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ALGARVE INFORMATIVO 28 de maio, 2022
«AUTO DA BARCA DO INFERNO» | «TERRASUL» | «SE EU FOSSE NINA» | DIOGO PIÇARRA 1 INFORMATIVO #340 «DIAMANTES ABRUPTOS» | «MUSEU PARA TODOS» | «HOTÉIS LITERÁRIOSALGARVE DE PORTUGAL»
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ÍNDICE Museu do Traje de São Brás de Alportel já é um «Museu para Todos» (pág. 20) «Hotéis Literários de Portugal» (pág. 28) «Auto da Barca do Inferno» no Teatro Lethes (pág. 38) «Arte sem Fronteiras» em Castro Marim (pág. 50) «Se eu fosse Nina» no Teatro Lethes (pág. 70) Diogo Piçarra em Lagoa (pág. 84) «TerraSul» no Teatro Lethes (pág. 92) «Diamantes Abruptos» em Loulé (pág. 104)
OPINIÃO Paulo Cunha (pág. 116) Mirian Nogueira Tavares (pág. 118) Adília César (pág. 120) Fábio Jesuíno (pág. 122) Alexandra Rodrigues Gonçalves (pág. 124) Carlos Manso (pág. 128) João Soares (pág. 130) ALGARVE INFORMATIVO #340
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MUSEU DO TRAJE DE SÃO BRÁS DE ALPORTEL JÁ É UM «MUSEU PARA TODOS» Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina Dia Internacional dos Museus foi assinalado em São Brás de Alportel com a inauguração, no dia 18 de maio, do projeto «Museu para Todos» no Museu do Traje de São Brás de Alportel. O projeto incluiu a eliminação de barreiras arquitetónicas, a criação de espaços de experimentação, a correção de pavimentos e a disponibilização de informação acessível, num investimento total na ordem dos 152 mil euros, concretizado com o apoio do Município de São Brás de Alportel, da Santa Casa da ALGARVE INFORMATIVO #340
Misericórdia de São Brás de Alportel e da linha «Turismo Acessível» do Programa «Valorizar» do Turismo de Portugal, de onde chegaram cerca de 94 mil euros. A cerimónia foi presidida pela Secretária de Estado da Inclusão, Ana Sofia Antunes, que ficou a conhecer as exposições patentes no Museu do Traje, assim como as diversas adaptações e novidades introduzidas no âmbito deste projeto diferenciador que vem enriquecer a área turística e patrimonial do concelho de São Brás de Alportel. “O Museu do
Traje tem sabido afirmar-se na e para a comunidade, acolhendo 20
mais de 30 grupos dedicados a diversas iniciativas e áreas artísticas e culturais. Essa afirmação resulta também de um trabalho constante em que o Museu se tem reinventado e adaptado, como é o caso desta nova fase do «Museu para Todos», que está em plena harmonia com a missão da Santa Casa. A visita a um museu é sempre enriquecedora e queríamos que fosse assim para todos”, frisou o provedor da Santa Casa da Misericórdia de São Brás de Alportel, Júlio Pereira. Satisfeito com a implementação deste projeto está o Turismo de Portugal, com Helena Ribeiro a dizer que “muitos
aspetos e boas práticas que 21
tornam este museu único serão por nós divulgados”. Igual sentimento evidenciou Anatília Jara, representante da Delegação do Algarve da ACAPO – Associação de Cegos e Ambíopes, que pretende trazer a este espaço mais utentes da associação. “O trabalho na
área das acessibilidades é contínuo e estamos sempre disponíveis para colaborar com projetos nesta área”, afirmou. A promoção da acessibilidade para todos constitui um eixo prioritário na estratégia do Município de São Brás de Alportel, mas Vítor Guerreiro tem consciência de que “há sempre mais
para fazer, para mudar, para sensibilizar, e a primeira barreira a ultrapassar é a mudança de ALGARVE INFORMATIVO #340
mentalidades”. “Uma missão que começa em cada um de nós e que em São Brás de Alportel contou com o apoio do Programa Rampa, em 2006, centrado na identificação das necessidades, reflexão e sensibilização que alavancou o Plano Municipal de Promoção de Acessibilidades «São Brás Acessível para Todos». Um passo de extrema importância que permitiu um trabalho multidisciplinar e potenciou a articulação de diferentes sectores, bem como o envolvimento de entidades e agentes locais para uma ação integrada de acessibilidades, contribuindo para a inclusão social de todos os cidadãos e respetivo usufruto do ALGARVE INFORMATIVO #340
espaço público”, destacou o presidente da Câmara Municipal. A semente deu fruto e este Plano tem vindo a concretizar-se em diversas dimensões e com forte presença no espaço público, como se observa no Largo de São Sebastião, na Praça da República, no Jardim da Verbena, no Parque de Desporto e Lazer ou na Rede de Passeios Acessíveis, que nasceu com cerca de cinco quilómetros e tem vindo a crescer de ano para ano, contabilizando, na atualidade, mais do dobro de circuitos pedocicláveis acessíveis a toda a comunidade. “São um motivo de
orgulho para os são-brasenses e muito acarinhados por quem nos visita. E hoje assinalamos mais uma grande conquista deste trabalho concertado, de 22
perspetiva global e em parceria, com a inauguração do projeto «Museu para Todos», que nos aproxima do destino acessível que queremos ser. E não posso deixar de dar os meus parabéns ao Provedor Júlio Pereira pelo seu empenho na valorização deste Museu do Traje que é um ex-libris do património e da história de São Brás de Alportel e do Algarve. E por ter tido a coragem de aceitar este grande desafio e, com a sua equipa, de avançar para esta aventura de tornar acessível um edifício do século XIX, que já tem muito passado, mas que tem os olhos postos no futuro”, enalteceu Vítor Guerreiro. 23
Para o edil são-brasense, “pensar o
turismo é pensar nas acessibilidades, nas condições que oferecemos aos nossos visitantes para que possam usufruir do nosso território de forma plena”. “Aqui estamos no Museu do Traje de São Brás de Alportel, único a sul do Tejo e reconhecido a nível nacional e internacional pelo meritório trabalho desenvolvido em prol da cultura, do património e da identidade de São Brás de Alportel e do Algarve. A capacidade de conquistar públicos, envolver a comunidade local, acolher diferentes dinâmicas culturais e interculturais, num espaço aberto ao público, onde se valoriza o ALGARVE INFORMATIVO #340
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passado, se vive o presente e se criam novas memórias para o futuro”.
comentou, acrescentando que o objetivo é dar dignidade às pessoas e criar acessibilidade para todos em qualquer contexto. “Uma missão nacional que
A cerimónia protocolar terminou com as palavras de Ana Sofia Antunes, que manifestou o desejo de ver nos museus espaços dinâmicos como este. A Secretária de Estado da Inclusão recordou a sua primeira visita a São Brás de Alportel, em janeiro de 2016, para a inauguração da primeira fase da rede de percursos pedonais e realçou o percurso percorrido deste então, inclusivamente com recurso a financiamentos que permitiram adequar os serviços públicos às necessidades de todos os utentes. “É
é concretizada em cada projeto, em cada região e em cada concelho. Neste museu desenvolvem-se diferentes manifestações culturais, experiências profissionais, artes e ofícios, que juntam a vasta comunidade nacional e internacional que reside em São Brás de Alportel. É um espaço vivo, dinâmico, repleto de iniciativas”, constatou. “É muito gratificante perceber que as coisas estão a acontecer no terreno, que estamos a dar passos a seguir a passos” .
