Cultura de Bancada, 14º Número

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2 memórias da bancada 50 HISTÓRIA DO MOVIMENTO ORGANIZADO DE ADEPTOS no uruguai marcados no corpo 08 14 26 18 30 48 40 06 portugal - o carro vassoura nas medidas a favor da protecção dos adeptos à conversa com marc francis tu fazes parte museu estrela da amadora entre o céu e o inferno varzim s.c. a história do mundial de selecções o torino mora no alentejo a paixão do relato 42 resumo da bancada 62
3 ontem, hoje e amanhã 104 a febre dos cromos rapid viena x austria viena 84 88 92 90 94 100 96 78 roma caput mundi standard Liège x anderlecht arte de rua brescia x ascoli salgueiros x beira-mar cultura de adepto sc braga x moreirense fc 98 74 casos insólitos deste mundial

O fim do ano aproxima-se e com ele o fim de um ciclo. Os nossos antepassados viam neste período uma oportunidade para poderem renovar as próprias esperanças e, ao mesmo tempo, corrigir o que de errado foi feito. Assim, quem sabe, talvez o próximo ano seria melhor.

Ainda hoje vemos isso nos habituais rituais que são parte da nossa cultura e tradição. Porém, ao contrário do passado, hoje é apenas uma questão de simbolismo. De grosso modo, ninguém quer mudar nada, vai ser tudo igual para não dizer que vai mesmo ser pior. É a sina que, ano após ano, nos invade e nos conduz para o espectável caminho que parece já ter sido percorrido vezes sem conta. Devem estar a questionar-se sobre o porquê desta introdução para o editorial da Cultura de Bancada. Pois bem, é simples!

Acabamos o ano com várias notícias incríveis para o futebol e por natural consequência também para os adeptos mas, como sempre, nada vai mudar. Começamos com o anúncio de uma nova alteração à lei contra a violência no desporto que vem atacar ainda mais a alma do futebol – os adeptos. Temos um Mundial a decorrer no Catar, uma sociedade completamente alheia aos valores que defendem a dignidade humana, graças à corrupção e aos corruptos que inundam o futebol. Ficamos a saber que a próxima edição da vergonhosa Taça da Liga vai ser jogada num país estrangeiro e só por quatro equipas e, ao mesmo tempo, assistimos à desvalorização da Taça de Portugal que se joga a horários impróprios e pouco dignos! Podíamos continuar mas achamos que a desvalorização das competições internas, a legitimação da corrupção e a ausência de

Redacção

Cruz

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valorização da vida humana associadas com o ataque que vão fazer aos adeptos já devem ser motivos de sobra para refletir. Percebem agora a introdução? Para o ano vai ser tudo igual, para não dizer pior, e só podemos agradecer a todos nós por vivermos assim! E porque continuamos assim? Esta é fácil, porque o povo só parece saber olhar para o seu umbigo. É evidente a enorme vontade de saciarem os próprios interesses, enquanto viram a cara aos problemas dos outros os quais, mais cedo ou mais tarde, também os vão afectar. Haverá sempre quem não faz nada mas sinta que pode opinar sobre tudo “só porque podem”. É o nível dos eruditos portugueses que vivem fechados na sua ilha mas afirmam querer mudar o “mundo”. A essa gente não falta moral, mas a nossa paciência esgota a cada dia que passa. As mesmas vozes

que se queixam de não ter “casa” pertencem aos mesmos corpos que não dão os braços para a construirem. Será que não basta de serem tão pequenos e miseráveis? Saiam das sombras todos aqueles que não procuram nada mais do que honrar os seus valores. Basta de figurantes como temos visto no Catar... e à nossa volta. Caso não haja uma verdadeira iniciativa da nossa parte, então devemos aceitar o futuro que escolheram para nós.

Vocês já pensaram no tempo que perdem a queixar-se? Já pensaram no que podiam fazer de positivo nesse mesmo tempo? No mínimo queixem-se e tentem mudar alguma coisa, por mais pequena que seja. A escolha é vossa e a vida também.

Com a certeza que existir não é só ocupar espaço, deixamos votos de boas festas para quem existe e resiste!

Design

Revisão A. Pereira Convidados

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PORTUGAL - O CARRO VASSOURA NAS MEDIDAS A FAVOR DA PROTECÇÃO DOS ADEPTOS

O Cartão do Adepto voltou para os confins de onde nunca deveria ter saído. Contudo, a sua derrota no fim de uma legislatura acabou por nos deixar a braços com uma legislação ao estilo de uma manta de retalhos. Muitas incongruências, a manutenção das zonas de acesso e permanência de adeptos e os bilhetes nominativos para acesso a estas zonas.

Se é certo que desde sempre fomos apologistas de uma revisão séria à Lei 39/2009 parece que o Natal para nós chegou mais cedo.

Ao legislador, após a derrota do Cartão do Adepto, era preciso enviar à sociedade civil um sinal que o “combate à violência” continua a ser uma bandeira política, e que se mantém como prioridade. O que podia até ser algo de valor, não fosse o legislador português estar sempre sentado ao volante do carro vassoura das melhores práticas em vigor em outros países.

Foi no mês de Outubro que fomos presenteados, com toda a pompa e circunstância, com o novo pacote de medidas destinado a reforçar o “combate à violência” no desporto.

A secretaria de estado da juventude e desporto mudou a cara de quem a liderava mas nem por isso foram alteradas as prerrogativas - nas linhas gerais destas propostas, continuamos a ser perseguidos por medidas securitárias, vazias, obsoletas e profundamente erradas.

A primeira medida que logo foi anunciada como o remédio santo contempla a criminalização da posse e deflagração de engenhos pirotécnicos - não fazendo esta medida parte da alteração da Lei 39/2009, uma vez que terá de passar, sim, por uma alteração à lei das armas.

Pretende a nossa sábia secretaria

de estado equiparar a moldura penal que pretende aplicar à criminalização da pirotecnia a crimes de lenocínio e tráfico de influências. Aliás, os autores que anunciam estas medidas como a última coca-cola do deserto são os mesmos que comentam que o “uso de very lights vai ser criminalizado”. Senhores - podiam ter enviado email à APDA que nós teríamos explicado que o uso de very lights nunca deixou de ser crime, e na verdade, ninguém usa very lights. Por outro lado, foram ainda anunciadas como a criminalização do apoio a GOAs não registados, ou que as forças de segurança impeçam a entrada ou permanência de adeptos identificados por atos de violência previamente ao espetáculo desportivo, alargar o âmbito de aplicação da medida cautelar de interdição a recinto desportivo. Mais - que os Organizadores possam agir, obrigatoriamente, contra os clubes nos casos em que os seus adeptos pratiquem a promoção da violência (em que inclusivamente se possa agir contra adeptos que não sejam sócios, ao abrigo de sabe-selá-que-tipo-de-relação-institucional), ou que o crime de Dano passe a ser considerado crime público e com pena agravada em contexto de grupos de adeptos. Uma nota importante que interessa sublinhar, é que a proposta de lei está neste

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momento elaborada mas ainda não é pública, e por esse motivo, a pronúncia por parte da APDA terá necessariamente de esperar pela sua publicação oficial - antecedida de uma análise rigorosa. Apesar de não termos tido acesso ao texto oficial, podemos desde já avançar com diversas conclusões. Na elaboração desta proposta, foram solicitados pareceres ao Conselho Nacional de Desporto, e às Federações Portuguesas de Andebol, Voleibol, Basquetebol e Patinagem. Aliás, toda a gente sabe que a patinagem é um desporto que congrega uma fatia muito significativa de incidentes de violência nos recintos desportivos…. E as nossas conclusões? Desde logo, foram anunciadas ZERO medidas de inclusão, de fomento à participação da massa adepta dentro dos seus clubes. ZERO medidas que façam dos adeptos os parceiros certos de trabalho, como já afirmamos ser crucial. Foram aprovadas ZERO medidas que clarificam a actual legislação em vigor. Foram projectadas ZERO medidas que sequer, incluam na Lei 39/2009 o Adepto como personagem, nos termos mais básicos da Convenção de St. Denis (ratificada por Portugal, mas com aplicabilidade nula - talvez só tenha sido assinada para não parecer mal). Somos da opinião que não devia ser o Estado a promover este tipo de medidas como deveres ou obrigações - não devia ser o Estado a obrigar os clubes demais instituições a construir diálogo com o seu maior activo. Mas já que ninguém o faz de livre vontade, então passa a ser um dever do Estado promover esta dialética. É transversal a praticamente todas as medidas que mencionamos acima, uma simples palavra, à qual os adeptos portugueses já se começam a habituar, pelos piores motivos - repressão. Os adeptos portugueses deixam de ter direito ao contraditório e a uma defesa digna dia após dia. Os adeptos portugueses deixam de poder confiar que o Estado quer

mesmo ambientes positivos nos recintos desportivos, porque não quer. Não pode querer, à luz destas medidas.

O Legislador vê o desporto como algo acessório nas suas legislaturas, onde é sempre mais fácil mostrar a faca e o queijo na mão para manter a sociedade civil satisfeita no imediato, mostrando que está em cima do acontecimento e que pune de forma eficaz, atenuando os braços no ar de quem reclama que o desporto é terra sem Rei nem Roque. Mas fá-lo mal. Muito mal vamos quando até nas competições europeias, a própria UEFA e os clubes estrangeiros chegam ao nosso país, movidos pelo sonho da taça, e são confrontados com a repressão a que diariamente somos sujeitos. E o Natal ainda não chegou e já temos mais presentes deste calibre - se já estávamos mal, podem acreditar que vai piorar.

Esta Associação tudo fará, como anteriormente já demonstrou, para estar do lado dos únicos que querem um futebol vivo, com liberdade, com proporcionalidade, e com medidas que façam corar outros países e todos os que nos visitam. Podem contar sempre com a APDA na defesa intransigente, sóbria e séria dos direitos dos adeptos - doa a quem doer.

Por Martha Gens, Presidente da Associação Portuguesa de Defesa do Adepto

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TU FAZES PARTE MUSEU ESTRELA

Em meados de 1951, na Amadora, à época em processo de franca transformação de uma simples região para veraneio e de abastecimento de produtos e de mão-deobra à capital para uma zona industrial que crescia demograficamente a olhos vistos, dirigentes e associados do mais conhecido clube desportivo da vila, o C. F. Estrela da Amadora, têm a ideia de construir uma sede social.

AMADORA

esforço, que os atletas sejam persistentes, urge que cada sócio do Estrela encontre meio de ajudar o Clube (…). O futuro do Estrela da Amadora está, portanto, nas mãos de todos nós, na nossa vontade decisiva de o fazermos progredir (…). É necessário: mais sócios, mais cimento, mais tijolos, mais trabalho e mais livros. Mais e melhor”. A nova sede, inaugurada logo em outubro, após o trabalho voluntário de vários associados, tornar-se-ia

Pela mesma altura, no boletim do clube, anunciava-se o seguinte: “Ao empreender esta árdua missão conta-se, evidentemente e em primeiro lugar, com o poder de trabalho da grande maioria da laboriosa massa associativa (…) que por meio da força conjugada do trabalho e persistência se pode conquistar o que os cépticos e os derrotistas consideram impossível. (…) Não basta no entanto que os artífices dêem o seu

num interessante espaço de sociabilização, chegando a receber atividades culturais e recreativas, algo que, em parte, refletia as diversas inquietações de uma população operária crescentemente letrada e politizada. Disto mesmo temos notícia, alguns meses mais tarde, quando se anunciava que aí os associados davam-se “ao prazer de leitura”, através da pequena biblioteca instalada (incluindo “livros proibidos” pela ditadura do

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Estado Novo), enchiam o seu bar, organizavam diversos jogos populares, das “damas” e da “bisca” ao “dominó” e ao “xadrez”, passando até pelo “jogo ilegal” e pelo “bilhar”. Noutra geografia, mais propriamente em Turim, Itália, no mesmo ano de 1951, é fundado por adeptos do Torino F. C., o mais bem-sucedido clube da região até esta década, o Gruppo Sostenitori Granata (traduzindo, o “Grupo dos Simpatizantes Grená”), após reuniões contínuas no Bar Florio, sendo o primeiro grupo organizado de adeptos oficialmente constituído nesse país. Mais tarde, é a partir deste grupo que são criados dois outros grupos, ambos fundamentais, à sua maneira, no apoio ao clube e no envolvimento associativo em torno do mesmo: a Associazione Tifosi Granata e o Gruppo Fedelissimi Granata.

dirigentes, funcionários e jogadores, algo que mudaria os destinos daquele que era um dos grandes clubes europeus à época. No entanto, é exatamente deste infeliz acontecimento que floresce um movimento heterogéneo de apoio efetivo, da mais variada ordem, ao clube. Era fundamental ajudar o clube financeira e logisticamente nesta fase. Para tal, prepararam-se diferentes formas de representar as preocupações, as ânsias e as ideias dos adeptos. Tal é evidente pela própria criação do jornal dos adeptos do Torino, denominado Toro, sendo incisivos na hora de fazer valer a sua voz junto dos dirigentes, tendo em mente apenas o interesse pelo passado, presente e futuro do clube.

Embora os exemplos não se esgotem no Torino, estes grupos estão intimamente ligados à génese de um modo festivo de estar nas bancadas e de viver o clube, posteriormente resultando na consistência daquilo que viria a ser anos mais tarde a chamada subcultura ultra. Aqui chegados, julgamos importante para a nossa exposição, antes de mais, enquadrar e aprofundar o seu surgimento. A 4 de Maio de 1949, acontecia o desastre de Superga; o avião que levava a equipa granata de Lisboa para Turim, após jogo particular contra o SL Benfica, no Estádio do Jamor, em jeito de homenagem ao capitão luso Francisco Ferreira, despenha-se já em Piemonte. Aí morrem 31 pessoas, entre elas

Mas porquê resgatar estas histórias hoje? É-nos relativamente fácil, no momento presente, especialmente quando a mercantilização do “desporto-rei” é por demais evidente, olvidar o papel que o futebol e, consequentemente, os clubes e os adeptos podem preencher na sociedade, em geral, e nas comunidades locais, em específico. Com isto em mente, balizemos as premissas de onde partimos para este ensaio que pretende, sobretudo, refletir em torno da cultura de bancada de hoje, que tantos de nós constroem quotidianamente. Em primeiro lugar, entendemos aqui o futebol não como um mero “espelho da sociedade”, e então da pluralidade e das tensões subjacentes a uma contemporaneidade globalizada, fluída e fragmentada, mas um dos possíveis “recursos culturais” na hora de constituir, produzir, representar e cogitar sobre essa mesma contemporaneidade. Em segundo lugar, devemos ter em conta a importância que as práticas associativas, neste caso relacionadas com os clubes, têm em momentos como os que vivemos – as democracias, tal como as conhecemos, vão sendo postas em causa, as polarizações ou divisões extremadas dentro da nossa sociedade são algo a que não podemos desviar os olhos e as injustiças sociais e as desigualdades socioeconómicas

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não cessam de proliferar. Os clubes ao atingirem o seu potencial sociocultural poderão facilitar na ativação e sustentação de uma educação democrática virada para a cidadania responsável, mormente junto dos mais jovens, o que poderá fornecer ferramentas úteis para os atuais e futuros desafios da Humanidade. Em terceiro lugar, os adeptos terão de ser compreendidos na sua complexa teia de relações sociais, inter e intra-grupais, que forja identidades e sentimentos de pertença específicas, mas que se revela peça-chave na hora de (re) definir a esfera onde se inserem.

de responder às componentes mercantis e televisivas do processo de conceptualização do futebol enquanto “espetáculo”, tendo como inspiração o exemplo inglês. Arriscamos mesmo dizer que o desvio do modelo associativo para o modelo empresarial associado aos clubes (recordemos a criação do conceito das SADs ou, mais recentemente, o fenómeno da “tokenização” de clubes e federações), onde os associados supostamente não perdem direitos ao tornarem-se acionistas – numa espécie de “reconhecemos enquanto associados os que consomem” –, é um dos principais motivos para que a escamoteação da referida capacidade dos adeptos nos seja apresentada como inevitável. Ao mesmo tempo, provas temos de que o “pôr mãos à obra” e agir para fazer face à realidade descrita – a mesma onde, curiosamente, cerca de 75% dos adeptos não se sentem envolvidos ou ouvidos pelos seus clubes – está perfeitamente ao nosso alcance. Reportando, a título de exemplo, ao caso inglês (de onde irradiaram boa parte das transformações afetas ao futebol), podemos salientar que é precisamente nos anos 80 e 90 que se lançam as bases para um ativismo que parte dos adeptos. Logo após o desastre de Heysel, em 1985, é criada a Football Supporters Association; entre 1991 e 1992, são vários os protestos organizados por adeptos do Arsenal e do West Ham, por exemplo, em resposta às alterações sobre a venda de bilhetes de época que os seus clubes engendraram; durante as últimas duas décadas do século XX, era comum circularem diversas fanzines que chamavam a atenção sobre o papel dos adeptos na proteção de uma dimensão ética, democrática e participativa do futebol. Estes são apenas pequenos exemplos que demonstram a pronta ação em torno da defesa de um futebol virado para as pessoas e para as preocupações sociais. Hoje são múltiplos os casos de projetos que se envolvem, junto de organizações federativas, na exigência de

Longe de passarmos algum tipo de receita, pretendemos somente apontar, através de exemplos que, por diferentes razões, nos tocam pessoalmente (e que se reportam a uma conjugação entre história, património, futebol, clube e comunidade local), a capacidade que os adeptos possuem de levar avante e colocar em prática projetos socialmente impactantes. Esta capacidade pode ser escamoteada naquela que denominaremos como a última e presente fase da evolução da cultura adepta em Portugal. Uma fase que corresponde a um tempo de “novos estádios, novos adeptos”, da década de 1990 em diante, na qual assistimos a várias alterações na economia política do futebol, traduzidas a partir da legislação renovada (no sentido de modernizar a gestão dos clubes e de melhor controlar as interações entre adeptos) e dos recintos produzidos. Estas são transformações que, em parte, se coadunam com a necessidade 10

um futebol que responda às preocupações de uma determinada comunidade; na reivindicação, junto de clubes, da importância que determinados valores ou propósitos têm para a maioria dos respetivos sócios; ou na invenção de ideias socialmente impactantes a partir do universo associativo. Aliás, este tipo de intervenção “socialmente comprometida” estende-se inclusive àquilo que muitos grupos organizados, filhos da subcultura ultra, têm feito ao longo das últimas décadas, em contexto nacional e internacional.

No seio deste tipo de opções interventivas via futebol encontramos alguns projetos que procuram agregar o valor histórico e patrimonial afeto a um clube ao potencial que um projeto criado por adeptos pode atingir para a comunidade a que se destina. Em seguida, passaremos a descrever três casos que, direta e indiretamente, nos inspiraram (e continuam a inspirar) aquando do desenvolvimento de um projeto do qual fazemos parte – o Museu Tricolor –, e que será discutido no final deste ensaio. O primeiro exemplo diz respeito ao Huddersfield Town Heritage Project (em português, “Projeto Patrimonial do Huddersfield Town”), nascido em 2003, partindo da crise que o clube inglês atravessou pela mesma época. Após uma recolha de fundos encetada por iniciativa dos adeptos, com o intuito de salvar o clube da bancarrota, havia algum dinheiro de sobra. A Huddersfield Town Supporters’ Association decidiu estudar a viabilidade de criar um

espaço que reunisse alguns elementos da história do clube. Parte desses fundos foram usados, posteriormente, na criação de um website que hoje agrega diferentes conteúdos (aí temos a possibilidade de pesquisar sobre os seus arquivos e coleções digitais, de visualizar pequenas entrevistas, de ler artigos e, ao mesmo tempo, de aceder a ferramentas pedagógicas para os mais jovens). Tal só foi possível devido, não só à ação coletiva que permitiu a angariação monetária necessária, mas também à generosidade de alguns adeptos colecionadores. Entre tudo isto, destacamos a capacidade voluntária em torno da investigação histórica que resgata episódios esquecidos, mas fundamentais para a sua comunidade e para algumas discussões contemporâneas – referimo-nos, por exemplo, à pesquisa em torno da importância das equipas femininas de futebol, na região e no clube, antes e depois da sua proibição em Inglaterra. No segundo caso, temos obrigatoriamente de nos reportar àquele que é um dos projetos mais paradigmáticos da área em questão: o FC St. Pauli-Museum. Constituído oficialmente em 2012, através da associação de adeptos 1910 e.V. (os seus associados têm o direito de contribuir com ideias e definir o rumo do projeto), o plano de criar um museu afeto ao Fußball Club Sankt Pauli, de Hamburgo, parte de conversas decorrentes da exposição em torno do centenário do clube. Após alguns meses, em 2010, o tema era abordado em assembleiageral, mas o projeto não foi levado em frente pelos dirigentes. Neste sentido, alguns adeptos percecionando a importância de contar a peculiar história do clube e, ao mesmo tempo, entendendo-o como ferramenta socioeducativa, metem mãos à obra. Apoiados por outras associações de adeptos afetas ao clube (a realidade alemã é conhecida pela forma como os fan-led projects se inserem no quotidiano desportivo e social), incluindo o grupo Ultrà Sankt Pauli, conseguem garantir dezenas de voluntários

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e doações, o que lhes permitiu planear de forma concreta o seu sonho. A sua pressão junto dos dirigentes do clube deu frutos e acabam por garantir, anos mais tarde, um espaço definitivo. Se o ano de 2020 marca a primeira grande exposição definitiva do museu, antes o seu trabalho já era bastante palpável. Assim, guiavam todas as visitas ao estádio, constituíram um serviço educativo estimulante, inauguraram uma loja de apoio, organizaram o primeiro arquivo do clube e, principalmente, apresentaram importantes exposições que enquadraram a história do FC St. Pauli, da horrífica era nazi à transição, nas últimas décadas do século XX, de um pequeno clube de bairro para um dos mais conhecidos da Europa, devido à pulsante atitude políticoativista dos seus adeptos. O terceiro e último exemplo cheganos, mais uma vez, de Itália. Enquadrado pela Associazione Memoria Storica Granata, uma associação de adeptos do Torino F. C. que pretende resgatar o património material e imaterial afeto ao clube, o Museo del Grande Torino e della Leggenda Granata é lançado em 2002, tendo sido o seu espaço definitivo inaugurado em 2008, precisamente 59 anos depois do desastre de Superega. Este projeto, idealizado em exclusivo pela dedicação de adeptos-voluntários, tem como finalidade social a aquisição, catalogação e conservação de qualquer objeto, fotografia, texto ou memória, mesmo em formato oral, referente à história do seu clube. Tantos anos depois, o espírito associativo está bem vivo em Turim. Destes três exemplos sobressaem duas ideias-base que marcam, transversalmente e de modo geral, os seus projetos. Em primeiro lugar, a ideia de que os museus desportivos podem ser muito mais do que meros repositórios da celebração de vitórias e heróis, apesar destas/destes serem importantes; a partir da investigação e apresentação de micro-histórias relacionadas com o clube e com os seus adeptos que se ligam a macrohistórias locais, nacionais e até internacionais, surge a excelente oportunidade de criar um

espaço comum de partilha de memórias e opiniões que ajudarão a criar novas e variadas conexões entre pessoas e/ou comunidades. Em segundo lugar, a forma como estes projetos são construídos pode possibilitar a constituição de ambientes propícios para a contínua aprendizagem informal, algo que complementa, por exemplo, a educação escolar.

O projeto do Museu Tricolor acabou por se inspirar, em parte, nestas iniciativas. A ideia para a criação de um possível museu “estrelista” partiu de algumas conversas, no início de 2021, entre algumas pessoas da nossa equipa, sobretudo com o conhecido adepto e colecionador estrelista Marco Fernandes, em torno da perceção de que o património do maior clube da nossa cidade, o Clube de Futebol Estrela da Amadora, se encontra espalhado por diferentes lugares e pessoas. A tal acresceu o perigo deste património desaparecer, tanto pelo seu mau estado de conservação, como pela sua constante alienação, desde a insolvência do clube em 2011. Além disto, assinalemos que a progressiva revitalização do clube ofereceu ainda uma motivação extra para agir.

