ÍNDICE
Edifício de Serviços de Saúde de Loulé (pág. 14)
Aeroporto Gago Coutinho (pág. 22)
Dia de Alcoutim (pág. 30)
Festa da Dieta Mediterrânica em Tavira (pág. 38)
Doces conventuais em Lagoa (pág. 54)
Never Ending Summer em Albufeira (pág. 64)
«Bate Fado» em Lagoa (pág. 82)
Rita Redshoes e Artistas de Minerva no Cineteatro Louletano (pág. 96)
Festas do Pescador em Albufeira (pág. 110)
OPINIÃO
Paulo Cunha (pág. 120)
Pedro Jaime Tavares Ferré (pág. 122)
Ana Isabel Soares (pág. 124)
Adília César (pág. 128)
Fábio Jesuíno (pág. 132)
João Ministro (pág. 134)
Dora Nunes Gago (pág. 138)
Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina oi assinado, no dia 8 de setembro, o auto de consignação da obra do Edifício de Serviços de Saúde de Loulé e foi com enorme satisfação que Vítor Aleixo afirmou que se tinha atingido “um ponto de não retorno”. “Assim que se coloca a primeira pedra já nem é possível
voltar para trás, podem ter a certeza de que vamos terminar a obra e de que os louletanos vão ficar muito melhor servidos de cuidados de saúde pública”, garantiu o presidente da Câmara Municipal de Loulé.
O equipamento vai localizar-se num terreno junto ao atual Centro de Saúde e
Carlos Filipe, José Apolinário, Paulo Morgado, Vítor Aleixo, Carlos Gomes e Abílio Sousacontará com diversas valências, nomeadamente, com a sede do Agrupamento de Centros de Saúde Central – ACES Central, a Unidade de Saúde Familiar Lauroé – USF Lauroé, a Unidade de Cuidados à Comunidade –UCC Gentes de Loulé e o Centro de Saúde Universitário, este último da responsabilidade do ABC – Algarve Biomedical Center. O investimento ronda os 5 milhões de euros, financiados pela Autarquia de Loulé (65 por cento) e pela Administração Central (35 por cento), tendo um prazo de execução previsto de dois anos e meio.
O Edifício de Serviços de Saúde constitui uma resposta importante às necessidades existentes ao nível dos
cuidados de saúde da região algarvia, sobretudo em termos de equipamentos, já que permitirá melhorar serviços, em especial na zona com maior densidade populacional. “Falamos de uma obra que anda a ser sonhada há muito anos, não só pelos profissionais de saúde que aqui trabalham, mas também pela Autarquia de Loulé, e este é apenas um dos investimentos que ela tem realizado na área da saúde”, declarou Paulo Morgado, presidente da Administração Regional de Saúde do Algarve. “Vai ser um centro de saúde inovador e que está pensado, desde o início, para ser
flexível, para se adaptar às necessidades que, entretanto, se vão alterando, de modo a melhor servir as populações, pelo que é, para mim, um dia de grande alegria e satisfação. Loulé vai ficar mais rico com esta obra”, reforçou Paulo Morgado.
Uma alegria visivelmente partilhada por Vítor Aleixo, que começou por lembrar as muitas vicissitudes que envolvem a contratação pública de obras partilhadas pela administração local e central. “O primeiro protocolo entre a Câmara Municipal de Loulé e a ARS Algarve foi assinado, em 2010, pelo Seruca
Emídio e pelo Rui Lourenço, mas há ciclos políticos em que a governação está mais voltada para os serviços sociais do estado e nos quais se sonham e projetam obras, e depois chegam outros ciclos políticos em que essas decisões de investimento nas funções sociais do Estado não são tão valorizadas e as coisas ficam adormecidas. E foi isso que aconteceu com este investimento”, indicou o edil louletano.
O novo edifício terá, então, quatro importantes valências e Vítor Aleixo fez questão de realçar que 35 por cento do
valor da empreitada será suportado pelo Ministério da Saúde, através da ARS Algarve, “um bom exemplo de que o Governo de Portugal investe na saúde de todos os portugueses”. “O primeiro protocolo foi assinado em 2010, depois ficou interrompido, mas, em 2016, com a mudança do executivo municipal e do Governo da República, foi possível retomar este processo com a assinatura de um novo protocolo. Esta Unidade de Saúde Familiar vai servir 14 mil utentes e a Unidade de Cuidados à Comunidade vai servir 70 mil utentes, portanto, trata-se, sem dúvida, de uma data importante.
Peço paciência e calma aos profissionais de saúde e aos utentes, porque o Centro de Saúde vai estar mais de dois anos a funcionar com obras a decorrer mesmo ao lado, mas na vida nada é perfeito. Para podermos dar um salto, temos que suportar temporariamente esse incómodo”, apontou Vítor Aleixo.
A saúde é, de facto, uma prioridade para o executivo municipal de Loulé, pelo que decorre, em simultâneo, a ampliação do Centro de Saúde de Quarteira com dispositivos provisório, “porque Quarteira está numa fase grande de crescimento”. Situação diferente acontece em Almancil, onde a ampliação
física do Centro de Saúde já é uma realidade, com Vítor Aleixo a endereçar um agradecimento especial a Joaquim Pinto, presidente da Junta de Freguesia de Almancil, por ter colocado à disposição o primeiro andar do edifício para ali serem colocados mais oito gabinetes médicos, o que ditou a mudança de «casa» da Junta de Freguesia. “Eu sou eleito pelo PS e uma das nossas prioridades é defender sempre o Serviço Nacional de Saúde, é possibilitar o acesso universal e tendencialmente gratuito a todos os portugueses aos cuidados de saúde. Nós empenhamo-nos e, de cada vez que governamos, demorando mais ou menos tempo,
as coisas aparecem”, salientou, com convicção.
Vítor Aleixo deixou ainda a garantia de que a Unidade de Saúde Familiar SerraMar também vai ser alvo de uma atenção especial, até porque, recordou, “as autarquias assumiram novas responsabilidades para cuidar dos centros de saúde e, no concelho de Loulé, eles vão andar mais cuidados e arrumados, e melhor equipados” “Isso não se consegue de um dia para o outro, mas, aos poucos, as pessoas vão começar a notar a diferença e perceber o quanto é boa a decisão do Governo em delegar estas competências no poder local” .
AEROPORTO GAGO COUTINHO PRESTA HOMENAGEM AO NAVEGADOR SÃO-BRASENSE QUE FEZ A PRIMEIRA TRAVESSIA AÉREA DO ATLÂNTICO SUL
Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina
esde o dia 7 de setembro que o Aeroporto de Faro se passou a denominar Aeroporto Gago Coutinho, em homenagem ao almirante nascido em São Brás de Alportel que realizou a primeira travessia aérea do Atlântico Sul em 1922. A travessia de hidroavião que se completou há um século teve início no
Rio Tejo, em Lisboa, a 30 de março de 1922 e completou-se, na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, a 17 de junho. O Almirante Gago Coutinho foi o navegador dessa aventura de 4 mil e 500 milhas náuticas (8 mil e 300 quilómetros), a pilotar o hidroavião estava o comandante Sacadura Cabral, e um dos fatores decisivos para o sucesso desta viagem foi a invenção, por Gago Coutinho, de um aparelho de navegação aérea – um novo tipo de sextante – que,
por se ter revelado eficaz na navegação entre o Rio Tejo e a Baía de Guanabara, acabou depois por ser utilizado nas décadas seguintes na indústria aeronáutica.
A denominação oficial deste aeroporto foi aprovada pelo Governo em Conselho de Ministros no passado mês de junho, tendo a iniciativa surgido de um movimento de cidadãos de São Brás de Alportel encabeçado pelo Almirante Martins Guerreiro. E, para o presidente da VINCI Airports, Nicolas Notebaert, “esta é uma homenagem merecida, porque se trata de celebrar um homem da região que
fez história na aviação mundial”. “É justíssimo que o Aeroporto de Faro homenageie o almirante Gago Coutinho, tendo em conta que esta é uma infraestrutura muito relevante para a região e para o país, onde já investimos mais de 100 milhões de euros e continuamos a investir. Um dos mais recentes investimentos foi a construção de uma central fotovoltaica, a primeira num aeroporto de Portugal e onde planeamos construir mais seis, colocando na próxima década os
aeroportos portugueses na vanguarda da sustentabilidade ambiental. Desta forma, reafirmamos o nosso compromisso com o país e com todas as regiões onde temos aeroportos e deixamos, mais uma vez, a garantia que vamos continuar a trabalhar, em conjunto com as regiões, para estreitar distâncias e ligar pessoas e culturas”, garantiu Nicolas Notebaert.
