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O DISCURSO DE OUTREM

BAKHTIN, Mikhail (V. N. VOLOCHÍNOV). O discurso de outrem. In: BAKHTIN, Mikhail (V. N. VOLOCHÍNOV). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2010. p. 150-160.

O DISCURSO DE OUTREM

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Tiago Almeida Assumpção

Tomamos como o objeto da nossa resenha o capítulo “O discurso de outrem”, do livro “Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem”, publicado em 1929 por Volochínov, um importante linguista que residia na antiga União Soviética e que foi responsável por diversas contribuições para o campo da crítica literária.

Por meio deste livro, o autor critica as abordagens linguísticas no tempo em que produziu essa obra e sugere uma nova metodologia para o campo da linguística. No capítulo em questão, Volochínov nos traz uma discussão cujo tema central é o discurso citado. O autor começa o capítulo explicando o que é o “discurso citado”, dizendo que ele é mais do que um discurso dentro de um discurso: ele é um discurso sobre um tema construído pelo autor. Sendo assim, o discurso de outrem se torna parte de um discurso construído e de sua formação sintática, mantendo sua presença como um elemento integral da construção daquele que escolhe utilizá-lo. Com isso, o autor conclui que o discurso citado mantêm sua autonomia estrutural e semântica, sem causar alterações na trama linguística do contexto em que ele foi convocado. O linguista também aponta que é necessário analisar a oração citada na totalidade do discurso para uma compreensão efetiva, ao invés de considerá-la apenas como um tema do discurso.

Para saber “o que dizia” o discurso citado, o autor aponta que é necessário transmitir suas palavras, sob a forma de discurso direto e indireto. Assim, a enunciação citada se torna em um tema do discurso narrativo. O conteúdo dessa enunciação possui um “tema autônomo”, por assim dizer, que, por sua vez, se torna o tema do enunciado que convocou sua entrada. Segundo Volochínov (2010), a enunciação do narrador que integra à sua composição uma outra enunciação, precisa elaborar formas de assimilar tal enunciação, associando-a com a sua própria unidade sintática, estilística e composicional, enquanto conserva a autonomia do discurso de outrem delimitando fronteiras composicionais entre os enunciados.

Sobre o discurso indireto livre, Volochínov (2010) diz que é impossível uma diluição da palavra citada ocorrer no contexto narrativo pois o conteúdo semântico e a estrutura da enunciação mantêm uma estabilidade suficiente, evidenciando a presença da substância do discurso de outrem no discurso do enunciador.

Em relação ao diálogo, o linguista explica que o diálogo é uma unidade real da língua, sendo realizada na fala, opondo à ideia de ser um ato individual e isolado. Ou seja, é uma relação interativa entre dois ou mais sujeitos enunciadores. A “recepção ativa do discurso de outrem” é fundamental para o diálogo. Ao ressaltar que a apreensão do discurso de outrem ocorria através da sociedade, que determina e “gramaticaliza” apenas os elementos da apreensão ativa, apreciativa, da enunciação de outrem, Volochínov (2010) chama atenção de certas linhas de pensamento na linguística, que acreditavam que a apreensão do discurso de outrem se dava através de processos subjetivos-psicológicos. A língua é o reflexo das relações sociais estáveis dos falantes, logo, conforme a língua, a época ou os grupos sociais, conforme o contexto apresentado e qual seja seu objetivo específico, podemos notar o domínio de ora uma forma de apreensão do discurso de outrem ora outra, ora uma variante ora outra. A forma dominante apreensão do discurso de outrem de dada sociedade em determinada época enfraquece a capacidade de apreensão ativa de outras formas de enunciação de outrem. Em seguida, Volochínov (2010) diz que os discursos direto e indireto não são os únicos meios de se apreender, de forma ativa, o discurso de outrem, embora esses discursos sejam “padrões” de acordo com as tendências sociais dominantes do discurso de outrem. Mas esses discursos foram padronizados de acordo com as tendências sociais dominantes da apreensão do discurso de outrem. Assim, essas formas se desenvolveram no âmbito da língua e, na medida em que esses esquemas assumiram uma forma e uma função, eles influenciaram o