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O projeto museológico a ser criado tenderá a ser apoiado pelo grupo Magia Tricolor, alicerçando-se no trabalho desenvolvido pelo mesmo grupo que, enquanto herdeiro da cultura interventiva ultra, tem agregado vários associados, democratizado muitos dos debates em torno dos assuntos que afetam o Estrela e organizado muita da ação direta no terreno em prol do clube. Ainda que tenhamos como característica fundamental a nossa independência, considerando esta uma iniciativa bottom-up, este processo está a ser desenvolvido em parceria com o clube, pois este não existe sem os sócios e adeptos, nem estes existem sem o clube. Neste sentido, este projeto destina-se, em primeiro lugar, aos restantes sócios, adeptos e todos quantos sentem uma ligação ao clube; em segundo lugar, queremos também chegar a quem nasce(u) e vive(u) na nossa cidade – uma cidade com uma forte matriz multicultural e com um importante passado operário. Acreditamos que o clube (e tudo o que o envolve) tem a capacidade de influenciar positivamente as gentes da sua cidade e de contribuir para a sua coesão social. Fundamentalmente, o projeto enquanto movimento informal pretende, antes de mais, estabelecer bases de conhecimento sólidas que contribuam para a futura implementação física de um museu que entrecruze as histórias do clube com o das comunidades envolventes, mesmo que tal tarefa seja continuada, no futuro, por outros associados. Catalisar pessoas durante este processo é também em si um dos nossos objetivos. E o que temos feito até hoje? De maneira geral, temo-nos dedicado voluntariamente à reunião de documentação e de alguns objetos patrimoniais e à investigação histórica em torno do clube. Ambicionamos ainda iniciar a conservação preventiva da coleção assim que possível. Em maio de 2021 foram lançados os nossos espaços digitais (redes sociais – Museu

Tricolor CFEA – e website provisório). Além da presença em algumas conferências, fomos ainda recebidos em museus desportivos, tanto em Portugal como noutros locais da Europa, tendo em vista a partilha de experiências. No futuro, desejamos definir, em conjugação com o clube, e de forma mais concreta, os locais afetos ao arquivo e à coleção reunida, assim como ao futuro espaço museológico. Para terminar estas notas soltas que refletem sobre a capacidade de ação dos que constroem aquilo que é e pode ser a nossa cultura de bancada, recordamos um simples banner exposto há uns anos por adeptos do F. C. United of Manchester, um clube criado por uma base de pessoas que não se reviam no aspeto comercial suscitado pela dinastia Glazer no Manchester United: “Brothers and Sisters Can’t You See? The Future’s Owned by You and Me!”. Se o projeto do Museu Tricolor pretende preservar e partilhar o património material e imaterial associado ao Estrela, tendo em mente a participação comunitária num espaço compartilhado que promova lazer, educação e inclusão, o vosso pode ter objetivos e finalidades totalmente variados, numa área de intervenção diferente. O imprescindível é termos a audácia de fazer ouvir a nossa voz, de acordar a dimensão associativa nos nossos clubes, independentemente da sua dimensão, e de sonhar juntos enquanto pomos a mão na massa. Por “mais e melhor”.

Por Daniel Freire Santos

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No meu mundo das tattoos o futebol também é rei! Como vimaranense, e obviamente vitoriano, alegro-me por conseguir manter este meu bairrismo naquilo que mais gosto de fazer - as tatuagens. Desde o começo da minha carreira, em 2002, que o futebol tem grande importância. Isto porque quando comecei a tatuar já integrava o movimento ultra que existia no Vitória e, com isso, tive a sorte de

poder tatuar com regularidade. Por isso, em abono da verdade, o seguimento desta minha vida, em parte, devo-o aos ultras. Como não podia deixar de ser, o tema Vitória e a cidade sempre estiveram em destaque nas tatuagens que fiz em Guimarães. Sendo que, no início, os pedidos eram comedidos, com elementos relativos ao Vitória em tamanhos pequenos e locais discretos, enquanto que os da cidade eram feitos para dar outra relevância. Isto

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explica-se naturalmente, é um orgulho para os vimaranenses ostentarem a sua paixão relativa a Guimarães e às suas bandeiras. Devido à minha vivência, posso dizer que os temas ultra são os que mais captam o meu poder criativo no momento de elaborar o desenho para uma tatuagem. Para além de que têm uma imensidão de subtemas, que posso juntar ao projeto, tais como: letras, símbolos, materiais e figuras características associadas ao mundo ultra. Também devido à proximidade às claques existentes, e pelo facto de estar atualizado com o que elas desenvolvem a nível artístico, quer no merchandising, quer no grafismo e até nas coreografias, tive a oportunidade de, por várias vezes, fazer projetos para elas usarem. Da mesma forma que também desenhei várias coreografias, apresentadas no Estádio D. Afonso Henriques, das quais me orgulho muito. Com o passar dos anos tatuei um número incalculável de ultras e de tudo um pouco; algumas das maiores tatuagens que fiz são relativas ao Vitória e ao movimento ultra vitoriano. E assim, com certeza, vai continuar porque sei que os vitorianos e os ultras ocupam um espaço especial em Guimarães e têm o espírito, de quem ama intensamente o que é seu, ideal para tatuarem na pele as histórias do seu grupo ou clube. Para terminar, confesso que adoro ir ao estádio e poder ver muitas das minhas tatuagens na pele destes ultras e posso afirmar também que ao fim de 20 anos a tatuar o futebol e os ultras, eles fazem parte do meu mundo das tatuagens. Continuem o movimento e gravem-no para sempre na vossa pele.

Por Hélder Guimarães (Proprius Tattoos)

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O interesse pela tatuagem não era novo, sempre gostei da arte, apesar de ter começado a ser tatuado tarde. Por volta dos 14 anos comecei a interessar-me por música underground, Punk e Hardcore (essencialmente), estilo musical que ouço até aos dias de hoje e de que não abdico por nada. Nesse meio comecei a ter contato mais assíduo com o mundo da tatuagem e, com o passar dos anos, fiz algumas amizades com tatuadores. No entanto, só por volta dos meus 20 anos é que fiz a primeira tatuagem. Tendo um grande amigo meu a iniciar-se nesse mundo e a precisar de pessoas para começar a tatuar, pensei ser uma boa oportunidade. Assim matava dois coelhos de uma só vez, ajudava-o a iniciar a carreira e fazia algo que já tardava em acontecer.

tatuagens que serviram para ultrapassar momentos menos bons da minha vida, pelo meio tenho ainda duas ou três que são só fillins em que o único significado é terem sido feitas por tatuadores que admiro e com os quais tenho uma certa relação de amizade, o que para mim tem muito valor. Nunca pensei em sítios do corpo específicos para fazer uma tatuagem. Normalmente quando idealizo uma é sempre em larga escala, como por exemplo um braço inteiro ou as costas. Pessoalmente gosto mais assim do que ir fazendo várias tatuagens pequenas, mas gostos não se discutem, muito menos ao nível do corpo e do que cada um quer fazer com o seu. Os meus estilos de tatuagem preferidos são o NEO TRADICIONAL, o BLACK AND GREY e o LETTERING que adoro, quase todas as minhas tatuagens têm uma frase ou, no mínimo, uma palavra, que é algo que aprecio bastante. Apesar da tatuagem das minhas costas não ter um estilo que pessoalmente aprecie muito (o realismo), esta é uma peça que eu adoro e acho que está perfeita. Foi um trabalho que adorei tatuar e não podia ter escolhido ninguém melhor para o fazer do que o Eduardo Fernandes, da Exink. Foi ele que idealizou toda a tatuagem, eu apenas dei os elementos base que queria incorporados e, de resto, dei-lhe total liberdade criativa para todo o projeto e isso é, no meu ponto de vista, algo bastante importante numa tatuagem, a liberdade que se dá a um artista para criar uma obra de arte é fulcral para que esta seja bem realizada. Penso que essa liberdade vai dar ao tatuador

Desde esse dia foram muitas as tatuagens que fiz. O que me leva a fazê-las é sempre o meu estado de espírito misturado com o gosto pela arte. Para mim, as tatuagens têm algo de terapêutico, sempre que me sinto emocionalmente mais em baixo é quando sinto uma maior necessidade de me tatuar, vejo isso como algo bastante libertador, o poder de deixar de sentir uma dor que nos fragiliza (dor emocional), como a perda de alguém que nos é chegado, por exemplo, e transformar essa energia negativa em algo positivo, como a homenagem a essa mesma pessoa, algo que terás para a relembrar para sempre (em conjunto com a dor física). Quanto ao significado das minhas tatuagens, resumem-se à união, família e amizade, algo que a música Hardcore me transmitiu desde muito cedo, sendo valores que prezo bastante até hoje e para sempre. Para além disso, tenho 16

mais entusiasmo para criar uma peça única. Acho que nenhum tatuador quer que cheguem à beira dele e digam: “quero isto!”, “quero fazer este infinito” ou o típico “quero fazer isto que vi na net”. Imagino que nestas situações estes não tenham tanta motivação para tatuar (e alguns até se recusam a fazê-lo), pois não lhes dá tanta liberdade criativa. A minha experiência pessoal foi dar liberdade ao tatuador para criar algo que lhe desse prazer, foi assim em todas as minhas tatuagens (umas mais que outras) e até hoje não me arrependo minimamente. Passados 15 anos e com todas as tatuagens que já fiz, posso dizer que nunca me arrependi de nenhuma, todas elas contam uma história, seja boa ou má. É por isso que não sou apologista de tapar/remover tatuagens, se elas estão lá é porque em algum momento da minha vida fizeram sentido, é um pedaço da minha história, nem que seja para olhar para elas como um aviso, de que não devo cometer o mesmo erro duas vezes. Penso que esta é a diferença entre quem tatua o corpo por algum tipo de sentimento e quem o faz apenas por moda. Eu poderei olhar para uma tatuagem minha, pensar que foi um erro e retirar algo de positivo disso, alguém que tatue somente por moda ou vaidade e sem conteúdo, se se arrepender de uma tatuagem apenas vai pensar porque é que tatuou aquilo se nem sequer lhe diz nada, ou seja, não tirará nenhum tipo de positividade da experiência. Já não tatuo há mais de um ano, mas ainda estou longe de ter terminado, penso que não vale a pena apressar uma ideia só por querer tatuar, pois posso depois olhar para a tatuagem e pensar que não era bem aquilo que queria e isso não é de todo entusiasmante. Mais vale esperar e, com calma, tentar idealizar algo que ficará para sempre marcado no meu corpo. Nos últimos anos penso que o mundo da tatuagem tem vindo a ser mais aceite pela sociedade, talvez um pouco devido ao que falei acima, de para muitos ser uma moda,

já não são só os underdogs a fazerem-nas, mas também pessoas com uma visibilidade notória, o que leva a que as pessoas que admiram esse tipo de celebridades tentem seguir o seu modo de vida o máximo que conseguem. Infelizmente, ainda existe muita gente que não consegue aceitar as escolhas de cada indivíduo, julgando e colocando rótulos da “idade da pedra”. Cada um é livre de fazer o que bem entender com o seu corpo e, não deveria ser alvo de estereótipos, preconceito ou exigências de uma sociedade “apetrechada” ainda de muita ignorância e de uma “fanfarronice” mesquinha que já devia ter sido ultrapassada. Penso que um dia teremos uma sociedade mais inclusiva e menos mesquinha, pelo menos no que toca a este tema. Por outro lado, no meio das subculturas, como o Punk e o Hardcore, assim como nas claques de futebol, a tatuagem já é vista como uma situação normal e até mesmo algo a ser exibido com orgulho. Se é bonito, se é considerado uma arte, porquê esconder?!? Por fim, gostava de agradecer o convite para escrever este texto e, aproveitar ainda para dar a conhecer três artistas que acho que vale a pena os leitores conhecerem, por serem ótimos profissionais, são eles:

Eduardo Fernandes – Exink (Braga) Orfeu Meireles – Orfeu Custom Tattoos (Gaia) Rato 54 – FatCat Tattoo Studio (Porto)
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Por Bruno R.
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Apesar da infeliz e enorme mancha de sangue que circunda o Mundial 2022 da FIFA e do Catar, o evento é incontornável. Já está na história, da qual o Futebol uruguaio faz parte desde a primeira edição do campeonato do mundo. O Uruguai é um país “pioneiro”. Embora seja uma nação de cerca de 3 500 milhões de habitantes e de um curto território, que faz dela o segundo menor país da América do Sul, é mítico dentro e fora do campo. A sua história mistura-se com a portuguesa, uma vez que chegou a ser a colónia “Província Cisplatina”, a partir de 1821. A independência uruguaia deu-se em 1825 após disputas armadas entre os nativos indígenas, os portugueses, os espanhóis, os vizinhos brasileiros e argentinos. O país tornou-se um exemplo a nível mundial na implementação de medidas a favor dos direitos civis e democratização da sociedade. Hoje, no seu continente, é um dos países com menor desigualdade social e maior qualidade de vida, o que é suportado por uma economia desenvolvida e estável. Estima-se que mais de 88% dos uruguaios têm ascendência europeia e o Râguebi, o Cricket, o Hóquei, o Golfe, o Ténis, o Polo e o Futebol chegaram pela mão dos imigrantes ingleses, isto no final do século XIX. Os colégios e clubes desportivos fundados por britânicos foram fundamentais para implementação da prática de diversos desportos, com maior incidência no “Foot-Ball”. Em 1881, disputou-se o primeiro jogo de Futebol de que há registo, entre Montevideo Cricket Club (1861) e Montevideo Rowing Club (1874). Contudo, só dez anos depois, é que surge o primeiro clube dedicado exclusivamente ao Futebol, o Albion Football Club, ainda hoje em actividade. Outros clubes foram sendo criados, como o caso do Central Uruguay Railway Cricket Club (1891), comandado pelo dono da empresa ferroviária constante no nome do clube e que tinha a sua equipa constituída por funcionários da mesma. Outro marco destes primórdios, é a

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fundação do Club Nacional de Fútbol por jovens estudantes, em 1899. Nesta agremiação havia a condição de que só podiam jogar uruguaios. O desenvolvimento do Futebol deu-se a bom ritmo, contribuindo para isso o facto de cedo se ter constituído uma entidade reguladora da modalidade, neste caso The Uruguay Association Football League em 1900. Esta entidade criou o campeonato nacional e é o embrião da federação nacional constituída até hoje. Os uruguaios tiveram papel preponderante na criação da CONMEBOL em 1916, confederação que rege o Futebol sul-americano. Anos mais tarde, nos anos 20, iniciou-se a “era dourada” da selecção uruguaia, com as conquistas de seis Copa’s América, duas medalhas de ouro dos Jogos Olímpicos e do primeiro Mundial, em 1930. Por essa altura, o mundo já conhecia o primeiro “hincha” da história… O C. Nacional F. contava nos seus quadros com um especialista em trabalhar o couro, de seu nome Miguel Prudencio Reyes Viola, ele que tratava manutenção das bolas e de outros equipamentos do clube. Na América latina e em Espanha, os adeptos são denominados por “hinchas” e esse termo advém do referido senhor ser o “hincha pelotas”, o equivalente à expressão portuguesa “encher bolas. O que torna Prudencio Reyes numa figura carismática do Futebol mundial, é o facto de o mesmo ultrapassar o padrão do adepto “normal” a partir de 1900, uma vez que era muito efusivo no apoio à sua equipa durante os jogos, com muitos gritos de ordem a puxar pelos seus. Reyes foi “inovador” na sua forma de estar na bancada, cativando a atenção de outros adeptos e motivando-os a terem outra postura durante os 90’, cultivando a festa nas bancadas. Por consequência, mais e mais se foram tornando mais interventivos e assim surgiu o termo “hinchada” para denominar os apoiantes entusiastas do Nacional.

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A primeira edição do Campeonato do Mundo da FIFA realizou-se na capital Montevidéu, que acolheu todos os jogos em três dos seus estádios: Centenário, Grand Parque Central e Pocitos. A média de aficionados presentes nos dezoito jogos da competição foi de mais de 24 000, com o total a perfazer mais de 434 000 curiosos. Os mais de 90 000 presentes no Estádio Centenário para assistir à final entre os vizinhos uruguaios e argentinos ajudaram a avolumar estes números. A rivalidade já estava enraizada e “reza a lenda” que, como a final dos Jogos Olímpicos de 1928 tinha sido vencida à Argentina, os uruguaios tinham a certeza de quem iriam enfrentar na final. Então, a pressão psicológica aos argentinos foi tremenda. No caminho até ao grande jogo, há relatos que, à noite e a partir da rua, os visitados perturbavam o sono da comitiva do país das Pampas. Não obstante, mais de 10 000 argentinos atravessaram o Río de la Plata esperançosos na sua selecção. Na fronteira, foram todos revistados, com o propósito de impedir a entrada no país munidos de armas brancas e de fogo, dada a tensão difundida. Os jogadores forasteiros relataram várias situações em que sentiram medo de disputar a partida, levando a que o defesa-central Paternoster dissesse: “É melhor perdemos, senão morremos todos aqui.”, durante o intervalo, ao qual a Argentina tinha chegado na dianteira do marcador (1-2). Facto é que a estrela argentina Luis Monti não regressou ao relvado e o Uruguai venceu o jogo com uma remontada, finalizada em 4-2. Nos festejos, foram audíveis tiros para o ar. Entretanto, a rivalidade entre Nacional e Penarol (antigo CURCC a partir de 1914) tinha dado origem ao primeiro e maior clássico uruguaio. São os clubes mais mobilizadores do país que concentra, pelo menos, metade da sua população na capital. Por isso, é natural constatar que, actualmente, treze de dezasseis clubes da primeira liga tenham sede em Montevideu.

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A profissionalização dos futebolistas deu-se a partir de 1932 e a Celeste Olímpica voltou a atingir o patamar mais alto do Futebol quando, em 1950, voltou a erguer a taça do Mundial. Possivelmente, o sucesso mais difícil de atingir, naquela final que foi apelidada de “Maracanazo” e que deixou os mais de 173 000 adeptos brasileiros presentes desolados. Um dos poucos uruguaios presentes no Maracanã era Saúl Torres Negreira. Dias antes, vencera duas vezes o totobola e o prémio foi usado para a oportunidade de uma vida: viajar para o Brasil e assistir ao Mundial. Foi com o seu tio e um amigo, tendo ficado uma semana no Rio de Janeiro, onde viram vários jogos. Depois da grandiosa vitória frente aos anfitriões, Saúl e os seus compinchas foram até à embaixada do seu país, onde comemoraram com as estrelas da selecção e demais uruguaios, tendo inclusive bebido whisky da Taça Jules Rimet, o mítico troféu. Dois dias depois, regressaram à terra natal com uma história gloriosa para contar. Em contraste com o desenvolvimento deste desporto, os grupos de apoio organizado demoraram a surgir. Só no início dos anos 70 se formou o primeiro desses grupos, “La Caterva Aurinegra”, equivalente a “Os Desordeiros Aurinegros”. A origem do nome vem da faixa “La Caterva Presente”, que acompanhava habitualmente o clube. O estilo de apoio do movimento uruguaio em muito se confunde com o estilo argentino, uma vez que ambos surgiram na mesma época e que os países estão “colados” no mapa, com o uso de instrumentos de repercussão latinos, instrumentos de sopro, “tirantes”, “banderas” e “trapos”. Algo que é originário dos entusiastas do Peñarol é a utilização de guarda-chuvas com as cores do clube como adereço de apoio. A hinchada aurinegra foi também a primeira do seu país a usar bandeiras de mastro ao alto, o que não é muito usual na América do Sul. Actualmente, os vários grupos de apoio “carboneros” juntam-se sob o nome “La Barra Amsterdam”, em honra à histórica “Tribuna Amsterdam” que

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sempre ocuparam no mítico Estádio Centenário. Com o crescimento exponencial, a melhoria organizacional das hinchadas e aumento da rivalidade entre elas durante a década de 80, deixou de ser possível as mesmas partilharem a mesma bancada durante os jogos. No caso do maior clássico uruguaio, a disputa pelo espaço na Tribuna Amsterdam levou a sucessivos confrontos. Para evitar tais episódios, as autoridades implementaram a separação de rivais, inicialmente na mesma bancada e à posterior em topos opostos, algo que não teve sucesso até ao final do século XX. Até hoje os adeptos do Peñarol e do Nacional discutem quem é a verdadeira “La Barra Amsterdam”, uma vez que ambas adoptaram esse nome. Em 1980, o Nacional atinge pela segunda vez a final da Copa Libertadores, enfrentando o Internacional de Porto Alegre. O entusiasmo tomou conta de metade de Montevidéu e 30 000 adeptos mobilizaram-se e “devoraram” os 1 000 quilómetros, que os distanciavam da cidade brasileira, em autocarros, carros e aviões. Infelizmente, os anos 90 mancharam esta história. Os confrontos violentos entre adeptos rivais e também com a polícia foram demasiados, nos quais o uso de armas de fogo e de armas brancas era usual, o que levou a que vários adeptos fossem assassinados. O movimento perdeu muito do seu brilho apesar de, nas bancadas, o colorido ser bastante. Uma tradição implementada nas barras e bandas é a de haver churrasco antes dos jogos nas sedes dos grupos, seguido de cortejo até ao estádio. Isto é algo que se assemelha a outros movimentos do continente sul-americano, assim como o facto de diversas hinchadas reivindicarem a apresentação da maior bandeira do mundo, quando cobrem as bancadas com panais de dimensões soberbas. E foi em 2010 que começou a ganhar corpo a ideia de os adeptos

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do Nacional elaborarem uma bandeira gigante, através de membros de um fórum de adeptos. Durante três anos a bandeira foi idealizada, tendo nesse período sido angariados 70 000 dólares entre 5 400 adeptos tricolores, sem ajudas externas, para a produção desta obra. As pinturas ocorreram num espaço temporal de oito meses, pinturas essas que ocuparam os 600 x 50 metros da bandeira, tendo a mesma que ser transportada para o estádio num camião, num momento que contou com a participação de mais de 400 adeptos. No capítulo da repressão, as autoridades implementaram leis para prevenir recorrentes episódios de violência. Os clubes são castigados com vários jogos à porta fechada e existe a chamada “lista negra”, contendo os adeptos interditos de irem a recintos desportivos. Neste momento, a polícia concentra e escolta os visitantes até ao estádio rival, sendo esses adeptos obrigados a apresentarem-se frente a uma câmara de reconhecimento facial, de forma a evitar que os sancionados com interdição voltem aos grandes jogos antes de cumprirem a pena. Apesar disso, no passado mês de Setembro um árbitro suspendeu um jogo, alegando que havia uma arma de fogo visível no sector dos adeptos do Peñarol.

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Por L. Cruz
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ENTRE O CÉU E O INFERNO VARZIM S.C.

Um povo uma paixão O Varzim é um clube com 107 anos de história, com altos e baixos, mas conhecido pela bravura das suas gentes e dos homens ligados ao mar, que sempre se conseguiu reerguer e ultrapassar as dificuldades.

ALMA, RAÇA, ORGULHO E VIDA

É uma expressão que cada adepto ou pessoa que esteve ligado ao clube sente de forma diferente. Não conseguem explicar, mas é algo que se sente, em cada pessoa que nutre carinho pelo Varzim e que acompanhou a vida do clube por perto.

História do Clube O Varzim SC foi fundado em 25 de dezembro de 1915, na altura com a denominação de Varzim Foot-Ball Club. Em 25 de Março 1916, em Assembleia Geral, foi aprovada a designação de Varzim Sport Club. Nesse mesmo ano, o Governo Civil do Porto aprovou os Estatutos do Clube e de imediato foi feito, pelos próprios jogadores, o primeiro campo de jogos, no Largo Cego do Maio (onde atualmente é o Passeio Alegre). Ainda em 1916, foram escolhidos os equipamentos do Clube: camisolas pretas e calções brancos para o futebol, camisolas

brancas com uma risca preta em diagonal sobre o peito para o remo, natação e basquetebol.

