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o direito à cidade e à cidadania

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bana. Tal violência urbana se relaciona principalmente aos números de homicídios da população pobre (MARICATO, 2001).

Desta forma, a autora traz a questão da assimetria existente entre as cidades capitalistas desenvolvidas e as cidades subdesenvolvidas e/ ou em desenvolvimento. Pois, tentou-se importar como modelo as experiências e lições dos países desenvolvidos para organizar as cidades do Brasil. E este cenário é muito bem ilustrado por Ermínia em “As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias (2000)”. Segundo com Ermínia (2015), esse modelo importado ocasiona o que Milton Santos denomina de “exílio da periferia”. Tal exílio se refere à imobilidade devido à carência e/ou ineficiência dos transportes públicos eficientes e baratos e de equipamentos e serviços coletivos nas periferias. Este exílio, isto é, exclusão e segregação sociais, também está intimamente ligado à inacessibilidade aos serviços e infraestruturas como: saneamento básico, drenagem, abastecimento, serviços de saúde, educação, cultura, lazer e oportunidades de emprego formal. Ademais, a população exilada nas periferias também apresenta maior exposição às vulnerabilidades ambientais, à violência (marginal ou policial), à discriminação racial, de gênero e idade (MARICATO, 2001).

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“(...) A questão de que tipo de cidade queremos não pode ser divorciada do tipo de laços sociais, relação com a natureza, estilos de vida, tecnologias e valores estéticos que desejamos. O direito à cidade está muito longe da liberdade individual de acesso a recursos ur-

”banos: é o direito de mudar a nós mesmos pela mudança da cidade. (...) (HARVEY, 2012, p. 74)

Ao trazer à luz o cenário do “caos urbano sistêmico” delineado por Smith, em que coexistem a desregulamentação, o desemprego, a desigualdade, a violência e a segregação socioespacial, surge a necessidade do debate acerca do “direito à cidade” - conceito constantemente associado ao filósofo francês Henri Lefebvre.

Para Lefevbre (2001), o direito à cidade faz parte de um pensamento utópico, de cunho e conteúdo revolucionário e ideológico. Pois, para transformar a lógica mercantilista de produção do espaço, a luta popular é lida como premente, à medida que é imprescindível uma sociedade transformada. Assim, o direito à cidade, para o autor, diz respeito à uma cidade diferente da atual, com uma sociedade urbana transformada, em que os valores de uso suplantam os de troca.

David Harvey também discute, em seu artigo sobre direito à cidade, sobre a necessidade de reinventar as nossas cidades. Para Harvey (2012), discutir sobre o direito à cidade é imprescindível para que rompamos com a lógica mercadológica e passemos a construir espaços de convivência de acordo com nossos desejos e sonhos, vinculados sempre aos laços sociais, à natureza, aos diferentes estilos de vida, tecnologias e valores estéticos.

Nesse sentido, o conceito de direito à cidade corresponde, basicamente, a uma ampliação do direito à moradia em dois níveis: o físico-geográfico e o político. O sentido físico-geográfico diz respeito ao fato de que deve-se levar em consideração não apenas o entorno imediato, mas também todo o conjunto da cidade e seus distintos atributos relacionados à moradia: os serviços e equipamentos, os espaços públicos e a mobilidade (DEL-

GADO JARAMILLO, CÁRDENAS VILLAMIL, GARCÍA BAÑALES, 2008). Por isso a segregação socioespacial e a desigualdade - produtos da crise urbana já mencionada-, ilustra a primordialidade dessa discussão sobre o direito à cidade. Pois, a tendência, cada vez mais comum, de espraiamento e expansão do perímetro urbano provoca polarização de equipamentos e, muitas vezes, inacessibilidade à cidade para populações periféricas.

Já o nível político diz respeito à produção do espaço levando em consideração práticas sociais de autogoverno e autogestão. Em suma, o direito à cidade requer a presença de uma democracia inclusiva e participativa. Isso corresponde à urgência de democratizar a experiência urbana que David Harvey discute em seu artigo. Essa democratização relaciona-se à luta pela implementação de políticas públicas que favoreçam a participação popular, fazendo valer o seu direito de opinar e reinventar a cidade, de acordo com seus desejos para todos, sem exceção. Para Harvey, somente com a participação popular é possível consolidar o direito à cidade. Nesse ínterim, pode-se dizer que a consolidação do direito à cidade relaciona-se intimamente ao exercício de cidadania, uma vez que requer a participação ativa dos cidadãos. Em “O Espaço do cidadão”, Milton Santos explana acerca do que é ser cidadão em um mundo neoliberal. Deste modo, o autor argumenta que a cidadania se aprende e se reivindica, sendo, portanto, um dos direitos pelos quais deve-se lutar constantemente para a sua manutenção.

Milton Santos aponta em seu livro que Tereza Haguette descreve a cidadania a partir de uma evolução de conquistas. A primeira seria a conquista de direitos políticos individuais: o que se relaciona ao fato de ser reconhecido como cidadão, com liberdades básicas e fundamentais; A segunda, aos direitos coletivos: o que já possibilitaria a formação de associações representativas legitimadas, exercitando poder político. E a terceira refere-se à conquista de direitos sociais: a partir dos quais finalmente seria possível exigir do Estado a proteção aos indivíduos proteção e padrões de vida decentes. Contudo, com o capitalismo e o neoliberalismo, o autor afirma que houve uma atrofia da cidadania. Visto que ela pode ser destrinchada em diferentes graus a depender das classes sociais. O escopo da cidadania, portanto, está relacionado ao poder de consumo. Assim, afirma-se que existe uma hierarquização do grau de acessibilidade dos cidadãos, fazendo com que o indivíduo passe da condição de um “cidadão imperfeito”, com restrições de direitos civis, políticos e sociais, a um “consumidor mais que perfeito”. Desta forma, os espaços, cada vez mais marcados por injustiças e desigualdades, constituem-se, em espaços sem cidadãos. Tais espaços se caracterizam não só pela disseminação do não cidadão-consumidor que convive com a alienação, a especulação mobiliária e a construção de templos modernos (shopping centers e os supermercados). Mas também pelo esvaziamento da cidadania em si, devido à ausência, à população periférica, de recursos humanos e equipamentos indispensáveis para a vida em sociedade como: hospitais, postos de saúde, escolas, espaços de lazer e cultura (SANTOS, 2007).

Portanto, a luta por cidadania que é viva, dinâmica e coletiva, deve basear-se em princípios de solidariedade, liberdade e de personalidade ativa. Além disso, deve-se levar em consideração a busca pela manutenção e ampliação da democracia para que construa-se uma cidadania ativa ligada ao território, à cultura popular e espaço vivido. Em suma, trata-se da construção de um sentimento de pertencimento do indivíduo na comunidade política e na herança social.

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