou um grave conflito institucional entre os dois países que só viria a ser resolvido com a mediação do líbio Gaddafi. É num cenário profundamente precário que os cânticos anti-regime vão surgindo nas curvas, dando voz ao descontentamento popular que via na alta taxa de desemprego e nos elevados índices de corrupção alguns dos maiores flagelos que acossavam o Egipto. A revolta subia de tom, e com ela aumentava também a repressão sobre os Ultras, para quem os confrontos com as autoridades e a difamação na comunicação social passavam a ser parte do quotidiano. Ainda assim, estes grupos continuavam a crescer e a afirmar a sua independência, que era possibilitada pelo autofinanciamento dos mesmos, através da quotização ou da venda de mershindising, que lhes permitia rejeitar qualquer tipo de influência “exterior”. A queda do tunisino Ben Ali incentivou o povo egípcio a sair à rua para as primeiras grandes manifestações anti-regime. No dia 28 de Janeiro dá-se aquilo a que chamaram «Sexta-Feira da Raiva», dia que ficou marcado por violentíssimos confrontos entre manifestantes e polícia na Ponte

Qase al-Nil, em que os populares liderados pelos Ultras Ahlawy derrotaram as forças policiais, que após cinco horas de tumultos foram substituídas pelo exército. As manifestações sucederam-se e a Praça Tahrir foi “tomada” pelo povo, tornandose o epicentro do movimento revolucionário. Os Ultras Ahlawy uniram esforços com os seus eternos rivais White Knights, coordenando assim a defesa da praça, organizando os manifestantes, distribuindo funções e preparando inclusivamente o socorro aos feridos. A 2 de Fevereiro, um grupo de lacaios de Mubarak conhecidos por “Baltageya” lança uma ofensiva sobre a Praça Tahrir, montados a camelo e fortemente armados tentam escorraçar os revoltosos do local. Esta ofensiva foi prontamente travada, com os Ultras a assumirem a linha da frente do combate, fazendo uso da experiência adquirida em múltiplos confrontos com a polícia decorridos em contexto futebolístico, sendo estes capazes de repelir a investida e de proteger os manifestantes. Poucos dias depois deste evento, e fortemente pressionado pela vontade popular, Mubarak abandona o poder, que cai nas mãos do Conselho Supremo das Forças Armadas (CSFA), ficando este organismo encarregue de agendar eleições livres a breve trecho. Muitas forças políticas tentariam mobilizar os ultras para a “batalha eleitoral”, embora sem grande sucesso, especialmente porque

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estes não constituíam um bloco compacto e unido em termos políticos e ideológicos. Apesar de ter granjeado aos Ultras uma forte empatia popular, a participação no processo revolucionário fez com que este movimento criasse fortes anticorpos junto de instituições poderosas do país. A 1 de Fevereiro de 2012 o AlAhly deslocou-se a Port Said a fim de defrontar o Al Masry. No final da partida que foi vencida por 3-1 pela equipa da casa, os adeptos locais invadiram o terreno de jogo, e munidos com armas brancas e pedras, atacaram a bancada onde se encontravam os UA-07, num episódio que resultou na morte de setenta e quatro pessoas e mais duzentos feridos graves. A completa inoperância demonstrada pela polícia durante o massacre levou muitos a acreditar que este foi um ataque premeditado, que contou com a conivência das altas instâncias do CSFA. Em resposta, os Ultras voltaram a ocupar as ruas, ocupando a Estação do Cairo, cercando a Bolsa e o Banco Central e tendo, inclusivamente, montado barricadas nas estradas que levaram ao fim antecipado da visita de estado de John Kerry, um norte-americano da administração Obama, que se encontrava em território egípcio para uma visita diplomática. Em 2013, uma primeira sentença condena à morte 21 adeptos do Al Masry, mas indignados com a absolvição de sete polícias e o branqueamento do papel do CSFA, os UA-07 voltam a sair à rua na sua demanda por justiça, que é retratada no documentário produzido pela