uma honra perceber que de uma linha de apoio que lançámos surgem projetos como este”, 25
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TURISMO E LITERATURA DE MÃOS DADAS EM «HOTÉIS LITERÁRIOS DE PORTUGAL» Texto: Daniel Pina ílvia Quinteiro, Ana Cláudia Salgueiro da Silva, Isabel Dâmaso Santos, Maria Mota Almeida, Maria José Aurindo e Natália Constâncio, do grupo de investigação em Literatura e Turismo do Centro de Investigação em Artes e Comunicação (CIAC) da Universidade do Algarve, lançaram o livro «Hotéis Literários de Portugal», que dá a conhecer nove hotéis que foram a casa temporária de escritores, ou nos quais pernoitaram, hotéis que são referidos em obras literárias e que as inspiraram, hotéis reais que alojaram personagens da ficção, e também hotéis que foram importantes pontos de encontro e de tertúlia de escritores. Nas páginas do livro ALGARVE INFORMATIVO #340
encontram-se testemunhos da imprensa, excertos de textos literários e passagens retiradas da correspondência pessoal dos autores, bem como registos em livros de hóspedes e fotografias, incorporados em textos que evocam a memória e o encanto destes espaços e sugerem uma rota dos hotéis literários de Portugal, desenhada de norte para sul, com paragem no Grande Hotel de Paris, no Grande Hotel do Porto, no Hotel Mary Castro, no Palace Hotel do Buçaco, no Hotel Quinta das Lágrimas, no Grande Hotel Central, no Lawrence’s Hotel, no Avenida Palace e no Hotel Britania. Literatura e Turismo, um binómio que não é estranho a Sílvia Quinteiro, docente de Alemão da Escola Superior de Gestão, Hotelaria e Turismo da 28
Universidade do Algarve, que explica, de uma forma simplificada, que existe turismo literário quando as pessoas se deslocam a lugares literários. “Pode lá
beleza, bibliotecas que são procuradas por terem exposta uma primeira edição de um livro ou um manuscrito”, indica a coordenadora
ter vivido um escritor, ele pode ali ter escrito alguma obra ou fazer uma referência a esse lugar, mas também existem «hotéis biblioteca» em que os proprietários atribuem o nome de escritores aos quartos, livrarias que são visitadas pela sua extrema
deste projeto, acrescentando que, para este volume, foram selecionadas nove unidades hoteleiras com imensas referências, sobretudo relacionadas com Eça de Queirós e Camilo Castelo Branco.
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Estudar a relação entre a literatura e o turismo que foi inevitável para Sílvia Quinteiro, cuja formação académica de base é de literatura e por estar inserida ALGARVE INFORMATIVO #340
numa escola de hotelaria e turismo, daí que o próximo projeto se vá debruçar sobre cafés literários. E a professora universitária acredita que esta obra vai suscitar bastante interesse, porque existe, sem dúvida, um turismo literário.
“A tendência para procurar ser reconhecido como alguém que tem cultura é algo inerente ao ser humano, e o facto de se sentir ALGARVE INFORMATIVO #340
associado a um escritor ou a uma personagem de um livro é bastante apelativo. Temos, por isso, dois tipos de turista literário: aqueles que vão porque conhecem, porque são apaixonados por aquele escritor ou obra, alguém que ficou fascinado pelo «Os Maias» e quer ir ao 30
se a pessoa vai a esses sítios, já revela alguma vontade para conhecer algo mais”, indica a entrevistada. “Numa altura em que se lê poucos livros de qualidade, tudo o que pudermos fazer para atrair as pessoas para a literatura de qualidade é positivo”, reforça. Com esta ideia em mente, e apesar de algumas páginas introdutórias mais teóricas, «Hotéis Literários de Portugal» foi concebido para estar ao alcance de qualquer leitor e não apenas dos académicos. “Procuramos não usar
linguagens herméticas, não puxar muito para o lado da literatura, são textos de divulgação com duas mil palavras por cada hotel e com imensas ilustrações”, diz Sílvia Quinteiro. Mas será que estes hotéis, que foram «palco» de histórias que aconteceram há dezenas de anos, continuam a ter a mesma imagem, questionamos. “Há dois hotéis muito
Lawrence’s porque se imagina a entrar por aquela porta como o Eça; depois, há aqueles que gostam de estar associados a estas temáticas, basta ver a quantidade de fotografias que se tiram junto à estátua do Fernando Pessoa no Chiado. E isso não é uma coisa negativa ou depreciativa, porque, 31
presentes na obra do Eça de Queirós que, entretanto, encerraram. Dos outros sete, alguns continuam a ser exatamente aquilo que vemos descrito nos livros, outros sofreram obras de remodelação para se tornarem mais modernos, mas mantiveram a sua traça original. Vamos e conseguimos ter aquele sentimento genuíno de uma época em que os hotéis eram uma fonte de glamour e requinte, ALGARVE INFORMATIVO #340
mas com as comodidades próprias do século XXI”, responde. Hotéis que têm plena consciência do valor deste legado literário, embora não existisse um trabalho académico que o comprovasse, daí terem recebido de braços abertos a equipa coordenada por Sílvia Quinteiro. “Foram bons
parceiros, arranjaram-nos fotos, reviram os textos para que nada falhasse em termos históricos e chegaram a fornecer informação que nós não possuíamos. Agora, vão sentir-se enquadrados numa rede que pode ser bastante interessante e que pode dar origem, inclusive, a uma rota dos hotéis literários portugueses. Há pessoas que vêm da Coreia do Sul ALGARVE INFORMATIVO #340
a Tormes para visitar a casa do Eça de Queirós, porque «O Mandarim» lhes diz muito”, revela a docente.
IDENTIFICAR E APROVEITAR OS LUGARES LITERÁRIOS O livro, para além da edição em papel, já está disponível online através da plataforma do CIAC da Universidade do Algarve e a expetativa de Sílvia Quinteiro é que, de facto, estas unidades hoteleiras se comecem a promover enquanto hotéis literários, para atrair um turismo que não é de massas e que, verdade seja dita, também não estará ao alcance de qualquer bolso. “Haverá sempre
quem sonhe ficar no quarto onde esteve a Agatha Christie, mas é um nicho”, concorda, sublinhando que esta temática se tornou mais acessível com as 32
novas tecnologias de informação e comunicação. “Encontramos hotéis
literários no mundo inteiro, só que, na maior parte dos países, essa informação não está organizada, sistematizada. Este livro faz isso, só falta mesmo uma edição em inglês para o internacionalizar, mas tudo a seu tempo”, comenta, com um sorriso. «Hotéis Literários de Portugal» que começou então a ser idealizado, em 2017, no «Lit&Tour», grupo de investigação em Literatura e Turismo do CIAC, com o trabalho de campo a avançar em 2019, com, imagine-se, muita leitura, mais leitura e ainda mais leitura de livros, em busca de referências de hotéis, contando ainda com a ajuda de muitos amigos que são ávidos leitores. “No início foi um 33
bocadinho caótico, porque há imensos hotéis que são referidos, mas que não justificavam fazer parte do livro. E ainda estamos na dúvida se existirá um segundo volume, porque há mais nove hotéis que podemos investigar numa lógica diferente. Para já, queremos avançar para os cafés literários, porque gostaríamos de identificar os grandes lugares literários portugueses. A ideia é prosseguirmos com a coleção e não fazemos sequelas e os cafés têm uma maior abrangência territorial”, salienta Sílvia Quinteiro. Concluída a investigação, o que se fará dela, perguntamos. “Já que o trabalho
está feito, seria bom que alguém ALGARVE INFORMATIVO #340
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tirasse proveito dele em termos práticos. Nós pertencemos a um centro de estudos que está a patrocinar, através da Fundação para a Ciência e Tecnologia, o nosso trabalho, o design e a impressão do livro. Depois, cabe a quem está no terreno aproveitar aquilo que existe”, entende a investigadora, para quem faz todo o sentido a tal rede de hotéis literários.
