ÍNDICE
Balanço do mandato autárquico em São Brás de Alportel (pág. 24)
Centro Expositivo da Fortaleza de Sagres (pág. 34)
XIII Feira da Perdiz de Martim Longo (pág. 50)
Mary Berry expõe em Albufeira (pág. 62)
«FESTE» no Conservatório Regional do Algarve (pág. 78)
«Miopia» no Cineteatro Louletano (pág. 94)
Festival Mochila em Faro (pág. 106)
OPINIÃO
Paulo Cunha (pág. 118)
Ana Isabel Soares (pág. 120)
Adília César (pág. 124)
Júlio Ferreira (pág. 126)
Lina Messias (pág. 130)
Dora Nunes Gago (pág. 132)
“Primeiro ano do mandato foi positivo, mas muito desafiante”, admite Vítor Guerreiro
olvido sensivelmente um ano desde que foi reeleito presidente da Câmara Municipal de São Brás de Alportel, Vítor Guerreiro considera que “estamos com um bom grau de concretização do programa que apresentamos à população, mas foi necessário adaptar-nos aos
novos desafios do contexto atual”. Em conferência de imprensa levada a cabo no dia 10 de novembro, no Hotel Rural/Restaurante Rocha da Gralheira, o executivo municipal fez o balanço do primeiro ano do mandato 2021-2025, dando conta das principais conquistas e desafios de um ano em que, face ao cenário de crise mundial provocado pela Guerra entre a Ucrânia e a Rússia, isto num período de retoma pós-pandémica e perante as inegáveis evidências das
alterações climáticas, “foi preciso ajustar continuamente o planeamento e o orçamento às necessidades prementes da população e do concelho”.
Um ano também desafiante pelo facto de o Município de São Brás de Alportel ter aceitado a transferência de competências na área da educação, o que, apesar do esforço financeiro que acarreta, lhe permitiu intervir com políticas de proximidade que já estão a resultar em algumas medidas de modernização e manutenção do parque escolar, como, por exemplo, o lançamento do cartão pré-pago que eliminou das escolas o dinheiro físico. Disponível para aceitar a transferência de mais competências, Vítor Guerreiro espera, contudo, que as mesmas sejam acompanhadas da justa transferência de fundos. E, de facto, para breve espera-se
a transferência de competências nas áreas da ação social e da saúde, sendo que, nesta última, o Município já apresentou uma candidatura ao Plano de Recuperação e Resiliência com vista à realização de obras e melhorias no Centro de Saúde.
Empenhado na construção de uma comunidade próspera e pró-ativa para um futuro sustentável, o Município de São Brás de Alportel tem vindo igualmente a harmonizar as suas políticas de forma transversal com vista à concretização dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável definidos pelas Nações Unidas e que têm como meta 2030. E, a par das preocupações ambientais, estes objetivos defendem políticas de redução de desigualdades, de defesa dos mais desfavorecidos e da criação de economias prósperas e sustentáveis, políticas de acesso à saúde. “Mais do que apenas obras físicas
de cimento ou alcatrão, queremos que o Município de São Brás de Alportel seja uma autarquia amiga das pessoas e que seja uma referência”, salientou Vítor Guerreiro, frisando que, neste território, que tem registado um dos mais elevados crescimentos populacionais do país, os objetivos e o trabalho realizado pelo Município passam pela resposta às necessidades da população, ao mesmo tempo que pugna pelo rigor da gestão financeira. “O que apela à nossa criatividade e eficácia e é muitas vezes conseguido com recurso a candidaturas a financiamentos comunitários e estatais”, realça o edil são-brasense.
A área do ambiente tem vindo a desenvolver alguns projetos com recurso
a candidaturas, como é o caso da Campanha «Da Terra à Terra – a natureza a circular!», que permitiu distribuir mais de 300 compostores a munícipes do concelho e, por essa via, reduzir a quantidade de resíduos enviados para aterro. A eficiência hídrica é outra meta a atingir, tendo o vereador Acácio Martins revelado que, apesar de ainda existir muito trabalho por fazer, o Município investiu no último ano mais 200 por cento nesta matéria com melhorias no sistema de telegestão e monitorização da rede de distribuição de água, e o controle do consumo de água com a instalação de medidores de caudal, assim com de válvulas redutoras de pressão, não esquecendo igualmente as obras de requalificação das rotundas do concelho com vista a uma redução significativa do consumo de água e de perdas. Previstos estão ainda projetos de substituição de tubagens na zona do Mercado Municipal,
que vai ser alvo de uma requalificação urbana que tem preocupações multidisciplinares (eficiência hídrica, eliminação de barreiras arquitetónicas e valorização dos espaços públicos), assim como a instalação de um sistema de reaproveitamento de águas das Piscinas Municipais Cobertas, que integra uma candidatura já aprovada.
O Município de São Brás de Alportel está também a adaptar-se ao aumento exponencial do custo da energia, pelo que está em curso um projeto de substituição das luminárias da Circular Norte. “Terá um custo de aproximadamente 55 mil euros, mas irá permitir poupanças na ordem dos 70 a 80 por cento. Ao mesmo tempo, o Município está a intensificar a certificação energética dos equipamentos e edifícios municipais para estar apto a candidatar-se a apoios nesta área, nomeadamente do Plano de Recuperação e Resiliência”, adiantou Acácio Martins. “São investimentos rigorosamente planificados, mas muitas vezes pouco percetíveis à população, contudo, juntamente com os investimentos realizados ao nível das acessibilidades e da mobilidade, são vitais para a qualidade de vida dos residentes e visitantes e para atrair novos investimentos”, defende o vereador que também é responsável pelo pelouro do desporto, pasta onde destacou a intensa dinâmica associativa desportiva
Vítor Guerreiro:
do concelho e o número crescente de praticantes de todas as faixas etárias nas mais variadas modalidades. “Uma dinâmica que é também sinónimo de maior responsabilidade para o Município, que gere a maior parte das estruturas desportivas do concelho e que tem de pugnar pela sua manutenção e qualidade. Um trabalho que também tem passado pela adaptação progressiva das mesmas para que sejam acessíveis e utilizáveis por praticantes com diferentes necessidades motoras”, reforçou Acácio Martins.
Neste primeiro ano de mandato, que coincidiu com a retoma após pandemia, em simultâneo com o eclodir de uma guerra na Europa, a Vice-Presidente Marlene Guerreiro elegeu, como a primeira grande conquista “a comunidade são-brasense ainda mais resiliente, empreendedora e
“Mais do que apenas obras físicas de cimento ou alcatrão, queremos que o Município de São Brás de Alportel seja uma autarquia amiga das pessoas e que seja uma referência”.
solidária que este ano revelou” “Temos a inclusão como uma prioridade e os resultados desta missão devem-se ao trabalho realizado em verdadeira «teia solidária», em parceria com todas as entidades, com as associações, as famílias e a comunidade”, assegurou Marlene Guerreiro, dando o exemplo do Programa Inclusivo de atividades, que começou por ser um projeto de férias e que agora é uma realidade durante o ano inteiro. Um projeto que está a ser dinamizado no Espaço Inclusão, cujas instalações são cedidas pela Santa Casa da Misericórdia, mas o sonho é chegar-se “a um centro de atividades com todas as valências necessárias para acolher estes meninos grandes que têm
algumas dificuldades e limitações”
Para fazer face às necessidades crescentes resultantes da crise que se vive, o Município de São Brás de Alportel tem recorrido ao Fundo Social de Emergência que permite ajudar de forma mais versátil as famílias, uma medida que vai ser reforçada em 2023 e em que a autarquia conta com o apoio de dois munícipes que de forma abnegada contribuem para este fundo, o que permite também reforçar o Programa Municipal de Apoio ao Arrendamento e o Projeto Mão Amiga. E, com o acesso à habitação a tornar-se cada vez mais difícil, São Brás de Alportel aprovou a Estratégia Municipal de Habitação e, em conjunto com a Junta de Freguesia e a Santa Casa da Misericórdia, pretende investir perto de 11 milhões de euros na
construção e reabilitação de casas, em prol da criação de novas respostas habitacionais que melhorarão a situação de 140 agregados familiares nos próximos anos.