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Al Jazeera e dirigido por Alaa Mosbah que dá pelo título de “Ultras”. Este massacre resultaria num longo afastamento do público das bancadas egípcias, mas em 2015 o regresso dos adeptos não seria menos trágico. Depois dos Ahlawys, seria a vez dos Whithe Knights se verem envolvidos num trágico acontecimento. Em Fevereiro de 2015, um confronto com a polícia resultou na morte por esmagamento de vinte adeptos do Zamalek. Em resultado de mais este episódio, um tribunal egípcio decretou a ilegalização de todos os grupos ultras nacionais e ordenou a dissolução dos mesmos, tarefa que se mostrou impossível de realizar, uma vez que os grupos aprenderam a operar de forma clandestina e mantiveram-se activos. Quatro anos após o massacre de Port Said, os UA-07 voltaram a protestar num jogo caseiro, exibindo a imagem dos “74 mártires”, e voltando a clamar por justiça. O impacto mediático de novo protesto levou al-Sissi, líder do CSFA, que tomou o poder do país depois de num golpe de estado depor o presidente democraticamente leito Mohamed Morsi, a lançar em directo na televisão um repto aos Ultras Ahlawy para que enviassem uma delegação de dez membros com a finalidade de integrarem uma comissão que investigasse com profundidade as reais motivações do massacre. Por J. Sousa


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Evolução do Futebol Moderno

Futebol, um jogo elegante e feroz, vivido e idolatrado nos seus primórdios pelos operários britânicos. Tornou-se alegria de homens e mulheres de todas as idades, classes e credos. O povo ansiava por pão para a boca e por futebol para a alma. Um fenómeno social que extravasou fronteiras e movimentou paixões. A simbiose entre os ídolos que passeavam a sua classe em campo e os apaixonados que viviam o jogo na bancada deu origem ao que hoje chamamos desporto-rei. Por isso os clubes, outrora, eram mais do que negócios. Historicamente, o futebol organizouse de forma associativa no velho continente. Mesmo quando não estavam organizados em associações, os primeiros clubes de futebol não tinham como objetivo a distribuição de lucros - modelo atualmente implementado – antes a prática do jogo e a competição entre si. A destruição do paradigma associativo do futebol e as consequências que daí advieram, estão intrinsecamente ligadas à ascensão de políticas neoliberais na Europa. Foi na casa-mãe do “jogo belo” que se deu o pontapé de saída do que viríamos a chamar de “futebol moderno”, pela mão de Margaret Thatcher. Em 1979, ano em que a “Dama de Ferro” se tornou a primeira mulher a assumir o cargo de Primeira-Ministra de Inglaterra, as bancadas dos estádios eram maioritariamente ocupadas pela classe operária, trabalhadores das fábricas que se haviam propagado por todo o país a partir da Revolução Industrial. Um dos principais

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estandartes da sua governação conservadora foi a flexibilização das leis laborais e a intervenção mínima do estado. Esta opção político-económica resultou no encerramento de bastantes unidades fabris, originando grandes ondas de contestação nas ruas e nos estádios, devido à alta taxa de desemprego e ao aumento do índice de pobreza. A tragédia de Hillsborough e as falsas narrativas, criadas com o objectivo de prejudicar a figura do adepto, orquestradas em conluio com as autoridades policiais e o jornal “The Sun” (anos mais tarde através do conhecimento público do Relatório Taylor, o Primeiro-Ministro, David Cameron, viu-se “obrigado” a pedir desculpas, publicamente, pela atitude do governo à época do desastre e o jornal “The Sun”, também fez mea culpa, através de uma capa onde assumiu as mentiras publicadas), materializaram-se na oportunidade perfeita para reformar o futebol inglês à medida dos interesses das grandes corporações que perceberam que um desporto que movimentava milhões de pessoas, podia


tornar-se um negócio altamente lucrativo. As normas para o futebol da “dama de ferro” foram pensadas com o objectivo de atacar uma fração da população que inquietava o seu governo conservador. Estas medidas geraram um forte preconceito contra as classes mais baixas da sociedade que, em última instância, viram o acesso aos jogos de futebol dificultado. A elitização do desporto foi feita através do aumento brutal do custo dos ingressos e da permissão da entrada selvagem de canais de TV com mensalidade na transmissão dos jogos (ganhando os donos dos clubes uma fonte mais rentável de receita em comparação com os ganhos obtidos através dos associados). Thatcher tratou o futebol de acordo com as suas convicções políticas. Ela defendia um estado opressor e o mercado livre. O estado opressor fiscalizou os “supporters”. O mercado livre permitiu aos donos dos clubes enriquecer à custa da modalidade. Os senhores do grande capital idolatraram-na. Quem estava do outro lado do processo industrial até hoje amargura contra ela. O futebol inglês e os seus adeptos pagaram um preço muito alto. O modelo de industrialização do futebol acabou por se espalhar por toda a Europa. A desvalorização da figura do adepto que passou a ser tratado vulgarmente por “consumidor”, palavra minuciosamente escolhida para designar os frequentadores das bancadas dos estádios, fazendo crer à sociedade que as bancadas deixavam de ser um local de paixões e liberdade, para darem lugar a um espaço de índole teatral ou cinematográfica, justificando assim a censura e a repressão a todos aqueles que não aceitassem esta nova forma de estar. O foco na