“Seria bom que o Turismo e a Cultura dinamizassem, em conjunto, atividades que explorem este património fantástico. Qualquer turista literário pega neste livro e orienta-se sozinho, mas pode-se criar mais qualquer coisa para tornar este segmento 35
ainda mais apetecível. Não estamos a falar de festivais, de eventos de massa, porque também não é isso que se pretende. Basta dar um empurrão, uma ajuda, para se potenciar as estadas nestes hotéis”, defende a entrevistada. “O nosso propósito foi levar o conhecimento às pessoas de que estes hotéis existem, de que possuem este valor literário. Quisemos também transportar este conhecimento para fora da academia, caso contrário, andamos a ler as investigações uns dos outros e o público em geral fica alheio a tudo isto” .
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Auto da Barca do Inferno subiu ao palco do Teatro Lethes Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina
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exto emblemático da dramaturgia vicentina, o Auto da Barca do Inferno é uma profunda reflexão sobre o comportamento humano e sobre a passagem dos homens neste mundo. “Nunca, como nas
Barcas, as personagens vicentinas foram tão densamente caracterizadas e tão humanamente retratadas no momento da reflexão daquilo que foi a sua passagem na terra. A dicotomia entre o bem (paraíso) e o mal (inferno) é-nos colocada somente num juízo posterior da nossa vida e dos nossos comportamentos”, explica António Júlio, do Teatro do Bolhão, que levou a cena a peça, no Teatro Lethes, em Faro, no dia 17 de maio. ALGARVE INFORMATIVO #340
Com interpretação de Tiago Jácome, José Alves, Pedro Couto, Patrícia Garcez e Beatriz Frutuoso, “a peça apresenta
os estratos sociais de uma forma tão transparente que, por muito que nos custe, tolo seria aquele que não quisesse ver nem ouvir”. “O texto foi escrito num tom jocoso e ritmado, cheio de duplos e terceiros sentidos, descomplicado do ponto de vista do seu entendimento, extremamente didático na relação com a literatura, seja ele dramática ou lírica, o que no nosso maior dramaturgo corresponde a ambas. E se todo o teatro é poesia, a poesia de Gil Vicente é do melhor e maior teatro escrito em língua portuguesa”, indica António Júlio . 40
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DANÇA VOLTOU A ENCANTAR O REVELIM DE SANTO ANTÓNIO Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina
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Revelim de Santo António, em Castro Marim, recebeu, no dia 22 de maio, o X Festival Internacional de Dança «Arte Sem Fronteiras», numa organização da Escola de Dança «Splash» em parceria com a Câmara Municipal de Castro Marim. O evento pretende promover o gosto pela expressão artística e, simultaneamente, mostrar e valorizar o trabalho que é desenvolvido pelas escolas de dança do território. Num quente final de tarde de domingo passaram pelo palco várias influências musicais e artísticas, de 10 escolas de dança, designadamente, «Splash», «Idade ALGARVE INFORMATIVO #340
do Ouro», Companhia de Dança do Algarve, Estúdio-T, «Arutla», Conservatório Regional de Vila Real de Santo António, Danzarte Ayamonte, Clube de Danças João de Deus, ArteDanza Huelva e Bábala Ballet.
“Gratidão a quem resistiu, persistiu e trabalhou, pese embora as dificuldades e restrições, professores, pais, dirigentes e alunos. Hoje são imensas as emoções sentidas no palco, a energia, a alegria, a liberdade de viver, olhando para um futuro mais risonho, onde nos é permitido sonhar enquanto pais e autarcas. Estas crianças e jovens são o futuro e a sua 52
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participação e entrega nestes projetos dá-lhes competências pessoais e foco”, sublinhou, no encerramento deste Festival, a vicepresidente do Município de Castro Marim, Filomena Sintra. O evento reuniu então em palco mais de uma centena de crianças e jovens, com coreografias influenciadas por distintos géneros musicais, do hip-hop até à música
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clássica e contemporânea, numa combinação única de música, luz e movimento. A iniciativa está integrada no programa desportivo da EuroGuadiana, uma candidatura INTERREG – Espanha - Portugal – Operação 0592_EuroGuadiana_2020_5_E, naquilo a que se refere ao programa EuroGuadianasport .
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CARLA MACIEL REFLETIU SOBRE A VIDA E A MORTE NO TEATRO LETHES Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina
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oi a cena, no dia 19 de maio, no Teatro Lethes, em Faro, «Se Eu Fosse Nina», um monólogo levado a cabo por Carla Maciel num texto assinado por Rita Calçada Bastos. “O que teria
acontecido a Nina se não tivesse ido viver para Moscovo, para um quarto de hotel entregue aos delírios da paixão por Trigorin? De que forma as nossas escolhas influenciam o lugar onde estamos?”, é um dos pontos motores ALGARVE INFORMATIVO #340
do espetáculo, de acordo com as declarações da criadora. O espetáculo propõe refletir, através de um exercício a solo, o limite entre a ficção teatral e a realidade, o universo de escolhas e a sua consequência prática e as próprias camadas de representação: Uma personagem presa num teatro e uma atriz que a quer salvar. O argumento de Rita Calçada Bastos traz de volta a personagem central de «A Gaivota», original de Anton Tchekov, e na obra «Apontamentos de Trigorin, o sonho de Tennessee Williams» . 72
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LAGOA CANTOU BEM ALTO COM DIOGO PIÇARRA Texto: Daniel Pina | Fotografia: Teresa Coelho
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iogo Piçarra trouxe, no dia 14 de maio, ao Auditório Carlos do Carmo, em Lagoa, a sua tour «Vem Cantar Comigo», na qual se apresenta totalmente a solo em palco, mas com a particularidade de ter um convidado muito especial em cada concerto, desta feita o portimonense Edmundo Inácio. A tour funciona, assim, como uma ocasião para duetos inesperados, com Diogo Piçarra a trabalhar instrumentos e formas que nunca o vimos explorar ao vivo e, para além dos sucessos que têm marcado a carreira do artista farense, não faltou «Vem Dançar Comigo», o seu novo single, uma canção inspiradora, com uma melodia envolvente e uma interpretação intensa, que é um dos grandes atributos deste cantor, compositor e produtor .
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RICARDO J. MARTINS E VÍTOR BACALHAU NUMA «ENCRUZILHADA» SIMPLESMENTE BRILHANTE Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina
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uando se juntam dois virtuosos da guitarra, o resultado só pode ser grandioso, e as enormes expetativas em torno de «Encruzilhada», o disco de estreia de TerraSul, não foram defraudadas, conforme se assistiu, no dia 21 de maio, na segunda noite do 8.º Festival Internacional de Blues de Faro, no Teatro Lethes. O mais recente projeto de Ricardo J. Martins (Guitarra Portuguesa) e Vítor Bacalhau (Guitarra Elétrica) é fantástico, com as suas linguagens musicais a fundirem-se na perfeição, sem desvirtuar a raiz de cada um dos instrumentos e testando limites de estilo e forma. Desta mistura inusitada de influências surge uma sonoridade que é vasta dentro ALGARVE INFORMATIVO #340
do seu minimalismo, e surpreendente pela maneira como funde estilos que, apesar de supostamente bastante distintos, têm muito em comum.