A cerimónia oficial de redenominação do aeroporto foi presidida pelo PrimeiroMinistro António Costa, numa celebração que contou com as presenças do Ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos, dos Chefes de Estado Maior da Armada, Força Aérea e Exército, de diversos autarcas e titulares de cargos
políticos da região e de várias entidades nacionais da aviação civil e comercial. “O Almirante Gago Coutinho foi um militar e cientista ilustre, grande algarvio e herói nacional, e a importante proeza que protagonizou com o comandante Sacadura Cabral foi realizada há 100 anos precisamente para assinalar, então, o primeiro centenário da independência do Brasil. E é importante sublinhar o contributo destes notáveis portugueses para o progresso e o avanço científico, através da resolução de problemas de navegação aérea que à época se colocavam, o que só foi possível fruto da extraordinária capacidade
de observação, da enorme curiosidade e do elevado espírito crítico que os animava”, destacou António Costa. “Uma empreitada feita de ousadia, heroísmo e elevação, da mesma linha que há mais de 500 anos levou a frágil frota de Pedro Álvares Cabral a cruzar esse mesmo Atlântico até Terras deVera Cruz”.
O Primeiro-Ministro António Costa reconheceu a crucial importância que este aeroporto tem para a economia algarvia e nacional e enalteceu a recuperação sustentada do turismo em Portugal e, muito especialmente, no Algarve. “Agradeço, por isso, ao Algarve, aos Algarvios, aos empresários do turismo e da restauração, a forma tão hospitaleira e calorosa como têm valorizado este destino, como um dos grandes destinos à escala mundial”, declarou. “À semelhança de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, foram e continuam a ser muitos aqueles que com engenho e coragem atravessaram o Atlântico nos dois sentidos, à procura do sonho da realização pessoal, de terem uma vida mais próspera. Para o Brasil foram, em diferentes períodos, refugiados portugueses, e na Democracia Portuguesa refugiaram-se, então, os que fugiam da Ditadura Brasileira. Ao longo destes 200 anos temos sempre mantido
aberta esta permanente ponte aérea que há 100 anos Gago Coutinho e Sacadura Cabral iniciaram”, frisou António Costa.
Recorde-se que o Aeroporto Gago Coutinho registou, em 2019, o valor recorde de 9.1 milhões de passageiros, sendo que, neste Verão, operaram em Faro 27 companhias regulares que viajaram para 63 destinos, através da operação de 75 rotas. Inaugurado em 1965, estamos perante o principal aeroporto turístico em Portugal, desempenhando um papel determinante no desenvolvimento económico do país ao servir os principais polos de turismo do Sul de Portugal e Espanha .
ALCOUTIM FESTEJOU DIA DO MUNICÍPIO
Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina lcoutim festejou o seu Feriado Municipal a 9 de setembro, com a cerimónia comemorativa a ter início com o içar das bandeiras, seguindo-se a inauguração do edifício habitacional em Alcoutim. Na sessão solene, que decorreu no Espaço Guadiana, foram depois distinguidos funcionários da Câmara Municipal em função dos anos de dedicação e de bom comportamento, a par da homenagem a personalidades do concelho que marcaram e marcam o percurso do concelho, nomeadamente, o Agrupamento 1107 de Alcoutim do Corpo
Nacional de Escutas, o treinador de futsal da Associação Inter-Vivos, André Martins, e a empresa «Cerâmicas de Alcoutim».
Um Feriado Municipal que evoca o longínquo século XIV, quando, a 9 de janeiro de 1304, El-Rei D. Dinis concedeu a Carta de Foral de Alcoutim, recordou António Matias, presidente da Assembleia Municipal de Alcoutim. “Somos um concelho com sete séculos de história, ao longo dos quais vencemos dificuldades e ultrapassamos crises, o que constitui prova evidente e garantia da nossa determinação e capacidade de resiliência para
vencer as agruras da vida que em cada momento vão surgindo. Desde a sua fundação, muitas foram as medidas dos vários monarcas para fomentar o povoamento do nosso concelho e fixar a população. Logo em 1304 D. Dinis concedeu alguns privilégios a quem viesse morar para Alcoutim, designadamente, que não penhorassem os bens e os haveres daquela época, os animais, as armas, as alfaias e as sementes, e mais tarde proibiu que fossem demandados por dívidas os que aqui moravam.Também D. Pedro I e D. João I, entre outros, confirmaram os privilégios concedidos pelos seus
antecessores”, lembrou António Matias. “Quando hoje olhamos para o estado de despovoamento deste território, sem ter em conta a sua história, tendemos a afirmar que nunca estivemos assim, que houve um tempo em que o concelho teve muitas pessoas e, sobretudo, muito mais jovens, o que é em parte verdade. Aqueles que aqui nascemos e crescemos, nomeadamente os que têm mais de 50 anos de idade, conhecem bem essa realidade”
Contudo, e segundo António Matias, uma breve viagem histórica permite-nos saber que o despovoamento foi uma constante desde o início da criação deste concelho, com ciclos de crescimento e
recuo. “Conhecer a nossa história permite-nos também sentir orgulho nas nossas gentes e cultura e neste território que os nossos antepassados moldaram com as suas mãos, com um trabalho persistente e árduo, e dános coragem e ânimo para lutar por um futuro melhor, enfrentando os atuais e novos desafios”, apontou o presidente da Assembleia Municipal de Alcoutim, não
esquecendo a pandemia que condicionou fortemente o dia-a-dia deste concelho nos últimos dois anos, “e a guerra ativa na Europa, com a crise humanitária e energética, a que se junta a subida da inflação, razões suficientes para nos convocarem a um maior empenhamento na busca de soluções”. “Nesta conjuntura de crise social e económica importa, mais do que nunca, que o poder local
democrático esteja próximo das pessoas, assegurando a proteção e o apoio aos mais desfavorecidos e que, ao mesmo tempo, mantenha o foco no desenvolvimento, reivindicando junto das estruturas da administração central a adoção de medidas que visem inverter este ciclo”, defendeu.
António Matias reiterou que Alcoutim se confronta com os mesmos problemas que a maioria dos concelhos do interior, pelo que “é tempo do Governo e da
Assembleia da República, em comunhão de esforços com as autarquias, aprofundarem e consolidarem o processo de descentralização, com a transferência de atribuições para os Municípios, dotando-os de meios humanos e financeiros que lhes permitam executar as políticas com verdadeiro impacto nas populações e com efeitos visíveis no desenvolvimento do interior” “É fundamental que nas
áreas da saúde, educação e ação social, o Município possa intervir no seu território e tenha instrumentos e meios que lhe permitam fixar as famílias e apoiar as empresas, bem como que sejam reforçados alguns dos serviços da administração pública desconcentrada. O Plano Diretor Municipal, em revisão, e a Estratégia Local de Habitação são instrumentos importantes para que o mercado de habitação possa ser reanimado e assegure o acesso às famílias a uma habitação condigna para residirem em Alcoutim, fomentando também o desenvolvimento do tecido empresarial”, sublinhou António Matias.
A Sessão Solene foi encerrada por Osvaldo dos Santos Gonçalves, presidente da Câmara Municipal de Alcoutim, que manifestou a sua alegria pelo facto do combate à pandemia estar a ter bons resultados, numa luta de todos em que elogiou “aqueles que, pela natureza das funções que desempenham, formaram a linha da frente e, com a fibra e coragem, não baixaram os braços, nem deram tréguas ao devastador inimigo invisível, cuidando e amparando todos aqueles que necessitaram de ajuda nos dias difíceis, deixando de lado o medo e abdicando do tempo com as suas
famílias”. E, naquele que foi o primeiro Dia do Município festejado no novo mandato autárquico, o edil aproveitou para reafirmar compromissos assumidos e sublinhar “o empenho que temos tido em continuar a fazer mais e melhor pelo concelho, num trabalho diário de proximidade com todos, promovendo oportunidades, identificando problemáticas e definindo soluções”
Disso é exemplo a inauguração do edifício habitacional no centro de Alcoutim que permitirá alojar cinco famílias, uma obra realizada recorrendo a fundos municipais e que, em conjunto com a Estratégia Local de Habitação, o loteamento de Martim Longo e o regulamento de vendas de lotes municipais, “constituem um relevante pacote de medidas na área da habitação, uma das nossas principais áreas de atuação” “Dar uma nova centralidade a Alcoutim é outro dos nossos principais objetivos, sendo a Ponte Internacional de AlcoutimSanlúcar de Guadiana uma infraestrutura essencial para assegurar este desígnio. Um sonho antigo, de todos os alcoutenejos, em que temos trabalhado incessantemente nestes últimos anos”, indicou Osvaldo dos Santos Gonçalves, realçando ainda a revisão do Plano Diretor Municipal, “que se pretende que possa representar
um passo importante para ultrapassar obstáculos e garantir a criação de condições que permitam, de forma harmoniosa, mas razoável, o desenvolvimento do território”.