obtenção de lucros por parte dos gestores dos clubes e a distribuição de dividendos acabaram por relegar para um plano secundário o associativismo. Os clubes que tradicionalmente incorporavam o espírito e os costumes locais das suas comunidades, passaram a ficar desprovidos das suas tradições, dando lugar a ambientes estéreis nas bancadas. Os horários dos jogos passaram a servir os interesses das cadeias televisivas e não dos adeptos, que querem viver o futebol e o seu clube na bancada. O projeto de modernização do futebol alicerçou-se em novas práticas capitalistas, pelo poder dos direitos de transmissão de jogos, pela propagação da sua interposição e por um processo de limpeza social. É notório que em todo o continente, os verdadeiros apaixonados pelo futebol assumem uma evidente conduta de resistência e protesto contra as práticas dúbias e por vezes ilícitas na administração e negócio dos clubes e do futebol, contra a permanente fusão entre futebol e política e contra todos os tipos de manipulação do jogo. Assumem-se como um contrapoder necessário, num sistema político-económico que cada vez mais os sanciona. Na próxima edição irei abordar o contexto de modernização do futebol português e os efeitos nefastos no que concerne ao associativismo e às assistências nas bancadas. Por J. Oliveira

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No passado dia 20 de Fevereiro a Fúria Azul fez a sua quarta deslocação aos Açores em menos de um ano, 3 para apoiar o futebol e uma para apoiar o Andebol. Nesta última para apoiar o Belenenses contra o Rabo de Peixe, jogo do Campeonato de Portugal Série E. O grupo ultra lisboeta apresentou-se em bom número com cerca de 40 membros presentes na ilha de São Miguel. A esmagadora maioria viajou logo na sexta-feira e aproveitou a estadia para conhecer a ilha e viver a loucura ultra que as noites em conjunto sempre provocam nestes casos. Houve oportunidade de conviver com ultras locais do União Micaelense e ainda um breve encontro com alguns ultras do Elvas (que joga no mesmo campeonato) que também se encontravam em São Miguel para acompanhar a sua equipa. Destes convívios fica a recomendação a todos, uma visita à sede do União Micaelense que de certeza não vos irá desiludir. Depois de dois dias (e noites) duros, eis que chegava o dia de jogo. O jogo não se realizava

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em Rabo de Peixe, devido a obras no seu estádio, mas sim na localidade vizinha da Ribeira Grande, estádio em que os ultras do Belenenses já tinham estado no início do campeonato. Sendo já conhecedores do que os esperava ali, decidiu-se que o almoço de grupo, e todo o pré-match, seria realizado nas tascas perto do estádio, bastante recomendáveis. Na entrada do grupo alguma confusão com a PSP local que não soube, como de costume, aplicar a lei no que diz respeito à entrada do material de apoio do grupo de Belém. Após alguma negociação foi a direção do clube local que acabou por resolver os problemas, e os materiais acabaram mesmo por entrar. Mais uma vez se observa a confusão instalada quando se trata de aplicar leis que ninguém percebe. Durante o jogo a Fúria Azul, juntamente com adeptos açorianos do Belenenses, apoiou a grande nível, num estádio que não contava com qualquer grupo de apoio do clube da casa. O jogo decorria a um ritmo repartido e as aspirações do Belenenses, que neste jogo jogava uma cartada


decisiva para poder chegar à última jornada em primeiro lugar e passar à fase de subida, iam sendo contrariadas pela equipa local. Nas bancadas ia crescendo a ansiedade apenas amenizada pelas cervejas ao intervalo, na segunda parte cresceu ainda mais o apoio e, quando já muitos pensavam que o resultado final seria o mesmo que o inicial, eis que o Belenenses marca um golo! Aos 90 minutos, explosão de alegria na bancada que deu direito a invasão de campo na comemoração do golo, numa enorme demonstração da alegria de terem alcançado um objectivo fundamental nesta época. Os festejos da vitória, escusado será dizer, invadiram as ruas de Ponta Delgada e, até largas horas da Madrugada, os ultras do Belenenses festejaram o resultado que os deixava a apenas um ponto de jogar a fase decisiva para a subida à 3ª divisão. Por Mário Rodrigues