“Neste novo projeto sinto-me completamente livre para explorar novos caminhos, sem ideias preconcebidas, e desafiar os limites daquilo que é possível fazer com apenas estes dois instrumentos, a Guitarra Portuguesa e a Guitarra Elétrica”, refere Vítor Bacalhau. Já Ricardo J. Martins, que há algum tempo tem vindo a acompanhar o trabalho de Vítor Bacalhau, sempre pensou que seria fantástico fazerem algo em conjunto.
“Como apaixonado da guitarra elétrica, não podia ficar mais satisfeito com esta sinergia e o seu resultado. Realmente não há 94
limites para a música e a fusão de géneros sempre foi algo que me agradou”, frisa. O concerto de lançamento «Encruzilhada» praticamente esgotou o Teatro Lethes, na noite de 21 de maio, com largas dezenas de pessoas a vibrarem com os temas do novo disco, para além das músicas originais de Vítor Bacalhau e Ricardo J. Martins, de uma nova versão do famoso corridinho algarvio e de outras improvisações, num concerto que voltou a evidenciar o enormíssimo talento dos dois artistas .
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ESCULTURAS DE BEATRIZ CUNHA PATENTES EM LOULÉ Texto: Daniel Pina Fotografia: Jorge Gomes
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eatriz Cunha apresenta, até dia 18 de junho, na Galeria de Arte do Convento Espírito Santo, em Loulé, a exposição «Diamantes Abruptos». Com estudos superiores em História e em Joalharia contemporânea, Beatriz Cunha iniciou nos anos noventa a sua abordagem à Escultura, explorando técnicas e materiais e desenvolvendo a sua linguagem artística de forma independente. A pesquisa e a experimentação são fundamentais na conceção das suas obras e nesta exposição podemos ver peças construídas em madeira cujo desenvolvimento se processa recorrendo a um acaso fractal sem lei aparente, ao abrigo de uma geometria ALGARVE INFORMATIVO #340
natural. “A sua construção não se
deve a um processo intrínseco de cristalização que possa ser explicado por leis físicas, mas sim a uma reflexão interior que integra o tempo e a decadência da matéria que se transformou dos salvados marítimos que antes foram árvores, que depois foram embarcações que navegaram e que agora são matéria-prima de pensamento e expressão artística”, descreve. A exposição pode ser visitada, de terça a sexta-feira, das 9h30 às 17h30, e ao sábado, das 9h30 às 17h30. A entrada é livre . 106
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A família como património imaterial Paulo Cunha (Professor) m 2003, a UNESCO definiu que: “Entende-se por património cultural imaterial as práticas, representações, expressões, conhecimentos e saberfazer – assim como os instrumentos, objetos, artefactos e espaços culturais que lhes são associados – que as comunidades, os grupos e, nalguns casos, os indivíduos reconhecem como fazendo parte do seu património cultural. Esse património cultural imaterial transmitido de geração em geração é recriado permanentemente pelas comunidades e grupos em função do seu meio, da sua interação com a natureza e da sua história e confere-lhes um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana”. Considerando que o património abarca os bens ou valores naturais ou criados pelo homem, materiais ou imateriais, sem a definição do tempo e do lugar, herdados dos seus antepassados, conservados e resguardados com o intuito de serem transmitidos às gerações vindouras, poderá a família, entendida como uma instituição, ser considerada também como património? Mais do que a herança de bens materiais que é legada de geração em ALGARVE INFORMATIVO #340
geração, é a educação, a história da família, os valores transmitidos, as tradições e os afetos partilhados que constituem o maior património humano. Sendo nosso e único, transportá-lo-emos e transmiti-lo-emos pela vida fora. Por têlo ao dispor em nós, este património imaterial define um traço identitário que, devidamente acautelado e preservado, perdurará no tempo. Basta tomar como exemplo o comportamento de certas famílias de proveniências variadas (culturais, sociais, étnicas e religiosas), não permitindo que a passagem do tempo destrua o seu conceito de família. Há em todos nós um património genético que é impossível negar e alterar. Da mesma forma, é impossível contestar a influência que a família tem no nosso comportamento, seja pela sua presença ou pela sua ausência. Não é, de todo, necessário alguém certificar a importância de certos usos e costumes e a forma de estar e de ser para justificar o nosso comportamento social diário. Somos, necessária e indubitavelmente, também o resultado do que a família fez de nós. Sendo um património geracional, transportamos, partilhamos e entrecruzamos a família que nos criou com a família que vamos criar. Tal como numa peça de barro, muitas mãos nos moldaram até chegarmos ao que hoje somos, daí sentirmos que só 116
verdadeiramente morre quem não se tornou património suficiente para não viver para além da morte. Apesar de já cá não estarem ou não os ter sequer conhecido, vivem em mim muitos elementos da minha família. 117
Porque a matéria é perecível, mas o amor e a saudade não, sei hoje que a família é o meu maior património! Tal como o fado é património imaterial da humanidade, desejo-vos também o fado de terem na vossa família o património que merecem!. ALGARVE INFORMATIVO #340
Dos Gatos Mirian Nogueira Tavares (Professora Universitária) Style is the answer to everything. A fresh way to approach a dull or dangerous thing To do a dull thing with style is preferable to doing a dangerous thing without it To do a dangerous thing with style is what I call art (…) Not many have style Not many can keep style I have seen dogs with more style than men, although not many dogs have style. . Charles Bukowski primo francês pergunta se eu conheço a Brigitte Bardot. Não por causa da sua vasta filmografia, mas pela sua fama de recolher, e cuidar, de animais. Isso porque soube que tenho um novo gato. É o quarto. Também me perguntam quando é que vou parar. Qual o número ideal, ou final. O que querem saber, na verdade, é qual o número razoável, coisa que os amantes de gato não são – razoáveis. A minha avó não gostava particularmente de animais (desconfio que o mesmo se aplicava às pessoas), mas admirava os gatos. Teve vários, nenhum deles escolhido por ela, mas adotados pela casa, um grande sobrado, com um quintal enorme, que atraía sempre alguns bichanos. Não lhes dava grande importância ou mesmo carinho. Dava-lhes comida e a sua profunda ALGARVE INFORMATIVO #340
admiração por estes seres independentes e altivos. Chamava a todos Dandy. Teve vários, ao longo da vida, que chegavam e partiam. Creio que foi daí que me veio a paixão pelos gatos – e tive muitíssimos, nunca tantos ao mesmo tempo, é certo. Chegava à casa, vinda da escola, e trazia um gato debaixo do braço. A mãe jogava as mãos à cabeça, mas lá deixava ficar o bicho. Houve mesmo uma gata que pariu sobre os seus lençóis brancos, guardados para as visitas, imaculadamente lavados e passados. Um dos muitos gatos que tive pela vida fora não podia ouvir Violetango. Punha Piazzola a tocar e ele corria como enlouquecido pela casa; de repente, armava um grande salto e eu pensava: é desta que ele cai janela abaixo (eu vivia no 3.º andar) mas não caía – parava mesmo antes da queda, uns centímetros antes, e ficava a olhar a rua, no parapeito, enquanto Piazzola continuava a tocar. O mesmo não acontecia ao som de Philip Glass. Punha-se muito calmo e acabava 118
Foto: Vasco Célio
por adormecer. Era um gato minimalista, sem dúvida. Há uma série de romances policiais cujo título começa por: O gato que... O gato que ouvia Chopin, O gato que lia Kafka... Tive um gato voyeur. Um dia, deu para procurar na estante o livro do Klossowski, Sade – meu próximo. Achei aquilo muito estranho. É que todos os outros livros estavam lá, arrumadinhos, e esse jazia, meio tombado, no chão da sala. Deliciava-se em destruir as violetas 119
da mana e em esconder as evidências do crime debaixo do tapete. Se calhar era um dos escolhidos, pois, como dizia o Marquês: “Só me dirijo às pessoas capazes de me entender, e essas poderão ler-me sem perigo”. Se calhar, todos os gatos são os escolhidos. Por isso continuam a fascinar-me. Como fascinaram a minha avó .