O autarca adiantou ainda estar em curso a implementação de um plano de ação transversal e com impacto em todas as freguesias, que são parceiras primordiais no trabalho de proximidade com toda a comunidade. “Vamos continuar a apostar na modernização e infraestruturação do concelho, tornando-o mais amigo das famílias e dos empreendedores. Queremos que a acessibilidade digital seja uma realidade para todos e continuamos a investir em áreas
essenciais como a saúde, a educação e a ação social”, apontou Osvaldo dos Santos Gonçalves, acrescentando ainda que se vai manter também a aposta na cultura e no turismo, “como fatores de promoção da identidade e da dinâmica económica local”. “O Concelho de Alcoutim é um território onde é bom viver e é cada vez mais um destino turístico de eleição, graças ao trabalho conjunto desenvolvido por várias entidades públicas e privadas e por pessoas capazes, com a sua visão e ambição, de exponenciar as oportunidades e ultrapassar os desafios com os quais este concelho do interior algarvio se confronta”, finalizou o presidente da Câmara Municipal de Alcoutim .
MILHARES DE PESSOAS RUMARAM
A TAVIRA PARA VISITAR MAIS UMA FEIRA DA DIETA MEDITERRÂNICA
Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina e Miguel Pires (www.mpalgarve.com)
Feira da Dieta Mediterrânica regressou a Tavira, entre 8 e 11 de setembro, com um programa que incluiu uma feira institucional com a presença de outros países, entidades regionais e nacionais; patrimónios imateriais classificados pela UNESCO; expositores de artesanato e produtos tradicionais; mostras botânicas e de sementes; restauração; provas e
petiscos; e muita música da geografia do Mediterrâneo. Ao todo foram quatro palcos com uma programação de Portugal, Itália, Grécia, Espanha, Croácia, França, Israel e Marrocos, entre os quais se encontravam artistas como as Moçoilas, VEJA (Croácia), Mariza, Ciac Boum (França), Seiva, Rodopi (Grécia), Tomatito (Espanha), Bifolc (Itália), Retimbrar, Neta Elkayam (Israel), Jorge Palma convida Marisa Liz, Dijazzònic (Catalunha), Sopa de Pedra, Mehdi Nassouli (Marrocos) e Bárbara Tinoco.
Um evento já com fortes tradições no Algarve e que por isso mesmo atrai largos milhares de pessoas à cidade do Rio Gilão, para satisfação de Ana Paula Martins, presidente da Câmara Municipal de Tavira, que recordou que a Feira nasceu, em 2013, quando a Dieta Mediterrânica foi reconhecida como Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO. Depois de um interregno de dois anos motivado pela pandemia por covid-19, tivemos então a oitava edição de um certame cuja comissão organizadora inclui, para além da autarquia tavirense, a CCDR Algarve, a Universidade do Algarve, a Direção Regional de Cultura do Algarve, a Direção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve, a Região de Turismo do Algarve, a Associação In Loco e as Escolas de Hotelaria e Turismo de Faro e Vila Real de Santo António. “Ao longo destes dois anos em que não celebramos a feira, a Câmara Municipal deTavira não esteve parada, continuou a trabalhar num projeto que consideramos ser essencial para o concelho. Em 2013, o país estava a atravessar uma crise económica e olhamos todos para a Dieta Mediterrânica como um projetoâncora para potenciarmos o desenvolvimento e promoção do concelho. Hoje, temos muito mais visitantes e estabelecimentos comerciais ligados ao turismo, à restauração e hotelaria, e isso demonstra que as pessoas reconhecem a identidade própria
de Tavira, uma identidade mediterrânica, cultural, com raízes diferentes”, destacou Ana Paula Martins, na abertura da feira.
A edil tavirense realçou que o Algarve agarrou prontamente este projeto desde a sua génese, por perceber que a Dieta Mediterrânica traz benefícios para a saúde e pode, inclusive, ser um motor de
desenvolvimento económico e de coesão territorial. “Os turistas procuram novos territórios e experiências e podemos, com as nossas tradições e cultura, proporcionar-lhes momentos únicos. Para difundir este estilo de vida saudável seria, contudo, muito importante que existisse um espaço físico onde pudéssemos sedear um Centro de
Competências da Dieta Mediterrânica, onde todas estas entidades trabalhassem juntas e em articulação com a Academia, com a investigação e o conhecimento, e onde pudéssemos combater os grandes desafios que temos pela frente”, frisou Ana Paula Martins. “Para isso
precisamos de investimento, seja de fundos comunitários, nacionais ou municipais, para consolidar ainda mais este projeto que pode ajudar a diversificar a base económica da região e contribuir para que o futuro seja ainda melhor”
Quem não faltou à abertura da VIII Feira da Dieta Mediterrânica de Tavira foi Ana Abrunhosa, Ministra da Coesão Territorial, “porque precisamos
celebrar a vida, aquilo que é nosso, aquilo de que nos orgulhamos, até para encontrarmos forças para resolver os nossos problemas” “A Dieta Mediterrânica desempenha um papel muito importante nos tempos que vivemos, quando percebemos frequentemente que aquilo que damos como adquirido é posto em causa. Não é uma moda, é uma necessidade. Não imaginávamos que as fronteiras se fechassem de um dia para o outro
e deixássemos de importar bens, e assim começamos a valorizar mais o que é nosso, não apenas nas palavras, mas na hora de comprar, de apoiar, de trabalhar em conjunto”, defendeu a governante, chamando assim a atenção para a importância da autossuficiência alimentar. “Quando, em 2015, as Nações Unidas lançaram os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para o milénio, pareciam uma moda, que estávamos a falar de algo bastante distante. Hoje, esses
problemas são reais e globais. A Dieta Mediterrânica é sustentável, promove uma agricultura que consome menos água e que produz menos carbono, que preserva a biodiversidade e que é resiliente às alterações climáticas”, salientou Ana Abrunhosa. “A Dieta Mediterrânica é amiga do ambiente, da saúde e do território. E um país só é sustentável quando preserva o seu passado, a sua história e a sua herança”, concluiu, antes de se iniciar uma visita pelo recinto da feira .
LAGOA VOLTOU A PROMOVER DOCES CONVENTUAIS
Centro Cultural Convento de S. José, em Lagoa, acolhe anualmente a Mostra do Doce Conventual num ambiente fielmente recriado e que, de 1 a 4 de setembro, ofereceu os doces e similares produzidos por casas especializadas em doçaria conventual e regional de todo o país. Na 18.ª edição deste certame foi possível saborear todo o tipo de bolos, compotas, mel, frutos secos, caramelizados, medronhos, vinhos do Algarve, ginjinha em copo de chocolate, entre outras iguarias. Os bolos revelação foram os «Florados de Lagoa», que fizeram as delícias dos visitantes, no contexto histórico do
Texto: Daniel Pina Fotografia: Município de Lagoa
Convento de S. José, onde o público foi convidado a viajar na sua história através das exposições patentes no espaço.
A mostra contou igualmente com momentos de animação, entretenimento e espetáculos todos os dias, com as atuações de «Nanook plays the blues» e Buba Espinho no dia 1; de Footprint Duo e Cláudia Pascoal no dia 2; do Duo US 2 e de Jorge Fernando no dia 3; e do Grupo de Cantares «Fonte Nova» de Estômbar e Celina da Piedade no dia 4. Foi ainda possível visitar a exposição «Sonhos de Açúcar» por Ana Remígio, participar no atelier dos «Minis Chefes & experiências açucaradas…», e ver a exposição de trabalhos em madeira de Francisco Alcaide Ramos e dos trabalhos «Brincadeiras» de Elisa Rafael .
oncertos, Festa da Cataplana, Mostras de Artesanato e Vinhos, Feira de Arte, Regatas de Vela, Caminhadas, Corridas e Conferências, tudo isso fez parte do programa do Never Ending Summer, que colocou a Marina de Albufeira no centro das atenções de 16 a 18 de setembro. “É um evento importante para aproximar a Marina à cidade, algo que tem vindo a ser reforçado ao longo dos anos”, refere João Amaral,
Administrador da Marina de Albufeira, com José Carlos Rolo, presidente da Câmara Municipal de Albufeira, a elogiar o conceito e a diversidade de iniciativas do Never Ending Summer, reforçando que vão ao encontro dos objetivos da autarquia no sentido de dinamizar a atividade económica e a promoção do destino.