Foi também nesse ano de 1916 que o Varzim se filiou na Associação de Futebol do Porto.

Em 1918, o Varzim adotou novo equipamento, que ainda hoje se mantém: camisolas pretas e brancas, às listas verticais, e calções pretos. Na temporada de 1919/20, o Varzim conquistou o seu primeiro troféu – A Taça Eça de Queiroz. Em 20 de Março de 1921 é editado o primeiro número de “A Póvoa Desportiva”, órgão oficial do Varzim Sport Club.

Na temporada 1926/27 o Varzim conquista o primeiro título oficial: Campeão Concelhio da Promoção.

Em 1929, o Clube é autorizado a contrair um empréstimo para a compra dos terrenos, onde atualmente se situa o Estádio – terrenos esses que só foram comprados em 1932. Até então, a equipa de futebol jogou num campo próximo do local onde agora se situa a Basílica do Sagrado Coração de Jesus. Em 1937, a Câmara Municipal da Póvoa Varzim atribuiu ao Varzim, com apens 22 anos de existência, a Medalha de Prata do Reconhecimento Poveiro.

Em 1944 e após 4 anos de interregno na prática do futebol, o Varzim retoma a atividade, iniciando-se pela extinta

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Promoção da Associação de Futebol do Porto e percorrendo todos os Campeonatos do Futebol português, a nível regional e nacional, desde a 3ª Regional à I Divisão Nacional. No ano seguinte, é construída a primeira bancada central no Estádio do Varzim. Na temporada de 1946/47 conquista o 1º título distrital – Campeão da 2.ª Divisão da A.F. do Porto, proeza que viria a repetir na época de 1955/56. Depois, o Varzim abandona de vez a 2.ª Divisão Distrital e, em três anos consecutivos, conquista o título de Campeão da 1.ª Divisão da Associação de Futebol do Porto, nas épocas de 1959/60, 1960/61 e 1961/62, mas só nesta última tem direito a abandonar os campeonatos distritais, já que, na mesma temporada, conquista, igualmente, o título de Campeão Nacional da 3.ª Divisão (campeonato que, nessa altura, era disputado pelos clubes melhor classificados nos Campeonatos Regionais). Logo na época seguinte, o Varzim conquista o título de Campeão Nacional da 2.ª Divisão, subindo automaticamente à 1.ª Divisão, precisamente na mesma época em que participa pela primeira vez na Taça de Portugal (62/63). Já na 1.ª Divisão, o Estádio do Varzim passa por grandes transformações: em 1964 é construída a bancada superior, é feito o arrelvamento do terreno de jogo e construído o campo de treinos. Em 12 de Janeiro de 1966, quando o Varzim comemorava as suas Bodas de Ouro, o Governo atribuiu-lhe a Medalha de Bons Serviços Desportivos. No ano seguinte, a 10 de novembro, é nomeado Sócio Honorário da Associação de Futebol do Porto.

Em 6 de Maio de 1969 é instituído o Conselho Geral e, em 1973, é criado o Jornal “O Varzim”.

Na temporada de 1975/76, conquista o seu segundo título de Campeão Nacional da II Divisão, onde, entretanto caíra. Em 5 de Novembro de 1980, o Governo considera o Varzim como Clube de Utilidade Pública, concedendo-lhe o respetivo diploma.

Em 1982, é ampliado o topo norte do Estádio.

Em 1987, o Clube é dotado de novos Estatutos, Regulamento Interno e Lei Eleitoral: é criado o Conselho Varzinista. Também é criada a Comissão de Obras, que dá início à construção da bancada no topo sul e instituído o Troféu Lobo do Mar. Por altura das comemorações das Bodas de Diamante, no jantar comemorativo, em 16 de fevereiro de 1991, o Governo entrega ao Varzim a Medalha de Mérito Desportivo.

Na época de 1995/96, o Varzim conquista o título de Campeão Nacional da II Divisão B de Futebol, depois de ter garantida a subida à II Divisão de Honra. Por ser considerado, com toda a justiça, o maior clube e o mais representativo da Póvoa de Varzim, a Câmara Municipal atribui-lhe o nome de uma rua a norte do seu Estádio, na Avenida Marginal. Na época 2007/2008 vencedor da liga intercalar, em 2011/2012 vence a 2 divisão B.

Na época 2021/2022 desce à liga 3 onde atua atualmente. Nova direção, nova estrutura, até agora equipa competitiva para atacar a subida. Há melhoria das circunstâncias em todas as estruturas do clube seja no estádio, seja nos balneários, loja, comunicação, assim como na gestão de recursos humanos.

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É de salientar que, nas obras de melhoramento do estádio, vários sócios e adeptos juntaram-se para efetuar as remodelações.

Primeiras bandeiras, emblemas e equipamentos Da fusão do Uniao Foot-Ball Club e do Varzim Foot-Ball Club, exatamente em 25 de dezembro de 1915, na antiga ermida da Senhora do Desterro, na Rua Patrão Sérgio, surge um só clube… O Varzim Foot-Ball Club. Mas precisamente 3 meses depois, numa concorrida assembleia, naquela que seria a primeira sede, na casa nº7 da rua da Ponte, aprovam-se os primeiros estatutos e decidese alterar o nome do clube escrevendo-se, pela primeira vez, o nome: Varzim Sport Club. Na assembleia de 25 de março de 1916 que foi aprovado o projeto da primeira bandeira Varzinista, oferecida por um dos fundadores (José Reina). A bandeira tinha fundo branco, atravessado a partir do angulo superior esquerdo, por uma lista preta em diagonal; no centro aparecia uma composição formada por dois remos cruzados, uma âncora e uma bola de futebol. Marcavam o ecletismo de um clube e de um povo! Nos inícios de 1916, os jovens fundadores decidem que as camisolas do equipamento serão pretas (notória influência académica dos fundadores) e calções brancos. Isto para o futebol, porque

nas outras modalidades como natação, remo e basquetebol, as camisolas eram brancas, mas atravessadas por uma faixa preta na diagonal. Foi em 1918 que o Varzim Sport Club mudou a imagem do equipamento e adotou a indumentária que até hoje subsiste: camisola às riscas verticais pretas e brancas, com vivos vermelhos na gola e nos punhos e calções pretos. Segundo Armindo Graça, a transformação teve evidente influência da forte e numerosa corrente emigratória dos poveiros de Manaus (Brasil), colónia que cultiva o futebol por terras brasileiras, nomeadamente o União Esportiva Portuguesa (entretanto desaparecido) e que traziam novos conceitos e ideias entusiasmantes. É no ano de 1920 que o clube torna público o seu atual símbolo e estandarte: uma bandeira formada por listas pretas e brancas longitudinais, no canto superior esquerdo, um retângulo vermelho com a esfera armilar e sobreposto, um escudete com as armas da Póvoa, uma âncora de dois braços adornados por um rosário e um sol dourado à esquerda, com uma meia lua prateada à direita; em redor do escudete, a legenda Varzim Sport Club.

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Naturalmente que é necessário um “refresh” em algumas mentes, acerca do significado de “Lobo do Mar” no universo Varzinista.

Numa edição de janeiro de 1988, surge uma explicação acerca dessa denominação, inclusive no que concerne ao troféu com o mesmo nome.

Assim,” Lobos do Mar” identifica-se não só com os seus pescadores, como com a própria Póvoa;

Lobos do Mar, lembra de imediato heróis como, Cego do Maio, Patrão Sérgio, Patrão Lapa, Mestre João Liro, Tio Tomás Cavalheira e tantos outros intrépidos pescadores poveiros que, desprezando a própria vida, deram o melhor do seu esforço e valentia para salvar companheiros das garras da morte.

Lobos do Mar é um termo nacional, símbolo de bravura, altruísmo, abnegação e dádiva total, identificado com a Póvoa piscatória e usado pelos maiores prosadores do nosso país. Escritores e poetas, filósofos e pensadores.

Lobos do Mar é sinónimo de força, de raça, de querer, de ambição e de tenacidade. “O próprio troféu, desde 1986, ideia de José de Azevedo e desenho de António José Marques (Tozé), representa o típico pescador poveiro de regresso da faina, com camisola de lã com siglas, catalão e faixa na cintura, na mão direita uma boia e um lampião, tendo na mão esquerda um remo ao alto.

A atual direção esteve muito bem ao fazer renascer a imagem do “velho Lobo do Mar”, ao colocar na bancada sul do estádio uma faixa onde se pode ver essa imagem do pescador experiente e sagaz! O Poveiro Lobo do Mar. Acabe-se por favor, com a imagem do animal marinho, tantas vezes comido por tubarões, que nada tem a ver com a nossa história, nem com as nossas gentes. Muito menos a imagem de um lobo do monte que os “emojis” e figurinhas das redes sociais confundem, deturpando um verdadeiro símbolo do clube que tanto nos orgulha. O Homem do Mar.

Numa explicação mais académica, o composto “lobo do mar”, quando refere um marinheiro velho e experiente, não leva hífen (-), já que as palavras compostas que contêm um elemento de ligação, ou seja, constituídas por nome+de+nome não têm hífen.

Por sua vez, o nome que designa o animal lobo-do-mar, mantém o hífen, uma vez que se trata de um composto que designa uma espécie zoológica, sendo um peixe teleósteo perciforme da família dos anarricadídeos, espinhos na barbatana dorsal, sem barbatanas pélvicas e com dentes cónicos.

Somos descendentes e do mesmo “berço de heróis de bravos marinheiros, Lobos do Mar de ricas tradições...”! Assim, também se escreve o nome Varzim Sport Club

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Por António Vilaverde

À CONVERSA COM MARC FRANCIS

Ao 14º número do nosso projecto decidimos convidar o Marc Francis, membro da equipa de Oficiais de Ligação aos Adeptos (OLA’s) do Eintracht Frankfurt. Certamente que muitos de vós já ouviram falar da força dos adeptos deste clube, pelo que não será difícil perceber o quanto podemos aprender com quem trabalha ao seu lado. Convidamos então os nossos leitores a seguirem atentamente as próximas linhas onde pretendemos abrir a cortina dos bastidores sobre o que de melhor se faz na Europa, e talvez no Mundo.

Como nasceu o teu amor pelo Futebol e pelo teu clube?

Bem, como sou um pouco mais velho que a maioria das pessoas, quando eu era pequeno o meu pai não tinha interesse em futebol por isso ele nunca ia ao estádio. Contudo, o pai de um amigo vizinho era um grande adepto de um outro clube de Frankfurt, que agora é um clube mais pequeno, e então ele costumava levar-nos lá. E era... sim, era bom. Era bom ir lá. Passado estes anos todos, ainda gosto desse clube porque é um clube simpático, mas agora, nada de especial.

Até que houve um dia em que ele disse: Vamos ao estádio grande ver um jogo - Isto foi em 1978, eu tinha 9 anos. Jogámos contra o Bochum. Ganhámos 4-2. E foi assim que tudo começou. Aquele era mesmo o lugar onde eu queria estar, naquele ambiente. Ainda recebi alguns autógrafos dos jogadores - os quais infelizmente já não tenho, porque agora são jogadores realmente famosos, mas não reconhecemos isso quando somos crianças! Foi uma experiência muito boa e, desde então, eu percebi que era ali que eu queria estar e não em outro clube.

Como é para ti viver o teu clube?

Naturalmente, ainda sou um adepto de coração. Serei sempre, mas hoje em dia, tenho um emprego e por isso não posso viver como adepto, o que é triste. É certo que, se ganharmos alguma coisa ou se jogarmos um mau jogo ou perdermos, fico “louco”, mas a verdade é que, agora estou a trabalhar para o clube. Já não estou nas bancadas, já não estou lá para gritar, gritar e apoiar e fazer todas estas coisas que eu gostava de fazer. Agora tenho este emprego.

Como é que olhas para os adeptos do teu clube, a nível pessoal e profissional?

Do lado profissional diria que há vários tipos diferentes de adeptos. Não me cabe julgar quem é bom ou mau adepto. Assim, por um lado, temos os Ultras que dedicam a maior parte do seu tempo a fazer coisas para o clube, como coreografias, e ir a todos os jogos, entre outras coisas. E há também outras pessoas que podem não ser capazes de o fazer da mesma forma, mas ainda assim, ainda que leiam o jornal só para saber “como jogou a minha equipa”, eles continuam a ser adeptos, pelo que ambos os lados são importantes.

No que diz respeito ao aspeto profissional, na verdade somos mais dedicados a lidar com o segmento de adeptos ativos, para os compreender e ao que querem fazer. Devemos compreender isso por instinto.

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Entre as preocupações dos adeptos muitas coisas são semelhantes, mesmo em clubes diferentes, mas as coisas importantes são as que não são semelhantes e isto é necessário saber. Temos de conhecer os rituais especiais e a história que o nosso clube tem, as pessoas que estão no movimento de adeptos que são importantes e porque são importantes. E não tem de ser sempre o capo/líder do grupo. Temos pessoas que, por exemplo, o seu avô foi apoiar o clube e quando chegou a vez dos filhos, estes também foram e fundaram um grupo de apoio e, por sua vez, os seus filhos tornaram-se ultras e agora os seus próprios filhos estão a chegar às bancadas. Estas são as pessoas que precisamos de conhecer, porque eles têm uma história e são pessoas que têm importância. No fundo, são as pessoas para quem se trabalha e para quem se quer realmente trabalhar.

Como chegaste a OLA do Eintracht?

Na verdade, por sorte. Algumas pessoas dizem que é o meu castigo pelo que fiz antes. Vim de um meio totalmente diferente, costumava fazer música e, a certa altura da minha vida, já não queria fazer isso. Na verdade, tinha bastante sucesso a fazer música na Alemanha, por isso até desisti da escola pensando “não preciso disto, posso ganhar dinheiro suficiente, vou ser uma superestrela” e na verdade fiz muitas coisas. Até que um dia, comecei a ir à escola novamente e durante esse tempo não tinha muito que fazer, tinha cerca de 30/32 anos. Foi então que comecei a participar num fórum online que o Eintracht Frankfurt tinha na sua homepage. Era bastante ativo e as pessoas utilizavam-no muito antes do Facebook, do Instagram e coisas do género. Isto era algo novo, era entusiasmante, e todos começaram a participar. Por consequência disso, precisavam de alguém para o moderar e para acolher os membros. Como eu tinha tempo disse “ok, óptimo, vou fazer isto” e a cada 2 ou 3 meses encontrava-me com o OLA que na altura estava no clube. Ele não sabia

nada sobre a Internet, nada mesmo, e eu costumava fazer a ponte. Por essa altura também costumava encontrarme com o CEO do clube para lhe dizer o que se passava lá, porque ele não sabia. Fi-lo um par de vezes, aproximadamente durante os 5 anos em que lá estive, e quando eu tinha 36/37 anos tive uma destas reuniões. Estávamos a conversar e eu disse que estava à procura de emprego. Eles responderam, “portanto, és o tipo que procurávamos”. Eu disse “Hey, tu és louco - eu???? Não... nananana”. Só que, após duas semanas tive a minha primeira entrevista de emprego com os, digamos, CEOs número 2 e 3 do clube, e mais uma semana depois fui ao CEO número um, que conheci nas reuniões anteriores e ele disse “oh, és tu, ainda bem que trabalhas para nós!” de imediato disse “ainda não sabia que trabalhava para ti”. Ele disse: “não, não, está tudo bem”. E esse foi o primeiro dia em que comecei e na verdade fui o primeiro OLA (bem, na verdade não fui o primeiro OLA a tempo inteiro porque quando tudo isto começou na Alemanha, todos os clubes deviam ter, por isso costumavam ter antigos jogadores ou algo do género, apenas para ter alguém lá. Durante algum tempo, isso funcionou - também tivemos durante um tempo muito curto um antigo jogador que era um OLA, mas ele realmente só o fez durante 4 meses). Portanto, acabo por dizer sempre que fui o primeiro OLA profissional a tempo inteiro no clube. Naquela altura tudo era diferente do que é hoje, mas foi aí que comecei - 1 de outubro de 2007, o meu primeiro dia.

Quais os maiores desafios enquanto OLA de um clube com uma massa adepta tão forte e participativa?

É um processo de passo a passo. No que diz respeito ao meu clube, neste momento, somos bastante bem-sucedidos. Portanto, há sempre o risco de as pessoas esquecerem o que manteve o clube durante todos estes anos porque agora podem fazer os grandes

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negócios com muito dinheiro e outras grandes coisas. Estão constantemente a chegar novos adeptos. Tivemos 30000 adeptos em Barcelona e 15000 em Sevilha. Nunca vi jogos fora como estes! Como disse, há muitas pessoas novas a chegar e é preciso ter cuidado para não perder o contacto com a base. Durante muitos anos a forma como jogámos futebol não foi realmente atractiva, confesso que não foi. Mas ir a um jogo do Eintracht Frankfurt sempre foi atractivo. Porque tínhamos os melhores adeptos, tínhamos as melhores coreografias, o melhor apoio e sempre nos divertimos, mesmo que o jogo fosse mau. Por isso, agora não nos podemos esquecer disso. A par de que, quando tínhamos problemas de dinheiro, eram os adeptos que nos mantinham vivos. Nunca, mas nunca devemos esquecer isso. Esse será sempre o maior desafio. Por outro lado, dar o próximo passo, e depois o próximo, evoluindo o nosso trabalho. Neste momento estamos a tentar implementar espaço para todos - na verdade, a ideia principal era focar especialmente as mulheres - mas se alguém for alvo de assédio sexual, se alguma coisa acontecer, então pode ter esse espaço, de modo anónimo, e falar com um profissional presente para obter ajuda. Esse é o próximo passo que estamos a tentar dar.

No teu entendimento, como convivem os adeptos e as instituições que tutelam o futebol na Alemanha? Achas que há um real conhecimento do fenómeno social e cultural da cultura de bancada por parte das instituições alemãs? Isso depende, algumas sim e outras não.

Atualmente pode ver-se isso muito bem nas equipas nacionais alemãs e nos clubes. A equipa nacional está a perder adeptos rapidamente, as pessoas não estão a ver os jogos e isso não se deve apenas ao Catar (que é outra razão). As pessoas simplesmente não vão lá, os jogos já não esgotam. O apoio é mau, talvez pela forma como as novas visões de marketing tratam o futebol e, por isso, os verdadeiros adeptos que costumavam ir apoiar, já nem lá metem os pés. Agora está lá o clube infantil McDonalds, mas também têm o clube de fãs da Coca-Cola e coisas do género. Alguém já parou para pensar que os verdadeiros adeptos não querem isso? Agora, é difícil voltarem atrás e eles reconheceram que algo está a faltar, algo não está a funcionar como deveria! Eles estão a perguntar-se “porque é que as pessoas não vão?”. Isso torna-se realmente útil para nós, nos clubes, por isso podemos dizer “vejam o que aconteceu lá! destruíram tudo, apenas viram o valor de marketing! Criaram slogans como “a equipa” - e fizeram-no online! Durante alguns anos não o usaram porque toda a gente comentava... “és estúpido? o que é que vocês estão a fazer? Ninguém vai dizer isso! Ninguém vai fazer isso!” Quando a equipa alemã ganhava alguma coisa, desde o início dos tempos, eles vinham celebrar para Frankfurt, também onde a Federação Alemã tem sede. Costumavam ir à Câmara Municipal, onde celebravam as vitórias. Então, alguém julgou que isto não era suficientemente grande e decidiram mudar o palco tradicional para Berlim! E assim foi, agora celebram em Berlim porque é a capital da Alemanha. Origina-se aqui uma questão, mas porquê romper com uma tradição que todos adoravam? Porquê? Os adeptos não querem ir para lá, talvez os espectadores queiram ir. Quem quer uma festa pode querer ir lá, mas não os adeptos!

Estou feliz por muitos clubes ainda verem os erros que aquelas pessoas cometeram e não os reproduzirem, pelo menos numa escala tão grande. Ainda assim, o risco está sempre

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presente. Um clube que começa a ganhar dinheiro vai começar a procurar outras formas de ganhar dinheiro e talvez arruinar algo que é importante para ganhar dinheiro. Por exemplo, se olharmos para a Juventus, o que sempre me incomoda é que eles mudam o seu símbolo. Porquê? É uma coisa de marketing, talvez alguém no departamento de marketing tenha dito “oh, precisamos de fazer algo novo!”. Só que os muitos tradicionalistas disseram “este não é o nosso emblema!”. Eles estão a mudar as cores do clube e coisas do género - até parece que se tornam melhores com uma cor diferente!

Por estas razões, e outras, torna-se importante que estejam presentes pessoas que se lembrem dos valores do clube. O movimento em volta dos adeptos na Alemanha faz isso. Eles estão bastante bem organizados, mas também é nosso trabalho fazer isso enquanto OLA’s. Não somos as pessoas mais populares nos clubes porque somos os tipos que dizem NÃO. Por exemplo, o departamento de marketing tem sempre algumas ideias e muitas vezes dizemos “desculpem, mas não podem fazer isso”.

A questão é - tu (como OLA), precisas de ser aceite porque és o único departamento que não ganha dinheiro, à primeira vista. Não vendemos nada, não fazemos lucro. Mas a orientação é, se mantivermos os nossos adeptos felizes, o clube ganhará dinheiro.

Como convivem os interesses comerciais que vemos cada vez mais presentes no Futebol moderno com a preservação dos valores da bancada? Sentes que os adeptos estão despertos para estas problemáticas?

Acho que quanto mais activo és, como adepto, mais tens noção desse problema. Se és um adepto “espectador”, o que não é mau e parece-me totalmente normal, vês mais o teu clube na óptica de “precisamos de mais dinheiro porque precisamos comprar mais jogadores. Não quero saber da tradição, quero ter um clube de sucesso”. Enquanto outros dizem “não estamos dispostos a

vender isto ou aquilo só para ter um jogador em campo, porque isso pode nos destruir”. Então é uma dificuldade, mas, sim, podemos dizer que na cena dos adeptos ativos eles veem isso como um problema.

Qual é o papel dos adeptos alemães na organização do vosso Futebol? Atualmente têm mais peso do que antes? No que diz respeito ao governo é difícil dizer. Os políticos sabem que o futebol é o desporto mais importante e que se nele fizerem alguma coisa ou apenas falarem sobre futebol, automaticamente vão ter atenção dos média, mas na maioria das vezes, quando o fazem é para promover o seu “rigor no cumprimento das leis”. Portanto, se algo acontecer, eles respondem imediatamente “vamos fazer assim e assado, temos de ir com força” e assim por diante, porque isso os faz parecer duros e sabem que os meios de comunicação social na Alemanha vão atrás disso… porque é futebol, interessa a tantas pessoas. Mas eles (os políticos) também estão a aprender que, se não estiverem bem com os adeptos, também podem perder o emprego.

Os adeptos ainda são o inimigo porque os políticos não compreendem as coisas, mas gostam de as usar para serem vistos como “homens fortes”. Na maioria das vezes eles não fazem o que apregoam, acabam por vender algo que ainda não fazem.

Tivemos problemas com o racismo na Alemanha e foi pouco antes de eleições. Portanto, os políticos acabavam por parecer fracos porque não faziam nada contra isso. Então, o que fazem quando algo no futebol acontece como pirotecnia ou o que

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que seja? Dizem todos “temos de acabar com isto”, para que se possam apresentar como homens fortes e capazes. Portanto, normalmente fazem isso em vez de dizer algo tipo “talvez devêssemos ser mais simpáticos com os adeptos”.

Acho que todos precisam de recuar um passo, apenas um passo, e ouvir o que a outra parte tem a dizer, tentando compreender o que os outros pensam. Há razões pelas quais os bombeiros não gostam de pyro e há provavelmente razões pelas quais a polícia procede como procede, mas muitas vezes eles não compreendem porque é que os adeptos fazem o que fazem - e assim, todos acabam por se afastar um pouco um do outro e apenas se ouvem durante um pequeno período de tempo. Tentem comunicar uns com os outros! Nós podemos resolver qualquer problema, mas se não se ouvirem mutuamente, nada disso vai acontecer.

