milton machado
produção
milton machado produção production
uma fábula conceitual paulo venancio filho
a conceptual fable english version @ http://www.nararoesler.com.br/home/en Instalação (simulação) 2009 -- mobiliário industrial + reserva técnica da galeria / industrial equipment + gallery’s collection
Esta exposição tem o aspecto indisfarçável de uma fábula visual: a inteligência de Milton Machado adentrou a indústria de móveis de aço com o apetite da criança que invade uma fábrica de chocolate1. E a personagem – sem nome? – desta fábula poderia se chamar Pintura, por exemplo. Sim, talvez seja assim que a deveríamos chamar, ou assim ela gostaria. Pois é ela que nos conduz, nos mostra e monta a cena; ela nos apresenta e coloca os objetos na sala e cria os enigmas, as metáforas, as alegorias. Onde estamos? Será esse estranho entrecruzamento de uma fábrica de móveis de aço e uma galeria a exposição? Logo então pode-se imaginar que esse entrecruzamento não é outro senão da mesma espécie daquele “encontro fortuito de um guarda-chuva com uma máquina de costura numa mesa 1. Sabemos que o objeto que deu origem ao Grand Verre de Duchamp foi um triturador industrial de chocolate.
Instalação (simulação) 2009 -- reserva técnica da galeria + mobiliário industrial / gallery’s collection + industrial equipment
de dissecação”, do qual foi dito que é “belo”. Mas, se estamos numa exposição, onde está o trabalho? Aqui na galeria ou em outro lugar, como pode parecer? Ou mesmo em ambos? Mais provavelmente o encontraremos na mente desse personagem que montou esta fábula que se apresenta como Pintura; nela que se disfarçou em foto, vídeo e comandou os deslocamentos de um enredo que se mostra sem desfecho para si mesmo, em constante produção. Temos vídeos, objetos, obras e fotos de aparente arbitrária convivência que, no entanto, se conectam, embora deixem lacunas entre si, espaços incompletos, deslocamentos, silêncios, seja entre uma técnica e outra, seja entre momentos temporais distintos que determinam o trabalho. É preciso percorrer esta fábula, passo a passo, como ela mesma propõe exemplarmente; seguir o rigoroso delírio conceitual de – para surpreendente espanto – tão atraente e intrigante construção.
Pintura 1 2009 -fotografia - impressão jato de tinta sobre papel de algodão / photography digital print on cotton paper -- 100 x 150cm
Temos, antes de tudo, uma fábula conceitual; de tal
a construção conceitual tornando-se o contrário de si
modo que é a potência da atração visual o que nos
mesma, vencida por sua própria (bela) aparência. Está
empolga a imaginar: o conceito se insinua somente
aí uma cabal demonstração do “coeficiente de arte” que
após a sensação. O prazer conceitual se desdobra
Duchamp afirmou ser a relação entre o intencionado,
passo a passo, acompanhando o sabor atrativo das
mas não realizado e o realizado, mas não intencionado.
coisas expostas. E se só por isso bastasse como
Poderíamos ainda acrescentar à fórmula que o sucesso
demonstração, teríamos uma obra conceitual vencida
desse fracasso sempre é um problema alegre, uma
por sua irresistível força plástica; e, considerando-se
equação bem humorada, um enigma prazeroso – o que,
que se trata de uma fábula, é uma hipótese que não
aliás, é uma face desde há muito presente no trabalho
podemos descartar. Nesse caso, a exposição realizaria
de Milton.
um verdadeiro e brilhante fracasso invulgar e voluntário;
Sabemos que toda exposição é uma produção. Obras
Pintura 2 2009 -fotografia - impressão jato de tinta sobre papel de algodão / photography digital print on cotton paper -- 100 x 150cm
são produzidas (pelo artista) para serem exibidas, e
a respeito da pintura. Apelo pictórico que ocorre do
deste modo a produção (obras) se desloca para o local
belo e fortuito encontro do artista com o processo
da exposição e ocupa um determinado e convencionado espaço, sem maiores problemas. Ora, pelo menos
industrial da pintura. Milton foi à indústria em busca de um dos objetos ready-made mais memoráveis de seu
desde há muito, esta simples equação está em curto-
trabalho: os gaveteiros de aço Securit2; e lá encontrou a
circuito, ou pode estar, se for o caso. É o caso aqui.