O programa do Never Ending Summer contou com dois concertos por noite, com destaque para as atuações de David Carreira, Átoa e Quinta do Bill, que celebram os seus 35 anos. No capítulo da gastronomia, a Festa da
Cataplana marcou presença, com os restaurantes convidados a apresentarem a sua variação deste prato tão tradicional. O público votou e no final houve prémios para a melhor cataplana. Em paralelo à Mostra de Artesanato, diversos stands foram ocupados por produtores de vinho que proporcionaram vendas de produtos exclusivos e degustações. Uma palavra também para a Feira de Arte, um espaço coberto que concentrou trabalhos de cerca de uma dezena de artistas.
O desporto não faltou com a Regata Cidade de Albufeira, realizada nos dias 17 e
18, assim como a Marcha/Corrida que aconteceu na manhã de 19. O espetáculo dos carros clássicos também fez parte do Never Ending Summer, com uma exposição ao longo do evento e um desfile por Albufeira na manhã de domingo. As conferências foram mais boas razões para uma visita ao Never Ending Summer, com as NES Talks a começarem logo na sexta-feira com Hélder Nunes, Presidente da AHETA, que fez uma análise do ano turístico 2022 e lançou as perspetivas para 2023.
pós a pausa de Verão, o Auditório Carlos do Carmo, em Lagoa, voltou a abrir portas, no dia 7 de setembro, para apresentar «Bate Fado» de Jonas&Lander, como parte integrante das Festas em Honra de Nossa Senhora da Luz. O espetáculo híbrido entre a dança e o concerto de música com nove performers – quatro bailarinos, quatro músicos e um fadista (bailarino), fez as delícias do muito público que regressou, assim à principal sala de espetáculos do concelho de Lagoa.
À semelhança da maioria das correntes musicais urbanas, tais como o Samba ou o Flamenco, também o Fado teve danças próprias. Em Lisboa, a dança que teve maior expressão foi o Fado Batido, uma dança baseada num sapateado energético e virtuoso. Em «Bate Fado», Jonas&Lander propõemse a reinterpretar e a recuperar o ato de se bater (sapatear) o Fado, onde a dança emana a qualidade de instrumento de percussão em diálogo com a voz e as guitarras .
conhecida cantora, música e compositora Rita Redshoes juntou-se à Banda da Sociedade Filarmónica Artistas de Minerva – uma das filarmónicas mais antigas do país – para um concerto inédito no dia 9 de setembro, no Cineteatro Louletano, em Loulé, e o resultado foi uma noite extraordinária e com a assistência em delírio. Fundada a 21 de maio de 1876, a Sociedade Filarmónica Artistas de Minerva nunca interrompeu a sua atividade até aos dias de hoje e o seu projeto mais recente uniu os prestigiados músicos, conduzidos pelo Maestro Pedro Branco, a Rita Redshoes, a mais recente vencedora do Prémio José da Ponte,
atribuído pela Sociedade Portuguesa de Autores, com o sei último disco editado, «Lado Bom».
Rita Redshoes é uma artista singular, caracterizada pela sua serenidade, elegância e mistério próprio. Estreou-se a solo em 2008 nos Atomic Bees e, enquanto autora e intérprete, tem somado colaborações com David Fonseca, The Legendary Tigerman, Noiserv, GNR ou Fernando Tordo. Tem ainda colaborado em inúmeras bandas sonoras premiadas para teatro e cinema, tendo, inclusivamente, discos editados nesta área. Em Loulé comprovou todo o seu talento, simpatia e alegria, sempre à conversa com o público e de sorrisos nos lábios .
melhor da mesa tradicional esteve em destaque de 2 a 4 de setembro, na 23.ª edição da Festa do Pescador em Albufeira.
Choquinhos com tinta, chouriço assado, carapaus alimados, feijoada de búzios, mariscos, diversos petiscos e os melhores doces da região fizeram a delícia dos visitantes, que têm nesta festa uma verdadeira montra da gastronomia algarvia.
O presidente da Câmara Municipal de Albufeira, que no primeiro dia da festa, juntamente com elementos do Executivo camarário, Assembleia Municipal e da Junta de Freguesia de Albufeira e Olhos de Água, visitou todas as tasquinhas para
cumprimentar os responsáveis das 19 associações participantes, enalteceu “uma iniciativa que traduz a grande preocupação em recuperar as nossas raízes, manter vivas as tradições e homenagear os pescadores da terra e as suas famílias” “O evento é uma excelente oportunidade para reunir a comunidade albufeirense e mostrar a quem nos visita um pouco mais sobre a história do concelho e a sua excelente gastronomia, eximiamente confecionada pelas nossas associações locais, a que juntamos sempre um excelente
programa de animação”, acrescentou José Carlos Rolo.
No dia 3 de setembro, a abrir o palco esteve a banda albufeirense Duo 64, com música de baile. Seguiu-se a atuação dos Diapasão, um dos grupos musicais mais acarinhados pelos portugueses. A etnografia e a cultura popular marcaram o segundo dia do certame, com a realização do Festival de Folclore de Albufeira e, para além da presença do Rancho Folclórico do Município, desfilaram, ainda, pelo palco os Amigos do Rancho Folclórico da Freguesia do Biscainho, Coruche, e o Rancho Folclórico da Casa do Povo de Vila Nova de Milfontes, Município de Odemira. O mediático cantor Toy atuou no último dia, 4 de setembro, precedido por Carlos Coelho, cantor e compositor de música tradicional portuguesa .
Parece que foi ontem! Paulo Cunha (Professor)
uero lá saber do passado, interessa-me é o presente e o futuro. Todo esse saudosismo bacoco é um sinal de que estás a ficar velho”, disse-me um amigo a quem comentei que seria interessante juntar malta do «nosso tempo» para confraternizar e assim recordar os velhos tempos. Sendo diferente de mim no estar e no pensar, entendo-o, pois é daqueles que privilegia as novas amizades às antigas, não trazendo o passado para o convívio presente. Sei que muito dessa forma de estar prende-se com períodos que, por motivos variados, se pretende esquecer, trazendo assim para o presente um passado recente, onde a realização pessoal e a profissional são sinónimo de sucesso.
Ao longo do meu período escolar, tendo sido, por vontade e livre escolha dos meus colegas, nomeado quase todos anos para o cargo de delegado de turma, habituei-me a ter uma postura proativa e empreendedora, organizando vários tipos de eventos, visitas de estudo e convívios. Talvez por isso, não é de estranhar que, ao longo do nosso crescimento/envelhecimento, alguns excolegas amigos me tenham desafiado para organizar reencontros (do Liceu, do Conservatório, da tropa, dos nascidos em
64, etc.). Ainda tentei, mas logo percebi que faltava ter passado mais tempo (o tempo da saudade), os filhos terem saído de casa e a reforma/aposentação estar por perto ou já consumada.
Já tinha experienciado o efeito que o peso das vidas assoberbadas de trabalho e afazeres profissionais tem em quem está ainda a construir as suas vidas, quando criei vários grupos de facebook privados em que incluí antigos alunos que agora estão perto da faixa etária dos quarenta anos. Pensei que o facto de o ter feito despoletaria o desejo de socializarem e de se reencontrarem. Obviamente, tal não aconteceu!
Não tendo frequentado a escola Tomás Cabreira – Faro, recebi, um destes dias, um convite de um «maduro» mais velho do que eu, convidando-me para um almoço na sua casa, onde juntaria um grupo de malta do tempo em que frequentou a dita escola secundária. Ora, sendo eu mais novo do que os convivas, ainda assim conhecia grande parte do «pessoal», o que me fez regressar ao passado através de múltiplas conversas que se estenderam até ao final da tarde. Comentando com o anfitrião Luís Barriga, disse-lhe que parecia que o tempo não tinha passado por todos os que comungaram da mesma mesa, tais as «bocas», brincadeiras e fartas gargalhadas com que fomos brindados. Respondeu-me: “As aventuras que
“
comungámos não têm prazo de validade, são intemporais e presentificam-se com a proximidade”.