Os OLA’s em Portugal não nos parecem muito valorizados, acabam por ter funções de entregar bilhetes e pouco mais. De que forma é diferente na vossa realidade? Bem, nós não vendemos nem entregamos bilhetes - temos uma loja de bilhetes e gestão de bilhetes para essas funções. O que faço (relativamente à venda de bilhetes) é, por vezes quando temos jogos fora, ajudar à venda de bilhetes na escolha dos adeptos que recebem bilhetes e os que não recebem, porque simplesmente não temos bilhetes suficientes. Às vezes ajudo-os porque conheço a maioria das pessoas, mas por vezes ainda me dão a lista para verificar se está tudo bem ou se falta alguém, ou no caso de algum jogo mesmo importante. Por exemplo, em Barcelona só tínhamos direito a 3000 bilhetes e tínhamos 30000 adeptos que queriam ir. Por isso, é preciso perceber quem recebe os bilhetes e quem não recebe. E este é um dos lados. Não vou entrar pelo lado mau - e estou a certificar-me de que sou entendido corretamente sobre os OLA em Portugal. Eu

sei de onde eles vêm e sei de onde eu vim. Quando eu comecei, tudo era diferente do que eles têm agora. Muito diferente. E levounos muito tempo, a todos os clubes e todos os OLAs de todos os clubes. E eu fui um dos porta-vozes dos OLAs durante 10 anos. Foram anos de exigências, para chegarmos a um nível profissional de OLAs. Começámos a pressionar a nossa associação para pugnar pela existência de um OLA no próprio licenciamento dos clubes. Agora, se um clube quiser estar devidamente licenciado na primeira liga, precisamos de ter 3 OLAs, e se for um clube de segunda liga precisa de ter dois OLAs.

Portanto, trabalhem no próprio desenvolvimento - se vocês são os peritos em adeptos, provem-no às pessoas, ao clube, que são vocês os peritos em adeptos! Tornemse conhecidos.

Ponham a vossa opinião a circular e digam às pessoas “bem, talvez devêssemos fazer diferente, ou, se esta é uma grande ideia, podemos usá-la”. Tentem obter reuniões com os patrocinadores. Porque eles querem sempre fazer coisas para os adeptos! Porque sabem que lhes é útil! Se eles fizerem a coisa errada, isso não os ajuda.

Tornem-se especialistas no que estão a fazer e provem às pessoas que são os especialistas. A segunda parte é, comecem a implementar o papel de um OLA da forma como é suposto existir. Este é o trabalho mais importante que nós, OLAs, temos e mesmo na Alemanha, onde temos 50 anos de trabalho profissional, todos os anos continuamos a dizer às pessoas qual é o nosso trabalho! Nós definimos os papéis que todos têm. E é aceite, pela polícia

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por exemplo. Se formos o intermediário entre algo, poderemos obter alguma informação que pode ser relevante para eles. Nunca fui chamado a tribunal por nada - e isto é o resultado do nosso papel, que é realmente importante.

Como estão e qual é vosso trabalho? O nosso trabalho é dizer a todos o que é que os adeptos procuram e porque é que estão a agir de determinada forma. Quando comecei - “Oh, o que fizeram os teus adeptos novamente?” - “Eles não são meus adeptos! Eles são os nossos adeptos!” Eu não sou a pessoa a quem dizes para eles pararem e eles param. E eles não estão lá para mimsou eu que estou lá para eles. Demorou muito tempo para que as pessoas compreendessem

isto. E eu detesto que os clubes, quando algo de mau acontece, digam “Estes não são os nossos adeptos, estes não são verdadeiros adeptos”. Isso é a pior coisa que se pode dizer. Porque, sim, eles são os seus adeptos! E é da vossa responsabilidade fazer alguma coisa! Têm responsabilidade por eles! É o vosso trabalho, e assim que perceberem isso, poderão estar no caminho certo.

Após o jogo contra o Sporting em Alvalade, o Eintracht criticou a forma como os seus adeptos foram conduzidos ao estádio e como o Sporting trabalhou na venda de bilhetes. Quais seriam as soluções para que tudo tivesse corrido melhor?

Ora, por onde vou devo começar? O jogo em Lisboa... Nós sempre dissemos à polícia que esperávamos que os nossos adeptos fizessem uma marcha. Como fizeram quando jogámos

contra o Benfica. Fizeram a mesma coisa, foi o mesmo comandante de jogo, a mesma polícia. Tudo igual, como há três anos atrás. Tudo igual. O mesmo cenário e até o ponto de encontro foi o mesmo.

A parte engraçada foi que começámos a andar e tudo parecia bem. Eu tinha parte da equipa a andar na marcha com os adeptos, estava no google maps! E eles, estavam a cerca de 5 minutos da entrada, quando continuaram a caminhar numa direção diferente! Eu estava tipo.... “para onde é que eles vão?! Eles só têm de virar à direita”! E continuaram a andar sempre em frente.... Começou assim. Porque não os deixaram ir apenas pela entrada e tiveram de entrar por outro lado? Era uma caminhada de uma hora e os nossos adeptos levaram 2 horas e meia para lá chegar e porquê? Não percebo. Medo? Eles podem sempre dizer que os nossos adeptos deviam ter apanhado os autocarros. Podem até dizer que a culpa até foi deles. Tudo bem, posso aceitar isso. Mas mesmo assim, expliquem lá porque é que não os deixaram entrar no estádio quando estavam tão perto.

E o que aconteceu? Tinham em mãos uma situação de pressão, porque tinham pessoas que queriam entrar no estádio porque o jogo estava prestes a começar.

E na entrada - muitas vezes perguntámos por que não estavam a entrar mais pessoas. A certa altura, pensei - talvez toda a gente já cá esteja. E alguém me disse que não, que havia cerca de mil pessoas ao virar da esquina, ainda à espera. E eu fiquei, estilo: e porque não entram? E é a primeira vez em... quero dizer, tive muitas experiências em todo o mundo, mesmo na Alemanha, mas esta foi a primeira vez em que não fui claramente reconhecido no meu trabalho, durante todo esse tempo. Não podia movimentar-me como queria... Porque andamos sempre ora lá dentro, ora cá fora, sempre em movimento... e se tenho de ser revistado por cada vez que saio ou entro… Mesmo sendo portador da mais alta acreditação UEFA... então não posso fazer isto, porque sempre que queria voltar a

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entrar tinha de estar na fila novamente para ser revistado! E estava lá como oficial e não por diversão ou para piorar o trabalho deles. Estou lá para ajudar! Portanto, por favor, deixem-me ajudar, deixem-nos trabalhar! Deixem-nos fazer o nosso trabalho! E isto foi bastante difícil. Não posso dizer nada contra o clube, eles foram simpáticos para nós, mas algo pelo caminho correu mal.

Depois de jogos no Porto, Guimarães e Lisboa, que impressão tens dos adeptos portugueses e da forma como os clubes e as autoridades de segurança os tratam?

Eu não sei como tratam os adeptos portugueses, uma vez que não o vi, mas posso dizer como tratam os adeptos alemães. E muitas vezes, não quero dizer desta forma, mas a polícia acaba por ser diferente em todos os lugares onde se vai. Não digo nem bem ou mal, apenas diferente. É preciso saber isto, quando se vai a um lugar onde a polícia reage de forma diferente. Posso dizer que a polícia “europeia” é diferente da polícia alemã. Poderia criticar a polícia alemã por muitas coisas, mas eles, ainda assim, são diferentes.

E esta é a razão pela qual digo que o papel da OLA não está estabelecido, por a influência que tivemos com a polícia (em Portugal) não ter sido tão elevada como a que temos na Alemanha - e é também por isso que temos sempre alguém da FSE como a Martha Gens Portugal, para nos ajudar a, talvez de

alguma forma, conseguir uma melhor ligação à polícia ou, de alguma forma, empoderar os nossos pontos de vista - e também porque ela conhece a lei local, e nós não.

Quando fui a Itália com os OLA italianos, como fiz em Portugal há alguns anos atrás, estava lá sentado na reunião e não sabia que os clubes não estavam autorizados a falar com os seus ultras. Porque lá os ultras são criminosos. Organizações criminosas mesmo - pelo que os clubes não estão autorizados a falar oficialmente com os grupos ultra. Então, como é que vai ser um OLA??? Se não está autorizado a falar com os seus adeptos? Isto é algo realmente desafiante.

Tivemos um jogo em Bergamo - os nossos ultras são amigos dos ultras de Bergamo, e eles decidiram jogar um jogo de futebol. Ultras Frankfurt contra Ultras Bergamo, um evento realmente agradável, uma espécie de evento amigável até.

Pessoas mais velhas lá, a fazer churrascos, a divertir-se. O nosso clube enviou o seu CEO para dar um olá a todos e estar lá. Trouxemos alguns jogadores mais velhos e coisas do género. E Bergamo não pôde fazer isso. Assim, o que eles fizeram foi - um ex-jogador, realmente importante, que já não estava associado ao clube, foi lá.

Como é que vão trabalhar com os adeptos, trazer algo melhor, se não falarem com eles? Em Portugal isto é tão importante- para estabelecer um perfil para os OLA nos seus contornos específicos.

Tivemos um conselho nacional de desporto

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e segurança - a primeira edição, em 1992, quando começaram a implementar coisas como “Como pode ser construído um estádio”, ou se precisar de segurança ou mesmo como separar grupos de adeptos uns dos outros. Mas também tinham na agenda um projeto pedagógico social de adeptos, e um par de anos mais tarde tinham lá OLA a participar. Mesmo considerado (a função do OLA) pelo Estado como algo positivo. Nós queremos isso, isso ajuda. É preciso dizer às pessoas o que se está a fazer, e como é importante o que se está a fazer. E sim, é este o trabalho básico do início.

Um polícia francês foi quase morto por causa de hooligans alemães - Daniel Nivel, em França. Este caso foi muito famoso, era o campeonato do mundo. E este, foi o ponto em que o Estado decidiu “temos de fazer algo diferente”.

Esse foi um ponto de viragem, porque há muitas coisas que se podem criticar. Porque se separarmos adeptos, estamos realmente a separá-los, não estamos a socializá-los. Querem realmente livrar-se da violência? Um dia, é preciso tornar normal que um adepto do Benfica e um adepto de outro clube possam andar lado a lado. Mesmo assim podem não gostar um do outro, podem não festejar como loucos, mas talvez apenas não se matem.

Quais são as melhores experiências que tiveste como OLA?

Uma das melhores foi, de facto, num dos jogos mais pequenos que tivemos. Tivemos uma primeira ronda da taça alemã, não sei se é igual em Portugal, mas joga-se contra equipas de ligas mais pequenas ou equipas amadoras. Portanto, jogámos contra uma equipa amadora numa aldeia muito pequena, muito simpática. Gente muito simpática.

Um dos tipos do clube trabalhava num banco e quando souberam que o Frankfurt ia lá, pensaram - “os bárbaros vêm aí, vão pilhar a nossa aldeia, violar as nossas mulheres, fazer o que quer que seja…” Eram como

“oh nãooooo era o pior que poderia ter acontecido”.

Falei muito com eles antes do jogo e eles queriam fazer um pequeno festival antes do jogo em frente ao estádio, e eu disse, sim, claro, façam-no! Não se preocupem com isso, façam-no!

Então, fomos lá e ele até me deu o encargo da segurança do clube, dos empregados que tinham. Ele disse - diz-lhes se precisarem de alguma ajuda, caso contrário, ficamos fora do vosso caminho.

Ok.... Então o jogo acabou e nada aconteceu! Muita diversão, os nossos adeptos até foram ao festival depois do jogo para beber umas cervejas. Foi muito agradável. No dia seguinte, o tipo telefonou-me e disse que tinha sido a melhor experiência da sua vida e sempre que quisessemos lá ir, éramos bem-vindos ao clube e que os poderíamos visitar, porque seríamos sempre bem recebidos.

E isto muda a forma como as pessoas olham para as coisas. Sabíamos que ele não tinha “músculo” para esse momento, precisava de ajuda, e eu dei-lhe ajuda e pedi-lhe que confiasse em mim. Confie em mim agora! Foi um grande passo para alguém que não me conhece, confiar em mim! Portanto, isso foi ótimo.

Outro grande momento - quando ganhámos a taça alemã em 2018. Aqueles 3 segundos em que tive tempo para celebrar foram fantásticos. Aconteceu o nosso segundo e último golo, no último segundo do jogo, e nisto o jogador (que marcou) mandou-se para os nossos adeptos, os adeptos entraram no estádio...e eu fiquei tipo “yeeeeeahhhh....

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ohhhh…. merda”. E depois tive de me meter entre a polícia e os nossos adeptos. E assim, nada aconteceu. O que na verdade foi ótimo porque a federação alemã faz uma coisa boa (sempre) que é - se tivermos uma final da taça alemã, eles recebem a polícia das cidades para ajudar. Então as forças que lá entraram, correram para mim, e eu respondi “está tudo bem, está tudo bem”, e eles responderam “nós sabemos, nós conhecemos-te! Era a polícia de Frankfurt. Eles fizeram a linha e tudo estava bem. O que acaba por ser uma ideia fantástica - se tiveres uma boa “relação” com a polícia da tua cidade, faz todo o sentido!

Que conselhos podes dar para que os adeptos se afirmem como uma parte essencial do jogo?

Penso que os adeptos sabem. Uma coisa é organizem-se, mesmo com os clubes de que não se gosta, mas há uma coisa: se quiserem fazer algo têm de o fazer juntos. Não o podem fazer como clubes separados. Isso não significa que tenha de gostar do outro clube. Os adeptos do Benfica não têm de gostar dos adeptos do Sporting. E os adeptos do Porto não têm de gostar dos adeptos do Benfica, mas podem trabalhar juntos num tópico que seja comum a todos e fortalecerse em números. Quantos mais estivermos a trabalhar em determinado tópico, melhor se pode fazê-lo acontecer.

O que dirias a um jovem adepto para o motivar a lutar pelos seus interesses e para o cativar nas formas como, por exemplo, as associações nacionais de adeptos, e no caso específico, a FSE, têm estado envolvidas? É realmente difícil, na Alemanha também é difícil, mas como é que alguém se torna adepto? Muitas vezes não se torna adepto por causa do jogo, mas torna-se adepto por causa de tudo à volta do jogo. Há algo de que gostamos e, no segundo em que pensamos em algo de que gostamos, vemos algo por que vale a pena lutar.

Como eu disse, durante muitos anos o futebol do nosso clube não foi muito agradável de ver. Passámos da primeira liga para a segunda liga, tivemos os nossos momentos menos bons, não foi nada bom, mas, mesmo assim, todos iam ao estádio porque gostavam da forma como se sentiam no estádio.

Se é isso que sentem, e se é isso que querem continuar a fazer, então têm de fazer algo por isso. Façam a vossa parte! Nem todos têm de ser porta-vozes, mas façam a vossa parte. Eu estou a fazer este trabalho não só porque sou pago por isso, mas é certamente agradável trabalhares para o teu clube. Estou a fazer porque acredito nas coisas, que aprendi quando era adepto e quero que permaneçam. É bom ir ver um jogo, sentar-me lá, e desfrutar, celebrar, usar uma bandeira, e fazer o que quer que seja. Continuo a querer isso.

Como vês a Associação Portuguesa de Defesa do Adepto?

Conheço um par de pessoas. Todas estas pessoas que conheci, gostei delas, estão realmente interessadas no que estão a fazer. Acreditam em algo. São boas pessoas. Algumas destas pessoas, que conheci em Frankfurt, estavam realmente entusiasmadas por estarem também em Frankfurt - fiquei com imensos autocolantes! São boas pessoas para fazer um trabalho e só posso esperar que continuem a fazê-lo e que sejam ajudados a fazê-lo. Senti-me apaixonado por Lisboa, também por causa disso, por todas as pessoas que conheci. Por favor continuem a lutar!

Como vês a cultura de adeptos em Portugal?

Na verdade, muito bem, do meu ponto de vista, de todos os clubes que visitei pessoalmente. Todas as bancadas eram muito coloridas, com faixas e todas as coisas do género. Parece que estão a ser reprimidos pelas leis, pelas discussões sobre o cartão do adepto e todas essas medidas. Poucas pessoas com quem falei pareceram contentes

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com o que está a acontecer aqui e sentiramno na pele. Mesmo com todas estas barreiras à sua frente, os adeptos portugueses parecem motivados e a tentar fazer tudo pelos seus clubes - cantando, apoiando e ainda tentando fazer o que podem para estar lá para o seu clube.

Consideras que as fanzines podem ser importantes para formar ou reforçar a cultura dos adeptos?

Os fanzines não devem custar nada ou ser realmente baratas, porque são muito importantes - podem simplesmente ir a uma tipografia e imprimir ou ir a uma loja de cópias, imprimi-las e dobrá-las. E deixar as pessoas saberem o que se passa, mantê-las informadas. É sempre bom ter informação.

Que outros “caminhos” apontas nesta direção?

O mais importante é conseguir falar diretamente com as pessoas ou falar com os média, ou com políticos ou outras pessoas, CEO’s, clubes. Tem de se fazer isso. Tem de se fazer o trabalho a diferentes níveis para mudar alguma coisa.

Queres deixar uma mensagem final aos nossos leitores?

Oh! bem, antes de mais, espero ter uma tradução para ler no próximo número!

A minha mensagem é basicamente tudo o que acabei de dizer - vale a pena para manter viva a cultura dos adeptos. E não estou a falar de certos aspetos, mas da sua amizade, família, cultura, o sentimento que partilham com os amigos. E no bom e no mau. É aprender que nem tudo é positivo. É fácil ser adepto de um clube que ganha sempre tudo. Mas pode ser muito mais interessante ser adepto de um clube que não ganha nada - e sempre que ganhamos alguma coisa, ou se apenas se alcança a mais pequena coisa de algo importante, pode-se celebrar tanto ou mais, comparando com os adeptos que são de um clube que ganha sempre... Provavelmente

algo que nunca irão sequer sentir.

Se o Bayern Munich ganhar o campeonato da Alemanha, até os seus próprios adeptos ficam do estilo “ah, boa…ye!”

Se nós ganhássemos o campeonato da Alemanha? Frankfurt não iria trabalhar, pelo menos durante um mês! Mas, mesmo assim, mesmo sendo um adepto de um clube que tenha sucesso - vale a pena manter as rivalidades, vale a pena manter a cultura dos adeptos. Vale simplesmente a pena. Quando jogam clássicos rivais - os meios de comunicação social vão falar disso com duas semanas de antecedência, vai ser a notícia principal durante muito tempo. Mas o mais importante durante esse período de tempo... vai ser vencer o outro. Para ambos os lados! Não importa quem ganhou mais campeonatos, não importa se…nada mais importa nesse momento. É apenas este jogo. E se te sentes assim, se gostas dessa sensação... e até gostas, se perderes, se sentes que podes ficar triste e chateado, e dizer “da próxima vez vamos apanhar-te”. Então vale a pena preservar esse sentimento e vale a pena lutar por ele.

Depois deste testemunho só nos resta agradecer ao Marc pelo tempo que nos dedicou. Não só ao nosso projeto, mas também a todos os nossos adeptos!

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HISTÓRIA DO MUNDIAL DE SELECÇÕES

Não podemos começar a falar da competição de seleções nacionais mais importante do futebol sem antes tocar nos vários pilares que fizeram com que a mesma fosse possível. Começamos então por mencionar que o primeiro confronto futebolístico entre seleções em toda a história deu-se no ano de 1872 entre a Inglaterra e a Escócia numa partida que acabaria empatada a zero bolas. Por estes anos, o mundo ainda começava a saborear o gosto pelo jogo, mas não tardou muito até que o mesmo fizesse parte dos hábitos desportivos e sociais de quase todo mundo. Não muito depois, em 1884, iniciou-se o British Home Championship. Esta competição

durou 100 anos e contava com a presença das quatro selecções do Reino Unido: Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte (anteriormente Irlanda). O futebol seguiu, naturalmente, o caminho que todas as recém modalidades seguem por isso, alguns anos mais tarde, é ensaiada uma outra competição entre nações, ainda que representadas pelos seus clubes numa demonstração desportiva nos Jogos Olímpicos de 1900 e de 1904. As edições seguintes dos Jogos Olímpicos viriam a receber o futebol de outra forma e com direito à atribuição de medalhas olímpicas. Os anos continuaram a crescer e o processo evolutivo deste desporto também. A 21 de maio de 1904 deu-se outro passo importante, inclusive para o desenvolvimento do futebol mundial, com a fundação da FIFA (Fédération Internationale de Football Association), em Paris. Em 1906 tentouse pela primeira vez realizar um torneio internacional entre selecções nacionais, na Suíça, o que se revelou um fracasso para a própria FIFA. Em 1908, durante os Jogos Olímpicos de Verão realizados em Londres, como dei a entender anteriormente, o futebol é finalmente reconhecido oficialmente pelo Comité Olímpico Internacional.

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Contudo havia um problema nas Olimpíadas visto que continuavam a ser jogadas por equipas amadoras. Assim, em 1909 na cidade de Turim, foi disputada uma competição por clubes, onde cada um representava o seu país. Esta viria a ser conhecida como a competição “Pré-Copa do Mundo” e teria uma segunda edição em 1911. Logo a seguir, em 1914, a FIFA iria reconhecer o Torneio Olímpico de Futebol como sendo o Campeonato Mundial de Futebol para amadores e ficou responsável pela competição nas futuras edições dos J.O. em 1920, 1924 e 1928. Já na edição de 1932, o futebol viria a ficar de fora o que motivou Jules Rimet, então Presidente da FIFA, a anunciar os seus planos para a criação de uma competição distinta dos Jogos Olímpicos e que pudesse contar com a presença de todos os países membros da FIFA. Vários países europeus avançaram a candidatura

para organizar o evento no seu território, mas todos desistiram restando, por fim, outro país candidato, o Uruguai. Assim, foi anunciado a 18 de maio de 1929 em Barcelona que seria o Uruguai a receber o primeiro Campeonato do Mundo organizado pela FIFA. Como mostrei, foi preciso esperar até 1928 para que esta competição fosse criada, pelo francês Jules Rimet após ter assumido o comando da FIFA. Este era um desejo antigo, mas devido à existência da Guerra Mundial entre 1914 e 1918, e período pós-guerra, a concretização do mesmo teve de ser adiada. Em 1930, teve então lugar a primeira edição, no Uruguai, que contou com a participação de 16 selecções convidadas pela FIFA. O país organizador acabaria por se sagrar campeão. A existência desta competição muito se deve ao presidente à época Jules Rimet, o qual mais tarde teria o seu nome atribuído à competição nas primeiras edições em sinal de homenagem pelo seu papel na criação. E foi assim que, de quatro em quatro anos, as selecções de futebol de vários países do mundo se passaram a reunir para disputar o Campeonato do Mundo de Futebol, o qual já conta com 22 edições.

Por J. Lobo

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Nos primórdios do futebol, e ao contrário do que acontece nos dias de hoje, a única forma de acompanhar as incidências de uma partida era assistir, in loco, à mesma, sendo a alternativa esperar que nos dias seguintes fosse publicada em algum jornal, uma crónica sobre o jogo.

Certo é que este desporto, que se tornaria “rei”, foi-se popularizando e assistiu-se a um crescente aumento do interesse das camadas populares.

A inexistência de meios que permitissem saber atempadamente o resultado de determinado jogo era um handicap, especialmente aos olhos dos já inúmeros fervorosos adeptos, que quando viam a sua equipa jogar na condição de visitante, tinham de esperar infindavelmente para tomar conhecimento do desfecho do encontro.