desenvolvimento das tendências da apreensão ativa apreciativa no meio social. Volochínov então prossegue, dizendo que tudo que é ideologicamente significativo tem uma impressão no discurso interior. Aquele que apreende a enunciação de outrem, possui uma ampla variedade de palavras interiores. A palavra vem do exterior para ser apreendida no interior do sujeito. Essa, de acordo com ele, é a orientação ativa do falante. Volochínov, em seu texto, critica os pesquisadores que investigaram esse tema, mas separaram da análise do discurso de outrem o seu contexto narrativo. Para ele, o objeto verdadeiro da pesquisa deveria ser a interação dinâmica entre o discurso a transmitir, e aquele que serve para transmiti-lo. Em seguida, o autor apresenta duas orientações que ilustram como se dá a dinâmica da inter-relação entre o discurso narrativo e o citado. Para a primeira orientação dessa dinâmica,

o autor toma emprestado de Heinrich Wöllflin, um crítico de arte suíço, o termo estilo linear (der lineare Stil). A tendência principal deste estilo é evidenciar os contornos exteriores nítidos à volta do discurso citado. Nesta orientação, o autor se refere ao discurso direto e ao discurso indireto. Aqui, ele mostra alguns exemplos dessa orientação e de como ela se difere em determinado contexto histórico-social. O primeiro exemplo é derivado do francês medieval, no qual apenas o conteúdo do discurso de outrem é apreendido. O segundo, toma como objeto os documentos russos antigos, nos quais o discurso direto com sujeito não aparente são dominantes. Ele ressalta também que quanto mais a palavra de outrem for dogmática, isto é, quanto mais o discurso de outrem tomar uma verdade como absoluta e sem espaço para discussões, mais impessoais serão as formas de transmissão do discurso de outrem. Já na segunda orientação, observamos processos de natureza exatamente oposta. A língua elabora meios mais sutis e mais versáteis para permitir ao autor infiltrar suas réplicas e seus comentários no discurso de outrem. O autor chama esse estilo da segunda orientação de estilo pictórico. Nele, o autor pode romper os limites do discurso citado, buscando colocar nele suas entoações, seu humor, sua ironia, seu ódio, seu encantamento, ou seu desprezo. Ele segue dizendo que esse tipo é comum no fim do século XVIII e quase todo o século XIX, especialmente na França. Há um outro tipo de discurso narrado que o linguista comenta, em que a dominante do discurso é deslocada para o discurso citado, tornando-se mais presente e ativo que o contexto narrativo que o convoca. Esse tipo de narração é mais encontrado entre os autores que Volochínov chama de contemporâneos, como Dostoiévski, Andriéi Biéli, Remizov, Sologub entre outros. Para finalizar esse tópico de discussão, Volochínov (2010) ressalta que o discurso indireto livre é a forma mais efetiva de enfraquecimento das fronteiras do discurso citado.

Chegando próximo à conclusão, Volochínov levanta novamente a importância de se determinar o peso específico dos discursos retórico, judicial, ou político na consciência linguística de um dado grupo social, numa determinada época. Além disso, ele nos informa sobre a relevância de levar sempre em conta a posição que um discurso a ser citado ocupa na hierarquia social de valores. Por fim, após ter resumido a sequência cronológica das tendências possíveis da interrelação dinâmica do discurso citado e do contexto narrativo, Volochínov (2010) conclui o capítulo dizendo que a língua só existe como enunciação em uma situação concreta. As formas e os métodos da comunicação são determinados pelas condições sociais e econômicas de cada época. As condições da comunicação sócio-verbais são mutáveis. Sendo assim, o autor defende

que as formas pelas quais a língua registra as marcas do discurso de outrem se alteram no decorrer da história.

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