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Há jogos que começam semanas antes da data marcada. O saber o horário, a tentativa de ter o dia livre, a tentativa de sair mais cedo, a tentativa de conseguir marcar presença num jogo completamente inédito! Uma cidade a ferver durante dias. Nos cafés não se falava de outra coisa, nos grupos de amigos o tema era sempre o mesmo. O Tondela está nas meias da taça e a cidade tem de estar à altura. O dia do jogo que começa com chuva, ninguém pensa em mais nada. É tempo de combinar os pontos de encontro com os amigos. São 17h e abre a fanzone do clube. Alguns adeptos do Mafra, que vieram de carro, juntamse para conviver e fazer a festa. Uma hora depois, e já há centenas de adeptos do Tondela a chegar para uma recepção ao autocarro previamente combinada. Uma fanzone a começar a ferver, a ansiedade a apertar e um autocarro que tardava a chegar. Entre cânticos e convívio chega a equipa. Uma recepção completamente apoteótica com centenas de pessoas e muita pirotecnia à mistura. Estava dado o primeiro passo para ganhar o jogo. Seguiam-se minutos de nervos até ao início do jogo. Havia a curiosidade de como se ia comportar a bancada. Antevia-se sector cheio, durante a tarde verificou-se muita dificuldade em arranjar bilhetes para a zona da Febre. Tem tudo para correr bem. A dez minutos do início de jogo o sector está cheio e existe uma larga fila para entrar no grupo, no estádio. Tondela tinha respondido em peso. Um autêntico ambiente de taça e de clube grande, com centenas de vozes a defender a cidade. Estava dado o mote para ganhar. A bancada a empurrar a equipa e a equipa a empolgar a bancada. Início do jogo com um pote de fumo no meio da confusão e o pedido do sonho do Jamor. As pessoas acreditavam e ainda mais com um golo perto do intervalo que gerou um autêntico caos. Segunda parte com o apoio a manter-se e a empolgar cada vez mais o resto do estádio. As gentes de Tondela viriam a festejar mais dois golos que fizeram a bancada virar do avesso. Um autêntico festival numa noite histórica. Noventa minutos de apoio vocal incessante e, no final, a

comunhão com a equipa e o pedido do sonho. Tondela acredita na taça e, com dias assim, todos têm direito de acreditar. Um dia histórico com um ambiente memorável que deixa qualquer membro orgulhoso. Venha a segunda mão! Por Pedro Costa

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Invasão ao Continente

No início do ano, os Fanatics, com o apoio do Club Sport Marítimo, iniciaram a organização de uma Mega Tour (arraial madeirense) ao Norte do país com o intuito de reunir o máximo de Maritimistas possível, os de cá da Ilha e os residentes no Continente. Era uma Tour já há muito prometida aos nossos amigos dos Green Devils que, sempre que podem, marcam presença nos Barreiros para apoiar o Moreirense. Desta vez não falhamos e só temos a agradecer a hospitalidade do antigo Líder dos Green Devils, Jorge Santos. Mas voltemos à organização da Tour, no início marcamos 30 passagens, com o passar do tempo chegou às 40, até chegar à meia centena. O entusiasmo tomou conta de todos nós, os ilhéus e os “F13 no Retângulo”, que esperávamos ansiosamente pelo épico fim de semana. Finalmente chegou ao dia 5 de Março de 2022 e então percebemos que tínhamos conseguido concretizar um sonho antigo de levar muitos Maritimistas ao Continente para apoiar o nosso Clube. Chegamos ao Porto e já estavam vários membros F13 à nossa espera para irmos todos juntos no autocarro disponibilizado pelo Marítimo, sendo que dois desses elementos partiram de madrugada de