A criatividade dos clubes e dos aficionados permitiu, em alguns casos, diminuir esta espera, nomeadamente através da utilização de pombos correio para transportarem os resultados dos jogos do CF Os Belenenses até ao Campo das Salésias nos anos 20, onde os seus associados esperavam impacientemente os desenvolvimentos, como narrou Eupremio Scarpa na 6ª edição da Cultura de Bancada. As transmissões dos jogos de futebol por via de relatos radiofónicos eram uma possibilidade já há algum tempo aventada, mas o receio de que estas afastassem público dos recintos atrasou a concretização das ditas transmissões. Em termos internacionais, a primeira transmissão de um relato integral de que há registo data de 22 de Janeiro de 1927, em Inglaterra, pela mão da BBC. O jogo em causa foi disputado entre o Arsenal e o Sheffield United, e acabou com um empate

(1-1). O primeiro golo a ser narrado em directo foi da autoria do jogador arsenalista Charlie Buchan. O método encontrado pela BBC para facilitar a interpretação dos ouvintes foi bastante curioso, tendo publicado um boletim em vários jornais em que o campo se encontrava dividido em quadrados numerados, por forma a que os aficionados soubessem sempre em que zona do campo a bola se encontrava. Henry Teddy Wakelam, um ex-praticante de Râguebi, foi o escolhido para narrar o jogo, ao passo que C.A. Lewis estava encarregue de comunicar em qual dos quadrados se encontrava o esférico. Passando para o caso português, é difícil precisar com exactidão qual foi o primeiro jogo a ser transmitido via rádio, integralmente e em directo. Existem evidências de se terem transmitido jogos da selecção nacional nos anos de 1934 e 1935 em rádios lisboetas ainda que, num dos casos, pareça que só parte do jogo tenha sido narrada. Certo é que em Janeiro de 1935, o estudante de direito António Madeira Machado narrou em directo, na emissora CT1HZ, uma partida disputada entre o União de Coimbra e a Académica, a contar para a 2ª mão da final do Campeonato de Coimbra.

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O jogo acabaria por terminar, tal como o Arsenal-Sheffield United, empatado a uma bola, com o resultado a servir os interesses da Briosa que se sagrava assim vencedora da competição.

Nesta embrionária fase dos relatos, as condições técnicas eram muitas vezes precárias, o que naturalmente dificultava o trabalho dos locutores e se reflectia na qualidade das transmissões. Ainda assim, este meio de difusão do futebol espalhou-se por todo o país e pelo mundo, e “dominou” o universo futebolístico até que as transmissões televisivas se tornassem recorrentes o suficiente para atirar a rádio para segundo plano. Foi nesta altura também, entre a segunda metade dos anos 30 e o início dos anos 40 que se notabilizaram as vozes de locutores como Ayala Boto ou Alfredo

Quádrio Raposo, verdadeiros pioneiros dos relatos no nosso país. Uma das figuras mais emblemáticas deste universo é, sem sombra de dúvida, Artur Agostinho, voz mítica cuja carreira andou de mãos dadas com a rádio desde o final dos anos 30 até à última década do século XX. Nascido a 25 de Dezembro de 1925, iniciouse nas lides da rádio na amadora Rádio Luso em 1938. Em 1945 chegou à emissora nacional onde se estreou nos relatos, não só de futebol, como também de hóquei em patins. Esteve sempre ligado à rádio, inclusive durante o “exílio” no Brasil, após a Revolução dos Cravos, fruto de ser figura conotada com o Estado Novo. Participou também em vários filmes icónicos, dirigiu o jornal desportivo Record entre 1963 e 1974 e esteve ligado à Antena 1 até 1996.

Outra das figuras míticas dos relatos portugueses foi Jorge Perestrelo, angolano de nascimento, que chegou a Portugal em 1977 após breve passagem pelo Brasil. Começou o seu percurso na rádio ainda na sua terra natal em Lobito. Em território nacional estreou-se pela mão do Rádio Clube Português. Passou também pelos corredores da Antena 1 e da Rádio Comercial antes de, em 1988, ajudar a fundar a TSF, estação na qual se manteve até à sua morte. Notabilizou-se pela paixão com que vivia e narrava o futebol, e deixará gravado no imaginário popular muitas das suas expressões típicas. “Ripa na rapaqueca”

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ou “É disto que o meu povo gosta”, são frases cuja ligação à cultura popular futebolística jamais será esquecida, bem como os festejos dos golos da selecção nacional trauteando o hino. A 5 de Maio de 2005 narrou efusivamente o golo de Miguel Garcia no último minuto do AZ Alkmaar-Sporting, que colocava a equipa de Alvalade na final da Taça UEFA disputada em sua casa. Seria a última vez que os portugueses ouviriam o seu apaixonado grito, pois viria a falecer no dia seguinte vítima de complicações cardíacas. Imagino que, para um jovem adolescente dos dias de hoje, seja difícil imaginar o cenário de ficar agarrado a um rádio a seguir um jogo de futebol da equipa do coração, sem ter à vista dos seus olhos o rectângulo mágico. Mas foi assim, agarrados a esse aparelho, que milhões de adeptos espalhados pelos quatro cantos do globo riram e choraram, vibraram com conquistas e sofreram com desaires, e aquela era muitas vezes a única forma de se seguir as incidências dos jogos do clube do coração, antes da era da internet e das transmissões televisivas com recurso a dezenas de câmaras e a repetições em super slow motion. Havia uma certa mística nos relatos que nos forçavam a estimular a criatividade e, de certa forma, contribuíram para que o futebol ganhasse uma aura quase mágica, mitificando os astros do relvado e elevando-os à condição de deuses. Apesar do claro declínio do número de ouvintes, a importância das transmissões radiofónicas jamais poderá ser menosprezada, pois sem elas, dificilmente o futebol, enquanto desporto de massas, teria alcançado as proporções que atinge na actualidade.

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J. Sousa

RÁDIO…A CULPA É DO FUTEBOL!

O futebol é, provavelmente, o desporto que mais paixões desperta em todo o mundo. Por ser um desporto de emoções, por vezes, traz à tona o lado mais “selvagem” do comum dos mortais. Como apaixonado por este desporto e pelo meu Vitória, sinto-me um privilegiado por poder assistir aos jogos desde tenra idade. Já lá vão mais de 45 anos desde que, pela primeira vez, acompanhei o meu pai ao estádio. Na minha adolescência tive o privilégio de fazer parte da primeira claque do Vitória, agora denominados grupos organizados. Foram anos intensos e cheios de adrenalina numa “coisa” que em Portugal era novidade. E se nos tempos modernos dizemos que o Vitória é fortemente apoiado pelos seus adeptos, imaginem, na altura, o que foi levar 10 mil vitorianos ao Estádio da Luz transformando o Rossio nessa manhã no Toural ou, muito mais do que isso, inundar o velhinho Estádio das Antas. Outros tempos, a mesma dedicação. A cronologia da vida permitiu-me continuar a acompanhar o Vitória e seguir o fenómeno futebolístico com outra perspetiva. Uma perspetiva que, por vezes, os adeptos não gostam: a do jornalista. Mas, porque experimentei os dois lados da barricada, foi fácil perceber ambas as partes, mesmo que por vezes não concorde com determinadas coisas intrínsecas à classe. Sim, porque

apesar de efetuar trabalho jornalístico, nunca o fui e não tenho pretensões a tal. Prefiro ficar no rol dos colaboradores desportivos, com muitos quilómetros, durante mais de duas décadas. Provavelmente, o não estar agarrado à profissão jornalística e não depender dela para a sobrevivência confereme uma independência que outros não conseguem ter. Nestas mais de duas décadas muitas são as histórias que vou colecionando. Davam inclusive para escrever um livro de memórias. Quem sabe um dia. Ainda assim, não resisto mais à frente a contar algumas peripécias. Sim porque isto não é só trabalho. Aliás consegue-se conciliar várias vertentes, nomeadamente a gastronómica, tantos foram os locais visitados. Por vezes, no meu caso em particular, sou abordado por conhecidos ou mesmo amigos dizendo que adorariam fazer o que eu faço para poderem ver todos os jogos, neste caso do Vitória. Sim, porque colaboro com uma rádio local que só faz relatos do Vitória. Eu sei que visto de fora é muito apelativo, mas isto não são só vantagens. Primeiro temos de gostar muito daquilo que fazemos para depois de uma semana de trabalho ainda termos disponibilidade de encarar outra profissão ao fim de semana. É preciso preparar os jogos. São percorridos milhares de quilómetros

O VÍCIO DA
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durante uma temporada. Pelo menos um dia de cada fim de semana é “roubado” à família. Chegar a casa ao domingo de madrugada e às sete ter que estar a pé porque é dia de trabalho… Se existir disponibilidade para isto e muito mais, então conseguiremos desfrutar dos momentos.

andamento até ao destino. A parte mais fácil estava concluída. Trabalho feito, estava na hora de regressar. Depois de alguns contactos lá conseguimos boleia com uns colegas da comunicação social escrita. Um volvo 440 turbo. Adivinhava-se uma viagem mais ou menos rápida e confortável. Puro engano. A velocidade máxima rondou os 90 km/h na autoestrada e a lotação do carro estava completa sem grande margem para esticar as pernas. Algumas histórias engraçadas foram ajudando a passar o tempo que se adivinhava penoso. Até que algumas horas depois alguém disse: Vamos parar na Bairrada para jantar. A noite estava perdida e o melhor era concordar com a ideia. “Vamos ao Floresta, lá é que se come o verdadeiro leitão”, não fazia sequer ideia de tal. A verdade é que o jantar foi prolongado e bem regado. A chegada a casa foi madrugada dentro sãos e salvos. A Bairrada cruzou-se com algumas das histórias mais bizarras. No regresso de um jogo na zona centro, em Taveiro, vínhamos pela estrada nacional à procura de um restaurante para jantar quando sentimos um automóvel durante um tempo considerável na nossa retaguarda. De repente umas luzes azuis, uma ultrapassagem e um pirilampo a mandar-nos encostar. Uma voz dizia, “boa noite senhor condutor”. Por acaso reparou que os pneus de traz estão em mau estado? Resposta: por acaso não, mas como não somos profissionais da radio e só trabalhamos ao fim de semana confiamos que estivesse tudo bem. A verdade é que não estava e os pneus estavam praticamente

Voltando à aventura em que por vezes se transforma uma deslocação fora de Guimarães. Certo dia, numa viagem a Setúbal, um tubo do motor rebentou perto de Fátima. O carro ficou imobilizado na autoestrada. De seguida os procedimentos normais relativos à assistência em viagem. Tivemos de optar por uma de duas hipóteses: regressar a Guimarães ou seguir viagem para Setúbal de táxi sem transporte para regressar. Ora, a decisão foi imediata. O relato tinha de ser feito e depois logo se via. De táxi, a caminho da cidade do Sado, sem tempo para almoçar, até porque já tínhamos perdido muito tempo com todos os procedimentos, metemos uma bucha em 46

lisos. O carro estava identificado com as insígnias da radio da altura. Bem, diz o agente “ vou ter de aplicar uma multa”. Se não estou enganado ainda era em escudos e foram 50 contos. Depois de todo o processo elaborado foi então que os agentes perguntaram o que fazíamos por aqueles lados. Explicamos que tínhamos ido fazer o relato de futebol e agora estávamos à procura de um restaurante para jantar. “Não procurem mais diz o agente” , enquanto pegava no telefone e ligava para o dono de um restaurante amigo. “Estou…” tratando o dono pelo nome, “marca aí uma mesa para dois jornalistas de Guimarães, dentro de 10 minutos chegam para provar o teu leitão”. Assim foi. Estas são apenas duas das muitas histórias que poderiam ser contadas nestes mais de vinte anos de relatos e reportagens. Nomeadamente algumas histórias relacionadas com as dificuldades técnicas que por vezes surgem nos estádios e que nos obrigam a autênticos milagres para que os nossos ouvintes não fiquem privados do tão esperado relato. Não queria terminar sem

uma alusão a um grande jornalista já falecido, Joaquim Vieira, da Rádio Renascença. Num quentinho Vitória / Boavista e depois de alguma polémica, uma multidão esperava cá fora pela saída dos jogadores e jornalista. Todos estávamos retidos dentro do estádio. Um deles era o Joaquim Vieira que me disse estar com muito receio e precisava abandonar o estádio. Uma vez que eu sou de Guimarães e não teria problemas em sair, disse-lhe para vir comigo e não ter qualquer receio. Assim foi, saiu ao meu lado e pôde abandonar o estádio sem nenhum problema. O futebol é isto. Emoções à flor da pele. Muita paixão e por vezes alguns exageros. Mas o futebol, se entretanto não o “matarem” continuará a ser dos desportos mais apaixonantes.

Por Ricardo Lopes

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Quando, no futebol, falamos do Torino FC, vem logo à cabeça aquela equipa maravilha italiana, uma das mais fortes de todos os tempos, dominadora dos anos 40 e não foi ainda mais reconhecida como tal pela falta de competições europeias como as que temos hoje!! A lenda do Torino começa, infelizmente, com uma tragédia: a regressar de um jogo em Lisboa, onde defrontaram o Benfica numa homenagem ao jogador Francisco Ferreira (grande amigo do capitão grená Valentino Mazzola), o avião no qual a equipa viajava desintegrou-se contra a colina de Superga, nos arredores de Turim, no dia 4 de Maio de 1949. Não houve sobreviventes. A comoção em Portugal foi enorme; milhares de cidadãos se reuniram em frente da Embaixada italiana em Lisboa, a manifestar a sua solidariedade, a sua emoção, a sua dor pela tremenda perda para o futebol e desporto mundial. Mas houve quem fosse mais longe na sua homenagem, na sua vontade de eternizar o nome do Torino. Por isso vamos viajar até a vila de Torrão, no Alentejo. Como todas as aldeias, vilas e cidades portuguesas, Torrão também tinha o seu clube da terra, o Torpedo Torranense fundado em Junho

de 1947 na fusão com a Sociedade 1º de Janeiro Torranense. Quando, no dia 4 de Maio de 1949 se deu o acidente de Superga, aconteceu um fato extraordinário: o Torpedo Torranense, os seus sócios e os seus dirigentes, profundamente tocados pela tragédia, decidiram perpetuar e homenagear o clube italiano mudando de nome: a partir daí o Torpedo irá chamar-se Torino Torranense. O Clube tinha uma fortíssima ligação com a terra e os seus habitantes, apesar de ter como único sucesso desportivo uma subida de divisão da 3ª para a 2ª Divisão Distrital de Setúbal, o clube tinha muito apoio e ainda hoje, que está desativado, permanece na memória coletiva da vila. A título de curiosidade, quem jogou no Torino Torranense foi o José Mamede, jogador que militou no Vitória de Setúbal e que fez a

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maior parte da sua carreira em Itália ( Genoa, Messina, Salernitana, Potenza e Reggina). Felizmente há quem se preocupe em preservar esta história coletiva! Há um par de anos atrás, no Museu Etnográfico do Torrão foi montada uma exposição “Memória de um clube – Torino Torranense”, com seu acervo de fotos, documentos, equipamentos, galhardetes, que está na posse da Câmara de Alcácer do Sal e da Junta de Freguesia do Torrão.

Ainda mais sentida foi a homenagem que alguns torranenses fizeram, indo pessoalmente a Turim oferecer um galhardete e uma medalha ao Museu do Grande Torino,a equipa que “solo il fato li sconfisse” (só o destino/fado os derrotou).

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MEMÓRIAS Da BANCADA

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Altura atípica e inédita no que ao futebol diz respeito. Dois meses que intercalam uma fase inicial da época com a metade da mesma, mas eis que os campeonatos fazem um interregno, por causa de um Mundial de selecções. Ainda antes dessa mesma paragem, houve a triste notícia de uma proposta de alteração na lei, contemplando o aumento do poder policial e o agravamento de penas para os ultras. Os protestos voltaram a ser destaque nestes últimos dois meses. Primeiramente, contra a tal proposta de alteração de lei (com os grupos nacionais a criticarem à sua maneira, sobretudo com mensagens suas) e, depois, apelando a um boicote ao Mundial, devido à violação dos direitos humanos na construção das infra-estruturas para o evento no Qatar, através de uma mensagem conjunta, organizada pela Associação Portuguesa de Defesa do Adepto: “32 selecções apuradas, 6.500 vidas derrotadas”.

GD Fontinhas x Académica de Coimbra | 0810-2022

Cerca de uma centena de adeptos da Académica estiveram presentes na ilha açoriana da Terceira. Este registo ainda se torna mais impressionante quando percebemos que os “estudantes” se encontram no último lugar da classificação, numa altura em que estão a jogar pela primeira vez no terceiro escalão do futebol nacional!

FC Paços de Ferreira x Vitória SC | 08-10-2022

Boa casa em Paços de Ferreira, com mais de cinco mil adeptos presentes, destacandose a grande falange de apoio vimaranense presente, que preencheu a bancada a que tinha direito, somando a um outro pequeno grupo numa das bancadas centrais do estádio. O Vitória marcou o único golo do encontro bem cedo, o que empolgou o seu público e desmotivou os da casa, que continuam sem qualquer jogo ganho.

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UD Leiria x CF “Os Belenenses” | 09-10-2022

Já nos começamos a habituar aos sucessivos recordes batidos de assistências em Leiria, cada vez que por lá passa algum histórico do futebol português, nesta Liga 3. Neste caso, também não foi excepção. Segundo os números oficiais, 18.124 espectadores estiveram presentes. Para além de serem dois clubes históricos, foi um embate entre duas equipas que lutam pelos primeiros lugares da sua equipa, naturalmente com um bom ambiente e apoio de parte a parte, tendo a vitória sorrido aos forasteiros.

Paris Saint-Germain FC x SL Benfica |

11-102022

Encontro interessante de se seguir, tanto no plano desportivo como no que se poderia vir a passar fora das quatro linhas. É conhecida a grande comunidade benfiquista que reside no território parisiense e o ambiente também poderia vir a aquecer fruto de algumas mensagens escritas por ultras locais em tom ameaçador aos encarnados. Eram esperados mais de 3.000 apoiantes do Benfica, sendo que o PSG proibia adereços forasteiros nos sectores destinados ao público da casa. O ambiente na entrada das equipas em campo foi magnífico, com a Virage Auteuil a expor uma coreografia que cobria a sua bancada, enquanto que o sector visitante se iluminava sob muitas tochas abertas. Boa réplica de parte a parte durante o jogo, com ambos os lados a fazerem-se ouvir. Destaque para os vários momentos de mais pirotecnia benfiquista, feito pelos No Name Boys e pelos Diabos Vermelhos. Fora do estádio, não houve grandes incidentes a registar, exceptuando um lamentável esfaqueamento na perna a uma adepta do Benfica.

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Sporting CP x Olympique de Marseille | 1210-2022

As deslocações dos marselheses têm por hábito de apimentar as expectativas e esta a Alvalade não foi excepção. Na semana anterior, tinha sido a vez dos sportinguistas jogarem em Marselha, mas infelizmente esse encontro decorreu à porta fechada (ainda assim, nota para a ida de alguns elementos do Directivo até à cidade francesa).

Na noite anterior, destaque para uma turma sportinguista junto ao seu estádio e outra do Marselha na Baixa de Lisboa, ambas numerosas, embora naturalmente não se tenham cruzado. No dia do jogo, um autocarro com 56 adeptos forasteiros foi interceptado na chegada à cidade lisboeta, depois destes terem provado incidentes numa área de serviço na A1. Registaram-se nove detenções. Em Alvalade, o ambiente foi digno de salutar, como seria de esperar, com os vários grupos de parte a parte a incentivarem as respectivas formações, tendo havido também bons momentos de pirotecnia.

Bayer 04 Leverkusen x FC Porto | 12-10-2022

Cerca de 1.700 portistas preencheram o sector visitante do BayArena. Desde cedo os azuis e brancos se colocaram em vantagem e no final acabaram por vencer por 0-3, o que incentivou ainda mais a um bom apoio do seu público, mesmo em território alemão. De destacar a presença dos Kohorte Ultras (alemães do Duisburg) ao lado dos seus amigos do Colectivo 95.

Union SG x SC Braga | 13-10-2022

Os braguistas aproveitaram a deslocação à Bélgica para fazer a melhor e mais numerosa da sua fase de grupos, aproveitando também a comunidade emigrante lá presente. Num encontro intenso, que culminou com um empate a três bolas, os vários cânticos vindos do sector visitante foram, muitas vezes. bem audíveis. A nota principal vai para o protesto da Bracara Legion contra uma possível ida de investidores

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do Qatar para o seu clube, surgindo numa semana em que essa possibilidade foi notícia. Uma mensagem, com pirotecnia em simultâneo, que acabou por percorrer o mundo: “Esclavagistas do Qatar não são bemvindos”.

CD Trofense x FC Famalicão | 15-10-2022

Um dos jogos grandes desta ronda da Taça de Portugal, num duelo entre dois conjuntos vizinhos. Bom apoio de parte a parte, muitas provocações e, no final, a vitória sorriu ao Famalicão, através de um grande golo que despoletou uma enorme festa na bancada visitante, onde estavam instalados os muitos adeptos famalicenses que fizeram esta curta deslocação.

Imortal DC x SC Farense | 15-10-2022

Encontro entre duas equipas algarvias para a Taça, o que levou a uma boa deslocação e apoio dos farenses, com particular destaque para os South Side Boys. Finalmente os seus adeptos tiveram a oportunidade de fazer uma curta deslocação, depois das constantes longas viagem a que estão sujeitos.

Caldas SC x SL Benfica | 15-10-2022

Ambiente digno de Taça no Campo da Mata. O Caldas recebeu o Benfica, o seu reduto encheu, mas isso não foi sinónimo de um típico encontro em que a grande maioria do estádio estava a apoiar a formação visitante. Um bom ambiente criado pelo público deste emblema, que milita actualmente no terceiro escalão nacional. Os encarnados só conseguiram ultrapassar a eliminatória no desempate por grandes penalidades, fazendose quase “taça” também no resultado. De registar ainda a mensagem exibida pelo grupo da casa, o Sector 1916: «É tão fácil ser dos “grandes”, mas é tão mais bonito ser do Caldas”.

Varzim SC x Sporting CP | 16-10-2022

O Varzim voltou a jogar no Estádio Cidade de Barcelos, neste caso diante de um ‘grande’ do

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futebol nacional. Naturalmente um ambiente muito acima do normal para o panorama português, com grande intensidade nas bancadas. O Sporting levou também muitos adeptos, como seria de esperar, mas neste caso os seus grupos ultras estavam a “meio gás”, uma vez que nesse mesmo dia a sua equipa de futsal tinha tido dérbi na Luz. A verdade é que o Varzim, que está actualmente no terceiro escalão, venceu, com um golo marcado muito perto dos 90, o que levou a uma enorme explosão de alegria por parte dos apoiantes do emblema poveiro. No final, houve uma grande festa entre os simpatizantes e a equipa que se estendeu até à chegada do autocarro à sua cidade, onde se encontravam muitos varzinistas, com um autêntico espectáculo pirotécnico. Os De 1915 também já tinham incentivado a sua equipa no momento da chegada do autocarro ao estádio, antes do jogo.

Sporting CP x Casa Pia AC | 22-10-2022

Um dos maiores registos de incidentes a envolver cargas policiais do passado recente em Portugal. Logo depois das notícias sobre a lei que aumenta a repressão sobre os adeptos em Portugal, a Juventude Leonina decidiu fazer um protesto. Com pirotecnia e a mensagem “Quem nos tenta derrubar só perde tempo em tentar”, perto dos 20 minutos da partida, assistiu-se de seguida à entrada do corpo de intervenção numa carga completamente desproporcional. Esta entrada rápida numa fase tão precoce de um encontro, aliada ao facto da sede da Juve Leo ter sido fiscalizada antes do evento, indicam que os agentes da autoridade já estavam com outras intenções para esta noite. As imagens, amplamente divulgadas, foram tema de discussão e a própria direcção do Sporting decidiu cortar (ainda mais) as relações com a claque.

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SL Benfica x Juventus FC | 25-10-2022

Aproximadamente 60 mil adeptos estiveram presentes neste jogo fundamental para as contas do grupo e para a decisão de quem passaria aos oitavos-de-final da Liga dos Campeões. O ambiente e o que se passou em campo não defraudou as expectativas. Os encarnados venceram por 4-3, incentivados pelo seu público. Nota positiva também para uma boa tochada dos No Name Boys, presentes, como tem sido hábito, no terceiro anel do topo sul.