Na estratégia de construção do futuro, o Município tem vindo a reforçar o seu trabalho na área da Juventude, “que deve ser feito com os jovens e não apenas para os jovens”, entende Marlene Guerreiro. Tendo isso em mente, a autarquia realizou a primeira reunião da Assembleia Municipal Jovem que se espera motivadora da participação cívica ativa, existindo, igualmente, o Orçamento Participativo.
Outro vetor prioritário das políticas municipais é o apoio ao empreendedorismo, como se constata pelo êxito da Rede de Espaços de Incubação, que já conta com dois espaços que acolhem uma dezena de empreendedores, preparando-se a autarquia para abrir um novo Ninho de
Empreendedorismo (com aposta mista em espaço autónomo e coworking) até ao final do ano, e para disponibilizar em breve um ninho de incubação na área da agricultura. Soluções que Marlene Guerreiro diz estarem a receber a atenção de muitos empreendedores que, desta forma, conseguem dar os primeiros passos dos seus projetos.
Uma das ações dinamizadas pelo Gabinete do Empreendedor, centro da estratégia de apoio às empresas e da prática e apoio, é a aceleração ao licenciamento «Via Verde para o Desenvolvimento», mas a realização dos Fóruns de Negócios foi outra conquista apontada pela Vice-Presidente, por promover as sinergias entre empresas consolidadas e jovens empreendedores com ideias de negócio para implementar. Novas ações que vêm juntar-se aos eventos âncora que são uma referência do concelho, como sejam a Feira da Serra – que este ano recebeu 38 mil e 600 visitantes, a Feira de Saldos «Stock Out»,
a «Noite Vermelha» e a «Noite Prata», entre outras iniciativas, onde a cultura é sempre um veículo para a dinamização da economia.
Certo é que, em pleno coração do Algarve, São Brás de Alportel continua a investir no turismo, que tem registado uma evolução intensa, mas harmoniosa, com ligação às raízes, à cultura e ao património. A abertura da Área de Serviço de Autocaravanas em março foi uma das conquistas referidas, a par da atribuição do título de «Aldeia de Portugal» à Serra de São Brás. A Casa Memória da Nacional 2 é um bom exemplo dessa aposta e uma das grandes conquistas da ação da autarquia, assim como o projeto de Turismo Acessível, no âmbito do qual foi possível tornar o Museu do Traje um «Museu para Todos». Marlene Guerreiro referiu-se ainda à Casa da Serra, núcleo interpretativo da Serra do Caldeirão, que deverá abrir portas ainda este ano, como uma das apostas
mais importantes na criação de elementos de atratividade para a Rota Turística do Caldeirão, estratégia de desenvolvimento turístico da zona serrana crucial na rentabilização das potencialidades destes territórios e no combate à sua desertificação.
O início de um estudo arqueológico, na área da pré-história em São Brás de Alportel, e a reedição das obras de José Dias Sancho são também algumas das conquistas relevantes deste primeiro ano de mandato nas áreas da cultura e património. Um ano de trabalho de continuidade e de adaptação a novas realidades e desafios com uma atuação autárquica pautada pelo rigor e planeamento, conforme atesta o Anuário Financeiro de 2021 dos Município Portugueses, referido pelo edil Vítor Guerreiro, mas sempre de portas abertas para a construção de um futuro próspero e de uma comunidade ativa, saudável e inclusiva .
Centro Expositivo da Fortaleza de Sagres é finalmente uma realidade
Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina Centro Expositivo da Fortaleza de Sagres abriu as portas ao público, no dia 13 de novembro, culminando assim um processo que durou sensivelmente década e meia. O espaço propõe uma viagem à história da expansão portuguesa, nas suas diversas vertentes, nas mais e nas menos positivas, albergando igualmente um Centro de Arte Contemporânea.
A sessão de abertura aconteceu junto à primeira peça da exposição, a antiga porta da Fortaleza do século XVIII, com as
intervenções de Adriana Freire Nogueira, Diretora Regional de Cultura do Algarve, e de Rute Silva, presidente da Câmara Municipal de vila do Bispo, que se mostrou bastante satisfeita por ver concretizado este importante investimento no concelho e em Sagres. “É um ponto muito importante da história do nosso país e do nosso mundo, é um sonho de anos e um grande desafio. E queremos trazer a população a este novo espaço e que se envolva na sua vida”, desejou Rute Silva.
Na sua intervenção, a Diretora Regional deu a conhecer os dois espaços – a
exposição permanente e a galeria temporária – que enriquecem a oferta cultural da Fortaleza, mas principalmente da região. “Em 2015, este espaço foi distinguido com a Marca de Património Europeu, pela sua posição estratégica, usada pelo Infante Dom Henrique, num período que marcou a expansão da cultura, das ciências, da exploração e do comércio europeus, tanto para o Atlântico como para o Mediterrâneo, abrindo o caminho para a afirmação e projeção da civilização europeia, que veio a modular o mundo moderno. Não foi esta distinção que tornou o Promontório de Sagres internacional, mas reconheceu-o como central”, declarou.
Para ilustrar a centralidade cultural e a importância da Fortaleza de Sagres, Adriana Freire Nogueira revelou alguns números de visitantes dos vários monumentos, museus e palácios sob tutela da Direção-Geral do Património Cultural e das direções regionais de cultura, sendo que, em 2019, em primeiro lugar estava o Mosteiro dos Jerónimos, com 1 milhão, 96 mil e 283 visitantes, seguindo-se o Paço dos Duques de Bragança, com 463 mil e 607 visitantes, e a Fortaleza de Sagres com 454 mil e 190 visitantes. Em 2021, o Mosteiro dos Jerónimos manteve-se em primeiro lugar, com 271 mil e 612 visitantes, logo seguido pela Fortaleza de Sagres, com 232 mil e 848 visitantes, que ultrapassou os 169 mil e 223 visitantes do Paço dos Duques. “Ora, números fresquinhos fornecidos pelo diretor da Fortaleza de Sagres dizem que, em
2022, de janeiro a outubro, já tivemos 401 mil e 952 visitantes, muito próximo de 2019, no mesmo período, em que tivemos 421 mil e 268 mil visitantes. Na Fortaleza de Sagres, em 2019, cerca de 84 por cento dos visitantes foram estrangeiros e cerca de 69 por cento em 2021. Os números falam por si e ecoam o reconhecimento da Fortaleza de Sagres como um dos mais importantes monumentos nacionais e, por isso mesmo, dos mais visitados. Mostram ainda que este reconhecimento também é feito por estrangeiros”, destacou a Diretora Regional de Cultura do Algarve.
Foi o reconhecimento desta importância e a necessidade de
requalificar a visita que esteve na génese do projeto que agora se mostra ao público, com a abertura do Centro Expositivo da Fortaleza de Sagres no promontório de Sagres a ser o resultado de uma vontade há muito anunciada. “O projeto de requalificação começou em 2009 e terminou em 2012, com os arranjos dos espaços exteriores, das muralhas, do torreão e deste mesmo edifício. Em 2012 foi feita uma apresentação pública do que se pretendia com este projeto museográfico e, em 2018, foi feita uma atualização da parte técnica, porque a tecnologia está sempre a desenvolver-se”, recordou Adriana Freire Nogueira, que aproveitou a ocasião para fazer uma referência especial a quem concebeu os conteúdos, nomeadamente, o CHAM – Centro de
Humanidades (Universidade Nova e Universidade dos Açores), que teve o professor catedrático João Paulo Oliveira e Costa, como Coordenador Científico, com Carla Alferes Pinto, José Ferreira e Sofia Diniz; e também a quem fez o programa, quem desenvolveu os conteúdos e selecionou peças e textos, designadamente, o professor associado com agregação, Fernando António Baptista Pereira, da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. E Adriana Freire Nogueira não esqueceu também “o grande empenho por parte das minhas antecessoras, Dália Paulo e Alexandra Gonçalves, para que esta instalação museográfica acontecesse, empenho esse que continuei e que, graças a isso e com o esforço da equipa da DRC,
finalmente, no fim de 2019, foi possível iniciarem-se os procedimentos que levaram à abertura do concurso, à adjudicação ao consórcio no qual entra a Edigma, até chegarmos a este momento”
A visita à exposição foi conduzida por Rui Parreira, coordenador científico, que apresentou as várias celas, que contam a história do território, da Fortaleza, das rotas comercias e do conhecimento do mundo, dos produtos, mas também dos desafios da expansão portuguesa. Uma das celas é dedicada a S. Vicente, padroeiro tanto das Dioceses do Algarve como de Lisboa. “Foi em Sagres que estiveram as relíquias do mártir, antes de terem sido levadas para Lisboa, acredita-se que a mando
de D. Afonso Henriques”, explicou Rui Parreira. Também o Infante D. Henrique está presente numa projeção dos Painéis de S. Vicente e na recriação do seu estúdio. O coordenador científico contou “que apesar de ser ficcional, é muito plausível que o Infante tenha, de facto, trabalhado numa sala parecida” como aquela que os visitantes agora podem conhecer.