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Inglaterra, com destino ao Porto, só para marcar presença na Maior Tour F13 de sempre. Partimos do Porto num autocarro de 55 lugares em Direção a Guimarães onde ficámos hospedados e aproveitámos o dia para visitar a cidade. Depois estacionámos no Bar Madeirense para provar algumas ponchas, onde fomos sempre bem recebidos por tudo e todos, sem qualquer problema a apontar. Finalmente chegou o dia tão esperado, o DIA DO JOGO. A adrenalina começou logo de manhã porque sabíamos que mais Maritimistas tinham saído de madrugada, de autocarro, desde a capital em direção a Moreira de Cónegos. Além disso tínhamos conhecimento que muitos


Maritimistas tinham confirmado que iam nas suas viaturas particulares. Chegámos ao Estádio Comendador Joaquim de Almeida Freitas por volta do meio dia, prontos para armar o Arraial e fazer a festa do Futebol que, infelizmente, muitas das vezes não é possível devido à fraca mentalidade de alguns adeptos que só envergonham o seu clube e os restantes adeptos. Felizmente fomos muito bem recebidos. Fora do Estádio exibimos desde logo as faixas que tínhamos pintado de propósito para os nossos amigos dos Green Devils, depois almoçámos e, aos poucos, fomos notando uma grande onda Verde-Rubra no Estádio. Logo depois chegou o autocarro vindo da Capital e então aí foi a festa total. Em conjunto fomos receber o autocarro que transportava a nossa equipa (Inesquecível receção) . Depois tivémos ainda o privilégio de confraternizar e tirar uma foto para mais tarde recordar com o nosso Presidente Rui Fontes, o homem que possibilitou toda aquela festa e união da Família Verde-Rubra. Já depois de muita cerveja chegou finalmente a hora do jogo (15:30). Entramos todos menos os isqueiros, menos mal. No total estiveram perto de 220 Maritimistas a apoiar em conjunto a nossa equipa, começámos no aquecimento e terminámos 10 minutos depois do final do jogo, depois de termos conquistado os tão esperados e saborosos 3 pontos. Mostrámos a nossa Raça Madeirense e estivémos todos, sem exceção, de parabéns. A equipa agradeceu o nosso APOIO e quase todos os jogadores prendaram os seus adeptos com as suas respetivas camisolas, um prémio mais do que merecido. FOI INESQUECÍVEL. Já fora do estádio foi tempo de beber mais umas loirinhas e de nos despedirmos uns dos outros, porque a maioria regressou à Madeira no domingo, outros foram de regresso, novamente num percurso de mais 4 horas de autocarro, até chegar à capital e, os restantes, poucos, ficaram até segunda-feira em Guimarães, mas uma coisa é certa, apesar de afónicos e muito cansados, todos devem concordar que tínhamos

conseguido uma história digna de contar aos nossos netos. Parabéns a todos aqueles que possibilitaram tudo isto e a todos aqueles que participaram nesta transferta, exemplarmente, sem que houvesse problemas com as autoridades ou com os adeptos da casa. FAÇAM DO FUTEBOL UMA FESTA! Por D. Andrade

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Se no início da época perguntassem a qualquer sócio do Gil Vicente se acreditava que nesta altura poderíamos estar em 5º lugar, é claro que não iria acreditar, embora todos os desejassem. Mas, fruto da excelente época que o meu clube tem feito, surgem várias questões a qualquer sócio/adepto de um clube não habituado a tanto sucesso: Estará o clube à altura de uma campanha Europeia? Teremos segurança financeira? E se perdermos jogadores importantes e não os substituirmos à altura? E se nos acontece como o Rio Ave da época passada? Ora este não é o tema que quero partilhar convosco, pretendo apenas convidarvos a fazer um exercício mental que passa pelos adeptos dos clubes “pequenos” e do seu crescimento. Primeiro gostava de vos explicar como me tornei adepto do Gilinho e, depois, transpor isso para a actualidade com o possível crescimento do clube. Na época de 1989/1990, o meu falecido pai levou-me, e ao meu irmão, a todos os jogos do Gil Vicente, quer em casa quer fora. Nessa mesma época o Gil Vicente terminou em primeiro lugar da segunda liga, divisão norte. O Gil Vicente