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Notas Contemporâneas [40] Adília César (Escritora) Tudo se apagou. E descontentes com o tempo presente, as inteligências mergulham na erudição e no pó da arqueologia! Eça de Queirós (1845-1900), in Notas Contemporâneas (1909, obra póstuma) OSTO DE SABER que aquela fera me pertence. Tenho-a no quintal, guardada por uma cerca electrificada. É um bichinho belo e sedutor. Adoro tê-lo ao colo e fazer-lhe festas, quando chega a noite. Sabias que aquela cor nunca teve nome? O leopardo-das-neves é o animal mais esquivo do mundo. Solitário, misterioso, inteligente. A podestade personificada numa única criatura. Ele passa a vida inteira sozinho. Neste planeta, não conheço outro objecto de desejo que seja mais afastado da banalidade, como se toda a existência viva se resumisse ao leopardo-dasneves, porque nada mais parece fazer sentido. * A BANALIDADE é quase imperdoável. As pessoas banais a fazerem coisas banais, como porem a roupa a lavar ou fritarem pataniscas. Prometi a mim mesma nunca mais fazer essas coisas corriqueiras. Nunca mais viver como as pessoas banais. Por isso, estou grata por existir neste século XXII, onde todas essas tarefas são executadas por elementos com inteligência artificial. Humanóides de aço, plástico e chips electrónicos. E tu, meu homem de carne e sangue, vais ser polido. Não és perfeito como o leopardo-das-neves, mas trouxe-te comigo porque pertences a uma espécie em vias de extinção e aprecio a tua personalidade indefinida. As tuas mãos ALGARVE INFORMATIVO #340
quentes. Vestirás um fato auto-ajustável que te protegerá do frio, do calor, da sujidade. Alimentar-te-ás de água vital e nutriente. Dormirás em modo de levitação. E estarás à minha espera, todas as noites, ansioso. Um humano pouco inteligente perdido num mundo de robôs. É assim que eu quero que seja a nossa relação, mais equilibrada e menos conflituosa do que as que existiram noutros tempos. Um último aviso: não te aproximes do leopardo-das-neves e tem cuidado com a cerca electrificada. * IMAGINO vezes sem fim este monólogo perturbador como uma visão ficcionada do futuro, algo insólita e preocupante. A noite não me deixa dormir. O silêncio da cidade é enganador. Parecem dizer-me que está tudo bem, dão a entender que a maioria dos chips estão em modo de suspensão, insistem na possibilidade de as consciências estarem dormentes, mas há uma sombra avassaladora que cobre o meu corpo de inquietações quotidianas, enquanto o espírito deambula num sonho desconhecido, sem saber onde pousar. A noite e o silêncio podem ser visões do inferno: a prisão, a guerra, o campo de refugiados: a fome, a doença: o que desiste, o que combate, o que resiste: o que morre antes do tempo de morrer. Mas estaremos assim tão longe de uma realidade em que o desenvolvimento da tecnologia, a par da destruição da natureza, nos imporá novas formas de sermos humanos e de vivermos as nossas vidas? Ou aquele 120
binómio de forças vai afastar-nos da equação que traduz a sobrevivência da espécie humana? * SOMOS INDIVÍDUOS predadores em relação a todas as outras criaturas vivas. Lutamos pela terra, pela água, pela comida, pelos valores em que acreditamos. Lutamos uns com os outros. Somos feitos de sonhos, queremos sempre ir mais rápido, mais longe. Possuir mais coisas (e pedir empréstimos aos bancos para as adquirir…): equipamentos mais eficientes e gagdets com mais funcionalidades, comida rápida, medicamentos para curar todas as doenças, objectos essencialmente inúteis para usar e deitar fora. Não olhamos a meios para atingirmos os fins – corrupção e desigualdade social em larga escala. Os nossos dias são feitos de pressupostos de carência material, mas perante uma guerra, por exemplo, sabemos exactamente o que é importante: a vida, a família, a saúde, o amor, a liberdade, a esperança. O lar. * FAST LIFE, FAST TIME. Mais mais mais. Ganhar tempo no dia-a-dia, viver mais tempo. Para quê? Para sermos mais ou menos humanos? O que significa hoje «ser» humano? E o que significará, no século XXII, «ser» humano? Chegará a humanidade ao século XXII? Como lidaremos com a inteligência artificial que aprenderá, forçosamente, a interagir connosco de forma a conquistar o nosso território geográfico, a nossa propriedade intelectual e ética, uma vez que vai observar-nos e vai apreender as nossas características predadoras? E, acima de tudo, que será imune a vírus, bactérias, doenças agudas e incuráveis. A inteligência artificial rirse-á das epidemias que nos matam. Será pacífica essa nova ordem social, quando a eficácia face à sobrevivência das espécies não parece estar do nosso lado? Teremos nós, 121
humanos, a imperiosa capacidade de adaptação e o tempo necessário para acompanhar os vertiginosos processos de evolução tecnológica, a par do nosso desenvolvimento espiritual e moral? Seremos capazes de decidir qual o lado certo do conflito? Ou corremos o risco de nos transformarmos num gadget fora de moda? Creio que a essência da nossa humanidade vai perder-se no caminho do futuro. A vida, a luz corre à nossa frente e nós vamos ficando para trás, no escuro. Adeus. * O TEU RUGIDO desperta-me da letargia em que me encontro há tanto tempo. Tu, meu leopardodas-neves, és a medida certa do desequilíbrio planetário: belo, feroz, digno, vivo. O teu rugido impõe-se como uma verdade inquestionável. E eu tento aprender o teu idioma de vitória para te poder falar de amor e devoção . ALGARVE INFORMATIVO #340
As principais profissões do futuro Fábio Jesuíno (Empresário) s empreendedores são os grandes impulsionadores de uma sociedade, são eles que mais contribuem para a evolução do mundo. Para fomentar o espírito empreendedor, reuni as principais ideias de negócio para os próximos cinco anos: Profissional em blockchain A metodologia blockchain é uma tecnologia que visa a descentralização como medida de segurança. São bases de dados partilhadas com a função de criar um índice global para todas as operações que ocorrem num determinado mercado. A Blockchain destaca-se como uma das tecnologias com maior potencial de disrupção e começa a estar presente nas empresas, por esse motivo, existe uma grande procura de profissionais especializados nesta área. Artista digital Resumidamente, a arte digital é um conceito que engloba todas as manifestações artísticas executadas com a ajuda de meios electrónicos, sejam eles tradicionais ou virtuais. Com a evolução tecnológica, surgiram cada vez mais formas de manifestações artísticas nesta área e um maior interesse. Os artistas digitais são uma profissão com uma grande abrangência e procura por parte dos mais diversos públicos. ALGARVE INFORMATIVO #340