Club Brugge KV x FC Porto | 26-10-2022

Cerca de dois milhares de adeptos portistas estiveram presentes no reduto belga. Não se limitaram a assistir e deram um apoio bem audível, que se foi avolumando com o passar dos minutos, pois a equipa azul e branca goleou por 0-4. O grupo Kohorte, do Duisburg, voltou a marcar presença junto dos amigos do Colectivo 95.

Tottenham Hotspur FC x Sporting CP | 26-102022

Mais de 2.500 sportinguistas estiveram presentes em Londres, registando um apoio digno de louvar. O ambiente pré-partida foi festivo, com muita gente instalada nos tradicionais ‘pubs’, fazendo-se ouvir com diversos cânticos. Um jogo emotivo, com um golo anulado pelo VAR ao Tottenham nos instantes finais, que acabou por levar a um sentimento de alegria e alívio por parte do público leonino, que valeu uma festa com a sua equipa. Nota ainda para uma mensagem do Directivo contra o preço dos bilhetes, de 60€.

SL Benfica x GD Chaves | 29-10-2022

Destaque para o momento em que os No Name Boys congratularam os seus amigos da Torcida Split pelo seu 72º aniversário. Através de de uma mensagem em croata, com material alusivo à amizade entre ambos os grupos e com algumas tochas abertas, a parte superior do terceiro anel do topo sul voltou a ter uma cor especial.

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Gil Vicente FC x SC Braga | 30-10-2022

Curta deslocação dos braguistas até Barcelos, o que naturalmente resultou numa grande falange de apoio à sua equipa. Com incentivos constantes que tiveram o seu expoente máximo na segunda parte, altura em que fizeram o único golo da partida. Destaque especial para o protesto dos ultras sobre uma possível criminalização da pirotecnia no nosso país em que, exibindo a mensagem “Lá fora é lindo, mas em Portugal também é. Não à criminalização da pirotecnia” enquanto abriam algumas tochas.

Vitória SC x FC Famalicão | 31-10-2022

Cerca de meia casa presente para assistir a este encontro, com nota mais para o apoio e ambiente criado pelos da casa, embalados também pelo resultado positivo da sua equipa. Nota para uma tochada dos ultras da nascente inferior vimaranense, enquanto expunham a seguinte mensagem: “Nunca vamos acabar”.

FC Porto x Atlético de Madrid | 01-11-2022

Apesar de o encontro se ter realizado às 17h45, o Dragão quase encheu para esta partida, numa altura em que o Porto já tinha a passagem confirmada aos ‘oitavos’ e apenas precisava de lutar pelo primeiro lugar. Uma coreografia simples azul e branca, em forma de mosaico, deu cor no momento da entrada das equipas em campo. Desde cedo os portistas colocaram-se em vantagem no marcador, o que despoletou ainda mais o ambiente. No final, venceram por 2-1, carimbando também a conquista do seu grupo, levando a uma boa festa entre o público e a equipa. Do lado forasteiro, cerca de 1.500 adeptos do Atleti viajaram até à Invicta, com a Frente Atlético a liderar o apoio espanhol. Estes últimos ainda foram audíveis nalguns momentos, pese embora a má fase desportiva atravessada pela sua formação.

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Sporting CP x Eintracht Frankfurt | 01-112022

Alvalade recebeu um dos “pesos pesados” mundiais no que a criar ambiente nas bancadas diz respeito, os adeptos do Frankfurt; ainda por cima num jogo decisivo entre ambos para verificar quem passava aos oitavos-de-final da Champions. Habituamonos a ver estes apoiantes germânicos a criar míticas invasões nos últimos anos por vários palcos europeus, em proporção à importância dos seus encontros. Vários relatos surgiram a indicar que, dias antes desta noite, já alguns alemães se encontravam em Lisboa para tentar obter o maior número de bilhetes, o que não foi possível, pois os sportinguistas também estavam conscientes da importância da partida. Esgotaram, portanto, os cerca de 2.5000 ingressos que tiveram direito. A tarefa para os ‘leões’ na bancada não ia a ser mais fácil, mas começaram num nível bastante elevado com um forte “O mundo sabe que” a abrir este embate. Grande ambiente à volta de todo o estádio, com a particularidade de ser o primeiro duelo em Alvalade depois dos incidentes registados com a polícia na bancada sul, o que poderia despertar algum clima de tensão. O Sporting até marcou primeiro, provocando o delírio no público presente. Porém, na segunda parte, o Eintracht fez dois golos e deu a volta, para gáudio dos seus adeptos, que vão assim ver o seu clube nos ‘oitavos’, nesta primeira vez que disputam a Liga dos Campeões.

Sporting CP x Vitória SC | 05-11-2022

Ainda antes do encontro, uma turma vitoriana, mais concretamente de elementos pertencentes aos grupos da nascente inferior do seu estádio, chegaram às imediações de Alvalade à parte dos restantes adeptos criando alguns momentos de tensão. Estes foram encaminhados pelas autoridades policiais para a esquadra e impossibilitados de assistir à partida.

Relativamente às bancadas, uma casa e um

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ambiente longe do nível que costuma atingir em embates entre estas duas equipas, fruto também do mau momento atravessado pelos leões. De qualquer maneira, a vitória confortável por 3-0 serviu para se registar um apoio animado até ao fim.

Vitória SC x FC Vizela | 09-11-2022

Por causa dos incidentes registados no confronto anterior, os ultras da nascente inferior vimaranense decidiram abrir uma mensagem apelando a uma tomada de posição da direcção do clube para os defender, relembrando dois terrenos onde foram impossibilitados de entrar recentemente por parte da polícia: “Braga/Alvalade - Direção, queremos ação”. Quanto a este encontro, a contar para a Taça de Portugal, foi bem animado e só se resolveu no prolongamento, a favor dos de Guimarães. As bancadas não estiveram tão preenchidas quanto o normal, uma vez que se realizou a uma 4ª feira, mas este duelo entre vizinhos teve um bom apoio de parte a parte.

Boavista FC x FC Porto | 12-11-2022

Dérbi da cidade Invicta com destaque para a presença dos milhares de adeptos portistas que compuseram o topo norte do Estádio do Bessa. Com vários momentos de pirotecnia nos dois anéis e com um forte apoio vocal, em que o resultado favorável para os azuis e brancos também contribuiu. Nota ainda para a tarja dos Super Dragões acerca do Mundial do Qatar, à imagem de outros grupos nesse fim-de-semana, naquele que foi um protesto conjunto organizado pela APDA.

FC Paços de Ferreira x FC Vizela | 13-11-2022

Mais de 5.000 espectadores presentes em Paços de Ferreira, o que já de si é motivo de valor, tendo em conta tratar-se de um Domingo chuvoso para um embate entre uma equipa da casa sem qualquer vitória e um Vizela que vinha a atravessar uma fase negativa em termos de resultados. Os pacenses vinham então de 12 jornadas

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seguidas sem ganhar e aderiram em bom número ao apelo do clube, que incentivou ao longo da semana a uma boa casa. Porém, os forasteiros colocaram-se em vantagem logo no início da segunda parte, com dois golos praticamente seguidos, o que levou a um natural sinal mais do apoio dos minhotos, mais concretamente da Força Azul, que deu um bom espectáculo na bancada descoberta.

SC Farense x CD Trofense | 16-11-2022

Destaque para o protesto dos South Side Boys. Depois do intervalo, alguns elementos não puderam regressar ao seu sector por ordem das autoridades policiais. Por esse motivo, o grupo decidiu abandonar a bancada e apoiar a sua equipa, através de cânticos vindos do exterior do Estádio São Luís.

AD Machico x SC Salgueiros | 20-11-2022

Presença da Alma Salgueirista na Ilha da Madeira, tendo sido a segunda vez no espaço de um mês (depois de também terem ido ao jogo em casa do Marítimo B, em Outubro). Cerca de 15 elementos apoiaram a sua equipa em mais uma vitória, reforçando o primeiro lugar na sua série do Campeonato de Portugal.

Aniversário dos Diabos Vermelhos | 19-112022

O grupo ultra encarnado comemorou o seu 40º aniversário. Um número marcante que foi assinalado, em bom estilo, com uma bela tochada em redor do Estádio do Sport Lisboa e Benfica.

Uma semana mais tarde, faleceu um elemento histórico da claque com a alcunha de Careca. No dia seguinte, dia 26, o Benfica teve um encontro em casa diante do Penafiel (a contar para a Taça da Liga), sendo que os Diabos Vermelhos fizeram a devida a homenagem, através de uma mensagem, e ainda continuaram com as comemorações, em que houve tempo para a abertura de pirotecnia.

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FC Porto

x CD Mafra | 25-11-2022

Encontro marcado por uma homenagem feita a Reinaldo Teles, pois aconteceu no dia em que fez dois anos que o antigo dirigente portista faleceu. O Colectivo 95 e Super Dragões realizaram uma coreografia conjunta apresentada numa das bancadas centrais, na qual se podia ler: “Eterna saudade, tio Reinaldo!”.

Falecimento de Fernandes Gomes | 26-112022

Um dia depois do anterior registo deuse a trágica notícia da morte de Fernando Gomes, histórico avançado do futebol português em particular do FC Porto, tendo sido naturalmente algo que assombrou o universo azul e branco. Por isso, no dia seguinte, foram muitos adeptos portistas que se concentraram nas imediações do Dragão e participaram nas cerimónias fúnebres, com particular destaque para as mensagens, cânticos e material das suas claques, que marcaram presença.

Lusitano FC x Silves FC | 26-11-2022

Quatro dias após o 15º aniversário do grupo Ultras Orgulho Lusitano, da formação de Vila Real de Santo António, houve espaço para uma comemoração típica do futebol mais popular. Com material, fumo vermelho e a data de fundação do clube, deu-se um bom momento neste encontro da 1ª Divisão da distrital algarvia.

Aniversário do Leixões SC | 28-11-2022

Os leixonenses comemoraram o 115º aniversário do seu clube e os seus ultras decidiram comemorar com várias iniciativas. A 11 dias da data lançaram uma mensagem diária em diferentes pontos de Matosinhos, com simples frases de comemoração ou com críticas acerca da gestão actual. Foram também colocadas informações, em forma de pequenas placas de indicações, nos locais históricos na cidade que influenciaram a vida do clube. Na noite festiva, alguns ultras

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leixonenses realizaram uma tochada numa dessas ruas com simbologia especial.

Sporting CP x SC Farense | 30-11-2022

Jogo nocturno a meio da semana, para a Taça da Liga, o que poderia não ser motivo de destaque não fosse a excelente presença dos farenses em Alvalade. Seis autocarros e muitos carros particulares rumaram de Faro até Lisboa, numa excelente “invasão” dos adeptos do clube algarvio. O encontro até acabou por ser completamente desnivelado, com o Sporting a vencer por 6-0(!), mas os South Side Boys tiveram um excelente registo em número e em apoio vocal durante grande parte da partida.

Do lado da casa, de salientar uma mensagem da Juventude Leonina, em que se podia ler: “Esta é a nossa seleção!!!”.

Força Azul no treino do Vizela | 03-12-2022

Foi com grande estupefacção que a SAD vizelense comunicou, no passado dia 30 de Novembro, a demissão do treinador Álvaro Pacheco, figura muito querida pelos adeptos do emblema minhoto, tanto pela sua personalidade como pelo sucesso desportivo, em que levou o clube do terceiro escalão nacional até à primeira divisão. Uma reestruturação no comando técnico justificada pela SAD por alegados motivos de divergência de opiniões, o que enfureceu os adeptos do Vizela. Depois de muitas críticas a essa decisão nas redes sociais e de algumas iniciativas de solidariedade para com o treinador, por parte dos simpatizantes, a Força Azul decidiu marcar presença no treino da sua equipa, com várias dezenas de elementos. A sessão foi interrompida por causa da muita pirotecnia lançada para o relvado, sendo que foram bem audíveis cânticos de desagrado.

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CASOS INSÓLITOS DESTE MUNDIAL

Numa escolha, no mínimo, controversa para o país acolhedor do Mundial, era de esperar polémicas e episódios caricatos fora das quatro linhas. É sabido que o Qatar tem uma cultura assente em valores diferentes à realidade dos ambientes que nos habituamos a ver nas grandes competições desportivas. Por essa razão, deixamos aqui alguns dos episódios caricatos que vieram a público. Provocação de um equatoriano no jogo de estreia

O primeiro jogo do Mundial realizou-se entre Qatar e Equador. Um adepto forasteiro, no meio dos muitos qataris presentes, fez um gesto associado ao dinheiro, enquanto gritava “money”. Há quem justifique este gesto com a estranha decisão para aquele país acolher esta competição enquanto que outros alegam ter existido uma proposta de suborno para os jogadores do Equador perderem o jogo. Os apoiantes da selecção da casa não gostaram, mandaram-no sentar, mas nada de grave se passou.

Ingleses à procura de cerveja acabam... num palácio!

Uma das maiores curiosidades deste mundial seria verificar como muitos adeptos iriam lidar com a escassez de espaços onde poderiam saborear bebidas alcoólicas. Pois bem, dois ingleses andavam meios perdidos à procura de umas simples cervejas, quando passou por eles, na estrada, um filho de um sheikh, que os convidou para irem ao seu palácio beber. Este levou-os numa carrinha, deu-lhes cerveja e ainda os fez conhecer e conviver com os seus animais: Leões, macacos e aves raras! Tudo isto foi filmado pelos britânicos, sendo que os vídeos naturalmente viralizaram nas redes sociais.

Bandeira de um estado brasileiro confundida com simbologia LGBT Antes do encontro entre a Arábia Saudita e a Argentina, viveu-se alguma tensão entre qataris e alguns brasileiros, sendo um destes jornalista. Segundo relatou este último, os

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seus compatriotas iam com uma bandeira do estado brasileiro de Pernambuco. Pelo facto de ter um arco-íris, vários locais pensaram que era um artefacto de propaganda LGBT e atacaram-nos. As autoridades policiais intervieram, não autorizaram a entrada dessa mesma bandeira e alegadamente obrigaram à remoção de um vídeo gravado por esse jornalista.

Selecção alemã vs locais

A equipa da Alemanha pretendia que o seu capitão entrasse em campo com uma braçadeira em apoio à causa LGBT, algo que foi negado pela FIFA. Por essa razão, em forma de protesto, os jogadores pousaram para a habitual fotografia de pré-partida com a mão em frente à boca, algo que não agradou propriamente aos qataris. Estes últimos responderam nas bancadas logo no jogo seguinte dos alemães, diante da Espanha, com fotos de Mesut Özil, jogador que renunciou à selecção germânica e acusou a sua federação de racismo. A prestação da Alemanha foi muito aquém das expectativas, sendo eliminada na fase de grupos. Num programa de televisão no Qatar, os comentadores não perdoaram e meteram a mão em frente da boca, ao mesmo tempo que gesticulavam em sinal de adeus. Incidentes entre argentinos e mexicanos Numa ‘fanzone’ em Doha, viveram-se um dos raros momentos de confrontos entre adeptos. Apoiantes destes dois rivais do continente americano, entraram em “vias de facto”, depois de uma troca de insultos. Este episódio ocorreu durante o encontro entre a Espanha e a Costa Rica, a três dias do duelo precisamente entre Argentina e México.

Adeptos polacos com vodka no interior do estádio

Apesar da proibição de bebidas alcoólicas nos recintos desportivos, dois polacos fotografaram-se com uma pequena garrafa de vodka, durante o encontro da sua selecção contra a Arábia Saudita. Certamente deram azo à originalidade para conseguirem ludibriar a segurança e entrarem com aquela bebida adorada no Leste Europeu...

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Trânsito no Espanha vs Alemanha

Um artigo da Tribuna Expresso, conhecida precisamente pelas suas reportagens de histórias peculiares no mundo do desporto, deu conta das dificuldades nos acessos ao estádio aquando deste encontro. Embora este jogo tenha sido no terreno mais longínquo da capital (fica aproximadamente a 50 quilómetros de Doha), pode ter sido um exemplo do que aconteceu em mais jogos, em que muitos adeptos impacientes saíram dos seus táxis ou autocarros e foram a pé, a praticamente três quilómetros do recinto, cansados da lentidão do tráfego e da forma como não havia escoamento da via em direcção ao estádio.

Sósia do Neymar

Um dos verdadeiros protagonistas deste Mundial acabou por ser um adepto disfarçado de Neymar. Eigon Oliver, com muitas parecenças ao jogador brasileiro, deu logo que falar no encontro entre o Brasil e a Suíça. Enquanto o verdadeiro Neymar estava ausente do encontro por lesão (e permaneceu no hotel), o “sósia” esteve por todo o lado... Nas bancadas, em campo, em áreas restritas aos jogadores, tirou fotografias com espectadores e seguranças, sendo que estes últimos só o reconheceram algum tempo depois. Não se ficou apenas por aí, sendo uma das atracções no Qatar em dias seguintes. Passeou por centros comerciais e ‘fanzones’, enganou meio mundo e provocou o caos no meio de muitos que ansiavam por tirar uma fotografia com ele.

Invasão de campo para um... triplo protesto!

Foi precisamente no embate entre Portugal e Uruguai que se deu uma invasão de campo que deu que falar. Mario Ferri, um activista italiano de 35 anos já conhecido pelas suas interrupções em jogos de futebol, parou a partida pouco depois do início da segunda parte. Com uma bandeira LGBT na mão e uma camisola em que pedia a salvação da Ucrânia e o respeito pelas mulheres iranianas, fez um protesto à sua maneira, tentando alertar para três das causas que defende.

Temeu-se pela severidade do castigo que podia ser alvo naquele país, mas foi libertado poucas horas depois, teve apenas que assinar um termo e o próprio ainda elogiou a polícia local!

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Mítico adepto inglês proibido de despir a camisola

Paul Gregory, com a alcunha de Tango, um inglês de 60 anos muito conhecido por acompanhar quer a selecção do seu país como o seu Sheffield Wednesday, foi proibido de fazer algo pelo qual também tem a sua fama no mundo dos adeptos - ficar em tronco nu. Depois de despir a sua camisola, alegadamente a pedido de um fotógrafo que estava perto de si, durante o encontro entre a Inglaterra e o País de Gales, um segurança foi até junto dele pedir para a vestir de volta, isto porque, na cultura muçulmana, expor partes do próprio corpo continua um assunto tabu.

O “corpulento” apoiante acatou a ordem e pediu desculpa no meio de uma boa disposição entre toda a gente. A parte superior do seu corpo (bastante tatuada, digase) voltou a ficar com a camisola colocada.

Iraniano morto a festejar derrota Não se trata de um episódio ocorrido no Qatar, mas acaba por estar relacionado com o evento. Derivado à derrota do Irão no seu derradeiro jogo da fase de grupos, frente aos Estados Unidos da América e que acabou por causar o afastamento do Mundial, muitos iranianos saíram às ruas para... festejar. Algo que pode parecer estranho, mas acontece como mais um protesto contra o governo do seu país.

Infelizmente, Mehran Samak, de 27 anos, acabou por baleado mortalmente pelas autoridades policiais, na cidade de Bandar Anzali. Curiosamente, Mehran era amigo e ex-colega de formação de Saeid Ezatolahi, médio da selecção que até realizou os 90 minutos da partida dessa noite.

Por fim, mas não menos importante, recordamos que este foi um mundial onde houve várias polémicas onde os números de espectadores por partida levantaram dúvidas de manipulação e onde vimos adeptos alugados para apoiar as várias seleções. Uma verdadeira bancada de figurantes, parece que encontramos a referência dos da Liga, FPF e dos políticos portugueses.

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ao início da tarde e parar na Villa Borghese pelo caminho já tinha sido trocado por uma viagem de táxi que demorava metade do tempo ao dobro do preço. Quando parou o carro, o casaco azul da Squadra Azzurra que vestia e a bola pendurada – ao lado de um terço católico – no retrovisor denunciaram a paixão do Matteo por futebol e ficou desde logo claro que a conversa que ia pautar aquele trajeto ia ser monotemática.

A provocação que mexia na ferida aberta que é a ausência da Itália do Campeonato do Mundo deu lugar a uma pergunta inevitável. Roma ou Lazio, Matteo? “Nenhum”, respondeu enquanto mostrava a capa do telemóvel com o símbolo da Juventus e explicava que não era romano e, portanto, não era romanista nem laziale. Estava ali à procura de uma vida melhor, mas o coração dele estava em Turim. A conversa resvalou para a rivalidade entre os dois clubes da

sabem que todos são de Roma e todos são de Lazio e sabem que este sítio pertence aos dois”. Futebol é paixão, mas também é ódio e, por isso, não se inibiu, enquanto estava parado no semáforo, de enfatizar que havia um clube que ninguém suportava: “mas todos odiamos a Atalanta, são pequenos e demasiado barulhentos”. O plano era ficar no Foro Olimpico, o mais perto possível do Stadio dei Marmi, contíguo ao Stadio Olimpico, para visitar o relvado circundado por 60 estátuas de mármore, cada uma com quatro metros de altura, antes de ir para o jogo. No entanto, a viagem foi encurtada uns minutos. Quando do lado esquerdo se começou a vislumbrar o Stadio Olimpico, do lado direito desenhouse a Ponte Duca d’Aosta com as suas duas colunas esculpidas em alto-relevo com cenas de guerra e, naquele dia em especial, adornadas com bandeiras e cachecóis

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giallorossi com inscrições que denunciavam a guerra dos tempos modernos: “Roma o morte”, “Anti Laziale”, “Odio Napoli”. Depois da ponte, uma fila interminável de bares e cafés e uma estrada praticamente intransitável. De um lado e do outro amontoavam-se os adeptos da Roma e, de quatro vias disponíveis, permitiam a passagem de carros apenas numa. A maioria estava em pé, quase todos vestidos de preto e com as camisolas a identificar a que grupo pertenciam. Ao fundo viam-se as bandeiras, que de vez em quando ficavam a esvoaçar por uns minutos para mostrar as cores da Roma. Poucos eram os que estavam desatentos à estrada ou a quem por ali passasse poucas horas antes de um dos dérbis mais interessantes do futebol italiano. A janela do carro aberta deixava perceber que, por enquanto, não havia cânticos e o barulho ainda não era ensurdecedor. Havia apenas um ruído, quase em tom de sussurro. Ali não havia nenhuma festa do futebol e aquilo não era uma fan zone. Era uma coisa diferente, que eu ainda não conhecia depois de tantos jogos que vi em Portugal e uns quantos fora do país. Futebol e calcio podem ser sinónimos, mas não são a mesma coisa. “Matteo, ficamos já aqui, obrigada”.

Derby del Sole: uma amizade desfeita As histórias da Associazione Sportiva Roma e da Società Sportiva Calcio Napoli cruzaram-se quando os dois clubes davam os primeiros passos. Com o coração do calcio a bater no Norte de Itália, os emblemas do Centro e do Sul do país representavam a resistência e a intenção de ter um campeonato italiano em vez de nortenho. A solidariedade pautava a relação das duas instituições e dos adeptos. Durante décadas, a amizade refletiu-se nas bancadas quando os dois clubes se defrontavam, mas também quando um dos clubes defrontava o rival do outro.