Tendo aproveitado para tirar várias fotos, tive a possibilidade de verificar o quão importante e benéfico são estes encontros para o nosso bem-estar psíquico. São autênticas sessões de terapia emocional, onde o melhor que temos e somos é expresso na felicidade que partilhamos e transportamos para as nossas casas. Porque, afinal de contas, a
memória acaba por ser um ótimo catalisador para uma vida bem vivida.
Sim, as décadas passam, mas não passa o tempo pelas amizades construídas na juventude. Porque a naturalidade com que as coisas aconteciam são hoje um tónico para quem, com naturalidade, quer continuar. Embora mais velhos, basta ter saúde, disponibilidade e vontade e daremos continuidade aos bons velhos tempos. Experimentem! .
A casa da minha mãe tem um cheiro de saudade
Pedro Jaime Tavares Ferré (Estudante)
“Hoje trago um convidado, o filho está a estudar jornalismo no Brasil e enviou-me esta crónica. Não resisti e partilho convosco”.
Mirian Tavareso abrir a porta, deparo-me com um corredor estreito e longo, que me leva a cada um dos espaços do interior da casa, divididos assimetricamente pelos lados esquerdo e direito. A iluminação da casa muda de acordo com a posição do sol, pois ela é orientada por nascente e poente, contudo, existem algumas coisas que são rotineiras, e uma delas é a recepção assim que piso no tapete da entrada. Não um, nem dois, nem três, mas quatro gatos, desesperados por comida, o que às vezes é constrangedor, pois as visitas devem pensar que os mantenho numa espécie de estabelecimento prisional a sobreviver de água e pão. O que me salva de uma chamada para os representantes dos direitos dos animais são as suas silhuetas arredondadas, que não têm como enganar.
Saio dele e vou para a varanda, de lá sento-me e vejo os carros a passarem, as pessoas a exercitarem-se no parque à frente lá de casa e sinto a brisa que perfura o edifício de janela a janela, amenizando o clima de deserto que é o sul de Portugal no verão. Enquanto lá estou, ouço o ronco de uma moto aproximar-se e, logo após, aquele som enferrujado de ferro contra ferro, que o meu portão faz ao abrir – sinal de que o meu padrasto acabara de chegar. Com os dois meniscos operados, ele sobe
Passando esse pedágio, é-me permitido o direito de comunicar-me com os humanos que habitam em harmonia aquele lugar, uma delas é a minha mãe, cujos abraços apoderam-se de todas as tristezas e pesos que me acompanharam durante o dia. Embora saiba que o dia dela, com certeza, fora mais complicado que o meu, o amor não contempla medidas, limita-se a existir. Caminho em direção ao meu quarto para pousar a minha sacola e trocar a roupa que tenho vestida por algo mais caseiro, mais confortável. Há já algum tempo que comprei um ambientador com um cheiro cítrico que perfuma o ambiente e reafirma que estou no meu lar – só não é o suficiente para abafar o odor deixado quando algum dos gatos acabou de usufruir de seu banheiro, que está colocado perpendicularmente ao meu quarto.
lentamente até ao topo do prédio, que felizmente só tem dois andares, e aquele barulho da chave na fechadura já cria uma ansiedade inquietante nos gatos, que, de padrão, cumprem o mesmo ritual de sempre.
Ao entrar pela casa, já se sente o cheiro, perfume bem característico de pai, cheiro forte, amadeirado, que, como o bom francês que é, tem de estar sempre muito asseado –quebrando completamente o estereótipo de que os franceses não tomam banho, algo bem anacrônico. Beija a minha mãe, e abraça-me fortemente. Após pousar a sua maleta do trabalho, o pesado casaco que usa para andar de moto, junta-se para ver o sol se pôr e o tempo passar pela varanda, mas, antes disso, prepara um expresso e procura os seus cigarros. Era algo que outrora incomodava-me, no entanto, já se tornou um hábito tão comum, que hoje em dia, ao sentir o cheiro do tabaco ao ser queimado, sobra-me apenas um sentimento de saudade. Sinto falta de mais do que apenas os cheiros. Contudo, a minha escolha está feita, e hoje, a mais de sete mil quilômetros de distância, contento-me com as pequenas coisas que me lembram a casa da minha mãe: molhando o pão carioca com manteiga num galão, ou café com leite; bebendo o vinho português superfaturado, que encontro por cá; talvez até mesmo comer num
restaurante português, ao som de Amália, António Zambujo e Deolinda, terminando com uma aguardente de uva ou de medronho. Só aí teletransporto-me de volta para casa sem ter de sair do meu novo lar, o Brasil .
Sexagésima primeira tabuinha Joelho (XVII)
Ana Isabel Soares (Professora)
á lá vão uns anos –Richard Brody continua hoje a animar as páginas da New Yorker e espero que, entretanto, esteja fino do seu joelho. Mas foi em setembro de 2016 que o jornalista e cronista viveu uma convalescença pós-operatória, durante a qual se pôs a refletir (talvez não conseguindo dobrar-se sobre si mesmo tanto quanto desejaria, ainda assim) sobre o que significa caminhar. É fatal: perde-se um objeto e é quando mais falta dele se sente; perde-se ou dificulta-se uma capacidade física acerca da qual nunca perdemos mais de um segundo a pensar – e aí se instala a consciência, como parede de uma casa a erguer-se, a aninhar o pensamento, a obrigá-lo a olhar e a não deixar ver quase mais nada. “O tema tem-me andado no pensamento durante o último mês e picos, pois, na sequência de uma lesão no joelho e de uma (felizmente pequena) cirurgia, o meu próprio caminhar tem estado temporariamente afetado”. Brody abre o texto (que, aliás, leva o saborosamente ambíguo título «A cura do cinema pelo andar») a referir-se ao facto de os primeiros filmes da arte cinematográfica mostrarem aos espectadores pessoas a fazer aquilo que mais comummente fazem: andar. No caso, andar de dentro
para fora de uma usina na cidade francesa de Lyon, onde, naquele ano de 1895, se fabricavam negativos para fotografia –detida, como seria conveniente, pelos mesmos donos da câmara que, pela primeira vez, captava a ação trivial da saída dos operários ao fim do dia. (O esforço de quantas pessoas naquele pequeno mundo alimentava os sonhos de outras tantas.) O texto prossegue –caminha – lembrando-se o autor de que a sua consciência mais cinemática “é inseparável do andar”, pois o filme que primeiro o terá levado a amar o cinema foi À Bout de Souffle (que em inglês tem o título traduzido praticamente à letra, Breathless, alguém afogueado ou a sentir que lhe falta o ar – e que as salas portuguesas conheceram através de uma designação que é um passo interpretativo à frente: alguém está afogueado porque se sente acossado), ou a sensação de sair da sala de cinema para a cidade e para os seus andamentos. Sair da sala de cinema, digo eu, é uma espécie de regresso forçado a uma vida que se suspendeu, todo o corpo estático durante duas horas, joelhos dobrados sobre o final do assento, mais ou menos dormentes, mais ou menos tensos conforme a narrativa das imagens e dos sons recebidos sejam de tom mais meloso ou mais melodramático. A modernidade artística, continua Brody, faz-se dos momentos de caminhada ou
passeio (mais ou menos direcionado, mais ou menos intencional pela cidade). O que no seu texto Brody não diz – não teria de – é que esses passeios ou caminhadas chegam ao cinema moderno porque estão na modernidade antes de o cinema chegar: trouxeram-nos primeiro os Românticos à literatura, à música, até a artes paradas, como a pintura ou a fotografia; trouxe-os em 1850, em forma definitiva e de queixo cerrado, Edgar Allan Poe no perturbante conto sobre O Homem da Multidão.