Assistentes virtuais A proliferação dos meios digitais veio mudar a forma como comunicamos em sociedade para sempre, resultando numa transformação de comportamentos de compra e consumo, permitindo o surgimento de uma série de profissões, como os assistentes virtuais, que podem desempenhar uma série de tarefas remotamente, como gestão administrativa, resposta a e-mails e gestão as redes sociais. Artesão Uma das profissões com maior crescimento nos últimos anos e que não tem tanta projeção mediática, mas com grande impacto na nossa sociedade, é muitas vezes desvalorizada, contribuindo cada vez mais para a criação de novos negócios de sucesso. As pessoas gostam cada vez mais de serem diferentes, de ter produtos personalizados, únicos de pequenas produções, os quais são cada vez mais procurados, criando uma grande oportunidade de negócio. Os produtos artesanais como as cervejas, queijos, sabonetes, perfumes, roupas e joias são alguns exemplos que se destacam pela qualidade superior. Estas são as ideias de negócio que, na minha opinião, vão fazer a diferença nos próximos cinco anos e impulsionar a criação de negócios em Portugal e no mundo . 122
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Alexandra Rodrigues Gonçalves (Diretora da Escola Superior de Gestão, Hotelaria e Turismo da UAlg) urismo outra vez, sim! Faz precisamente um ano em que escrevia sobre «Turismo, o Renegado!». Começo por repetir-me: “O Turismo nunca foi visto na sua visão holística e integradora como um fenómeno social completo” e por isso estamos com diagnósticos sucessivos de uma caraterização de uma realidade que constantemente se repete, numa região com problemas estruturais por resolver, que condicionam fortemente a vida das populações e, claro, de per si o turismo. Quando tudo está bem é a «Galinha dos ovos de ouro», quando tudo está mal surgem os discursos de Turismofobia e de impactos negativos desta atividade. Relembramos os dados disponibilizados pelo IPDT sobre a importância do emprego no sector e do turismo na economia nacional. O turismo em 2019 era responsável – direta e indiretamente – por 2 em cada 10 empregos em Portugal; 1 em cada 5 euros gerados provinham desta atividade; em 2019, o turismo empregava 320 mil pessoas; nas atividades ligadas ao alojamento e à restauração – empregou diretamente 320 ALGARVE INFORMATIVO #340
mil indivíduos; 6 em cada 10 trabalhadores do turismo são mulheres, contribuindo positivamente para a igualdade de género; reduziu a percentagem de pessoas empregadas com formação ao nível do ensino básico; 2 em cada 10 pessoas trabalham por conta própria, pelo que é um dos setores mais empreendedores da economia nacional. Outros dados sobre a remuneração associada ao setor estão também disponíveis no IPDT, sendo certo que mais de dois anos de Pandemia tiveram efeitos sobre o sector que dificultam estabelecer comparações entre regiões e setores (https://www.ipdt.pt/o-empregono-setor-do-turismo-em-portugal/). Uma maior e melhor qualificação dos recursos humanos é fundamental e os dados não enganam: em 2019, 13% das pessoas empregadas em turismo tinham formação ao nível do Ensino Superior. Este valor em 2013 era de 7,1% e em 2016 permanecia nos 9,8%. Também se encontra bem caracterizada a dinâmica impulsionada pelo Turismo na geração de emprego jovem: “Em 2019, 15% das pessoas empregadas em turismo tinha menos de 24 anos, um aumento de 2 pontos percentuais face a 2018. A 124
média nacional no total da economia situava-se nos 6%. O setor destaca-se pelas oportunidades de emprego que cria para os mais jovens e sobretudo no que respeita ao primeiro emprego. A faixa etária entre 25 e os 34 anos (23%) representava uma parcela bastante superior à média do total da economia (19%), sublinhando a importância do turismo no emprego jovem”. A investigação tem demonstrado que os efeitos da Pandemia geraram uma fuga de mão-de-obra para outros sectores de atividade e sabe-se que a maior dificuldade de recrutamento está nas funções menos qualificadas.
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A regeneração e diversificação da economia só serão possíveis com a regeneração também do turismo e essa depende grandemente da qualificação dos seus recursos humanos, do seu capital humano. Há certamente muito a fazer. Recomendo uma leitura muito atenta da Declaração de Barcelona de 2018: «Melhores lugares para Viver, Melhores Lugares para Visitar» disponível em: https://necstour.eu/better-places-tolive-better-places-to-visit. O turismo é a arte de vender felicidade Estará o problema na qualificação dos Recursos Humanos e na formação que lhes é proporcionada? Claro que não. Verifica-se, entre outras, a necessidade ALGARVE INFORMATIVO #340
de os decisores locais e regionais definirem ações concretas que promovam o equilíbrio entre o trabalho e a vida familiar, assim como devem identificar e promover medidas de valorização do emprego no turismo que permitam a continuação da atração e retenção de talentos para o setor. A criação de incentivos para promover investimentos em áreas-chave que possibilitem um trabalho menos sazonal e mais sustentável no Algarve; a análise e a exploração de propostas complementares de desenvolvimento humano, e bem-estar, ao longo do percurso profissional, com oportunidades de renovar competências e fazer formação, são algumas das medidas que estão identificadas. Conceber mecanismos inovadores para monitorizar e avaliar as políticas de turismo relacionadas com o futuro do trabalho no setor era uma das conclusões apontadas pela Organização Mundial de Turismo (https://www.eunwto.org/doi/pdf/10.18111/97892844212 13), o que também a Região já está a fazer integrando com a dinamização direta da Universidade do Algarve, projetos como o Observatório para o Turismo Sustentável do Algarve, o KIPT – Laboratório Colaborativo para a Inovação no Turismo, o HoST Lab – Hospitality, Sustainability and Tourism Experiences Innovation Lab, entre tanta outra investigação e desenvolvimento que estão a procurar contribuir para a qualificação do destino Algarve e para a difusão do maior conhecimento possível entre a academia, o sector e os seus operadores. ALGARVE INFORMATIVO #340
Os discursos e as narrativas mediáticas possuem um efeito devastador e muitas vezes, não são informativos, usam dados parciais e remetem para comparações não comparáveis, procurando evidenciar um discurso sobre um aspeto menos positivo como forma de captar leitores e gerar comentário. Este fenómeno é semelhante ao efeito dos Facebook e outras redes sociais, e sabemos como precisam hoje crescentemente os jornais de ser lidos, pois outros estão a ocupar o seu espaço! Sempre gostei desta ideia: o turismo é a arte de vender felicidade e nem todos a sabem vender, tal como em outras artes*. *A notícia infeliz partilhada no dia 18 de maio, Dia Internacional dos Museus, que o 365 Algarve estava morto e enterrado, mas que teria um sucedâneo revela mais um erro estratégico anunciado para a Região. São muitas as vozes que nas redes sociais dão alma ao seu descontentamento e tendo estado com responsabilidades regionais aquando da sua criação e nem sempre acordado com o modelo, neste momento escrevo para registar o bom caminho feito e o seu aperfeiçoamento, procurando ir ao encontro de uma estratégia regional de cultura e turismo. As sementes estavam a florescer, com a participação de agentes locais, regionais e dando dimensão profissionalizante e cariz nacional à produção cultural do e no Algarve, envolvendo empresários. Estes são projetos que qualificam a região e não sendo obra de betão e infraestruturas, criam raízes transformadoras.