A temática do tráfico de seres humanos está presente numa das salas da exposição, onde está exposta a cópia de uma algema de escravos, emprestada pelo Museu de Lagos, e várias imagens que nos remetem para este tema. A língua portuguesa, nos vários sotaques do país e nas diversas latitudes, é também parte desta exposição, lembrando a sua universalidade. O percurso termina numa esfera, com a palavra «viagem» à entrada, onde são
projetados dois filmes, narrados pelo Vento, que descreve as viagens marítimas. No segundo andar do edifício encontra-se, então, o Centro de Arte Contemporânea, cuja primeira exposição temporária (deverá ter duas por ano) é da responsabilidade do artista plástico Manuel Baptista. «Territórios Invisíveis» tem a curadoria de Mirian Tavares e Pedro Cabral Santo, do Centro de Investigação em Artes e Comunicação (CIAC) da Universidade do Algarve.
O novo Centro Expositivo da Fortaleza de Sagres envolveu um investimento a rondar 1,5 milhões de euros, com uma comparticipação de cerca de um milhão de euros de fundos comunitários, através do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) e dos programas de Intervenção Turística (PIT) e de Investimentos Públicos de Interesse Turístico para o Algarve (PIPITAL) .
Martim Longo recebeu
XIII Feira da
Perdiz
Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina
om o objetivo de promover as extraordinárias condições cinegéticas do concelho, a Câmara Municipal de Alcoutim organizou, nos dias 12 e 13 de novembro, a 13.ª Feira da Perdiz, desta feita junto à Avenida dos Almocreves, em Martim Longo. O novo recinto reformulou a visita à feira e procurou concentrar todos as atividades num único espaço, mais ordenado e fácil de percorrer.
Para o efeito foi colocada uma tenda gigante onde estiveram presentes empresas e associações do setor e onde o visitante disfrutou de um leque variado de atividades, como exposições de espécies cinegéticas, artesanato, atividades equestres, atividades infantis, o XII Concurso Canino de Alcoutim, o I Concurso de Matilhas de Alcoutim e o Concurso de Mel. Nas tasquinhas foi possível degustar diversos pratos típicos da gastronomia da região nesta época do ano, com destaque para os pratos à base de caça. Do programa do certame sobressaiu também a animação musical,
que no sábado esteve a cargo de Romana e no domingo do grupo «Banza», contando os dois dias com a animação circulante da «Bandinha Toma lá 5». No dia 13, o programa apresentou ainda duas atividades desportivas, o 3.º Trail «Na rota da perdiz» e a Marcha Corrida inserida no calendário anual de marchascorrida do IPDJ.
Durante a abertura oficial da feira, Osvaldo Gonçalves, presidente da Câmara Municipal de Alcoutim, lembrou que esta iniciativa está enquadrada num plano de promoção do território e das suas potencialidades, focada nos seus recursos endógenos e onde a temática da cinegética – representada pela rainha da caça menor, a perdiz – ocupa um lugar de destaque. “Alcoutim é um concelho predominantemente rural, de interior e de baixa densidade populacional, possui uma extensão territorial significativa
que reúne e agrega um conjunto de características únicas para o exercício da caça, assim como condições singulares para a reprodução de espécies cinegéticas. Com as profundas alterações da paisagem que ocorreram nas últimas décadas, fruto da florestação significativa do território e da proliferação de algumas doenças que têm reduzido a base alimentar do ecossistema da caça, houve uma consequente alteração de efetivos, diminuindo a caça menor e notando-se o crescimento do número de espécies de caça maior, nomeadamente o javali e o veado”, descreveu o edil alcoutenejo.
À singularidade deste potencial cinegético, a autarquia reconhece
também uma inteligente abordagem que tem sido feita pelos agentes do setor, após as alterações introduzidas no quadro legislativo, que veio criar condições para o regime ordenado, quer na vertente associativa, quer na turística, e da qual existem muitos bons exemplos. “Alcoutim foi um concelho que muito rapidamente se organizou nessa gestão e onde os benefícios são visíveis. Se, no regime associativo, foi dada oportunidade aos gestores locais de se organizarem e fazerem uma gestão criteriosa e responsável dos seus efetivos cinegéticos, com importantes contributos para a sensibilização geral do respeito pela preservação da biodiversidade, por outro lado, as ZCT (Zonas de Caça) criaram e criam oportunidades únicas de
atração de visitantes que aqui procuram usufruir de um bom dia de caça, contribuindo, simultaneamente, para o incremento da dinâmica da economia local”, frisou Osvaldo Gonçalves, que aproveitou para sensibilizar aqueles que “ideologicamente se manifestam contra a caça, contra o direito de manter viva esta tradição”, salientando que a atividade cinegética também contribui para a preservação da biodiversidade. “É importante que se dê a conhecer todo o trabalho que no setor da caça se desenvolve para a preservação das espécies, para o combate às doenças, para a introdução e repovoamento de espécies em vias de extinção, das quais é exemplo o lince ibérico” .
O pontilhismo ao serviço da educação ambiental… e depois Mary Berry vai explorar outras temáticas e materiais
Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina stá patente, até dia 25 de novembro, na Galeria de Arte Pintor Samora Barros, em Albufeira, a exposição de ilustração «Colocar os Pontos nos Is, na prevenção dos oceanos», de Maria Miguel Pereira de Oliveira, com curadoria de João Espada. Com o intuito de sensibilizar os visitantes para os cuidados a ter com os oceanos e a sua vida marinha, esta é a primeira mostra a solo de Mary Berry, mas a jovem albufeirense de 29 anos já tem outros trabalhos espalhados pela cidade, nomeadamente uns murais encomendados pela APPA – Associação de Profissionais de Pesca de Albufeira para comemorar o Dia do Pescador e nos quais foram retratadas três pessoas muito importantes na comunidade, podendo ser vistos junto ao Porto de Abrigo perto da Marina de Albufeira.
O pontilhismo é a linha gráfica e de ilustração adotada por Mary Berry, uma técnica não muito usual, mas com a qual contactou no 5.º ano de escolaridade, no Colégio Internacional de Vilamoura, com o seu professor de Artes Visuais, que foi precisamente o curador desta exposição. “O ponto e a linha são, na verdade, formas básicas, a maior dificuldade é depois trabalhar com esse «básico». Achei curioso como é que de um simples ponto se criava uma mancha e comecei logo a fazer diários gráficos só para mim. Foi uma caminhada quase terapêutica, para me abstrair, tentando usar o preto e o branco para melhor se perceber a luz e a sombra”, conta a artista.
Mary Berry foi fazendo o seu percurso de forma natural, completou os estudos artísticos na Escola Secundária de Albufeira e depois ingressou na IADE-U Creative University, onde se licenciou em Design. Em 2018, fez uma pós-graduação em Design Thinking for Business Innovation pela EDIT e, no ano seguinte, especializou-se em Branding pela LSD. Seguiram-se três anos a trabalhar como Designer Gráfica para diversas empresas, até que decidiu criar o seu próprio estúdio de ilustração (Maryberry Illustration), focado em dinamizar o estilo de pontilhismo, através da partilha de desenhos de observação. “Eu já estava a trabalhar diretamente para a tecnologia, para a interface e comunicação social, muito de forma digital. Veio a pandemia e
eu fui quase como que forçada a parar, a dar um passo atrás, a ir buscar a caneta e o papel. Comecei a fazer mais obras artísticas e não tanto de design massivo”, relata a entrevistada. “A arte serve para nos fazer sentir e refletir, ao passo que o design tem um propósito mais comercial, é para se produzir em série. E a verdade é que a maior parte dos artistas não vive exclusivamente da arte, precisa ter uma atividade a tempo inteiro que lhe dê o suporte financeiro de que necessita. Nem sequer é uma questão de sermos um artista famoso, mas sim sermos reconhecidos por aquilo que fazemos”.
