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reforma urbana + reforma agrária

As Reformas Urbana e Agrária fazem parte das conhecidas reformas de base, que incluem também educação, saúde e política. Neste tópico, pretende-se explicitar do que se tratam essas duas reformas e de como se dá a relação entre elas. Já que para solucionar a crise urbana, advinda do modelo neoliberal, e, garantir os direitos sociais e a cidadania à grande massa população, as reformas (urbana e agrária) são fundamentais. De acordo com Ermínia Maricato (2015), existem muitos indicativos que comprovam que a Reforma Urbana é imprescindível no Brasil. Principalmente quando percebemos as condições sob as quais vive a grande parcela da população periférica: exilada, sem acesso à transporte de qualidade e equipamentos públicos e à mercê da violência e das trocas de favores políticos que são cada vez mais comuns. Por isso, a autora constantemente afirma que reforma urbana é direito à cidade. Em suma, a reforma urbana corresponde a uma série de políticas públicas com o intuito de reformular a lógica atual das cidades, democratizando o acesso às pessoas com menor poder aquisitivo de modo a disponibilizar estruturas básicas em regiões periféricas, reaproveitando os espaços ociosos e/ou subutilizados e, ampliando as políticas de mobilidade urbana.

Esse tipo de reforma é indispensável no Brasil tendo em vista o crescimento desordenado e sem planejamento das cidades devido ao crescente processo de industrialização e, consequente, êxodo rural desde a década de 1950. Pois, a urbanização não foi acompanhada pela oferta de infraestruturas básicas. E, além disso, a nova demanda e procura por novas moradias favoreceu a especulação imobiliária que encareceu o preço da terra nas cidades, restando à população mais carente o acesso a terras frágeis ambientalmente, irregulares e/ou distantes do centro.

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Em seu livro “Para entender a crise urbana”, Maricato afirma que a maior parte da cidade é totalmente ilegal do ponto de vista urbanístico. Isso porque existe uma infinidade de propriedades sem registro, desrespeitando as leis ambientais, de código de obras, parcelamento e zoneamento. Por isso, não se pode dizer que não existem planos e leis, o que falta é a implementação do imenso arcabouço legal que possuímos: Estatuto da Cidade, Ministério das Cidades, Programa Nacional de Regularização Fundiária, Conselho Nacional das Cidades, Lei de Consórcios Públicos, Planos Diretores Participativos, Lei de Saneamento e Lei de Mobilidade Urbana, dentre outros. Assim, esta discussão vai ao encontro de debates que acusam o atual sistema capitalista de transformar os espaços em mercadoria, favorecendo às classes mais abastadas e, contribuindo com os processos de favelização e segregação socioespacial. Nesse sentido, para uma Reforma Urbana efetiva, é necessário repensar a política urbana nacional de modo a conter o crescimento desordenado das cidades, o padrão fundiário, a mobilidade excludente e proporcionar espaços de melhor qualidade para todos, sem distinção.

O QUE É A REFORMA URBANA?

. . . . . . . combate à especulação imobiliária, lotes vagos e terras ociosas moradias à parcela mais carente da população saneamento básico e ambiental segurança e mobilidade urbana eficientes ordenação não concentrada de equipamentos públicos infraestrutura às áreas periféricas contenção do crescimento desordenado de áreas urbanas

Já para compreender a reforma agrária, é necessário entender, a priori, como se deu o histórico processo de concentração de terras no Brasil. Visto que os comuns conflitos como despejos, reintegrações e disputas por terra, em geral, têm como raiz estrutural a concentração de terras - seja no campo ou na cidade.

A concentração fundiária, a qual provoca conflitos rurais e urbanos, sempre foi incentivada no país, desde a colonização. Seja por meio da distribuição das capitanias hereditárias e sesmarias - que resultaram em latifúndios-, ou com a criação da lei de terras em 1950, mercantilizando a posse da terra, visto que só poderia ter acesso a ela quem tivesse poder aquisitivo, deixando os ex-escravos, os imigrantes e os brasileiros pobres sem direito à terra. Isso mostra que a força política sempre esteve aliada à propriedade da terra. Atualmente, por exemplo, grande parte da elite é rentista vivendo de terras e aluguel (PORTELLA, FERNANDES, 2008). O efeito colateral pós Lei de Terras e início da industrialização brasileira foi o êxodo rural, uma vez que as pessoas passaram a recorrer ao urbano. E, ao chegar nas cidades, com subempregos e sub-salários, restaram apenas as áreas não visadas pelo mercado imobiliário: áreas ambientalmente frágeis e/ou distantes dos centros. Vimos, portanto, uma grande expansão dos centros urbanos e de suas periferias, com pouco ou nenhum planejamento, aumento dos índices de violência e desemprego, dos congestionamentos e da poluição, piorando a qualidade de vida das populações urbanas (PORTELLA, FERNANDES, 2008).