São várias as caminhadas fílmicas referidas por Brody, e passam por épocas diferentes da pouco centenária arte, que as amarra em câmaras presas a carris ou outros engenhosos aparatos e liberta nas telas, mundo fora, magicamente. Conhecerá Brody (conhece, de certeza,
que isto hoje tudo se conhece) o plano inicial de Soy Cuba, filme de 1964 de que se conhece sobretudo o começo, um plano ininterrupto de três minutos em que a câmara terá tido de voar, levada em mãos ou suspensa em cabos sobre o vão da rua, para acompanhar quer uma procissão funerária, quer o rosto de uma mulher no meio da multidão, quer homens numa fábrica de tabaco, tudo num «impossible crane shot» que continua a intrigar quem o vê. A «câmara à mão» ajudou a desenhar o caminho dos pés, das pernas, de rostos, de indivíduos isolados ou em grupo; a «Steadycam» (com técnicas de estabilização aperfeiçoadas para que a filmagem eliminasse os tremores da caminhada de quem filma, a marca do humano) trouxe ao cinema, diz Brody, tanto os clichés de filmar quem caminha (no meio da
Foto: Vasco Céliomultidão em marcha, um protagonista é quase sempre o único a dirigir-se no sentido oposto ao das outras pessoas) como todo um novo vocabulário ambulatório no cinema. Mas o autor reconhece que o início desse vocabulário cinematográfico começou a ser articulado por uma curiosidade muito particular: Leland Stanford, um poderoso homem de negócios que chegou a ser governador da Califórnia e fazia criação de cavalos de corrida numa das suas quintas, em Palo Alto, pagou ao fotógrafo Eadweard Muybridge (um excêntrico inglês que se mudara para os Estados Unidos e se estabelecera em São Francisco como Helios) para documentar o galope dos cavalos no campo. Era 1872 e o estudo científico começou a ser feito numa pista hípica em Sacramento. Mas quis o destino (que incluiu um julgamento de Muybridge
– a vida dele dava um filme –, por ter matado o amante da sua esposa, e uma expedição fotográfica de Muybridge, absolvido por «homicídio justificado» à América Central – possivelmente para escapar às perseguições que o veredito suscitou) que só em 1878 o fotógrafo terminasse o projeto dos cavalos de Stanford, e na quinta de Palo Alto. Foi por aqueles prados, num dia de 2007 que, sem o saber, seguia eu, passadas despreocupadas, para os seminários na universidade que leva o nome do magnata fundador, me apercebi de uma placa num marco em pedra, onde se descreve um dos passos históricos na caminhada do cinema. Os meus pés pisavam terreno sagrado; ajoelhei-me e, convenientemente, bendisse o momento com uma fotografia .
Uma via analítica para a poesia de Fernando Echevarría Adília César (Escritora)
poesia de Fernando Echevarría implica uma aproximação cautelosa por parte do leitor contemporâneo. Neste reino da criação que por vezes nos parece assombrar pelo muito que nada em nós inscreve, surgem iluminações nos caminhos do entendimento poético, as quais são imprescindíveis à sobrevivência espiritual da humanidade. Fernando Echevarría é uma dessas iluminações, um passaporte para o engrandecimento de uma estética da linguagem que dificilmente encontra um brilho paralelo.
Não importa aqui catalogar a poesia de Fernando Echevarría, nem tão pouco insistir na densidade dos seus poemas como frequentemente encontramos em relatos esparsos acerca da sua escrita; parece-me mais interessante imergir nas palavras do poeta, escavar nos seus versos e tentar compreender essas irradiações significativas. Quantos mundos cabem neste mundo? O mundo da poesia reflexiva e da especulação filosófica; o mundo da meditação que corresponde a diversos planos da realidade; o mundo da poesia como instrumento facilitador de conhecimento e como decifração de uma dimensão absoluta perante a verdade metafísica de
um dicionário echevarriano. Cada palavra é um mundo do tamanho de um imenso vagar. Assim deve a sua poesia ser lida: vagarosamente. A paciência de uma poesia profética enquanto viagem de um nómada pelas paisagens do espírito, que são, afinal, as paisagens do mundo humano. O pensamento pensou-se até ao fundo de si (…), anuncia o poeta. Não há pressa porque é preciso valorizar não só o poema, mas cada palavra, bem como o rigor e a perfeição das ideias implícitas através de uma linguagem purificada no processo, por um lado, e pura no objecto resultante, por outro, logo, pautada pela artisticidade poética sem demagogia crítica.
Fernando Echevarría pertence à galeria dos magnânimos e é respeitado num círculo mais erudito do panorama literário. Nasceu a 26 de Fevereiro de 1929 e faleceu a 4 de Outubro de 2021. Poeta generoso em produção poética, publicou mais de duas dezenas de obras nas Edições Afrontamento, sendo o seu último livro de 2018 – Via Analítica. Poeta discreto nas aparições públicas, apesar dos inúmeros prémios, galardões e distinções que recebeu.
Leio Fernando Echevarría e torno-me íntima da sua transparência, colocandome à mercê de um horizonte eterno que é o logos do requinte e o topos da dignidade
poética. Ao dialogar com o poeta na sombra, ele responde com a luz dos seus poemas. E, todavia, existe vertigem nessa miragem, uma certa patologia benigna e cintilante. O mundo parece gasto, mas pode sempre desabrochar de novo.
Há o silêncio prévio. Há o/ que se funda no respeito/ da inteligência. Mas ambos/ aguardam que o pensamento/ ou o mova o estado/ diverso que vem de dentro. / O mundo, num, está gasto;/ no outro abre-se o aberto/ a horizontes onde o fausto/ deslumbra o conhecimento/ tão docemente que andarmos/ é entrar a padecê-lo. / Ou ficamos rodeados/ de uma luz de estarmos vendo/ o que nos chega. E é santo/ pois se ilumina de dentro. *
Poderia dizer-te que todo o poema é silêncio. A seta apontada às palavras provoca uma reacção quase sempre adversa. Questionar a sombra e o horizonte, o tédio e o desembarque dos sentimentos junto dos outros, questionar tudo – é a razão de estarmos aqui, com essa arma apontada à cabeça. Todo o poema é silêncio imposto pelo ruído de fundo, essa voz humana que ressoa, incessantemente, antes de chegares à saída da linguagem.
Quem tem tempo/ vê mais além, onde tudo/ irrompe do pensamento/ para aí
voltar a ver/ a fonte de ver por dentro. / Então sobe a liberdade. / E é dela que começa a ver-se o mundo da análise/ e a sua penúria aberta/ de onde flui, à justa, quase/ toda a glória que a pensa. *
O princípio parecia feliz, no poema. Queres escrever um poema, mas as coisas da vida intrometem-se e nidificam em versos soltos que ainda não são o poema. Fica a palavra «poema» a bater na cabeça, no coração, nas mãos. Somos tão livres no interior esplendoroso que se
abre ao pensamento. A indagação precede a cura.
O que excede espera nome/ adequado a esse excesso. / Não mensura. Desenvolve/ ímpeto de pensamento/ a alargar-se do fenómeno/ para o infinito dentro. / Um dentro que se comove/ sem qualquer espaço ou tempo. *
Fica o corpo num arco de pânico, esticado até ao limite da forma. E o pensamento enaltece a palavra, em consequência do conflito endémico. Ímpetos, súbitos, implosões do corpo finito. O espaço e o tempo ausentam-se na impossibilidade de dar resposta ao sintoma poético. Sabes, quando se está morto, sabe-se tudo.
Ausentando-se foi, para a procura/ ir construindo um espaço/ onde fosse possível erguer uma/ inteligência que sofresse o espanto. / Aí, seria parecer fecunda/ deslumbração a recolher o acto/ que, do fundo de si mesma, exuma. / E desenreda seu sentido estranho/ de forma a se abstrair a transparência/ do desenredamento. Do obstáculo/ para o a ver aparecer certeza/ próxima do procurado. *
Corpos plantados no fundo de um lago, à deriva. Sinto o movimento da língua quando as palavras caminham sobre ela, na insegurança dos seus significados, na especulação filosófica que me conforta. Quero compreender esses sentidos ocultos, mas rendo-me a esta avassaladora preocupação: quem está a atravessar a minha ponte?
A teoria comporta/ o seu comportamento explícito. / Sendo palavra e imóvel, / ergueu, lento, o edifício/ onde reside a paciência/ consubstancial do espírito. / Ambos, conjuntos, são obra. / Edificação, prodígio/ exemplar, que activa e serve/ o milagroso equilíbrio/ em cujo espírito opera/ o esplendor conseguido. / Como é sensível a terra/ assim habitada. O ritmo/ de intimidade e estreia/ nutre-se quase de símbolo. / Símbolo de inteligência/ onde cumpre o espírito. *
Sensação espiralada e penetrante. Harmonia densa do acrónimo – ovo – que é vida: a divisão das células, o rizoma, a vida. Estando a palavra deitada sobre uma linha alta do espírito, a obra poética é a verticalidade do pensamento magnânimo, que se vai elevando ao cosmos, mas sem nunca se desligar do cordão umbilical que o prende à terra, ao corpo vivo. Nunca é o mesmo poema, mas é sempre a mesma forma de vida, íntima, inédita, simbólica. Vida espiritual em corpo de sangue, ramificada no esplendor da palavra. Torna-se assim possível remover limites e fronteiras ao que é hermético, tornando o ser humano inconfinável, mas universal na sua condição latente. Há um coração que bate, há uma cabeça que pensa, há um espírito que se ramifica e é árvore de conhecimento .