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fazia grandes jogos, tinha grandes vitórias e culminou com um jogo na Póvoa de Varzim, com um estádio carregado de Barcelenses, com um apoio fantástico à equipa. Ora toda esta festa e estas vitórias são a mistura perfeita para um miúdo de 11 anos ficar apaixonado pela equipa da sua terra. Poderia agora entrar na velha e interminável discussão sobre o apoiar o clube da terra, mas não o vou fazer. Apenas quero falar da minha experiência como adepto do clube da minha terra. É inegável que o sentimento bairrista é vivido de outra forma, a proximidade ao clube e, acima de tudo, a identidade. Quando digo o meu clube a qualquer desconhecido, depois da estupefação inicial vem sempre um: “então és de Barcelos!”, ora isto é identidade, algo que eu nunca ouviria sendo de um clube que não fosse o da minha cidade. Isto não faz de mim melhor adepto que outro da minha terra que não apoie o clube local, mas que faz a diferença, isso faz. Voltando ao assunto que me levou a escrever este artigo, o crescimento do clube face aos bons resultados atuais, tenho a dizer que, apesar de muita gente criticar os adeptos das vitórias, eu não o faço. Como poderíamos nós crescer sem nunca trazer novas pessoas ao Estádio? Pela minha experiência nunca vi tanta juventude no estádio,


tanta pessoa do género feminino, tanta gente a vibrar com os golos do Gil, uma média de espectadores em casa a rondar os 5000 adeptos mesmo com as restrições do COVID. O crescimento dos adeptos gilistas vê-se também nos jogos fora onde nunca tivemos números como este ano. Estamos numa boa fase, não única na já longa história do nosso clube, mas de certeza a mais mediática. Quando se é de um clube como o Gil Vicente, vivemos de pequenos momentos como as vitórias, celebradas quase como campeonatos, por isso está aqui a oportunidade perfeita para o Gilinho apaixonar todos aqueles miúdos que estão na bancada do municipal, todos aqueles que pela primeira vez vieram ver o nosso Gil, todas aquelas que vieram à bola pela primeira vez pela mão do namorado, marido ou pai. Se conhecem alguém que ainda não foi, levem-no, levem todos aqueles perto de vocês, levem para que se possam apaixonar como aquela criança em 1990 se apaixonou. Só assim faremos crescer o nosso grande GIL. Por N. Ferreira (Totobola)

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A história que vos quero contar começou a 5 de agosto de 1957, pelas mãos do cartunista britânico Reg Smythe e pôde ser vista pela primeira vez no The Daily Mirror e no Sunday Mirror. Conhecido em Portugal, através da sua publicação no jornal O Primeiro de Janeiro, como Zé do Boné e na Alemanha por Willi Wakker, muitos já ouviram falar sobre o politicamente incorrecto Andy Capp! Por outro lado, talvez sejam muito poucos os que conhecem a sua história. Inicialmente Andy Capp não apareceu em formato de banda desenhada, como hoje é apresentado, começou por ser um cartoon. Só mais tarde, quando chegou aos Estados Unidos, é que se expandiu para quatro vinhetas e, desde aí, em mais de 60 anos, o Andy Capp evoluiu muito e não foi apenas na sua personalidade. Objectivamente refiro-me ao crescimento da sua publicação que já se espalhou um pouco por todo mundo. Reg Smythe morreu a 13 de junho de 1998, mas a saga de Andy Capp não ficou por aí. Numa primeira fase, o escritor e o artista responsaveis pela continuidade da personagem não foram dados a conhecer ao público. Só alguns anos depois, em novembro de 2004, a responsabilidade foi atribuida a Roger Mahoney (cartunista) e Roger Kettle (escritor). Já por volta de 2011, Kettle interrompeu seu trabalho na tira e foi substituído por Lawrence Goldsmith e Sean Garnett, enquanto Mahoney continuou a ser o responsavel pelo desenho. Importa realçar que a estética desta BD não mudou muito desde a morte do seu autor.

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Voltando à personagem principal, Andy Capp, este vive em Hartlepool, uma cidade portuária no condado de Durham no nordeste de Inglaterra, juntamente com a esposa Florrie e representa uma figura da classe trabalhadora. Já o seu nome nasce de um trocadilho com a pronúncia local da palavra “handicap” e o seu sobrenome é expressivo, para a sua imagem, associando-se à sua icónica boina que porta sempre com ele. Quem quiser “encontrar” o Andy não precisa de procurar muito. A sua vida desenvolvese à volta de uma série de hábitos que já não surpreendem e, que fique bem claro, não é a trabalhar que o vão encontrar. Dentro dos vários hobbies que ele possui destaco a prática de futebol, onde se envolve constantemente em confusões e acaba por ser expulso; as apostas nas corridas de cavalos, onde perde boa parte do seu dinheiro; o sofá de sua casa, onde se geram discussões com a companheira; e o pub, onde costuma gastar o resto do seu dinheiro embebedando-se até cair para o lado. Para o