O caminho é difícil de trilhar e, por muito que, de há uns anos para cá, se incentive os jovens a perseguir os seus sonhos, a escolha nunca é fácil de tomar. Uma escolha que Mary Berry teve de fazer e, felizmente, foram várias as portas a abrir-se para a jovem, inclusive para dar aulas em escolas de 1.º ciclo, creches e jardins-de-infância. “Aprendi tanto com os meus professores que, agora, não posso guardar esses ensinamentos só para mim. É bastante engraçado estimular as crianças para as artes e basta pintarem as pontas dos dedos que já estão a fazer pontilhismo. Há maneiras de introduzirmos estas técnicas e movimentos artísticos nas novas gerações de uma forma lúdica”, assume, reconhecendo, porém, que teve sorte com a família em que
cresceu, porque nunca lhe «cortaram as pernas». “Quebrei um padrão enorme, porque são todos advogados e economistas, e ainda me disseram que, já que queria seguir artes, se calhar a arquitetura era a opção mais sensata. Mas sempre me apoiaram e, devagar, fui atingindo os meus objetivos”.
O percurso nas Artes não é fácil e, conforme já se referiu, o pontilhismo também não é a técnica mais comercial ou usual, mas Mary Berry manteve-
se fiel e coerente, não andou a saltar de um estilo para outro. “Apesar de parecer fácil pegar numa caneta e fazer pontos que se vão transformando em linhas e manchas, isto é complexo. Mais pontos criam mais sombras, menos pontos geram mais luz, é uma dicotomia que impressiona as pessoas quando elas se aproximam das telas e compreendem o que lá está feito, todos os pormenores e detalhes”, indica a entrevistada. “Gosto de ter o feedback das pessoas, porque, à primeira vista, muitas nem percebem tratar-se de pontilhismo, até pensam ser grafiti. E faço tudo em papel reciclado”, acrescenta.
Assim chegamos à temática de «Colocar os Pontos nos Is, na prevenção dos oceanos», algo que é perfeitamente natural para Mary Berry porque nasceu e foi criada em Albufeira, rodeada pelo mar. “Noto que as minhas praias de eleição estão diferentes, perderam personalidade, as suas características originais, já para não falar do lixo, que está em todo o lado”, lamenta a artista, que preferiu não apostar numa abordagem demasiado chocante para sensibilizar as pessoas, optando antes pela sátira ligeira. “Como
o meu dia-a-dia é lidar com crianças, percebi que, se usasse formas muito drásticas ou violentas para transmitir a minha mensagem, os meus alunos não
“Estou a desenhar para quem está dentro deste nicho”
poderiam visitar a exposição. Tentei que o lixo tivesse um propósito diferente na vida animal, quase em jeito de bandadesenhada, como é o caso de um
cavalo-marinho que adotou um cotonete, inspirado num caso real documentado por biólogos da National Geographic. Pela fisionomia da peça, o cavalo-
marinho pensava que o cotonete era uma cria”.
Mary Berry sabe que a sensibilização para a educação ambiental é um tema saturado, quase banal nos tempos modernos, “não estou a inventar a roda, mas penso que continua a ser necessário falar sobre ele”. E se a mensagem está a passar e a dar origem até a parcerias interessantes, uma delas com o Centro de Ciência Viva do Algarve, como está a correr a vertente comercial?
Será que as pessoas compram estas obras, ou ficam-se apenas pelo «uau» e pelos elogios? “Tenho os quadros normais, maiores, várias composições com uso da sátira, e uns mais pequenos, uma mini série de iconografias que tem a ver com os oceanos, os barcos, as anémonas e as conchas. Realmente, quem é que vai comprar quatro animais completamente diferentes, com
lixo à volta deles? Não é propriamente uma ilustração que toda a gente queira, mas eu estou a desenhar para quem está dentro deste nicho, para pescadores, biólogos e, acima de tudo, para escolas”, responde a autora.
Quanto ao processo criativo, primeiro há que definir o contexto e o objetivo da coleção, e só depois é que passa para os desenhos, começando pelos contornos a lápis. “É o momento onde ainda posso apagar”, diz, com um sorriso. “Depois pego na caneta, passo ponto a ponto, e depois segue-se a parte de que mais gosto, o brincar com a luz e a sombra, preencher a forma na totalidade, com mais ou menos densidade e textura”, explica, confessando que, entretanto, já está a pensar no próximo projeto. “Sou muito frenética, quanto mais crio, mais
quero criar. Esta é a minha primeira exposição individual, ainda por cima na minha cidade natal, o que aumenta a responsabilidade, e isso despoletou alguns medos. Todavia, tenho recebido tantos inputs que deram origem a diversas ideias que vou querer explorar”.
Para já, depois de sair da Galeria de Arte Pintor Samora Barros, a exposição «Colocar os Pontos nos Is, na prevenção dos oceanos» seguirá para o Centro de Ciência Viva do Algarve e Mary Berry gostaria também de dinamizar algumas conversas ou tertúlias em torno deste tema, “de como as espécies vivem nos oceanos, de como as nossas atitudes têm impacto nisso” “No que toca à próxima exposição,
posso adiantar que não terá nada a ver com o mar, porque quero explorar outros horizontes e utilizar outros materiais. Será pontilhismo com colagens, pinturas, esculturas”, desvenda, deixando ainda um desabafo em final de conversa. “A arte é um caminho solitário, pessoal, parte do que está nesta exposição é aquilo em que acredito enquanto ser humano, enquanto parte da sociedade, o que me incomoda ou desanima. É arriscado e perigoso expor-nos desta forma, mas depois é extremamente compensador quando a reação dos outros é positiva, porque esta é a minha verdade. Por isso é que só me envolvo em temáticas nas quais acredito” .
FAMILIE FLÖZ ENCANTOU CONSERVATÓRIO REGIONAL DO
ESTE, um conto de fadas para adultos sem palavras concebido e interpretado pela Familie Flöz, foi a cena no Conservatório Regional do Algarve, em Faro, nos dias 10 e 11 de novembro, em duas sessões que deixaram maravilhados o muito público presente.
A companhia de teatro físico de grande sucesso e prestígio mundial trouxe da Alemanha um casamento que teria lugar numa casa rica à beira-mar. Nos fundos, há um depósito escuro para entregas, limpeza, guardas, descarte. Numa mistura poética de tragédia amarga e palhaçada sombria, os personagens fazem o possível para garantir o aprovisionamento da magnífica casa. Condenados a permanecer fracos, eles lutam pelo respeito dos fortes.
«FESTE» é uma história sobre a busca pela felicidade individual, mas por trás da qual há mais. “Como os anjos de Paul Klee, as máscaras testemunham a loucura furiosa do progresso com sua imobilidade silenciosa”, indica a companhia.
Com criação de Andres Angulo, Björn Leese, Hajo Schüler, Johannes Stubenvoll, Thomas van Ouwerkerk e Michael Vogel e interpretação de Andres Angulo, Johannes Stubenvoll e Thomas van Ouwerkerk, «FESTE» tem direção de Michael Vogel e codireção de Bjoern Leese. As máscaras são de Hajo Schüler e o vestuário de Mascha Schubert. O espetáculo veio até ao Algarve através da ACTA – A Companhia de Teatro do Algarve .
«MIOPIA» DE RITA DELGADO NO CINETEATRO LOULETANO MAIS PREMENTES PROBLEMAS
DELGADO ABORDOU LOULETANO ALGUNS DOS PROBLEMAS MUNDIAIS
iaPia» é um programa televisivo em que, entre momentos de culinária e convidados inusitados, Mia aborda prementes problemas mundiais, como a crise climática, as desigualdades, o racismo e as guerras. E assim acontece «Miopia», uma peça divertida concebida por Rita Delgado que foi a cena, no Cineteatro Louletano, no dia 11 de novembro, destinada à comunidade escolar e inserida na oitava edição do Festival encontros do DeVIR.