* Poemas de Fernando Echevarría, in Via Analítica, 2018, Edições Afrontamento
A importância da cibersegurança nas empresas e startups Fábio Jesuíno (Empresário)
um mundo cada vez mais digital, a segurança dos dados online é um factor de elevada importância, devido às consequências que pode causar aos utilizadores e reputações negativas para as empresas e startups.
Os ataques informáticos são cada vez mais frequentes, uma das grandes ameaças para as empresas e startups em todos os setores de atividade. O mundo digital transformou a forma como comunicamos e trouxe uma série de desafios para a nossa sociedade, onde a segurança da internet é cada vez mais essencial.
No último ano houve um aumento dos ciberataques um pouco por todo o mundo e em Portugal, em particular, têm ocorrido alguns dos mais graves, principalmente na área da comunicação social. No início do ano foi ao grupo Impresa, detentor do canal de televisão SIC e do jornal Expresso, que terá destruído todos os arquivos de notícias armazenados nos respetivos servidores e, mais recentemente, ao Jornal I, que foi obrigado a suspender a edição impressa.
Estes ataques informáticos podem ser ainda mais graves, como aconteceu nos últimos dias, à companhia aérea TAP. Mesmo não afectando a segurança das operações, o ciberataque aos servidores da TAP resultou na divulgação dos dados pessoais de 1,5 milhões de clientes, entres eles estão os dados pessoais do primeiro-ministro, António Costa, do diretor do Serviço de Informações de Segurança (SIS), Adélio Neiva da Cruz, e do comandante-geral da GNR, Rui Clero.
Se é cliente da TAP, possivelmente os seus dados foram divulgados, deve por precaução alterar a senha de acesso à sua área reservada e ter mais cuidado com quaisquer comunicações não solicitadas, e evite clicar em ligações ou descarregar anexos provenientes de endereços de email suspeitos.
Por estes motivos, é fundamental haver cada vez mais uma aposta e investimento na cibersegurança, uma prática que protege todo o tipo de sistemas digitais, desde computadores, servidores e rede de dados, com o objectivo de prevenir ou mitigar danos. A cibersegurança deve ser uma prática em todas as organizações, públicas, privadas, pequenas ou grandes, e mesmo em termos pessoais, deve haver
mais partilha de conhecimento sobre esta temática.
Aconselho a manterem os programas e web sites actualizados, cópias de segurança regulares e atualizadas de todos os seus ficheiros offline e off-site, ter muito cuidado com anexos não
solicitados e a utilizar senhas fortes e com dupla autenticação sempre que possível. Para prevenir, qualquer organização deve consultar um especialista em cibersegurança para realizar uma análise completa de possíveis problemas e, dessa forma, ficarem mais descansados e protegidos no futuro .
Actuemos ou sequemos João Ministro (Engenheiro do Ambiente e Empresário)
s dados científicos são incontestáveis (excepto, talvez, por aqueles que acreditam na forma rectilínea da Terra…): vivemos num planeta cada vez mais quente, com maior instabilidade climática, onde se assistem a mudanças dramáticas nos regimes de precipitação – com reflexos em maiores e mais frequentes períodos de seca –, com fortes câmbios nos padrões de distribuição e ocorrência da biodiversidade, entre muitos outros aspectos preocupantes. Neste capítulo das desgraças, a disponibilidade de água é por certo uma das mais preocupantes e, paralelamente, paradoxais. Enquanto nalgumas regiões do globo inunda e inflige danos catastróficos, noutros é cada vez mais escassa e rara. Veja-se o que se passa actualmente num dos parques nacionais mais emblemáticos de Espanha, o de Doñana, que secou completamente1! Algo apenas registado duas vezes no passado.
Neste caso espanhol (e em tantos todos, por ventura), a acção humana, pouco sustentável, volta a ter um tremendo papel na amplificação directa dos efeitos gerados pela seca. A captação de água, legal e ilegal, para alimentar uma indústria agrícola intensiva, aliada a uma cada vez maior pressão turística na mesma região, contribuiu decisivamente para o cenário que se vive ali.
Neste aspecto, o Algarve está a tomar o mesmo caminho que o entorno de Donana. Há muito que assistimos à expansão – sem mínimo controle – das áreas agrícolas intensivas, de empreendimentos turísticos (incluindo campos de golfe) numa região que tem uma carência de água cada vez maior. Em Castro Marim, por exemplo, já se tornou quase «normal» o abastecimento a várias povoações com recurso a camiõescisterna.
Ora, perante esta realidade não nova, importa questionar sobre o que se tem vindo a fazer para nos adaptarmos à mesma, uma vez que o contrário não é possível – a realidade adaptar-se ao que queremos (que bom seria, dirão alguns!). Ainda que possamos afirmar que alguns passos foram dados nesse sentido, sejamos sérios e admitamos: muito do que realmente deveria ter sido feito ficou no papel! E não por falta de informação, alertas ou denúncias. Vejamos:
- Eliminação das perdas de água nas redes de abastecimento pública. Perdemos, segundo o relatório anual da Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos de 2021, cerca de 180 mil milhões de litros de água por ano a nível nacional, sendo esta uma das perdas mais elevadas da UE. Estamos, mais uma vez, no topo das piores estatísticas europeias (como em muitas outras). Silves e S. Brás de Alportel estão entre os municípios do país com mais perdas de água por dia, tendo essas aumentado mesmo entre 2018
e 20202. Aliás, numa lista dos piores municípios com mais desperdícios, os algarvios são os únicos que viram aumentar as perdas nesse período. É, no mínimo, surreal.
- Reutilização de águas residuais. Libertamos todos os dias vários milhões de metros cúbicos de água tratada para o mar, quando se conhece há muito a tecnologia para a reaproveitar e aplicar em diversos fins, nomeadamente na agricultura. Há dezenas de anos que se fala nisso. O que foi feito? Basta dizer que em Portugal apenas 1%sim, leu bem – 1% de água tratada é reutilizada (dados do relatório anual dos Serviços de Águas e Resíduos de Portugal divulgado em 2021). As recomendações do Plano Intermunicipal de Adaptação às Alterações Climáticas – elaborado em 2019 - bem que fala nisso. Os resultados, esses, estão ainda por se ver (e já agora, para que conste, dos 40 campos de golfe do Algarve, apenas dois utilizam, parcialmente, água residual tratada na sua rega).
- Fomento de uma agricultura mais ajustada à nossa realidade climática. Sobre isto, os dados dizem tudo: somente entre 2017 e 2019 a área plantada de abacate passou de 650 para mais de 1.815 hectares, assistindo-se ainda hoje ao seu aumento. Junte-se os cerca de 16 mil hectares de citrinos – que também continuam a expandir-se – e mais umas centenas de produção de frutos vermelhos e tirem-se conclusões. Claro que é tudo sujeito a uma muito eficiente gestão. Mas, por mais que assim seja, não há aquífero ou barragem que aguente se a área adstrita a este tipo
de agricultura triplica ou quadruplica. E não falemos de outros problemas associados, como a perda irreparável de biodiversidade ou a contaminação de aquíferos! Ficará para outro texto!
- Turismo de massas. Precisamos do turismo. Não está em causa a sua importância. Da mesma maneira que da agricultura, habitação e de muitas outras coisas essenciais ao nosso bem estar. Mas há limites e capacidades de carga. Podemos ter vários milhões de visitantes a pernoitar no Algarve, a consumir água sem restrições? E milhares de piscinas a funcionar em pleno? Até quando? Até que limite? Alguém sabe? Alguém pensa sequer nisto? E podemos continuar a construir resorts e aldeamentos como se não houvessem limitações? É o parece. Se dúvidas houvesse, veja-se o exemplo que surgiu recentemente nas notícias: o Vilamoura World. São cinco novos complexos turísticos, centenas de novas edificações e somente em dois deles contam-se 120 novas piscinas. Mas serão muitas mais e todas a usar água potável.