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Uma referência no Algarve e no País Carlos Manso (Economista e Membro da Direção Nacional da Ordem dos Economistas) or questões éticas, começo este texto com uma declaração de interesse óbvio, já que tenho uma relação profissional com uma das empresas citadas
resultados de 2020 e cujo relatório é elaborado pela ERSAR), demonstram que nas melhores empresas do País no indicador mais importante, o indicador da Água Não Faturada (ANF), essas empresas aparecem nos primeiros quatro lugares.
no mesmo. Em Portugal existem cerca de 254 entidades gestoras a operar no setor do abastecimento de água, regulado pela Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) que anualmente, desde 2006, avalia através de diversos indicadores a performance de cada uma dessas entidades gestoras nas mais variadas vertentes da operação e investimento. Atualmente são 42 indicadores (14 para cada um dos setores – Abastecimento de Água, Saneamento e Resíduos). É de longe o melhor e mais completo benchmarking existente em Portugal e cuja experiência poderia e deveria ser replicada para os restantes sectores de atividade económica. Nos últimos anos, três empresas municipais do Algarve têm vindo a implementar no terreno uma estratégia de modernização com vista a uma maior eficiência e eficácia na gestão da água e cujos resultados deviam encher de orgulho a região, já que, segundo os dados do RASARP2021 (que se referem a ALGARVE INFORMATIVO #340
Essas empresas municipais são a INFRAQUINTA, a INFRALOBO e a INFRAMOURA, que estão na 1.ª, 2.ª e 4.ª posição a nível nacional respetivamente. Num País onde a média de Água Não Faturada ronda os 28,70%, estas entidades apresentam valores nesse indicador de 3,90%, 8% e 9,10% respetivamente. Agora, em 2022, surgiu um novo estudo elaborado pela organização independente e privada DEFINING FUTURE OPTIONS, que através da utilização de um algoritmo de avaliação analisa todos os indicadores da ERSAR e os agrega num único indicador global de desempenho para todas as entidades gestoras. As conclusões a que chegaram para mim não foram uma surpresa, mas poderão definitivamente validar o trabalho realizado pelas empresas municipais acima referidas. A INFRAQUINTA, INFRALOBO e INFRAMOURA aparecem nas primeiras cinco posições no respeitante à 128
De referir que, nas melhores 25 entidades gestoras neste estudo, aparecem também as empresas do Algarve FAGAR (17.ª posição) e a EMARP (21.ª). Estes estudos e análises comprovam que na Região do Algarve existe knowhow suficiente. Então, o que falta para que o Algarve como um todo seja mais capacitado na gestão da Água? Falta uma liderança regional que perceba que os desafios futuros apenas podem ser ganhos com cooperação, com partilha de conhecimento, que o Algarve é um todo e não a soma das várias partes, que tome decisões fundamentadas com base em metas claras e exequíveis e não ao sabor dos ventos. E que aproveite o que de melhor se faz no País. Enfim, falta quem nos lidere com visão . Qualidade do Serviço, nomeadamente na 1.ª, 4.ª e 5.ª posição respetivamente, demonstrando que a dimensão e a natureza do Capital Social (Públicas) não as impede de serem eficientes e não são relevantes para o seu bom desempenho. 129
Nota: Este artigo de opinião apenas reflete a opinião pessoal e técnica do autor e não a opinião ou posição das entidades com quem colabora ou trabalha.
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Memórias do Polvo (5) João Soares (Arquiteto e Professor Universitário) vistei um polvo no Alentejo (em Beja). Estranha imagem, mas por nada improvável, se acrescentarmos detalhe à descrição do avistamento: por exemplo, se tiver sido num prato, com batata ao redor, regado com bom azeite, e entalado entre reluzentes grelos, servido pelo alumínio baço de garfos e facas leves a ajudar na parte inicial do processo da ingestão... aí, não soará tão estranha quanto parecia parecer, a abertura da escrita de hoje. Em todo o caso, não, não será esta a crónica sobre as muitas possibilidades gastronómicas do querido bicho. Nunca essa crónica existirá – por vergonha, por respeito, bem, e também para não desvirtuar a relação com o leitor, naquilo em que se aproxima da relação do comerciante com o freguês. Não se pode andar aí a vender gato por lebre – dizer que se admira a sofisticação animal e cerebral de uma criatura, para depois contar de diabruras gástricas com o mesmo. Não é correcto. Mas deixem-me dizer-vos que li uma vez um livrinho (de capa cor de laranja) que se chamava Il salto dell'acciuga (o salto da anchova, seria em português; escreveu-o, já lá atrás, em 1997, Orengo Nico), e que é, nada mais nada menos, do que a ALGARVE INFORMATIVO #340
peculiar história de comércios e hábitos culinários, e que se transformaram em culturais, de pessoas em viagens de gerações, da Ligúria ao Piemonte, no interior de Itália. Uma geografia poética desenhada a salgado forte de «bagna càuda» – ou molho quente. Afinal, o avistamento de um polvo num prato, no interior, volta a parecer-se menos estranho. (Nota à margem: é mais um desses livros que, por ter gostado tanto, emprestei. Por ter emprestado, nunca o mais vi). Eu não vi um polvo no Alentejo, no sentido de vê-lo a passar e passear-se pelos campos, galgando torrões de terra seca lavrada – ou num barranco que fosse. Nem, assim, por exemplo, pela praça da república, no centro de Beja, ou para os lados da ermida de Santo André, mais cá em baixo, de quem entra, vindo de Beringel. Mais depressa poderia dar de caras com o sisudo em Odemira, ou Santiago do Cacém, ou no Sant'André da Lagoa. Também não. Ou, numa diagonal oposta no mapa, imaginem dar de caras com um polvo em Campo Maior! De alguma maneira ele teria conseguido ir alternando, nas suas caminhadas 130
assistidas por oito partes, momentos de sequeiro com passagens, ainda que breves, por poças, represas, alguma curva de ribeira – aqui e ali. Imaginemos até que – sem conseguir-se explicar como – nesses chapinhares provava água com algumas pitadas de sal, para não se ir inquietando à medida que se afastasse península adentro.
esta deambulação é este facto que parece estar distraidamente a ser esquecido, e que tornaria, por cima de todas as dificuldades, impossível ao polvo aparecer em Campo Maior: ele não teria tempo para o fazer. Os polvos têm uma vida brevíssima! – mais coisa, menos coisa: um ano. Dá que pensar.