Neste espetáculo assistimos à gravação do 500.º episódio de «MiaPia», durante a qual é evidente a dificuldade da apresentadora em relacionar-se com alguns dos temas mais badalados da atualidade. Por isso, ao 500.º programa, Mia vai desafiar o reflexo míope de desfocar o olhar e, apesar das dores nos olhos e no peito, explora corajosamente o alcance e os limites da sua visão. Um espetáculo que conta com a interpretação de Diana Narciso, Camila Lima, Diogo Rodrigues, Rita Delgado e Stephany Malpica .
FESTIVAL MOCHILA TROUXE «MACBAD» E «AUSTRALOPITECO»
MOCHILA — Festival de Teatro para Crianças e Jovens, organizado pela companhia LAMA Teatro, animou a cidade de Faro, de 3 a 12 de novembro, com uma segunda edição composta por projetos de teatro, música, novo circo e performance, e ainda por oficinas, conversas e exibições de filmes, num total de 18 propostas que aconteceram em diversos espaços culturais da capital algarvia e ao ar livre.
No dia 5 de novembro assistiu-se, no CAPa – Centro de Artes Performativas do Algarve, a «MacBad», o terceiro projeto de uma série de espetáculos do Teatro Praga (dedicados aos mais novos inspirados pelas obras-primas do dramaturgo inglês
William Shakespeare. Desta vez, o Teatro Praga atira-se a uma das suas peças malditas, «Macbeth», que tem como características mais marcantes a presença de um trio de bruxas e as suas profecias, que o herói/vilão Macbeth (que nesta peça se chama MacBad, tornando-se assim no verdadeiro Bad Guy) inevitavelmente cumprirá, mesmo quando a elas tenta escapar. O espectador/protagonista é, deste modo, um gamer que garante que a história chega ao fim e, para que este fim se cumpra, o espetáculo recorrerá a mecanismos inspirados em sistemas de jogos famosos de interpretação de papéis como Dungeons & Dragons e Game Centers. Serão assim vários jogos dentro do jogo e tudo convergirá para que as profecias, apesar de tudo, se realizem.
Com texto e criação de Cláudia Jardim, Diogo Bento e Pedro Penim, a interpretação esteve a cargo de Cláudia Jardim e Diogo Bento e a programação de videojogos é da responsabilidade de Filipe Baptista. «MacBad» é uma coprodução LU.CA – Teatro Luís de Camões e Oficina e do Centro Cultural Vila Flor. No dia seguinte, 6 de novembro, foi a vez do Jardim da Alameda João de Deus acolher «Australopiteco», no qual quatro crianças se encontram num parque infantil e se confrontam com as suas semelhanças e diferenças. Integrando dinâmicas de grupo e tensão entre pares, aprendem a lidar com os conflitos de uma vivência conjunta e é através de brincadeiras e jogos que descobrem a relação com o outro e com o exterior, enquanto se desafiam a encontrar o Mundo Perfeito. Mas será que ele existe?
«Australopiteco» é um espetáculo de teatro para a infância que pretende promover a reflexão sobre as questões da diferença, numa narrativa que intercala realidade e ficção, histórias reais com episódios do imaginário infantil. A encenação e texto são de Adriana Melo, com curadoria de texto de Alice Vieira e interpretação de Beatriz Brito, Clara Franco, David Teixeira e Magnum Soares. É uma coprodução do Museu da Marioneta / EGEAC, em parceria com a Associação de Paralisia Cerebral de Lisboa e com apoio à residência artística da Break a Leg Associação Cultural, Centro Cultural da Malaposta, Companhia Olga Roriz, DeVIR/CAPa e Produções Real Pelágio, Associação Cultural. O projeto é financiado pela República Portuguesa –Cultura | DGARTES .
Ai, ai, ai… Paulo Cunha (Professor)
ma das vantagens de não sentir a escola onde trabalho como minha, mas sim o contrário, é não me sentir dono nem na posse de nada que dela faça parte, por isso, nos intervalos, sento-me em qualquer cadeira da sala de professores. Quem me conhece bem sabe que não preciso de marcar nem de me agarrar a lugares, sejam eles quais forem. Gosto de «cirandar» por onde a minha presença seja bem-vinda e querida. Tal postura permite-me «tomar o pulso» ao ambiente laboral que me rodeia e onde me insiro.
Na semana transata, quando a minha colega e amiga Isabel Campos, ao deslocar-se em direção à mesa onde eu me encontrava, antes de se sentar, proferiu um sonoro, sentido e arrastado «Ai… ai…», mais uma vez senti que, sem se proferir uma palavra, pode dizer-se tanto a quem estiver atento. Não conseguindo conter uma boa gargalhada, imediatamente lhe perguntei o que a levava a aiar assim. Naturalmente, bastou o seu sorriso amarelo para, como se de um código se tratasse, eu entendesse os motivos dos aiados lamentos.
Sabendo que a forma como articulamos as palavras faladas tem uma inerente cadência rítmica, disse-lhe que, da próxima vez, aiasse três vezes, tal como
muitos fazem quando proferem o «um, dois, três!», para darem a ordem de partida para uma qualquer corrida, pois assim podia ser, que após os ais, se soltasse uma palavra que servisse para a necessária catarse. Evidentemente, desatámos a rir, imaginando o que poderia daí surgir. Entretanto, o tempo foi passando e quando tocou para a entrada de mais uma aula, a minha colega, sem disso se dar conta, começou novamente a aiar, desta vez mais lentamente e, talvez sugestionada, com três ais. Tendo-nos apercebido do sucedido, saímos ambos da sala de professores mais bem-dispostos do que entrámos, tal o efeito que os ais nos provocaram.
Sendo a Isabel leitora dos meus textos, imediatamente, em tom de brincadeira e também de desafio, sugeriu-me esta crónica que convosco partilho. É verdade, sendo ambos «moços do mesmo tempo», estamos prestes a entrar na década da aposentação e isso leva-nos a pensar para além do óbvio. Não seria suposto, nem desejável, observar tantos professores a aiar nos intervalos, mas com o regresso à necessária normalização das aulas presenciais, está a vir ao de cima a falta de paciência e o cansaço provocado pelo choque de gerações (alunos netos e professores avós na mesma sala), em que os diferentes códigos educacionais e comportamentais são a base de um
confronto inglório, improdutivo e extenuante.
Não queremos – nem merecemos – ser os professores coitadinhos que, aiando, se arrastam, empurrados por uma força invisível para a imprevisibilidade em que as aulas se transformaram. Queremos sim, professores formados no século XX, colocar todo o nosso saber, experiência e gosto pela profissão ao dispor de um sistema educativo onde os professores mais novos tenham a oportunidade de,
mais eficaz e facilmente, chegarem aos alunos do século XXI.
Tal como com um jogador de futebol em final de carreira, ninguém espere que um professor aguente da mesma forma e com a mesma eficácia um «jogo» que iniciou há mais de quarenta anos. Como tal, deixo aqui o repto para que os lamentosos ais se transformem em expansivos e efusivos «Óis», de gente que fora do local de trabalho se reencontra e celebra a vida. Bem precisamos! .
Sexagésima sexta tabuinha - Joelho (XIX) Ana Isabel Soares (Professora)
urante muitos anos, começando ainda na minha baixaadolescência, colecionei – ou melhor, desde há muitos anos, deveria dizer, começando na minha baixa-adolescência, coleciono calendários de bolso. É uma das atividades que, porque mantenho, me ajudam a dar alguma coerência ao feixe de contradições que, como qualquer ser humano, sou. Em rigor, coleciono porque há entre amigos e conhecidos, aquelas pessoas que, sabedoras desta minha prática, ma alimentam: oferecem-me calendários de bolso, pecinhas cada vez mais raras, fragmentos impressos cada dia mais inúteis. Há uns cinco ou seis meses, recebi do meu querido amigo Miguel de Carvalho, alfarrabista e atento, um lindíssimo calendário desdobrável, publicidade ao Hotel Bragança, em Lisboa (lugar onde, lembrou-me outro amigo querido, o João Filipe Marques, Saramago instalou Ricardo Reis, à sua chegada à capital – nem de propósito o relembro, passados 100 anos e uns dias do nascimento daquele que recebeu o único Prémio Nobel da Literatura até hoje atribuído a autores de língua portuguesa), com a carreira dos dias, dos meses e das semanas do ano de 1938 (mortos e enterrados Reis e o seu inventor, Pessoa). (1938: esquina de um tempo em que teve de se aprender a
envelhecer cada dia mais, cada dia mais cedo) Derivo. Pensava nas pessoas que, acrescentando às minhas coleções, me acrescentam em lembrar-me quem sou, de onde venho, onde estou. Como estou, essa é fácil: sempre a sentir uma gratidão imensa por estas almas que de mim se recordam ao ver os papeis pequeninos preenchidos com números.