lado como quem diz, pois ele costuma é cair muitas vezes ao rio, de onde a polícia o costuma retirar para depois o encaminhar para a prisão. Os hábitos duvidosos desta personagem são imensos e só acompanhando o seu dia a dia é que podemos ter a real percepção sobre quem é o Andy Capp. Pelo pouco que escrevi já dá para suspeitar que a sua relação familiar não seria a melhor e, por isso, “Flo” precisava de estar à altura, com o pulso firme, para tentar controlar as atitudes do seu marido. É uma missão quase impossível mas, quem os conhece que responda: quantas vezes não viram a Florrie tira-lo à força do pub? Aproveito este momento para introduzir que, fruto da personalidade do Andy, a sua história precisou de sofrer algumas mudanças pois ele mantinha muitos comportamentos que não eram vistos como adequados pela sociedade em geral. Sem tabus posso afirmar que era uma personagem polémica mas, como em tudo na vida, não se pode agradar a Gregos e a Troianos e, uns aplaudiram a mudança outros criticaram o politicamente correcto. Percebemos que não é por acaso que a famosa personagem Homer Simpson chegou a referir-se a Andy Capp como “bêbado que bate na esposa”, enquanto seu criador Reg Smythe disse que ele era um “homenzinho horrível”. Na senda de o reeducar, em 1983 Andy parou de fumar da mesma forma que parou a violência doméstica, até porque também era ele que costumava sentir as dores no corpo. Acusações de um perpetuar de estereótipos sobre um pequeno segmento da população britânica estão subjacentes à história desta personagem. Gente vista como desempregados crónicos que dividem o seu tempo entre o sofá lá de casa e o pub perto de sua casa, sobrando ainda tempo para presenciar os jogos de futebol. Alguns sentiamse incomodados mas, na verdade, o autor desta publicação era um humorista e nada mais fez do que ampliar os aspectos menos positivos que rodeavam a sociedade na qual se inseria. Ao longo dos anos, conseguimos encontrar o famoso Andy Capp em mais do que publicações. Um pouco pelas bancadas de todo o

mundo, a sua imagem aparece numa variedade de faixas, bandeiras, cachecóis e t shirts. Há adeptos que fazem uma especie de culto a esta figura, sendo certo que muitos o fazem por moda, impulsionados por razões estéticas, enquanto outros o consideram pela sua história. A sua notoriedade levou a que, em 2012, Andy Capp e algumas personagens fizessem parte de uma série animada na promoção de um Website. Para além disso, Andy Capp já havia aparecido em forma de animação em anúncios de televisão para os Correios (1986) e para a Kit Kat (1991) assim como num musical com Tom Courtenay e numa série televisiva de 6 episódios com James Bolam. Para o homenagear, uma estátua de Andy Capp foi erguida em Hartlepool, a sua “cidade natal”, a 28 de junho de 2007. Criticado por uns e amado por outros. Assim resumo as opiniões sobre esta figura que, ainda hoje, se mantem activa e fiel a si própria. Por J. Lobo

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CULTURA DE ADEPTO Por P. Alves e M. Bondoso

“A memória é o essencial, visto que a literatura é feita de sonhos e os sonhos fazem-se combinando recordações”. Jorge Luís Borges

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Bad Boys - Beyond a quarter of Century Internacional Autor: M. O’Bryan Equipa: Monopoli Ano: 2018 Páginas: 671 + 621 Preço: 50€ São 2 volumes bem grandes a compilar os 30 anos de história dos Bad Boys Monopoli. Como é habito, o início do livro é também uma breve história da cidade, o início da história do clube, os vários estádios e as primeiras equipas. A forma como o nome do grupo surge é sempre uma delícia de ler, bem como a forma como se arranjaram os primeiros materiais para as primeiras faixas. O primeiro volume acaba em 2008 e até lá foram abordadas as várias realidades do Grupo bem como as várias vidas do clube. Infelizmente as falências financeiras são um cancro do futebol moderno e o Monopoli já provou por 2 vezes (1994 e 2010) e, entre 1999 e 2003, chegou mesmo a não ter actividade de futebol. Uma sensação que traz amargo de boca só de pensar. Chega o ressurgimento em 2003 e com isso a reactivação dos grupos históricos e a vontade de viver ULTRA. O segundo volume acompanha a história do Grupo até 2017, bem como as relações algo turbulentas com o resto da curva, mas o principal destaque é para as amizades, as várias secções noutras cidades e também a mentalidade Bad Boys, onde abordam temas como a política, música, filmes e a presença nas manifestações ultra italianas.