Mas não o vi. Não aconteceu. Vejam bem a volta que vim dar... Queria falar-vos de uma coisa fascinante e intrigante – e muito condicionante, do polvo, e dou por mim a imaginar coisas absurdas. Em que sentido absurdas? “You name it” – mas, de todas, aquela que torna insana 131
Fiz algumas contas para tentar verificar a hipótese. Terá já alguém medido a velocidade a que se desloca o polvo? (Com certeza que sim, há investigadores que se deram ao trabalho de explicar porque se acumula cotão nos umbigos das pessoas...) – quão depressa vai a passo de homem (de polvo, ALGARVE INFORMATIVO #340
Pedras de lagar, em descanso, à espera, com líquenes e pequenos cactos, frente ao solar de Água de Peixes
neste caso), quando vai acelerado...? debaixo de água; cá fora, sobre a areia molhada? Um ser humano caminha a cerca de quatro quilómetros por hora (3,6km para um andar prazenteiro, dizem). Podemos formar a hipótese, numa regra de três simples, medindo a passada de um humano e a distância entre tentáculos esticados (em posição confortável) de um polvo. Multiplica-se por quatro (porque tem o bichano quatro vezes mais
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apetrechos móveis do que nós) e deveremos chegar à razão. Em todo o caso, considerando pausas para descanso (ou para apreciar a paisagem), e imaginando que o animal saísse dos lados de Mil Fontes (escrito assim, parece mesmo uma dionisíaca experiência antiga de fertilidade – mil fontes! – sairiam de lá, então, mil polvos! – pelo menos...). Regressando às contas, dali até Campo Maior, mesmo que fosse em linha recta (o que seria bastante desinteressante), diz o google, seriam 249 quilómetros. 132
descanso e de contemplação estratégica, acrescentar horas de sono. Fui ver quanto tempo dorme o polvo. Encontrei isto: Two distinct states [de sono]. In the first, called quiet sleep, the octopuses are pale and motionless with the pupils of their eyes narrowed to slits. Active sleep comes next. Eyes dart around, suckers contract, muscles twitch, skin textures change and, most dramatically, bright colors race across octopuses’ bodies. This wild sleep is rhythmic, happening every half an hour or so, and brief; it’s over after about 40 seconds. Active sleep is also rare; the octopuses spent less than 1 percent of their days in active sleep. (Se quiserem, podem ir ler aqui: https://www.sciencenews.org/article/octop us-sleep-stages-active-color-quiet-rembrain)
Considerando que um bípede humano caminhasse menos de cinquenta quilómetros por dia (e já será pressa a mais!), precisaríamos de um bocadinho mais de oito dias. Ao domingo descansase, nove dias então. Dividimos por oito (são precisas oito «passadas» de polvo para uma passada humana), multiplicamos por quatro (tem quatro pares de «pernas», e nós, só dois), e o resultado seria: ... como dizia alguém, «é fazer as contas»... Seria uma grande parte de uma vida de polvo! Teríamos ainda que, às pausas de 133
Incrível, novamente o polvo a deixar-nos de cara à banda! – quarenta intensos segundos de contrações tentaculares e delírios cromo-epidérmicos, e tudo a dormir, que é como quem diz: “faço isso com um tentáculo às costas!”. Enfim (para voltarmos às contas), teríamos que acrescentar algum tempo para o sono, mas, afinal, parece que não muito. Não o suficiente para fazer alterar significativamente as contas. Trata-se de quality (sleeping) time. Mas, se acrescentarmos ainda factores flutuantes – internos – como o humor (poderia, em certas manhãs estar o animal «em baixo», meio deprimido); ou ter dor de ALGARVE INFORMATIVO #340
barriga(s)... mais outros factores de humores externos: ventos contrários, granizo, algum milhafre curioso, e assim... e começava já a demora facilmente a deslizar para os quase quatro meses: um terço da sua vida. Soube, há pouco tempo, que terá sido «re»descoberto um primo antigo do polvo, com dez braços (ou pernas, nunca sabemos bem)! Ficavam as nossas contas todas de pernas para o ar! Supondo que dez são melhores que oito – e não será assim tão líquido (podem acabar por atrapalhar e estar sempre a auto-tropeçar), poderíamos considerar um incremento de velocidade da ordem dos vinte por cento... refeitas as contas, ainda assim, seria demasiado tempo de viagem para tão pouco tempo de vida até Campo Maior (e permaneceria sempre a questão de fundo: porquê Campo Maior?). Continue-se então com o octópode. Sairia de Mil Fontes para fazer a primeira paragem na Azinheira dos Barros e em São Mamede do Sádão. Daí (passando ao lado de Alvito), ir dar a Albergaria dos Fusos (onde poderia visitar a discretíssima casa mortuária desenhada por Vítor Figueiredo), ou, um ou dois quilómetros antes, em frente ao solar de Água de Peixes – e olha que nome! –, mesmo sem lá entrar (e olha que pecado!) poderia deliciar-se com aquela maravilhosa colecção de tinas de pedralagares para azeite, encostadas, empilhadas com um ar de quem as está a preparar para levar para outro lugar, mas que, entretanto, têm já uns ALGARVE INFORMATIVO #340
belissimamente caprichosos líquenes desenhados nos sulcos que líquidos foram escavando ao calcário. Quantas serão, vinte dessas pedras?, mais? Passagem por Évora, também sem parar, porque seria perder-se e, finalmente, Alandroal, onde, antes da chegada ao destino, se poderia deleitar no branco leitoso do mármore proporcionado em Alto Renascimento da fonte das bicas! e não faz mal se a água é doce, que é tão alta a beleza do pequeno monólito, por fogaréus encimado. Para uma viagem de polvo, seria mesmo uma coisa bem feita. E depois?, quando chegasse a Campo Maior o que faria? Aliás, para que é que ele tinha ido lá ter? Para que se teria enfiado terra adentro, assim tão desprevenido...? Começaria a padecer de males de existência, a pensar, a esboçar as bases interiores de um sentir-se filosoficamente... perceberia que lhe serviria uma linguagem para exprimir o que lhe fosse na alma... e, quando tudo isso tivesse mais ou menos cogitado, iriam restar-lhe umas semanas, ou dias, de vida. E morreria. E é esse, continua a ser esse, para mim, o maior mistério em torno do polvo: para que lhe terá sido dada (ou ter ele tomado) tanta inteligência, se depois não tem o tempo para a usar completa? Nas maneiras como penso nas coisas – e, tendo começado a tomar atenção ao modo como o faço, observando-me a mim mesmo –, reparei que ando à volta, à volta, 134
antes de chegar ao assunto. Quando me apercebi deste facto, fiquei bastante inquieto. Preocupei-me. Estranhei – mas, depois, vim-me a habituar. Mais, comecei a gostar. A volta à roda de hoje, em todo o caso, foi particularmente grande... mas tinha a ver com o assunto de fundo que (só) agora, finalmente, aparece: No estudo das questões da relação entre o fazer das coisas e os instrumentos para esse fazer: entre acção e pensamento e o ir percebendo situações em que uma intenção vai fazer espoletar um processo de procurar, no limite, da invenção de um instrumento que não exista ainda, para chegar a um específico fim. Nessa busca, como no caminho feito ao contrário: tendo à disposição um determinado instrumento, pensar o que com ele se pode fazer – virálo, segurá-lo de um e outro modo, com uma mão e a outra. Nesse manusear, a ensaiar agarrar, em que repetimos, insistimos (é nos processos de repetição, de tentativa e erro, que se escondem discretas progressões – melhoramentos, afinação), serve uma coisa importante: o tempo
animal gosta de andar sozinho, de maneira que não tem muito, na equipa, a quem passar o que vai descobrindo ou o que quer guardar como lembrança. Então vive, o bicho, nessa condição sisífica – ainda mais acelerada do que acontece em nós, humanos. De estar sempre nessa tal subida, para chegar ao cimo e voltar o pedregulho a escapar-selhe dos tentáculos, rebolando cá para baixo, e ter de começar tudo de novo... Será uma partida do Criador? – porque quer-me parecer que, se o polvo tivesse só que fosse metade do tempo médio de vida que temos nós (setenta e cinco anos), ou até mesmo um golfinho (vinte e cinco) ou um cão (dezassete), conseguiria fazer muitíssimas coisas mais... de certezinha absoluta! Talvez fosse bicho mesmo para ter uma crónica no jornal (traduzida para língua entendível). Ou então acontece que o polvo soube, pela sua inteligência, desde tempos anteriores, ir vivendo sempre um bocadinho menos, para ter da vida só as belezas (é por isso que está no mar) e não as agruras.
(e a memória). E tempo é coisa que o polvo não tem – mesmo se a memória não lhe falta! A memória consegue substituir (um pouco) o tempo, na medida em que multiplica, em efeito estafeta, a ideia de um património que se vai passando de tentáculo em tentáculo. Será esse o valor de uma memória de grupo – colectiva. Mas o polvo é mais solitário do que gregário. O 135
Será essa, pois, a sua máxima inteligência: a ele foi-se-lhe fazendo bastar, de cada vez, uns bocadinhos menos de tempo. De cada vez, sem pressa, até ter chegado a esse equilíbrio da demora de um passeio da Terra a dar a sua volta no lote onde mora, saindo pelo portão de trás, para a travessa, de onde se vê o campo todo lá fora, até regressar, de novo, à porta da frente .
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