Ou, então, letras que falem de joelhos, da recolha que há mais de um ano iniciei e se mantém muito à conta das vozes amigas. A minha querida Ana Cabral visitou uma exposição, semanas atrás, e de lá me enviou palavras de René Magritte:
Je déteste mon passé et celui des autres. Je déteste la résignation, la patience, l’héroïsme professionnel et tous les beaux sentiments obligatoires. Je déteste aussi les arts décoratifs, le folklore, la publicité, la voix des speakers, l’aérodynamisme, les boy-scouts, l’odeur du naphte, l’actualité et les gens saouls. J’aime l’humour subversif, les taches de rousseur, les genoux, les longs cheveux de femme, le rire des jeunes enfants en liberté, une jeune fille courant dans la rue. Je souhaite l’amour vivant, l’impossible et le chimérique. Je redoute de connaitre exactement mes limites.
“Detesto,” diz o pintor belga dos personagens com rosto de maçã, chapéu de coco e poucas mais frutas, muitas
janelas, passagens diversas (e escadas, travessias perfeitas em que os joelhos se comprazem ou estatelam). “Detesto,” entre muitas outras coisas, as artes decorativas ou o cheiro a naftalina. Pelo contrário, Magritte afirma uma afeição por sardas, cabelos compridos nas mulheres, uma moça a correr pelas ruas, o humor subversivo, o riso das crianças em liberdade – e joelhos. As figuras humanas, que tanto representou e o representavam, dobram-se pouco, pouco se riem ou correm pelas ruas. Olhe-se para os tantos homens que em «Golconde», de 1953, chovem sobre uma paisagem urbana, tantos como o pintor
mesmo, de fato e chapéu redondo, direitos que nem fusos, gotas de água que ferissem o chão sem se inclinar, despreparados para se acamarem na fofura molhada da terra (por isso, suspensos, pobres homens). Os joelhos, escondidos nas calças dos fatos, seriam ineficazes na aterragem; não aparecem, (não fletem, como não dobram na figura do maître d’ do Hotel Bragança, no calendário que o Miguel me ofereceu). Na grande maioria dos seus quadros, não aparecem. Mas, em 1954, Magritte deu a uma das suas obras o título «L’Évidence Éternelle: Genoux» – «A Evidência Eterna: Joelhos» e fez deles o centro da
imagem a óleo sobre uma tela. Como evidência na eternidade, enquadramento pleno, olhar fixado nas duas redondezas a meio de cada uma de duas pernas, as camadas de tinta a revelarem luzes, sombras, fundo e forma, de modo a tão completamente fingirem dois joelhos.
Considerai os joelhos com doçura: vereis a noite arder mas não queimar a boca onde beijo a beijo foi acesa.
Nos anos 70, sabe-se lá se tendo ou não tendo visto os desenhados joelhos de Magritte, apelava Eugénio de Andrade a dar atenção àqueles lugares de noturnos beijos. Quem me lo disse, em apelo idêntico, quem à minha coleção os trouxe, os poéticos joelhos de Eugénio, foi a minha Ana Joaquim. Tantas queridas almas me acrescentam.
FRIEDRICH NIETZSCHE
Friedrich, o pastorzinho Adília César
(Escritora)
A vida tornou-se-me leve, a mais leve, quando exigiu de mim o mais pesado. Friedrich Nietzsche* in Ecce homo
1844 e a criança é o filho primogénito no pequeno colo, na pequena casa, na pequena aldeia. A janela aberta de par a par recebe a brisa do outono e convida o menino a fazer voar as suas ideias pelo mundo inteiro. Friedrich.
1855 e o menino lia e escrevia compulsivamente. Saber mais, fazer melhor, ser o seu próprio pai severo e exigente. Anos e mais anos. Depois, a música poderosa de Wagner e a filosofia pessimista de Schopenhauer indicam o foco de luz, a matéria pensante contida na sua primeira obra: O Nascimento da Tragédia, o prenúncio de tudo.
1879 e Friedrich já não era Friedrich. Ele conhecera o olho do abismo e transformara-se no próprio abismo, caindo naquela monstruosidade muito devagar. «Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não se tornar também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para ti». E ele ouvia este chamamento abismal e profundo; caía numa realidade supra-sensível imaginada pelos idealistas, um mundo racional e moral. Mas não, afinal não existia sequer
o mundo das aparências. Definitivamente, já nada existia. Apenas ir e vir de nenhum sítio e para nenhuma parte, o Eterno Retorno: oh eternidade… O inverno ao sul e o verão ao norte, assim, em círculos concêntricos e eternos feitos de deterioração. Uma combinação hipnótica para a sua a-realidade, a sua não-vida.
Mas eu sou ainda eu a viver a minha vida assim uma e outra vez, eternamente?
1885 e Also spratch Zarathustra: Ein Buch für Alle und Keinen. Quem és tu, Zaratustra? Porque falas assim, para todos e para ninguém? E se o além-dohomem é uma transição entre as linhas da morte de deus? És um preguiçoso, falas, falas, mas não dizes nada. Olhas o sol ao amanhecer vindo do fundo do horizonte como se fosse uma poderosa entoação da melodia wagneriana da vitória. Mas é apenas a simplicidade do dia não eterno.
1889 e Friedrich habita o quarto do delírio. Massacra as teclas do piano rangendo melodias macabras. Subitamente, levanta-se e escreve palavras perturbadas em papéis espalhados por todo o quarto: cartas, prefácios, notas, panfletos, irracionalidades, poemas, epílogos, pensamentos filosóficos, heresias. Ele é o
crucificado, o assassino e grita Arianna ich liebe dich. O amor soa bem melhor noutras línguas, noutras salivas pérfidas. A canção que trauteia continuamente é um afecto que se envolve no lençol dos mortos. Percorre sem destino as ruas de Turim e abraça cavalos açoitados por cocheiros. Não há regresso desse lugar, dessa língua demente, dessa escrita desfigurada. Ainda hoje o cavalo de Turim vagueia repetidamente os dezoito minutos de cena no filme do genial Béla Tarr.
1897 e o colo da mãe é ainda o néctar que lhe corre nas veias, mas os seus pensamentos são como uma lucidez encarnada na demência pensada, falada e escrita. Friedrich é uma sombra no corpo da humanidade, um olho branco que se perdeu no abismo a apontar para o vazio da alma. Ele pensa a poesia de outrora. Queria não ter medo. Porque um poema é sempre demente ainda que calado em murmúrio traiçoeiro. Suster a respiração do poema e ele a cair em câmara muito lenta. Não há forças de gravidade no plano irracional, mas quando cai o poema parte-se devagar e eu partome com ele. Às vezes conserto o poema com a baba da minha demência e ele aceita o curativo, entende a sua própria resignação como vitória das palavras humedecidas. Mas não. É apenas um episódio surreal: um triste e anónimo poema colado com cuspo. Eu, cada vez mais partido. E não consigo consertar-me.
1890 e o homem já não é o homem: o corpo de Friedrich era, agora e definitivamente, o seu post-scriptum; o espírito retorna à origem, pastoreia gestos de aprendiz na toca da loba.
E pergunta:
Quem fez o sol e as estrelas do céu? Quem implantou nas pessoas a sua natural bondade e justiça?
É o silêncio e a leveza de deus que respondem.
Oh, meu deus, tão calado e ausente .
* Friedrich Nietzsche (1844-1900), filósofo
«A Virgem estrábica e os Sete Matulões» Júlio Ferreira
(Inconformado encartado)
mundo está a ficar muito perigoso, quase a atingir lotação máxima, mas igualmente a perder o seu encanto e sem censo do ridículo. Já falta pouco para que as músicas da nossa infância sejam definitivamente apagadas e os livros de histórias das princesas sejam queimados em praça pública. Então, assistiremos ao fim do belo e à vitória do grotesco.