O nó começou a desfazer-se na década de 1980. A receção da Roma ao

Napoli em 1987 assinala o momento de rotura. “A culpa de que já não haja uma amizade é minha e eu arrependo-me disso”: as palavras são de Salvatore Bagni, o médio italiano que representou os azzurri. Os relatos da época dão conta da tensão, pouco habitual naquele tempo, que se sentia nas bancadas. No relvado, a Roma liderava pela margem mínima quando Maradona ficou responsável pela cobrança de um pontapé de canto. A bola descreveu um trajeto perfeito até chegar à cabeça de Giovanni Francini, que assina o golo do empate. Naquele momento, quando a equipa napolitana se dirigiu para a Curva Nord para festejar com os adeptos visitantes, Salvatore Bagni dirigiu-se à Curva Sud, onde ficam os adeptos da Roma, e protagonizou o célebre gesto dell’ombrello dirigido aos adeptos da casa. A amizade não recuperou deste golpe. Não há rasto de solidariedade depois de 35 anos e a amizade deu lugar a insultos, ofensas, violência, feridos e mortos. Em 2005, um jogo da Coppa Italia teve como saldo 31 polícias feridos e 15 adeptos detidos. Em 2008, 17 adeptos do Napoli foram detidos em Siena, acusados de atacar um autocarro de adeptos romanistas a caminho de Genoa. Pouco tempo depois, adeptos dos dois clubes foram detidos na sequência de um esfaqueamento. Mas foi em 2014 que se escreveu o capítulo mais sombrio desta história, quando Napoli e Fiorentina se encontraram para a final da Coppa Italia no Stadio Olimpico. Perto do estádio, confrontos entre adeptos da Roma e do Napoli acabaram com o som de um tiro que perfurou as costas de Ciro Esposito, que não resistiu aos ferimentos depois de mais de 50 dias numa cama de hospital. O saldo desta vez foi de um morto, um condenado a 26 anos de prisão e duas vidas estragadas.

Um anfiteatro e uma marcha solene Entre a Ponte Duca d’Aosta e a fileira de bares e cafés onde se concentram os ultras da Roma, há um caminho de escadas

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que conduzem à Via Capoprati, uma estrada e uma ciclovia contíguas ao Rio Tevere. Foi preciso furar por uma muralha de adeptos para chegar às escadas. Na cidade do Colosseo, parecia que era ali, num vão de escadas nada turístico e que iam dar a uma estrada desprovida de beleza, o anfiteatro mais interessante de Roma: nos degraus sentavam-se tantos adeptos que para alguém passar era preciso contar com a boa vontade dos outros em se levantarem. A Via Capoprati era o palco. Dezenas de adeptos estavam ali, em pé, a recitar as letras de amor à Roma, liderados por um adepto muito mais velho que, poucos minutos antes, tinha atravessado a ponte sozinho, com uma bandeira ao ombro e a trautear, a uma só voz, as mesmas melodias. Era o maestro. À frente tinha uma orquestra e atrás estava o público. Aquele momento lembrou-me que, apesar de gostar de ver futebol e de falar de futebol – o futebol que é jogado, a tática e a técnica –, o que mais me intriga e o que me parece mais bonito e mais interessante é a massa de adeptos que segue quase cegamente um símbolo, uma cidade, um emblema, um hino. As massas em vez das elites. Tinha sido sobretudo por causa daqueles adeptos – e também dos adeptos adversários –, mais do que por causa dos jogadores ou dos treinadores, que viajei de Portugal para Itália e estive em Roma durante 36 horas para ver um jogo de futebol.

as bandeiras estavam soltas à espera de qualquer rajada de vento para esvoaçar e havia mais forças de segurança a controlar o trânsito – e os adeptos. As portas do estádio já estavam abertas, mas não havia, por enquanto, movimento a registar. Ninguém se dirigia ainda para dentro do estádio. Cá fora parecia que todos estavam à espera de alguma coisa que não tinha sido divulgada, mas que todos – ou quase todos – sabiam o que era. O burburinho continuava igual, quase um sussurro. E foi assim que, sem alarido e sem anúncio, se formou o cortejo. Do outro lado o trânsito tinha sido interrompido e, num silêncio quase solene, um grupo de adeptos organizou-se, atravessou a estrada e arrastou uma multidão, que se não estivesse a olhar provavelmente não se tinha apercebido do movimento. Só se ouviu uma voz quando, à frente do cortejo, um adepto se apercebe de um transeunte – nada discreto – a filmar. Diz-lhe para guardar o telemóvel: “questa é l’Italia, no?”. As palavras foram recebidas como uma ordem.

A estrada continuava com apenas uma via transitável. A única diferença é que os adeptos tinham duplicado em número,

Os primeiros metros foram percorridos assim: em silêncio, a ritmo lento, com as bandeiras que caracterizam a Roma a marcar todo o percurso. Depois os cânticos, mas sem mudar o ritmo. O caminho, que foi percorrido de forma solene como se de uma cerimónia ou um ritual se tratasse, tinha como destino a Via Roberto Morra di Lavriano, a rua por onde passa o autocarro da equipa antes de entrar no estádio. No chão estava uma tarja com a assinatura da Curva Sud em que se podia ler: “Altri 90 minuti di

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battaglia… noi com la você, voi com l’orgoglio di indossare quella maglia” (em português: “Mais 90 minutos de batalha: nós com a voz, vocês com o orgulho de vestir esta camisola”). A chegada do autocarro que transportava Mourinho e a sua equipa foi apoteótica: as bandeiras levantadas, a tarja que obrigou o autocarro a parar e as cores da Roma a incendiar o fim de tarde. Quando o autocarro retomou a marcha, o barulho foi ainda mais ensurdecedor. “Odio Napoli, odio Napoli, odio Napoli”. Eram estas as palavras que ecoavam nas imediações do Stadio Olimpico.

Mai Sola Mai

A manhã do dia do jogo foi ocupada com um percurso que incluiu uma paragem num quiosque para comprar o Gazzetta dello Sport, conhecer o Coliseu, o Panteão e o Monumento a Vítor Emanuel II e, eventualmente, parar numa rua qualquer para comer uma pasta bolognese. O almoço acabou com o dono do restaurante a mostrarnos a capa do telemóvel com uma fotografia de Mourinho a segurar o troféu da Conference League quando se apercebeu de que éramos

portugueses. Numa cidade impressionante e grandiosa como é Roma, caput mundi, capital do mundo, pareceu-me difícil encontrar algum lugar mais impressionante ou arrebatador do que aqueles por onde já tinha passado. Estava errada. Apesar de ter visto o Stadio Olimpico vezes sem conta durante toda a minha vida através dos ecrãs das televisões e depois de computadores e dos telemóveis, fiquei arrebatada com a beleza e a dimensão daquele anfiteatro assim que subi as escadas da Curva Nord e cheguei à bancada. O estádio já estava praticamente cheio, os jogadores aqueciam com um ambiente que faz inveja a muitos jogos e os adeptos do Napoli estavam alocados ao setor superior da secção visitante do estádio. Os jogadores desceram aos balneários e as bandeiras começaram a esvoaçar dentro do estádio com a Curva Sud a ser ainda mais bonita do que eu imaginava. As

bandeiras são um objeto especial em Roma. No exterior do estádio é fácil ver adeptos com uma bandeira, cada um com a sua. Umas só com as cores da Roma, outras com palavras e

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outras com desenhos e imagens. Parece ser como um cachecol para os adeptos de outros clubes: quase indispensável e parte do ritual de ir ao jogo. Pouco tempo depois começou a soar nas colunas do estádio a melodia e uma voz que rapidamente foi replicada por mais de 60.000 pessoas: “cosa sei per me/ spiegarlo non è facile”.

E são os primeiros versos desta música que explicam o momento que antecede o hino da Roma: difícil de explicar. “Guarda questa gente che ti segue e s’innamora/devi esserne orgogliosa, tu sei la Roma/Sei tu che dai speranza a una città/che dai orgoglio e dignità”. Olhei à minha volta e durante alguns segundos senti inveja porque aquela música e aquelas palavras não eram dedicadas ao meu clube e à minha cidade. As cores, a letra, a melodia e as bandeiras formam uma junção perfeita dentro do Stadio Olimpico. Dentro de campo, a Roma de Mourinho não conseguiu parar o Napoli deslumbrante de Spalletti. Ao minuto 80, Victor Osimhen chegou à baliza para assinar o golo solitário que estabeleceu o resultado. No setor do Napoli, mais despido, menos barulhento e mais desorganizado do que eu esperava, um adepto escapou ao cordão de segurança, desceu as escadas até à fila mais próxima do relvado e celebrou com os jogadores. O jogo terminou, o estádio despiuse e eu aproveitei o momento para ficar sentada no Stadio Olimpico di Roma quando estava praticamente vazio. Não sou adepta da Roma, não sou romanista, não sou de Roma e costumo dizer que não conseguiria apoiar um clube da capital de um país e menos ainda um clube mundial, mas percebi, finalmente, porque é que o Totti nunca deixou a Roma.

Por Raquel Veiga, com fotos de Hugo Marcelo

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Na pré-história da civilização, as pinturas rupestres representaram, muito possivelmente, a primeira forma de arte desenvolvida pelo Homem. No campo da arte desenvolvida por adeptos, certamente que a nossa “pré-história” deu-se na década de 1970.

Como uma das fotografias retrata, nessa década o Boys (Roma 1972) difunde a sua simbologia e a mensagem “laziali estamos à vossa espera”, no ano de 1976. Por aquela altura, o Olímpico de Roma acolheu muita tinta nas suas paredes. E é a partir deste exemplo que começo a desenvolver o raciocínio, pois importa refletir no conteúdo que esta forma de expressão passa. As pinturas de adeptos difundem parte da identidade de um clube e/ou grupo de apoio e/ou cidade, são uma expressão de afecto e orgulho, também com o objectivo de marcar território. Então, faz sentido que se comece a pintar na nossa terra ou “casa”.

Ao longo dos anos, esta forma de expressão não se desenvolveu rapidamente no seio dos grupos de apoio, grupos esses que iam aproveitando as latas de spray para marcarem a sua presença durante as deslocações e pouco mais. Com o desenvolvimento da cultura Hip-Hop na Europa o Graffiti ganhou muitos admiradores e espaço nas ruas. Acreditamos que daí cresceu o interesse dos grupos de apoio em embelezar sectores e sedes com recurso à arte. E depois vem a rua... Neste âmbito, há que destacar o trabalho massivo e de excelência da Torcida Split nas ruas da Dalmácia. É surreal visitar Split, demais cidades e “terrinhas” próximas e ver um infindável número de murais referentes ao Hajduk e à Torcida. Pintam de todas as formas e feitios e em todo o tipo de superfícies. Do resultado soberbo do afinco da T. S., gerou-se um verdadeiro “efeito bola de neve” em todo o “velho continente”. Um dos afectados pela visita àquela cidade croata foi um dos mais históricos ultras dos South Side Boys, que fascinado com aquela envolvência decide motivar os seus companheiros e desenvolver o primeiro mural, com incidência na simbologia do S. C. Farense e dos núcleos Grupo Porno e Ragazzi. Em Portugal, os South Side Boys tornaram-se a maior referência nesta área. E assim foi, a partir do verão de 2015 quando,

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na pré-época, o grupo desenvolve um concurso de murais entre os seus núcleos. O tema dos murais seria “Sou de Faro, sou Farense”, numa iniciativa que resultou em quatro belos murais. Ao longo dos anos, o recurso à técnica de stencil também foi ampla e positivamente utilizada e foram sendo feitos mais murais, com destaque para um resultante de imenso trabalho competente, feito aquando do tão esperado regresso à Primeira Liga. Para compreenderem melhor a dimensão da obra, essa peça ocupou 52,25 metros por 4,05 metros. Nota para o facto de que os murais farenses foram desenhados com recurso a projector.

se de pintar os símbolos do Leixões S. C. e do grupo de apoio. Um ano depois, os mafiosos encarregaram-se de graffitar no interior do Estádio do Mar a peça “Juntos venceremos”, em forma de incentivo à equipa. Já em 2018, alguns membros da M. V. decidem avançar por si na elaboração de stencil’s (moldes) e espalhar a simbologia e a palavra do “leixonismo” pela sua cidade. A ideia sempre foi tornar o clube mais visível nas ruas da cidade, através de homenagens, da transmissão de informações históricas ou de maneiras de pensar e de estar. A maioria das vezes com pouca organização e projecção do que iriam pintar, fizeram da capacidade de improviso a sua maior valência para conseguirem pintar mais de 25 paredes pelo concelho matosinhense, a maioria delas de forma ilegal. A preferência por uso de materiais como rolos, pincéis e tinta de construção civil não facilitaram as “missões” deste conjunto de jovens que só no âmbito clubístico levou a cabo este tipo de acções de arte urbana. Deve dizer-se que, se Split inspirou os farenses, os farenses inspiraram os leixonenses.

Muito mais a norte da capital do Algarve, em Matosinhos, corria o ano de 2012 quando a Máfia Vermelha organizou a realização do seu primeiro graffiti na praia da cidade. A escolha do local deveuse ao forte sentimento de pertença que os matosinhenses nutrem por aquele lugar e foi realizado sob o comando operacional do writer (nome dado a um artista de graffiti que pinta nomes) Hesk. O writer Boz encarregou-

“Voltando lá fora”, muitos grupos de apoio assumem uma postura imensamente pró-activa neste contexto, sobretudo em países como a Alemanha e a Polónia, por exemplo. Aí, já é normal existirem colectivos bem organizados dentro de grupos de apoio, convergindo a experiência de malta que anteriormente já fazia graffiti fora da bola e pessoal que apenas começou a pintar através da ligação ao seu clube. São capazes de nas “trasfertas” ao estrangeiro fazerem “bombing’s” (graffitis de execução rápida com 2/3 cores), de pintarem comboios, metros e autocarros, algo que foi representado na coreografia comemorativa dos 725 anos da cidade de Düsseldorf pelos ultras do Fortuna, num jogo contra o Bochum em 2013. Por ocasião dos derbies, vários grupos optam por decorarem as entradas das suas cidades, sendo também hábito a pintura

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de comboios, que viajam até à cidade do rival, com insultos ou provocações ao adversário. Isto aconteceu com mais incidência durante o período de confinamento (Covid-19), uma vez que os estádios estavam fechados ao público.

A título de exemplo do que se vai fazendo em Portugal, devemos referir que os Red Boys também realizaram várias obras no seu território, com destaque para “Braga diz não ao Cartão do Adepto!”. Nos últimos tempos, há a destacar as homenagens de Colectivo Ultras 95 e Diabos Vermelhos, que decidiram homenagear figuras de relevo dos seus clubes através da “street art”.

Esta é sem dúvida uma boa ferramenta para os adeptos demonstrarem a paixão e devoção pelos clubes/grupos a que são afectos e de reivindicarem o que acham de direito. Força, pintem as vossas cidades com as vossas cores!

Por L. Cruz

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RAPID VIENA X AUSTRIA VIENA

Viena era um destino que já estava no radar há algum tempo, por ter ouvido relatos de pessoas que lá tinham estado e que tinham recomendado e, por outro lado, por ser a casa do Rapid de Viena, um clube com uma curva de grande colorido e daquelas que, para mim, mais se destacam a nível visual e coreográfico. Mal cheguei a Viena, na sexta-feira anterior ao derby, o primeiro destino foi logo o estádio, pois queria ir à loja do clube e queria ver se encontrava alguma actividade dos Ultras Rapid. Por sorte, encontrei vários membros do grupo na entrada do seu sector, por baixo da cobertura, a preparar o tifo que viria a ser apresentado no domingo. Ainda falei com alguns para ver se tinham ali material disponível, mas disseram que não tinham nada ali e para os procurar no dia do jogo pois lá iriam ter a banca montada. No dia do jogo fui para as redondezas do estádio relativamente cedo, para ver o ambiente, com aproximadamente 2 horas de antecedência. Deu para ver o cortejo dos ultras do Áustria de Viena, que estava bem composto e que contou com alguma pirotecnia pelo caminho, e deu também para testemunhar o ambiente que se criou na entrada do Block West, sector dos ultras do Rapid de Viena. Destaco a quantidade de membros presentes de grupos que têm amizades com os Ultras do Rapid,

como os Ultras Nurnberg, Green Monsters do Ferencvaros e, principalmente, do Gate 13 do Panathinaikos que, sem exagerar, seriam centenas.

As portas do estádio abriram mais ou menos uma hora antes do jogo e, lá dentro, antes da entrada para a bancada dos grupos, era possível ver os vários grupos do Rapid com as suas bancas a vender material, nomeadamente os Ultras Rapid, Tornados, Spirits, Lords, SAF e Green Lions. Destaco também a quantidade de graffitis presentes nesse mesmo espaço, onde as amizades com os grupos já atrás referidos são visivelmente valorizadas.

Uma vez na bancada, foi possível ver que os preparativos para o tifo já estavam todos organizados. À entrada das equipas, foi hora desse mesmo tifo ser erguido, um mosaico com os dizeres “VIOLA MERDA”, em referência aos rivais. Já os ultras do FKA

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fizeram também o seu tifo no sector visitante, algo simples mas com um bom efeito visual, acompanhado de uma boa tochada. Nesse aspecto, destaque para os ultras visitantes que acenderam pirotecnia durante todo o jogo. Já dos ultras da casa, destaque para a tochada no início da segunda parte, com tochas espalhadas por todo o comprimento do sector, e também para outros momentos mais esporádicos durante a segunda parte.

já mencionada pirotecnia a acompanhá-los durante praticamente todo o jogo, o que me surpreendeu pela positiva. No final ficou uma sensação agridoce. Por um lado testemunhei que a curva do Rapid tem, sem dúvida, um grande colorido e uma grande organização, mas esperava mais a nível vocal. Já dos ultras do Áustria, de quem não esperava muito, ficou uma boa imagem dos mesmos, pelo tifo organizado numa transferta, pela pirotecnia já falada, e pelo apoio constante durante todo o jogo.

Resta agora esperar uns tempos e ver qual será o próximo grande jogo a que terei possibilidade de assistir, uma vez que, felizmente, ainda dá para se assistir a bons espectáculos em algumas curvas por essa Europa fora!

A nível vocal estava à espera de mais, mas acredito que o resultado tenha tido influência na prestação dos adeptos da casa, uma vez que sofreram dois golos logo no início da segunda parte. Em contraste, os visitantes estiveram activos durante todo o jogo, galvanizados pelo resultado, com a

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Numa pesquisa rápida pelo Google sobre colecionismo somos levados até ao site do Wikipédia onde encontramos a seguinte explicação: “O coleccionismo é a prática que as pessoas têm de guardar, organizar, selecionar, trocar e expor diversos itens por categoria, em função de seus interesses pessoais”. Entretanto procurei sobre a palavra colecção e aprendi que deriva do termo do latim collectio que por sua vez vem da palavra protoindo-europeia leg, indicada na literatura como falar ou colectar. Assim, parece que as colecções não são meramente um aglomerado de objectos mas sim objectos que, na sua reunião, têm um significado expresso e definido pelo próprio colecionador. É curioso pensar que entre os seres humanos existe a necessidade de usar os objectos como um recurso de memória e devemos destacar que não é só a memória do objecto, mas se perguntarmos sobre a história

de algum objecto, acabamos por descobrir algo sobre a própria vida do colecionador. Esta forma de exteriorizar a nossa vivência em objectos está presente por todo lado. Por isso é normal encontrarmos colecionadores que reúnem vários objectos ligados ao desporto e em particular ao futebol. Por vezes, este como outros colecionismos não fica nada barato. Ainda assim, certamente que muitos de nós conhecemos alguém que coleciona ou colecionou camisolas de jogo, bilhetes, cachecóis, calendários ou outro tipo de artigos deste género. É um vício que nos preenche e, embora possa dizer que, no meu caso, a responsabilidade de eu ser um colecionador recai sobre o meu pai, através das suas coleções de selos e moedas, foi também nas cadernetas de cromos que me fui definindo. Imagino que muitos se identifiquem com este cenário que, pelo menos nos tempos de escola, foi parte da magia de ser criança. Cada um tem a sua experiência e a minha começou em 1991, quando colecionei os meus primeiros cromos das equipas de futebol nacionais da 1ª divisão referente à época de 91/92. Porém, em abono da verdade, foi mais do meu pai do que minha. A partir da época seguinte foi diferente, tinha começado a febre que só terminava quando conseguia completar a caderneta. Lembro-me como se fosse hoje, estava sempre à espera que o meu pai me entregasse as carteirinhas de cromos da Panini que comprava no quiosque ao pé do trabalho. Era uma rotina constante, por vezes alimentada pelas carteiras da caixa que ele tinha comprado e que se negava a dar de uma vez só. Há sempre uma excepção à regra e quando tive uma caixa completa, com todas as saquetas, foi o delírio típico da idade. Havia todo um ritual à volta daquele momento

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que consistia em rasgar, colar e preparar para trocar. Uma rotina que se repetia até completar a caderneta. Não muito depois, talvez a partir de 1996, entendi que os cromos já não eram para mim. O dinheiro, que em tempos não me servia para nada, agora tinha outro peso. Foram as dores de crescimento que geraram um interregno longo que só seria quebrado quando o meu clube criou a sua própria coleção de cromos. Neste momento já estava desperto para a minha vontade de colecionar artigos relacionados com o Vitória, essencialmente cachecóis, mas isso daria outra história. Seria lançada uma segunda

caderneta no mesmo registo e, depois dessa, ficaria de novo afastado dos cromos por um longo período. Até que fui pai. Tal como um dia aconteceu comigo, hoje o meu filho tem a influência do colecionismo dentro de portas, pese embora noutra intensidade. Crescendo habituado a ver a obstinação do pai em busca de relíquias, posso dizer que ele próprio já sente a coleção como sua e sabe que um dia será apenas dele. Foi sensivelmente a partir dos 5 anos do meu filho que voltei a colecionar cromos e, em pouco mais de meia década, uma mão já não é suficiente para contar as cadernetas que já fizemos. Foram de vários tipos, mas as de futebol estão divididas pelas do clube onde ele joga, as da famosa Panini e as que estão associadas a um hipermercado. Face à minha experiência profissional próxima de crianças posso afirmar que estas últimas ajudaram a propagar um pouco mais a febre dos cromos nos mais novos. Recentemente, a um mês dele fazer 11 anos, voltou a entrar em casa com a caderneta do Mundial 2022 cheio de vontade de partilhar comigo a novidade. Porém, já tinha decidido que não iria patrocinar mais nenhuma coleção até porque considero que o valor por cada saqueta é elevado e em colecções mais extensas torna-se uma brincadeira cara. Ele não baixou os braços, já trouxe a da “Fome de vencer”, uma colaboração entre o Continente e a Panini. Haverá sempre a excepção à regra e na verdade eu até gosto disto. O mundo dos cromos é contagiante e afeta novos e graúdos, é uma paixão sem idade que poderá voltar a despertar mais cedo ou mais tarde naqueles que em tempos também foram afetados por esta febre, principalmente naqueles que se tornam pais. Parte da responsabilidade da sua propagação tem um nome – Panini.

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Desde que o movimento ultra cativou todo o meu interesse, sempre imaginei estar no meio de uma curva, ou noutra bancada, a assistir ao espetáculo que os ultras proporcionam. Após uma incursão a San Siro para ver um jogo de selecções, no qual não havia rasto de ultras italianos, a ida a este jogo representa o realizar de um sonho. Antes da bola, foi tempo para almoçar e dar um breve passeio pelo centro da bela Brescia. Depois, segui para o Stadio Mario Rigamonti de metro, no qual vi os primeiros adeptos equipados a rigor para um jogo que opunha duas equipas que estavam coladas na classificação (7° e 8° lugares) devido à igualdade pontual. Fora do campo, as tifoserie envolvidas são rivais, uma vez que se confrontaram em 2018 no terreno do Ascoli. Pelo que percebi, não há outro registo no histórico de confrontos entre ambos. Confesso que, à chegada às imediações do estádio, esperava mais movimento, até porque o jogo começava em 15 minutos. O primeiro avistamento de ultras deu-se à porta da Curva Nord do Brescia, onde havia uma banca para marcação de viagem para a próxima deslocação e venda de material. Já à porta da gradinata (equivalente a uma bancada superior portuguesa), reconheço o Brescia 1911, grupo dissidente da Curva Nord fundado em 1999. Estavam a dobrar o material coreográfico, após a revista

BRESCIA X ASCOLI

policial. Material arrumado, foi hora de reunir toda a “tropa” e de entrar na bancada. Nota para a coesão do grupo, uma vez que aguardaram por todos os membros (à volta de 80) para entrarem. Quanto à assistência, a mesma foi de cerca de 10 mil pessoas, contando com cerca 500 “ospiti”. Os bianconeri começaram a apoiar minutos antes do início do jogo, perante a passividade dos locais. O cenário mudou quando as equipas subiram ao relvado, com uma bela “sciarpata” da Curva Nord Brescia, onde havia ainda mensagens de solidariedade para com os “diffidati” e um membro da Curva Sud Milano. A amizade entre “bresciani” e “milanisti” dura há mais de 25 anos e os “rossoneri” marcaram presença nesta partida. Na bancada ao lado, os Magic Fans (Saint-Étienne) também marcaram presença, com cerca duma dezena de elementos, junto dos amigos do Brescia 1911. Há que relevar que, durante os mais de 90’, um estandarte que releva esta amizade (“Acima de tudo os amigos – Brescia 1911 Magic Fans”) foi o único adereço que esteve sempre elevado.