Sendo a água um elemento fulcral para o nosso bem estar, deveríamos agir urgentemente para a sua boa gestão e seu bom uso. Eliminar as perdas nas redes de abastecimento e acelerar ao máximo – sem constrangimentos e entraves políticos ou corporativos –, da reutilização de águas residuais, são exigências imediatas. Repensar o modelo de desenvolvimento da região e das suas principais actividade económicas, como o turismo, o imobiliário ou a agricultura, começando por avaliar de forma cientificamente idónea a capacidade de carga da região, são outras medidas igualmente urgentes.
A poupança e um uso correcto da água em casa são, obviamente, importantes. Mas não será apenas com sensibilização que lá se chega. Ainda por cima, com campanhas a decorrer já quando o «fogo arde»! Porque não criar incentivos fiscais para quem implementa mecanismos de reutilização da água em casa? Ou recolha de água da chuvas e utilização das mesmas (por exemplo nos WC)? Se é possível imputar as despesas com painéis solares em sede de IRS, porque não a de mecanismos de poupança e reutilização de água? Porque não generalizar a captação das águas das chuvas em cidades e usá-las em sistemas de rega, lavagem de pavimentos, etc.? A este respeito, aconselho vivamente o documentário que passa na RTP chamado «Planeta A», designadamente o episódio sobre a água e o que fazem os países nórdicos para sua utilização. É francamente inspirador e pedagógico3!
E, além de muitas outras medidas –menos a de construir mais barragens –, afigura-se fundamental começar a avaliar o impacte hídrico da nossa actuação.
Deveríamos ser capazes de determinar o impacte previsível de determinados projectos na região, a partir do qual se decidiria a sua aprovação, reprovação ou adaptação, sejam eles de que natureza forem. Se sabemos a capacidade das nossas reservas, superficiais e subterrâneas, bem como das nossas necessidades correntes, como é que ainda não começamos a decidir sobre os projectos com base nas suas exigências em água? Apenas conheço um caso em que essa avaliação, depois de muita contestação publica, se aplicou: o «famoso» campo de abacateiros de Lagos. Aquele que, depois de instalado, foi chumbado em sede de estudo de impacte ambiental, continuando ainda hoje em produção, com conhecimento e a conivência das autoridades.
E assim estamos, felizes e contentes, ansiosamente à espera que chova, pois é nela que recai a esperança para a resolução dos problemas. Até lá esperemos não secar completamente .
1https://english-elpaiscom.cdn.ampproject.org/c/s/english.elpais.c om/spain/2022-09-06/spains-donananational-park-dries-upcompletely.html?outputType=amp&fbclid=I wAR1VEcsVnziF-E9PvhUNcir9D8PvHoXn4V5DNWov-hziRTZL4iY8hKRtN8 e https://www.theguardian.com/world/2022/s ep/05/santa-olalla-lake-dries-up-in-vitalspanish-wetland-blamed-onoverexploitation
2https://www.deco.proteste.pt/casaenergia/agua/noticias/perdas-agua-93-6milhoes-euros-desperdicados-2020
3https://www.rtp.pt/programa/episodios/tv /p42247
Dos nomes provisórios às línguas que cruzamos Dora Nunes Gago (Professora)
ntro na aula de mandarim. Aqui, deixo de me chamar Dora, passo para o outro lado da secretária e o nome que me escolheram foi Gao Níng. Durante uma hora e meia habito uma nova pele, uma espécie de outra identidade incutida, esculpida por outrem. Poucos na turma sabem o meu verdadeiro nome, a não ser aqueles que já me conheciam fora das aulas. Os outros, quando me encontram na rua, é por Gao Níng que me tratam. E isto dos nomes foi para mim uma descoberta curiosa em terras do oriente. Nas minhas aulas, na Universidade de Macau, todos os alunos têm um nome chinês e um português. A certa altura, por ser mais fácil, comecei a tratá-los apenas pelo nome português. Depois, veio o pesadelo quando chegaram os momentos de avaliação e entendi que os nomes portugueses eram uma miragem, visto que nas pautas apenas constavam os nomes chineses. Ingenuamente, pensava que havia algum registo na secretaria ou correspondência entre os verdadeiros nomes dos alunos (chineses, claro) e os portugueses. Isso fez com que me surpreendesse o facto de uma aluna, no final de uma aula vir ter comigo para me comunicar que na aula seguinte já não se chamaria Celina, mas sim Egas. Eu mostrei o meu espanto e salientei que Egas era nome de rapaz. Todavia, a resposta dela foi: “Sim, mas eu quero”. Então, pensei nos entraves burocráticos que ela teria de enfrentar, numa terra que junta o
refinamento, morosidade da burocracia portuguesa com a desconfiança chinesa, fazendo com que existam funcionários peritos em apalpar selos brancos, procurando neles algum breve relevo onde possa ecoar o fantasma da fraude. Porém, na aula seguinte, a aluna corrigiu na folha de presenças o nome de Celina para Helga, em lugar do anunciado Egas. Nessa altura ainda desconhecia que os estudantes poderiam mudar os nomes estrangeiros todos os dias se bem o entendessem.
Na verdade, esta questão dos nomes gerava por vezes equívocos nas aulas, visto alguns estudantes terem nome chinês, inglês e português. Não sei porquê, mas desconfio que o Fernando Pessoa poderia ter gostado de pertencer a uma destas turmas, palco aberto à encarnação das múltiplas personalidades, além do mais, oriundas de diversos países. Então, certa vez numa aula, lancei um tópico, relativamente ao qual uma aluna apresentou a sua posição. Para motivar o debate, perguntei à turma: “Concordam com a Lídia?” (Era esse o nome português da interveniente). Seguiu-se um silêncio que eu tentei quebrar, repetindo várias vezes a frase já dita, explicando, mas sem êxito. Até que um aluno do fundo da sala pergunta: “mas quem é a Lídia?”. Eu mostrei-me admirada, pois como era possível que não soubessem ainda o nome dos colegas, naquela altura do semestre? E foi então que outro estudante respondeu: nós
conhecemo-la por Winnie, não sabíamos que também se chamava Lídia”.
No meu caso, embora não entenda onde foram as professoras buscar o nome «Gao Níng» (desconfio que aos dois nomes do meu apelido), aceito-o com a solenidade imposta por um verdadeiro baptismo. Sou uma entre quarenta alunos que ali estão para absorver, assimilar, tentar apreender sons e caracteres. Quanto a estes, aos caracteres, a preocupação é sobretudo no seu reconhecimento, na leitura – e a maravilha de olhar para um daqueles desenhos enigmáticos e atribuir-lhe um significado, como se de repente começássemos a ver algo que nos era vedado, é indescritível. No entanto, desenhá-los era trabalho árduo para quem como eu sempre foi desastrada, conseguindo em disciplinas de Desenho e Educação Visual atingir as honrosas classificações de Muito Mau. Com efeito, a nota mínima era «Mau», mas havia um ou outro professor que gostava de enfatizar o facto de a falta de qualidade superar em muito o pior imaginável e lá escrevia o «Muito Mau», ainda acrescentando a algumas proezas minhas um ou outro comentário. Ainda me lembro de ao lado de uma elipse tão cuidadosamente desenhada, surgir a pergunta, a vermelho, com maiúsculas, “O QUE É ISTO?”. Nos tempos que correm, uma situação destas valeria um profundo trauma para o aluno, muitas sessões de terapia à mistura e, provavelmente, um processo disciplinar para o professor. Mas os tempos eram outros. Só que é esse tempo que me aflora à memória quando a professora de mandarim olha para a minha folha e solta uma gargalhada ao contemplar o caracter torcido, coxo que acabei de escrever. Nesses momentos, sinto-me grata por ter nascido a Ocidente. Tenho a suspeita, quase vestida de certeza, de que se o meu berço
tivesse sido a China, seria analfabeta, pois, muito dificilmente aprenderia a escrever. Ao mesmo tempo, redobro a admiração por aquela gente que transpõe a sua visão do mundo através de casulos de ideias contidos num caracter.
É que uma língua não é apenas a substância através da qual comunicamos, nos exprimimos, mas também a matéria através da qual somos, a massa com a qual moldamos os nossos modos de existirmos, de interagirmos. E imagino como seria tão diferente se tivesse sido gerada no útero de uma língua tonal, fixada por misteriosos caracteres. Olho o relógio na parede. Faltam dez minutos para deixar de ser Gao Níng e regressar à minha pele. Ser outra é uma experiência provisória, renovada em cada aula de mandarim, tal como fluida, em constante reformulação, é a própria identidade: casa ampla e aberta, mobilada pelas línguas que nos visitam, que se demoram em nós, a vaguear por entre os pilares da nossa existência .
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