Uma notícia de fevereiro de 2022, recentemente confirmada e que pode ter passado despercebida: «Disney cede a críticas e exclui anões da Branca de Neve. Filme sofrerá mudanças para evitar ofensas a pessoas com nanismo». Na origem desta história estão críticas públicas do ator norte-americano Peter Dinklage, celebrizado na série televisiva «A Guerra dos Tronos», dirigidas à Walt Disney Company, por causa da anunciada produção de um remake do clássico de animação «A Branca de Neve e os Sete Anões» (cuja primeira versão foi lançada em 1937). Portanto, a Disney está mesmo a preparar-se para substituir os «sete anões» por um grupo de «criaturas mágicas», não se sabendo ainda se vão manter os nomes e as características da história adaptada pela Disney à original ainda mais macabra dos irmãos Grimm. Estou a ficar farto de tanta estupidez,
proibições, do politicamente correto, da hipocrisia mundial. Eu vou continuar a atirar o Pau ao Gato, a deixar que A Formiga no Carreiro venha em Sentido Contrário, mesmo que isso represente não ser aceite na claque dos pompons mundiais, dos fofinhos. Mas já que é para a desgraça e para acabar com tudo o que nos fizeram sonhar e crescer «normais», deixo aqui mais algumas sugestões…
Não vou falar sobre aquele jovem com curvatura anormal da coluna que morava em «Notre Dame» ou do menino criado por lobos que, contra sua vontade, vai morar numa aldeia de humanos e acaba por se apaixonar e casar. Porque não deixaram a criança viver feliz para sempre… na floresta, sem ninguém para chatear? Vou falar mesmo sobre a «Branca de Neve». Porque não escolher para protagonista da história, uma asiática, uma africana, uma iraniana que luta pela liberdade? Acrescentar a isso uns problemas de gases ou estrabismo? Sim, porque o espelho na altura já sabia que todos os corpos são igualmente bonitos. Quanto aos sete anões, deixava de lado a ideia de as sete «criaturas mágicas» que pretendem introduzir e mudava para «Sete Indivíduos não Binários de Estatura mais baixa que o normal». E de forma a atrair mais público às salas de cinema, sugeria para título «A Virgem estrábica e os Sete Matulões». Agora imaginem a rapariga (que era branca como a neve por não gostar de
praia), depois de invadir propriedade privada, não aceitava arrumar a casa dos sete matulões, porque não é criada de ninguém, fazer saber (aos gritos) aos «Sete Indivíduos não Binários de Estatura mais baixa que o normal» que não pactua ser micro agredida e oprimida! Como alternativa, não aceita trabalhar na mina porque não aceita ordens de machistas
brancos heterossexuais, sobre o que fazer com a sua carreira e que, ainda por cima, esse trabalho estraga as unhas e deixa o cabelo espigado. E até no momento em que o príncipe todo fit decide beijá-la, terá de ser alterada porque não é normal um estranho chegar assim de repente e beijar nos lábios uma senhora «morta»; isso tem um nome e já alguns foram presos por esse motivo. Imaginem, a Branca de Neve acordar aos gritos a dizer que estava a ser violada? No fim, a Branca de Neve num site manhoso da net compra um daqueles massajadores faciais (devido às rugas) vive solteira e feliz para sempre, porque não precisava de um homem e nem sonha em ser mãe.
Já agora também fazia alterações no Capuchinho Vermelho. Tenho imensas reservas quanto a esta história de miséria infantil e pedofilia. A começar pelo comportamento perfeitamente inconsciente da mãe que envia a criancinha para o desconhecido, expondo-a desnecessariamente à luxúria rebarbada de um lobo que, pelos vistos, tresandava a pedófilo como gente grande. Diz a história que o lobo
interpelou a criancinha a meio caminho. Porque diabo o lobo não despachou logo ali a jovem de vermelho? Mas onde a história descamba completamente é quando o Capuchinho Vermelho chega à casa da avozinha e não se apercebe de imediato que aquele ser deitado, não é a sua avozinha, mas sim o lobo travestido. Das duas uma: ou a velha não fazia a depilação há muito tempo ou o Capuchinho Vermelho era um verdadeiro calhau com olhos com algumas 42 dioptrias (no mínimo). Eu, por mim, aposto na segunda hipótese, a julgar pelas perguntas inconsequentes que a petiz faz à sua pouco provável avó. O verdadeiro desfecho devia, por isso, ser bastante diferente. Para tornar a coisa mais atual e de acordo com o que vemos nas redes sociais e não só… Na realidade o lobo não comia ninguém no sentido gastronómico do termo. A avozinha e a Capuchinho Vermelho tornavam-se escravas sexuais do animal (de nome: Cristiano Cinzento). E numa sessão mais violenta, que envolvia chicotes e coisas assim, besuntadas em mel, a gritaria seria tanta que atraía uma equipa de vigorosos lenhadores. A vida da avozinha e da Capuchinho Vermelho nunca mais seria a mesma a partir de então e viveriam felizes na famosa cabana da lanterna vermelha nos confins do bosque.
Por último, o conto infantil que melhor retrata a história da humanidade, a História dos Três Porquinhos. Esta história vai ter de obrigatoriamente e simbolicamente dividir os personagens da seguinte forma:
- Cícero (o porco preguiçoso), gosta pouco de trabalhar e prefere esticar a
mão ao fim do mês e receber os subsídios do Estado;
- Heitor (o porco trabalhador), que trabalha que se farta, nunca tem o seu esforço recompensado e que no final de cada mês vê o seu dinheirinho escoar-se na atual inflação, aumento dos combustíveis e impostos para pagar a inércia dos Cíceros deste mundo;
- Práctico (o porco construtor civil) que lá se vai safando com algum custo deixando todas as obras a meio;
- E finalmente temos o Lobo Mau, predador insistente e sem escrúpulos que trabalha afincadamente para o Estado e que acaba inevitavelmente por lixar os Cíceros e Heitores desta vida.
Vamos esperar pela nova versão da Disney. Apesar das personagens consideradas «boazinhas» serem uma vara de porcos, o que não abona muito a favor de todos nós, continuaremos em todas as circunstâncias a ser «comidos».
Afinal, quais são exatamente, os preconceitos horríveis do filme animado? Aliás, em poucos outros filmes está a natureza humana tão diversificadamente representada: os Sete Anões, que representam trabalho, disciplina, bondade, aceitação, alegria, humor e acima de tudo, humanidade. Se Walt Disney soubesse, nos anos 30, o que a sociedade faria às suas personagens, vocês acham que ele teria alguma razão para fazer o «Steamboat Willy»? .
Fadas do Lar Lina Messias (Especialista em Feng
xpressão sem tradução literal em outra língua, e associada unicamente ao universo feminino, traduzia o ideal da mulher boa dona de casa, que na visão do Estado novo de Salazar, “tinha sempre muito que fazer em casa”. Fada do Lar foi também o nome de uma revista onde se encontravam sugestões e orientações para se SER a melhor dona de casa possível.
Como qualquer Fada que se preze, estas mulheres operavam verdadeira «magia» dentro das suas casas: não havia artes manuais que não dominassem na perfeição, onde se incluíam as rendas, bordados e costura; não havia receita de culinária que não experimentassem com sucesso, mesmo aquelas que demoravam três horas na preparação e que exigiam conhecimentos de culinária que, nos dias de hoje, só um chef que ganha mais de quatro dígitos de salário tem; sabiam todas as dicas e truques de limpeza com os poucos recursos que havia (ninguém sabia ainda o que era «Mistolin») para que a casa estivesse sempre «um brinco».
As Fadas do Lar não tinham lençóis de cama, panos de cozinha e atoalhados amarelados porque sabiam como «branquear roupa». Os maridos das Fadas do Lar não tinham um único vinco nas suas calças de fato e os colarinhos das suas camisas estavam sempre impecáveis
Shui)
devido à habilidosa aplicação de goma nos mesmos.
Nas casas das Fadas do Lar, as camas estavam sempre impecavelmente feitas, ostentando as mais lindas colchas de crochet feitas por elas. “Esta demorei quase um ano a fazer”, diz uma Fada do Lar cheia de orgulho, a outra Fada do Lar! Nas casas das Fadas do Lar não há almofadas fora do sítio, e se o Zézinho as tira 100 vezes do sítio, a Fada do Lar coloca-as 100 vezes no sítio (com a paciência que só uma Fada do Lar tem). Nas casas das Fadas do Lar cheira sempre bem, ou porque as acabaram de limpar ou porque algum bolo, biscoitos, empadas ou assado acabou de sair do forno.