Voltando ao apoio, o grupo Brescia 1911 apresentou-se com muitos estandartes e uma prestação vocal muito constante, ainda que pouco projectada. Importa referir que o público da bancada onde se encontravam relevou alguma animosidade para com eles,

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sobretudo aquando do levantamento dos estandartes, e nunca acompanharam os seus cânticos, em contraste com o que faziam em relação aos da Curva Nord. Enquanto isso, a Curva Nord apresentou-se como a fonte de maior potência vocal e os ultras do Ascoli tiveram uma boa prestação. Por diversas vezes, fizeram-se ouvir alto e bom som e, mesmo quando não eram audíveis, notava-se que estavam a cantar. Julgo que até melhoraram a sua prestação após o golo do Brescia, marcado na primeira quinzena de minutos da segunda parte.

Foi uma experiência que também contribuiu para compreender melhor as diferenças entre grupos “tesserati” e “non tesserati”. A Curva Nord aderiu à “Tessera del Tifoso” e pôde usar uma faixa longa e bandeiras de grandes dimensões, ao passo que o Brescia 1911 somente tinha panos, bandeiras e estandartes com dimensões até 1x2 metros.

Foi um jogo disputado com qualidade dentro do campo e com muitas picardias na troca de cânticos, algo que aconteceu desde o início. Apesar da equipa bresciana estar em posição privilegiada no

marcador, o Brescia 1911 não poupou as críticas à direcção do seu clube. Tirando o golo da equipa da casa, o resto do estádio só voltou a acordar quando, já nos minutos de compensação, o árbitro assinala uma falta a favor do Ascoli. Como aos caseiros, não me parecia falta, e parecia que todos estavam a adivinhar o que aí vinha: o golo do Ascoli. Quem estava no sector “ospiti”, entrou em êxtase, em contraste com a insatisfação e revolta dos “bresciani”. Mais uma vez, agradou-me a postura do grupo “Ex-Curva Nord”, porque enquanto o resto da “tifoseria” não passava força à sua equipa, eles prontificaram-se de imediato a fazê-lo. Apito final para os jogadores, imensa contestação ao árbitro e debandada geral. Os Brescia 1911 continuaram a fazer a “festa” por mais 10 minutos, pelo menos. Troca de cânticos fraternos com os Magic Fans e de insultos com os “ascolani”. A saída foi feita como a entrada, todos juntos. Dada a volta ao recinto, foi possível ver uma vintena de ultras da Curva Nord a aproximarem-se do sector visitante, insultando os rivais. A polícia interveio prontamente e dissuadiu-os de estarem por ali, com um “spotter” a “perseguir” com uma filmagem todos aqueles que passavam naquela zona. Regressado ao centro da cidade, subi até ao Castello, de onde ouvi cânticos e observei uma imensa fumarada proporcionada pelos amigos italianos e franceses, enquanto faziam o caminho até um local onde continuaram a confraternizar.

Por L. Cruz

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STANDARD LIÈGE X ANDERLECHT

O maior clássico, o 215° da história entre o clube da capital o Anderlecht e o maior clube do sul da Bélgica, o Standard Liège, é aquele com mais rivalidade em termos clubísticos e o que gera mais atenção em volta dos adeptos e da imprensa. Um clássico que em termos de paixão e rivalidade tem estado longe dos anos 80, 90 e princípios dos anos 2000, onde as duas equipas lutavam pelos primeiros lugares e competiam pelo acesso às competições europeias, durante os anos em que o Anderlecht e o Brugge dividiam os campeonatos ganhos. Apenas nos últimos 20 anos o Genk, o Standard Liège e Gent conquistaram apenas 5 campeonatos, entre eles 2 para o Genk, 2 para o Standard Liège e 1 para o Gent.

Nos últimos anos, com a modernização no futebol em larga escala, o Anderlecht e o Standard Liège sofreram com os famosos investidores que invadiram o futebol. No caso do Anderlecht com um investidor farmacêutico belga e o Standard Liège com investidores Americanos. O clássico acabou perdendo o fervor e a paixão de outros tempos, da mesma forma que a falta de títulos (tirando uma taça belga para cada um) e de presenças nas competições europeias desanimou muitos dos adeptos dos dois clubes. A isto junta-se a repressão e as novas leis aplicadas contra os adeptos que levou a que os grupos organizados perdessem vários membros.

Ainda assim, este clássico ficou marcado por alguns episódios. Foi o primeiro clássico onde só foram jogados 60 minutos, depois do jogo ter sido interrompido duas vezes, por incidentes com adeptos do Anderlecht originados pelo arremesso de fumos, tochas e outros objetos para dentro do relvado. À segunda interrupção o árbitro deu a partida por terminada e, assim, o Standard Liège vencia o jogo. A interrupção deu-se depois do terceiro golo do Standard

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Liège o que fez sentir que, com o desenrolar do jogo, podia acontecer uma humilhação histórica. O Anderlecht atravessa uma crise de resultados e teve uma queda na tabela de classificação desde do início da época ao contrário do Standard Liège que tem feito um princípio de época regular e está nos lugares europeus, contrariando os mais críticos.

golo, que levou à interrupção, o jogo foi dado por acabado.

Depois do jogo, a fúria e a revolta de mais uma derrota motivou novos incidentes fora do estádio, no espaço ocupado pelos adeptos da capital, mas em pouco tempo deu-se uma batalha campal entre adeptos das duas equipas, pois as saídas do estádio

Há muito que um clássico não era tão agitado. Contou com uma boa presença dos Ultras Anderlecht (Mauves Army 03) e com os Ultras inferno e Publik Histerik que, a jogar em casa, também estavam em grande número. No princípio do jogo Mauves Army proporcionaram uma entrada com fumos e tochas misturados com as várias bandeiras. Realço que também marcaram presença os South Leaders, o segundo grupo principal que, aos poucos, ganha o seu espaço nas bancadas do clube da capital . Do outro lado, os Ultras Inferno 96 presentearam-nos com uma coreografia onde foi exibido o principal símbolo do grupo, o Diabo, como um sinal de intimidação ao rival. De seguida fizeram uma boa tochada, como a cereja no topo do bolo. Já do lado dos Publik Histerik 04 foi realizada uma coreografia nos dois “anéis” com as cores do clube e com uma mensagem no meio onde se podia ler: Standard Liège estaremos sempre contigo. Durante a partida bons picos de apoio de parte a parte. Com o golo do Anderlecht deu para ouvir várias vezes os da capital, mas por pouco tempo visto que o Standard Liège virou o resultado e afundou o Anderlecht ainda mais na crise. Aos 60 minutos com o terceiro

dos adeptos dos dois clubes estavam muito próximas. A fúria dos adeptos dos dois clubes fez com que alguma vedação caísse e houvesse contacto físico entre ambos tornando as imediações do estádio num cenário de guerra, com lançamento de tochas, garrafas e pedras. Tudo voltou à normalidade depois da atuação da polícia, mas com momentos onde a mesma teve dificuldade visto que o único acesso era a pé e, por momentos, adeptos dos dois clubes estiveram numa luta conjunta contra os homens do bastão. Este é um clássico que fez lembrar muitos outros, em tudo! Resultado final 3-1 a favor da equipa de Liège.

Por Nuno Aimar Fotos cedidas por Nuno Aimar

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SALGUEIROS X BEIRA-MAR

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Disputou-se no final de Outubro este bonito “clássico” entre dois clubes históricos com mais de 50 presenças somadas na 1ª divisão. Estas equipas ainda conseguem arrastar uma consistente massa adepta que mantém a chama acesa destes dois emblemas, mesmo atravessando campeonatos distritais, várias épocas falhadas e a falta de objectivos concretos das suas direcções. Os da casa, SC Salgueiros, disputam os seus jogos no Complexo Desportivo de Campanhã. É um complexo camarário que se revela, sem surpresa, pequeno e sem condições para acolher tamanha demanda da massa adepta deste emblema histórico da cidade Invicta, que consegue quase sempre compor ou lotar a capacidade deste pequeno campo. O futuro do clube terá obrigatoriamente de passar por outro estádio relvado, se o objetivo for o de realmente ir para a Liga 3. Sempre fiéis ao seu clube, a Alma Salgueirista 1985, apresentou-se nesta partida em números mais reduzidos que o habitual e sem algum do fulgor de épocas recentes. O grupo atravessa algumas transformações internas que se refletem no desempenho na bancada e o ameno começo da equipa não ajuda. Os Auri-Negros, apareceram neste jogo com uma massa adepta consistente e deram bastante colorido ao sector onde foram colocados. É bonito de ver adeptos, de todas as idades, empunharem com orgulho as cores do seu emblema e os de Aveiro sabem fazer isso. Na primeira parte tentaram, por diversas vezes, puxar a equipa para outra exibição, mas foi notório que o marasmo do jogo não os conseguiu levar a outras performances. É digno de realce que quando não existe ódio nem rivalidades doentias, como é por demais habitual no nosso futebol, o convívio entre adeptos de cores diferentes é possível e saudável e esta partida revelou isso mesmo.

É também importante sublinhar que estes clubes e estes adeptos precisam

de direções com mais ambição e capacidade para levar emblemas deste calibre para outros patamares e que muito mais terá de ser feito nas próximas épocas. Que venham mais jogos assim, mas noutros patamares.

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Por Nuno Nunes

SC BRAGA X MOREIRENSE

A festa da Taça de Portugal, prova rainha do futebol português, já há muito que foi prejudicada pelas operadoras e pelas restantes instituições que tutelam o desporto, com o intuito de privilegiarem os seus interesses em detrimento do respeito pelo adepto.

Desta vez e como e em muitas outras ocasiões, a FPF acabou por favorecer o seu próprio canal televisivo. Todos os 16 jogos da 4ª eliminatória da taça foram disputados a meio da semana, sendo que apenas 2 deles tiveram o seu apito inicial depois das 20:00, o que resultou em estádios despidos e sem qualquer emoção de norte a sul do país e ilhas. Apesar do Canal 11 ter transmitido 6 jogos da eliminatória, houve 5 que, no entanto, não contaram com transmissão, o que só pode significar 2 coisas: Falta de competência e falta de respeito para aqueles que são verdadeiramente a alma do desporto rei, os adeptos.

O Derby do Minho disputado entre Braga e Moreirense também não foi exceção. Pontapé de saída no Municipal de Braga agendado para as 19:45 duma quintafeira fria e cinzenta na cidade dos arcebispos resultou num ambiente débil e nada hostil nas bancadas, apesar de também se dever ao desleixo de alguns adeptos do clube da casa. Contudo, é de realçar os bons números apresentados pelos grupos ultras de ambos os lados e o apoio protagonizado

pelos mesmos. No setor dos ultras da casa, apoio ininterrupto ao longo dos 90 minutos, com ambos os grupos munidos das habituais bandeiras pequenas e estandartes, conseguiram dar vida e colorido às bancadas da Pedreira e, do mesmo modo, empurrar a sua equipa para a vitória, que acabou por surgir nos instantes finais do encontro. Já por parte dos visitantes, uma deslocação onde todos os presentes têm de ter chegado a casa com o sentimento de dever cumprido. Foram cerca de 3 centenas de adeptos que se deslocaram desde Moreira de Cónegos até à capital do Minho e que se fizeram ouvir ao longo de todo o jogo sempre no apoio à equipa do Moreirense. Dentro das 4 linhas, o futebol praticado por ambas as equipas também não teve nada que se lhe diga, um SC Braga a não demonstrar o seu favoritismo e a ter bastantes dificuldades para se desembaraçar do Moreirense, que incomodou e muito a equipa bracarense na tentativa de provocar uma surpresa na Taça, algo que não conseguiu, devido a um golo tardio do mexicano Diego Lainez, que evitou que o jogo fosse a prolongamento e ditou o resultado final do encontro. Vitória por 2-1 do Sporting Clube de Braga e consequente apuramento para os oitavos de final da Taça de Portugal, onde vai encontrar o seu eterno rival Vitória Sport Clube. Ficamos a aguardar pelo dia e hora deste sempre apaixonante Derby, a ver se desta vez podemos usufruir da verdadeira festa da Taça.

Por N. Castro

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Este é um ano atípico, um ano em que não conseguimos a permanência no escalão maior do futebol português e voltamos à segunda divisão. Rapidamente queremos voltar à primeira divisão e, para isso, construímos uma super equipa que, para já, está a fazer uma época soberba. Até ao momento, em 17 jogos realizados, só contamos com duas derrotas e é aqui que entra aquela que foi a segunda derrota da epoca para o Moreirense. Uma derrota na pedreira a contar para a 4ª eliminatória da Taça de Portugal por 2-1. Assim que decorreu o sorteio o entusiasmo foi muito. Haviam passados seis meses desde um triste dia, mas finalmente iríamos regressar a um estádio da primeira liga.

O dia chegou, de Moreira de Cónegos partiram dois autocarros lotados aos quais se juntaram dezenas de carros particulares, em direção à cidade “vizinha” de Braga. A crença era muita, apesar de estarmos um escalão abaixo e irmos jogar contra umas das melhores equipas do futebol português, mas o futebol praticado pela nossa equipa até ao momento deixava antever que podia acontecer algum tipo de surpresa no resultado final. Saímos de Moreira uma hora antes do jogo e chegamos a Braga sem qualquer tipo de problemas, foi uma entrada tranquila. Quanto ao material, não foi negada a entrada a nada que tivesse as medidas permitidas (1m x1m).

Posto isto, vamos ao jogo, mais concretamente à bancada. Desde o início, os Green Devils e todos os outros adeptos

de Moreira de Cónegos apoiaram e foram bem audíveis em todo o estádio. Aos 15 minutos de jogo sofremos o primeiro golo, ainda assim. não foi motivo para baixarmos os braços e tanto dentro de campo como na bancada continuamos a dar o máximo! Chegamos ao empate ainda

na primeira meia hora de jogo e assim continuamos, fazendo um jogo brilhante. Aguentamos o empate, que daria o prolongamento, até bem perto do fim, mas aos 88 minutos, veio o pior e a equipa da casa acabou por fazer o 2-1. Acabado o jogo, e apesar da derrota, toda a equipa mereceu os aplausos vindos da bancada. Voltamos a Moreira com o sentimento de dever comprido e confiantes de que muito em breve estaremos de volta aos maiores palcos do futebol português. Tudo por Moreira, tudo pelo MOREIRENSE! Um dia Green Devils, Green Devils para sempre!

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CULTURA DE ADEPTO

Na variedade de livros sobre a tematica dos adeptos, há alguns que conseguem ser bastantes especificos. Nesta edição trazemos dois livros fotográficos que entre si também são bastante diferentes. Um é o retrato de um dia histórico para os adeptos vimaranenses, o outro é o retrato de uma vida passada a fotografar campos de diversos quadrantes.

“O livro é uma extensão da memória e da imaginação!”

José Luís Borges

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Ultras Sur

Internacional

Espanha

Ultras Sur Autor: N/A Equipa: Real Madrid Ano: 2013 Páginas: 310 Preço: N/A

Numa das raras exposições públicas, dos Ultras Sur, este grupo decide em 2013 publicar um livro para recordar as mais de três décadas de militância nas Bancadas do Santiago Bernabéu. Ao longo das mais de 300 páginas, os autores dedicam 4 capítulos (Início, Década de 80, 90 e Anos 2000) à história desta carismática claque, pondo de lado a versão mais violenta e conturbada da mesma, mas focando-se mais no colorido que esta proporcionava nos estádios onde o Real Madrid jogava. São centenas de fotos coloridas, algumas inéditas, com que este trabalho nos brinda. Podemos ver as grandes tochadas, características dos anos 80 e 90, ou as fantásticas e muitas vezes pioneiras coreografias que os Ultra Sur realizam nos Derbys, Clássicos e Noites Europeias. Infelizmente este acabaria de ser um dos últimos trabalhos feitos pelo grupo, pois infelizmente seriam uns meses mais tarde proibidos de exercer a sua actividade de apoio no país vizinho.

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KOB Internacional

França

KOB

Autor: N/A Equipa: PSG Ano: 2022 Páginas: 608 Preço: 69eur

Longe vão os tempos em que o Parque dos Príncipes tinha 2 curvas cheias, com onda e mentalidade, ambas no seu estilo claro está.

Fez recentemente um ano desde que a pré-venda do livro foi anunciada e toda a espera até Julho deste ano valeu a pena. Estamos perante um conjunto de testemunhos de membros do KOB entre os vários grupos que o compuseram desde 1978 até 2010 (altura em que foram todos proibidos de entrar nos estádios) O livro está organizado de forma cronológica, partido em 3 períodos que formam 3 gerações do KOB. Um design extremamente simples, textos de fácil leitura e cada membro dá uma visão própria do que foi acontecendo ao longo do tempo, sem nunca haver receio de abordar a política presente, e muito,

na bancada e também os confrontos com Auteuil e outros grupos. Imagens com boa qualidade são também ponto de destaque bem como imensas fanzines da cena parisiense. Praticamente todas as fotos estão legendadas bem como no final temos a legenda de todas as fotos que ocupam a totalidade das páginas em formato poster. Um pormenor importante para quem adora estes detalhes.

O livro termina com uma bela colecção de cachecóis dos vários grupos, deixando a sensação que podia ter sido feito algo mais para compor esta parte.

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Ultras Sur

KOB 103

ONTEM, HOJE E AMANHÃ

Tal como qualquer esfera da sociedade, o futebol não é uma coisa estática, e ao longo destes quase dois séculos de história tem vindo a transformar-se profundamente. As mudanças são visíveis nas estruturas federativas, nos modelos de competição, na forma como os clubes se organizam, nas metodologias de treino e preparação dos atletas, na qualidade dos equipamentos desportivos (bolas, chuteiras e afins) e no jogo jogado com a evolução técnica e tática que tem acontecido. Como em tudo o resto, essas mudanças são visíveis naquilo que gostamos de apelidar de “bancada”. A mudança é observável, em primeiro lugar, quando olhamos para a palavra “bancada” no seu sentido mais literal, com a construção de novas infraestruturas que têm vindo a substituir os velhos estádios, trazendo um claro aumento das comodidades oferecidas aos espectadores, que a “reboque” fizeram chegar uma série de condicionalismos que serão abordados neste texto. A par das alterações infraestruturais, mudaram também quadros legislativos, subiram os preços dos bilhetes, cresceram substancialmente as medidas securitárias em torno de um jogo da bola e, naturalmente, todo o folclore e forma como a população vivia o espetáculo também se transformou.

O ambiente festivo, próprio das classes populares que “habitavam” as bancadas dos estádios europeus e nacionais, foi sendo progressivamente substituído por um ambiente mais “sereno” e pouco participativo, o tipo de adepto que na gíria ultra se apelida de “pipoqueiro”. É mais ou menos consensual entre os adeptos fervorosos que este modelo de adepto agrada mais aos senhores do futebol negócio, mas, mais do que nos perdermos em chavões e frases feitas, creio que nos interessará perceber de que forma tudo isto aconteceu, e por que razão os ultras portugueses não foram capazes de se opor de forma consequente a estas mudanças. Acredito que os confrontos entre claques não serão, ao contrário do que muitos “especialistas” afirmam, o principal factor de afastamento de público dos estádios, até porque incidentes em campos de futebol registam-se desde o século XIX e, ainda assim, o jogo popularizou-se e continuou a arrastar massas. Sabemos também que a excessiva mediatização desses episódios não corresponde ao real perigo e impacto que eles representam para a sociedade e é evidente que este tipo de abordagem mediática tem a finalidade de justificar o aumento das medidas securitárias e repressivas que em primeiro lugar chegam ao futebol, e que progressivamente se vão alastrando a todas as áreas da sociedade. A evolução do quadro legislativo, com especial enfâse para as leis 16/2004, 39/2009 e 113/2019 tem vindo a intensificar essa mesma repressão, contribuindo para o progressivo definhar do ambiente das bancadas, e do movimento ultra português em particular. Se estas considerações são relativamente consensuais entre integrantes do movimento, interessa-me perceber o

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porquê dos grupos portugueses não só não conseguirem unir-se de forma eficaz para travar estas alterações, como serem muitas vezes responsáveis por “contribuir” para efectivar.

Olhando para trás posso, de certa forma, compreender que durante a segunda metade dos anos 80 e a primeira dos 90, a espontaneidade, a desorganização e a inconsciência da rapaziada que compunha os grupos justificasse actos de vandalismo, de destruição aleatória e até os próprios furtos de estabelecimentos comerciais. Mas se nessa altura era compreensível, a transformação dos grupos, especialmente de média e grande dimensão, em estruturas mais organizadas já não me permite compreender como esses comportamentos se foram perpetuando até hoje.

Outro dos erros fatais foi a “profissionalização” de cúpulas dirigentes das claques, que deixaram que a paixão pelos clubes e pelo movimento deixassem de ser a razão primordial para estar no futebol, e que essa primazia passasse a ser os dividendos

financeiros que daí poderiam retirar. Isso transformou muitos grupos em apêndices das direcções dos clubes e em lacaios da sua vontade, para além do que, levou a que se aceitassem leis repressivas e inclusivamente o processo de legalização dos GOA por forma a não perder o financiamento que, para muitos líderes, representava o seu único ganha-pão. Ao contrário daquilo que se tinha registado no passado, os grupos portugueses foram capazes de se unir na rejeição ao afamado cartão do adepto, união que trouxe alguns resultados ainda que não os desejados, e não obstante essa mesma união depressa se ter esfumado, levando a que muitos acabassem por ocupar as ZCEAP’S que tinham inicialmente rejeitado. Apesar de ténue, esta resistência consolidou o papel da APDA nesta luta e mostrou que, havendo vontade e determinação, esta luta desigual pode ter um desfecho diferente. Creio que para alterar o paradigma é preciso olhar para trás e recuperar as raízes do movimento ultra. Em primeiro lugar é necessário rejeitar esta mistura e confusão

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que se gerou entre conceitos e subculturas. É preciso esclarecer que casacos Stone Island e sapatilhas Adidas não são sinónimo de mentalidade e que ser ultra ou ser casual são coisas diferentes. Repovoar as curvas, trazer de volta a cor e a alegria, os estandartes as faixas e as bandeiras, arranjando formas de contornar a legislação em vigor sem ceder um milímetro nos princípios é o caminho que entendo ser o certo. A violência faz parte do movimento há longas décadas é certo, e o confronto tribal e a defesa do território são, para mim, partes importantes do que é serse ultra. Mas é também necessário transmitir aos mais novos que isso é uma gota no oceano e que a cultura é muito mais ampla do que isso. O tifo de bancada deve ser o aspecto principal, até porque este processo de militarização dos grupos que procuram unicamente evidenciar-se pela acção nas ruas é só mais um prego no nosso caixão e mais um pretexto para as vergonhosas actuações policiais a que, semana após se semana, se vão assistindo nos estádios e respectivas imediações. É necessário que os mais velhos não se furtem à responsabilidade de transmitir os valores correctos, que se percam noites a pintar frases, preparar tifos, trocar ideias, debater posturas, filmes e livros, e que se lute por recuperar as vivências ultras de outros tempos ao invés de se procurar os 15 minutos de fama numa qualquer rede social como uma patética foto com a ainda mais patética descrição de “looking for”.

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