Essa concentração fundiária suscita, também, outro debate: o da soberania alimentar. Uma vez que a produção latifundiária de monocultura e agroexportação é voltada para o mercado externo e de commodities não permitindo que se decida sobre quais alimentos serão cultivados, produzidos e comercializados localmente (PORTELLA, FERNANDES, 2008). Esse quadro gera conflitos não apenas no campo. Os latifúndios ociosos e o inchaço urbano são dois dos problemas causados pela questão agrária brasileira. A densidade demográfica do Brasil do censo do IBGE de 2010¹ mostrou que há uma imensa concentração de população nas regiões Sul e Sudeste e, também, nas áreas litorâneas do Nordeste. Entretanto, outras extensas áreas do território brasileiro estão sub habitadas, assinalando um desequilíbrio da ocupação do território. Assim, pode-se assinalar que é impossível compreender o campo sem a cidade e vice-versa. Nesse sentido, afirma-se que existe uma relação estrita entre a reforma urbana e a reforma agrária, uma vez que com a redistribuição de terras, muitas famílias teriam melhores condições de vida no campo e as grandes cidades desinchariam. Portanto, a luta por direito à cidade relacionada a eliminar a ocupação das periferias mais distantes, está completamente interligada à luta pela reforma agrária. Visto que o cidadão precisa de terra, seja rural ou urbana (PORTELLA, FERNANDES, 2008). Tais problemas identificados como parte da crise urbana já mencionada vêm provocando mudanças na dinâmica populacional. As pessoas mais abastadas, por exemplo, se mudam para condomínios de luxo em áreas rurais, fugindo da cidade real e em busca de uma cidade murada. Entretanto, as áreas rurais ainda são muito carentes de infraestrutura fazendo com que haja uma visão preconceituosa contra o campo. O que resulta numa carência de políticas públicas voltadas para as áreas rurais, uma vez que se acredita que a vida rural é pior que a urbana, devendo desaparecer (PORTELLA, FERNANDES, 2008).

Existem muitos setores da sociedade que defendem a política da reforma agrária para que se possa superar tais problemas e conflitos. Nesse sentido, sua implementação consiste no assentamento de pessoas que querem trabalhar com a terra no campo. É uma política pública federal que objetiva principalmente a desconcentração fundiária e a democratização do acesso à terra (PORTELLA, FERNANDES, 2008).

A reforma agrária estrutural ainda não foi implementada no Brasil. Um dos momentos mais icônicos desse debate foi no governo João Goulart, com a proposta de Reformas de Base, não logrando após o Golpe Militar de 1964. E, apesar dos militares terem criado o Estatuto da Terra - o qual traz pela primeira vez o conceito da função social da terra-, nunca foi concretizado. Portanto, é com a redemocratização que os debate de luta pela terra e reforma agrária ressurgem.

Nesse ínterim, é importante destacar a diferença entre reforma agrária e luta pela terra, visto que a primeira trata-se de uma política pública que deve ser realizada pelo Estado. Enquanto que a segunda trata-se da reivindicação, na maioria das vezes conflituosa, pelo acesso à terra feita por movimentos sociais. Os movimentos utilizam a ocupação de terras improdutivas como estratégia para pressionar o governo a implementar a política pública (PORTELLA, FERNANDES, 2008). É válido ressaltar que essa prática possui como diretriz o art. 5°, inciso XXIII da Constituição Federal de 1988 que trata da função social da propriedade. Isso significa que, ainda que tenha um proprietário, a terra precisa prestar serviço aos interesses dos cidadãos e ser produtiva, não podendo estar ociosa e estimulando a especulação imobiliária. É comum que proprietários de terras denominem essa estratégia de ocupação como invasão de propriedades particulares. Mas para os camponeses, trata-se da ocupação de uma terra improdutiva que não cumpre a função social impelida pela própria constituição. Assim, o documento mais importante do Estado compromete que o mesmo realize a reforma agrária por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), autarquia federal que já existia desde 1970.

Considerando o fato de que a luta pela terra sofre uma enorme estigmatização é importante que se compreenda sua dinâmica e seu processo. Ela se inicia com os trabalhos de base que dizem respeito aos debates e discussões que capacitam politicamente as famílias e os trabalhadores que decidem entrar para o movimento. Após muitos estudo e análises, encontra-se terras que não respeitam sua função social, podendo, assim, serem ocupadas. A partir do momento que se ocupa um terreno, inicia-se as negociações com os proprietários. Nesse momento, a ocupação já está se organizando estruturalmente para que se possa transformar em um acampamento. Nesse momento, há duas perspectivas de futuro: o juiz aceitar o pedido das famílias e desapropriar a terra ou negar e pedir reintegração de posse. No caso da desapropriação, o acampamento se transforma em um assentamento e novas lutas se iniciam: por infraestrutura, por crédito agrícola, por assistência técnica. Já no caso de pedido de reintegração de posse, as famílias são despejadas, muitas vezes violentamente, sendo obrigadas a procurar uma outra terra para ocupar (vide figura 3).

O QUE É A REFORMA AGRÁRIA?

. . . . . . . democratizar o acesso à terra, para produção e/ou edificação participação popular na definição de políticas públicas políticas de financiamento agrícola e à habitação popular combate à especulação imobiliária garantia de equipamentos e serviços no campo e na cidade infraestrutura rural e urbana regularizações considerando os impactos ambientais e sociais

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