situação trouvée desta exposição: a câmara de pintura
De fato não temos pintura aqui, ao menos tal como
dos móveis de aço. Encontrou, nada mais, nada menos,
a entendemos. Se chamo o personagem desta fábula
digamos assim, que a “produção da pintura”. Lá onde,
Pintura é, em primeiro lugar, pelo claro apelo visual
antes do acabamento final, a chapa de aço bruta recebe
que os elementos do trabalho suscitam, e também
seu primeiro tratamento “pictórico”; e é aí onde Milton
pela evidente sucessão de alegorias que provocam
2. Ver Heavy-Metal, in Território Ocupado, Rio de Janeiro, 1986, e HI-FI, Bienal de São Paulo, 1987.
Monochrome rouge sans titre, Yves Klein 1954 -- reprodução do caderno de estudos de Yves Klein - impressão a jato de linta sobre papel algodão / from Yves Klein’s notebook digital print on cotton paper -- 16,8 x 26cm
Toda exposição é também uma produção. PRODUÇÃO vai além da pintura. PRODUÇÃO, de fato, expõe a exposição. Se toda produção é um ready-made, aqui como que vislumbra e revela a desalienação pictórica
temos a fábula de um ready-made. Rearticulando
dos materiais industriais – do mesmo modo que,
espaços, deslocando funções, alterando significados:
também na exposição, realiza a desalienação plástico/
tudo isso é PRODUÇÃO. PRODUÇÃO é uma exposição
espacial da reserva técnica ao deslocá-la para o centro
em duplo sentido. Ou melhor, é a invasão da
da sala e da exposição. Está em ação um processo de
produção na exposição; a operação coincidente
desnudamento; pois esta prosaica câmara industrial de pintura, escondida no interior da indústria, invisível
do conceitual econômico, visual etc. Expondo a exposição, PRODUÇÃO nada mais faz do que tornar
aos olhos de quem vê o móvel pronto, torna-se uma
os deslocamentos visíveis, pondo a nu a exposição,
câmara de aparição de pinturas. Uma atrás da outra
desnudando, por assim dizer, a personagem Pintura.
vão surgindo imagens que evocam Mark Rothko, Caspar
Temos em exibição as condições materiais da
Friedrich, Anselm Kiefer, Yves Klein, Morris Louis,
exposição, em especial seu lugar, a galeria – a galeria
Iberê Camargo; uma após a outra vão surgindo e se
desnudada. PRODUÇÃO se exibe tal qual é: uma
dissolvendo, e novamente reaparecem. É claro, não se
exposição que confunde sua apresentação materialista
trata de reproduções em um calendário que folheamos
com uma fábula da arte. Nisso ela, alterando, se revela
uma a uma, mas imagens e mais imagens em que a
e nada esconde, a linha de montagem se torna um
pintura se transmuta continuamente, cinematicamente,
evento plástico, a câmara de pintura industrial um
em inúmeras sugestões, numa espécie de devaneio,
santuário transcendente da pintura. No centro da
evidenciando que uma vivência estética tão desqualificada como esta no interior de uma fábrica
exposição está o totem paradigmático do trabalho de Milton: a pilha de gaveteiros, ready-made e forma
de móveis pode mostrar o quanto são inúmeras as
escultórica. Mas esse totem também não é uma
experiências da pintura e que elas estão até mesmo
escada? Quem afinal desce (hesitante) esta escada?
e frequentemente além e à margem da pintura, em
Toda produção produz “produtos”, sem os quais não
lugares inusitados e inesperados. De fato, o que a exposição apresenta não é pintura na forma do objeto
seria produção. Quais os produtos desta PRODUÇÃO: o produto final? Se acima insinuamos que esta fábula
pintado, mas a própria produção de uma experiência
nos coloca naquele “fortuito encontro entre...”,
da pintura que suscita e provoca a pintura em nós,
não há como deixar de concluir com a única palavra
espectadores.
(produto) possível: belo!
Pilha 2009 -- escultura por empilhamento, gaveteiros de aรงo / sculpture, steel plan chests -- 40 x 228 x 340cm
milton machado
produção texto/text
abertura/opening
[capa/cover] detalhe de / detail
paulo venancio filho
19.09.2009
from Vermelho 2009 --
11 > 15h
impressão jato de tinta sobre
produção/production alessandra terpins
papel de algodão / digital print
exposição/exhibition
projeto gráfico/graphic design
19.09 > 24.10.2009
tecnopop
seg/mon > sex/fri 10 > 19h
diagramação/design
on cotton paper -- 100 x 150cm
sáb/sat 11 > 15h
renata castro e silva assessoria de imprensa/press agent marcy junqueira tradução/translation ben kohn videos/videos milton machado com cacá vicalvi agradecimentos/aknowledgments maria christina magnelli ricardo tavares
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