O tempo de ócio das Fadas do Lar é mínimo e, muitas vezes passado com outras Fadas do Lar a beber um chá a meio da tarde (não pode ser muito tarde porque os maridos chegam às 18h30 em ponto) onde se partilham receitas e conquistas domésticas. As Fadas do Lar não partilham tristezas porque isso era dar a «parte fraca», e ninguém tem que saber que o meu marido é um bruto de primeira…
Quando o marido da Fada do Lar chega a casa, como que por «magia», a mesa está posta com o jantar a fumegar, a Fada do Lar está impecavelmente pronta com o seu lindo avental de flores por cima do
vestido de seda para o proteger de nódoas, não tem um único cabelo fora do sítio porque as Fadas do Lar nunca estão «descabeladas» e têm um lindo sorriso nos lábios com batom vermelho (ufa ainda tive tempo para pôr batom) para receber o seu esposo que se fartou de trabalhar o dia todo (coitado) para trazer sustento para a casa!
O Universo das Fadas pertence ao nosso imaginário e quero acreditar que se ainda existem algumas Fadas do Lar por aí, que seja porque o escolheram. Que NÓS, Mulheres tenhamos a liberdade de escolher, SEMPRE, a forma como queremos trazer MAGIA ao Mundo, sem imposições e obrigações! .
Perco-me, logo existo Dora Nunes Gago (Professora)
ontenho dentro de mim uma bússola avariada (ou um GPS defeituoso, para ser mais actual), algo que aprendi a assumir sem vergonha. Na verdade, co-habito há meio século com esse sentido de desorientação e espero que continuemos juntos por muitos e bons anos. Aliás, até já mencionei numa crónica passada em Londres, como contraponto ao «penso, logo existo» de Descartes, o meu «percome, logo existo». Com esta premissa, sinto que sou um desafio aos terraplanistas – visto que, com tanta volta que já dei pelo mundo e tantas vezes já me perdi, caso a Terra não fosse redonda, jamais teria conseguido regressar ao ponto de partida. Contudo, o mais curioso é com o avançar dos anos, ter descoberto algumas almas gémeas, tão munidas de desorientação como eu, embora muito raramente o assumam. Soube, por exemplo, que no outro dia de manhã cedo, em Aljustrel, uma senhora parou o carro para perguntar a um transeunte se faltaria muito para chegar a Portalegre, vinha de Lisboa… Há ainda o caso de uma amiga minha que, numa cidade desconhecida, enquanto o marido dava voltas a uma rotunda para perceber o sentido a tomar, ela, à terceira volta, exclama: “Olha, acho que começo a conhecer isto, já por aqui passámos!”.
A falta de sentido de orientação desencadeia situações embaraçosas – não se conseguir encontrar o carro depois de um jantar, porque se estacionou numa zona desconhecida, longe do restaurante, confundir, em Évora, as Portas de Moura com a Praça do Giraldo, entre tantas outras. No entanto, no estrangeiro, as consequências podem ser mais complexas. No meu caso, quando vivi no Uruguai, era um gosto andar perdida pelas ruas de Montevideu, pois cada um dos transeuntes parecia ter esculpido no cérebro as ruas da cidade. Para além da simpatia, da conversa sempre interessante – foi o único lugar do mundo onde encontrei um taxista a declamar de cor poemas de Baudelaire – as indicações eram precisas, fáceis de entender, de seguir, mesmo para quem precise de pensar um bocadinho onde fica a esquerda e a direita (sim, à desorientação somam-se alguns problemas de lateralidade, pois afinal, como sabemos, um mal nunca vem só). Do mesmo modo, outros lugares houve onde a minha cara de ponto de interrogação atraiu apoio imediato de alguém que passava, como sucedeu nos Estados Unidos, em Taiwan, na Tailândia. Em contrapartida, em Macau e na China foi verdadeiramente árduo ser desorientada. Para já, somos invisíveis, ninguém olha para nós, não se olha para os outros. Mesmo que se tenha uma faca espetada nas costas, ou uma sirene de luz implantada na cabeça, a guinchar, a girar,
a indiferença é total. Isto faz com que, ao sair-se daquelas terras, se estranhe muito o facto de alguém olhar para nós, a ponto de ficarmos a pensar que temos algum problema, se teremos vestido a roupa do avesso ou sabe-se lá que mais. Mas,
regressando ao assunto anterior, a verdade é que qualquer pedido de informação em Macau desencadeava um gesto algo agressivo de recusa ou um encolher de ombros, na maioria das vezes. Contudo, houve uma situação diferente,
de curiosa gentileza. Isso sucedeu no centro de Macau, na parte antiga, mais genuína, onde vivia uma amiga minha que, de vez em quando, me convidava para jantar em casa dela, situada na Rua das Verdades. Acontece que antes da Rua das Verdades, havia o Beco e a Travessa das Verdades (uma verdadeira overdose de verdade), cujos prédios eram iguaizinhos. Na primeira vez, enganei-me e fui para o prédio com o número correspondente na Travessa. O porteiro, já velhote, muito simpático, alegre com o meu cantonês macarrónico, abriu-me a porta. Mais tarde, na próxima vez em que voltei, ao ver-me ao longe, abriu a porta e lá fui eu a subir as escadas até ao terceiro andar errado, para depois as voltar a descer. O curioso é que o porteiro se habituou à kwailo, à estrangeira esquisita que lá ia subir e descer escadas e eu, inexplicavelmente, movida pela simpatia dele, já o achava tão familiar que me esquecia de que pertencia ao prédio errado. Isto diz algo sobre a repetição mecânicas, impensada dos nossos gestos, a insistência em velhos paradigmas enraizados em nós, que custam a mudar, uma espécie de pele já gasta que recusamos arrancar.
Com efeito, por mais que me esforce sou incapaz de saber para que lado fica o Norte. Sei teoricamente todos os pontos cardeais, que o sol nasce a Este e se põe a Oeste, mas colocar isso em prática é uma total impossibilidade. Contudo, reconheço, entre todas as desventuras daí provenientes, uma grande vantagem: conhecer muito mais mundo do que as pessoas normais, orientadas, a seguirem sempre os seus trajectos certos, seguros. Assim, um percurso que demora 15 minutos a fazer, prolonga-se para 40, mas
povoado de uma riqueza vivencial única: tropeça-se em bairros, ruas inimagináveis, acampamentos, becos, todo um mundo invisível aos olhos dos seres humanos equipados com a capacidade da orientação. Para além disso, há sempre uma atitude de espanto iniciático, pois mesmo quando se faz o mesmo caminho várias vezes, acontece o milagre de árvores ou ruas se afastarem, curvas mudarem de sentido, uma multidão de seres inanimados, estáticos, investidos de vida, só mesmo para nos confundirem. Ah, e a tendência para pontos de referências móveis? O pastor alemão deitado, que, certo dia resolve dormir noutro sítio? Ou o senhor de amarelo que desaparece? Ainda me lembro de, por volta dos sete anos, admirar o facto de os meus pais irem a Faro (a maior cidade que eu conhecia na altura), estacionarem o carro e depois serem capazes de o encontrar. Hoje, aos cinquenta, ainda sinto a mesma surpresa.
Em suma, há um universo de experiências às quais apenas os desorientados acedem: a tranquilidade de avançar sem se saber para onde, dar quatro voltas a uma rotunda até almariar, para depois, no embalo do enjoo, decidir o rumo. E, sobretudo, acredito na existência de uma neblina poética a ocultar, a desvendar os seus percursos num jogo de chiaroscuro, impregnado pelo olhar iniciático do eterno espanto, um pouco na senda de Alberto Caeiro. Sim, perdemonos, logo existimos, encontrando-nos nos desencontros, a calcorrearmos os mais insólitos, pedregosos, surpreendentes caminhos da vida .
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A ALGARVE INFORMATIVO rege-se pelo princípio da objetividade e da independência no que diz respeito aos seus conteúdos noticiosos em todos os suportes. As suas notícias narram, relacionam e analisam os factos, para cujo apuramento serão ouvidas as diversas partes envolvidas.
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