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O líder, Fernando Madureira Nacional Autor: Filipe Bastos Equipa: FC Porto Ano: 2005 Páginas: 271 Preço: N/A Editado no final de 2005 o livro “O líder” trata-se de uma biografia feita ao Fernando Madureira pelo autor Filipe Bastos. Em mais de 270 páginas, divididas por 8 capítulos, é dado a conhecer ao leitor a forma como o Macaco evoluiu enquanto portista, tripeiro e membro da claque Super Dragões. São relatados inúmeros episódios vividos por este. Dos embates em casa, aos confrontos com os rivais, passando pela relação com a SAD azul a branca e pelas grandes deslocações até ao Japão. Em todas estas vivências vestimos a pele do Macaco e somos projetados para essas ocorrências e a forma como ele as viveu e percecionou.

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O líder, Fernando Madureira

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I.D. (1995) I.D é uma produção britânico-alemã com o selo da BBC Films e a direcção de Phil Davis, que se estreou nas salas de cinema durante o ano de 1995 e que narra a história de quatro agentes da polícia que são enviados para se infiltrarem numa firma de hooligans dum clube londrino. Estes quatro agentes (John, Trev, Charlie e Eddie) abraçam esta missão depois dos anteriores infiltrados terem sido descobertos e violentamente espancados pela “Shadwell Army”, o grupo hooligan do Shadwell Town, um clube de futebol ficcionado, ainda que o bairro que dá nome a este clube seja real e se localize nas imediações de Londres. Conhecidos pela sua alcunha, “The Dogs”, os adeptos mais perigosos deste clube reúnem-se num tradicional pub britânico, o “The Rock”, e é lá que dois dos infiltrados, John e Trev, apostam todas as fichas para conseguirem ganhar a confiança dos elementos de topo da firma. Durante a película os polícias começam a partilhar as habituais peripécias da vida hooligan, passam a ser adeptos habituais no “The Kennel”, estádio da equipa de Shadwell, e a embarcar nas transfertas à volta do Reino Unido, envolvendose numa série de cenas de pancadaria que lhes conferem o respeito dos companheiros de bancada. A adrenalina, o alcoolismo, bem como o sentimento de pertença e os laços de companheirismo começam a “toldar” o raciocínio dos infiltrados, que gradualmente começam a

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comportar-se cada vez mais como os hooligans que perseguem e a rever-se cada vez menos na vida pacata e estereotipada que levavam antes da missão. A personagem central da longametragem é interpretada por Reece Dinsdale (John) que, dos quatro, é quem mais se deixa

mergulhar e contagiar pelos encantos desta vida extrema, conquistando o respeito e a admiração da firma pela bravura demonstrada em diversos episódios de confronto contra grupos rivais. Em paralelo, John vê a sua vida privada desmoronar-se, a sua relação afunda-se e o desprezo que sente por toda a sua anterior existência vai aumentando. Enquanto isso, apaixona-se por Lynda, empregada do “The Rock”, e os dois envolvemse numa relação amorosa. Há um conjunto de outras personagens que vão tendo alguma preponderância no desenrolar do filme, nomeadamente os membros mais presentes da “Shadwell Army” como Martin, Nick ou o Gumbo, um hooligan um pouco desastrado, com dificuldades motoras e que tem uma história de vida miserável, para quem o sentimento de pertença ao clube e à firma representam as únicas coisas boas que tem na vida. A película termina de forma um pouco enigmática, pouco depois do término da investigação e do encerramento do “The Rock”,


circunstâncias que levaram o protagonista a perder a sanidade mental. I.D. é considerado por alguns um filme de culto, que apesar de representar os hooligans, e os adeptos de futebol em geral, como acéfalos neanthertais e de fazer uma representação algo caricatural dos confrontos, conta com boas encenações e uma representação bem conseguida, apesar de algo cómica, das paixões exacerbadas que a bancada gera. No ano de 2016, vinte e um anos depois da estreia, foi lançada uma sequela do filme: ID2: Shadwell Army. Por J. Sousa

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