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a crise urbana e a urbanização brasileira

É neste panorama histórico-social que, a partir da segunda metade do século XX, movimentos sociais tomam protagonismo e passam a reivindicar os direitos das denominadas “minorias”, isto é, grupos de pessoas que não foram incorporados durante o processo de constituição dos direitos humanos universais supracitados, não tendo suas questões consideradas devido ao avanço do capitalismo e da lógica neoliberal. Tais reivindicações, na tentativa de materializá-las em políticas sociais, relacionam-se estritamente à solicitações referentes a direitos básicos do ser humano, como à igualdade social, de gênero, de raça, direito à saúde, à educação, à cultura, ao lazer, à natureza, bem como à cidade (CARVALHO, 2008).

Nesse sentido, é importante ressaltar que, com a dinâmica neoliberal, as cidades sofreram grandes transformações, produzindo um caos urbano sistêmico (SMITH, 2009). A decorrência dessas transformações ficam evidentes quando recuperamos a questão da produção do espaço de Henri Lefevbre (2013). Visto que, para o filósofo francês, o espaço é um produto (social). E, portanto, um resultado da produção da sociedade e fundamentalmente histórico. Deste modo, para compreender nossas cidades, é necessário compreender previamente a condição da nossa sociedade atual: neoliberal, mercadológica e desigual.

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Figura 1. Desigualdade social. Fonte: ipsnews.net, 2010 (modificado pela autora)

Levando em consideração todo esse cenário socioeconômico evidenciado, pode-se identificar uma consequente crise urbana que faz com que a luta por direitos esteja cada vez mais acirrada e em busca da obtenção dessa série de direitos já mencionados. De acordo com Robert Park, sociólogo e urbanista citado por David Harvey em seu artigo sobre o “Direito à cidade”, a cidade é “a tentativa mais bem-sucedida do homem de reconstruir o mundo em que vive” sendo, portanto, um reflexo da sociedade em que vivemos. Essa afirmação reforça a conceito já mecionado do espaço como produto social de Lefevbre. E, deste modo, sendo a sociedade atual pautada pelo consumo, depara-se com uma conjuntura em que, necessariamente, encara-se a cidade como uma mercadoria, sendo esse um dos pontos-chave que exemplificam a crise urbana atual.

“ (...) Produtos? Sim, em um sentido específico: notadamente por um caráter de globalidade (não de “totalidade”) que os “produtos” não têm na acepção comum e trivial, objetos e coisas, mercadorias (ainda que precisamente o espaço e o tempo produzidos, mas “loteados”, sejam trocados, vendidos, comprados, como “coisas” e objetos!) (...)” (LEFEVBRE, 2013, p. 124).

A crise urbana, que pode ser percebida mediante o aumento das desigualdades sociais, bem como a segregação socioespacial, traz à tona questionamentos e manifestações por parte da população. E isso se deve especialmente ao processo de urbanização integrado ao crescimento econômico neoliberal fundamentado na desigualdade gerada pelo capitalismo. Nesse processo, depreende-se que não temos cidades de direitos, mas sim, cidades de negócios à serviço do capital.

Como evidência para essa questão pode-se ressaltar os projetos de requalificações e mega construções realizadas em contextos de copas e olimpíadas, por exemplo. Isso porque tais projetos de desenvolvimento urbano estão intrinsecamente associados, não apenas a grandes empresas de construção, mas também ao consumismo e ao turismo global. E é neste processo que ocorrem as expulsões, despejos e demolições de pessoas vulneráveis economicamente (SMITH, 2009).

Neil Smith aponta, em seu texto “As cidades após o neoliberalismo?”, que um marco importante na discussão sobre o debate do urbanismo contemporâneo foi o anúncio por parte da ONU de que em 2005 a população do mundo seria 50% urbana. Sendo assim, a emigração massiva, o grande crescimento populacional e a consequente explosão do mercado imobiliário foram algumas das consequências dessa nova dinâmica urbana. E essa política de explosão especulativa do mercado imobiliário demonstra que existe apenas um tipo específico de cidade que pode ser construído: cidades que não são para pessoas, mas sim para o lucro e onde as pessoas com maior poder aquisitivo querem e podem pagar para morar.

No caso do Brasil, segundo Ermínia Maricato (2015), ainda que a crise urbana no Brasil tenha se revelado com as manifestações de julho de 2013, suas raízes podem ser encontradas nas décadas de 1980 e 1990, quando as cidades brasileiras sofreram o impacto da reestruturação produtiva do neoliberalismo o qual trouxe um modelo de forma e uso de ocupação do espaço. A crise no país se deve, especialmente, ao modelo de urbanização sobre o qual o Brasil se desenvolveu. Ainda que o processo de urbanização brasileiro apresente grandes ganhos como a redução da mortalidade infantil e da taxa de natalidade e o aumento da expectativa de vida, a rápida industrialização e o rápido crescimento econômico provocou uma lógica de desigualdade socioespacial e exclusão social, aliados à especulação imobiliária que sobrepujou as demandas sociais (MARICATO, 2001).

O cenário capitalista que domina o mundo faz com que haja uma generalização da mercadoria que toma conta das relações sociais. Portanto, tudo é mercadoria, inclusive o espaço. E no capitalismo das cidades, a mercadoria-moradia adquire um valor, um preço, de acordo com a localização e com as características de seu entorno: a chamada renda imobiliária. Deste modo, entende-se que no capitalismo patrimonialista, em que há sociedades desiguais, produz-se cidades desiguais. Isso indica que a grande massa trabalhadora, que veio para as cidades com o êxodo rural, não terá condições econômicas para comprar imóveis no mercado formal e é assim que as terras são ocupadas ilegalmente, formando-se as periferias: espaços onde se constrói sem código de obras e sem lei de parcelamento do solo (MARICATO, 2015).

Assim, aumentam a cada dia as informalidades nas relações de trabalho, as favelas, o número de crianças abandonadas, e, também, a violência ur-

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