REVISTA ALGARVE INFORMATIVO #366

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«CAIM OU A DIVINA CEGUEIRA» E «O GATO MALHADO E A ANDORINHA SINHÁ» NO TEATRO LETHES FESTIVAL DA BATATA-DOCE DE ALJEZUR | TEATRO COMUNITÁRIO NAS RUÍNAS ROMANAS DE MILREU «FUSION FIGHT LEAGUE» EM LAGOS | SÃO BRÁS DE ALPORTEL ENTREGOU PRÉMIOS JUVENTUDE ALGARVE INFORMATIVO 3 de dezembro, 2022 #366

ÍNDICE

Festival da Batata-Doce de Aljezur (pág. 28)

Prémios Juventude em São Brás de Alportel (pág. 40)

MMA em Lagos (pág. 52)

«Caim ou a Divina Cegueira» no Teatro Lethes (pág. 66)

«Monólogos da Vacina» no Auditório Municipal de Olhão (pág. 84)

«O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá» no Teatro Lethes (pág. 100)

Teatro Comunitário nas Ruínas Romanas de Milreu (pág. 112)

OPINIÃO

Paulo Cunha (pág. 134)

Ana Isabel Soares (pág. 136)

Adília César (pág. 138)

João Ministro (pág. 140)

Dora Nunes Gago (pág. 142)

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Aljezur muito animado com mais um Festival da Batata-Doce

Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina

concelho de Aljezur voltou a ser palco, de 25 a 27 de novembro, do Festival da Batata-Doce, um evento promovido pelo Município de Aljezur e pela Associação dos Produtores de BatataDoce de Aljezur que é uma justa homenagem a um produto de caraterísticas únicas com indicação geográfica protegida «variedade Lyra»,

justificada pelas condições edafoclimáticas conjugadas com o saber e trabalho árduo de todos os produtores, homens e mulheres que constituem a Associação dos Produtores de Batata Doce de Aljezur. O certame, com muita animação, gastronomia e mais de 90 expositores, pretende igualmente honrar todos os que se dedicam a esta atividade agrícola, bem como ao sector agroalimentar a ela ligado, como forma de incentivo e reconhecimento do seu trabalho e sustentabilidade do território.

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As atividades decorreram no Espaço Multiusos de Aljezur, onde foi possível encontrar tasquinhas e espaços de promoção da gastronomia, com receitas típicas e novas propostas culinárias, sempre com a batata-doce de Aljezur como ator principal deste espetáculo da gastronomia local. As Doceiras de Aljezur trouxeram até ao festival as requintadas tentações da doçaria local, com bolos, pastéis, tortas e outras formas de saciar os apetites dos mais gulosos. A animação musical foi constante, com atuações que

se prolongaram pela noite dentro com artistas de renome do panorama nacional. O evento contou ainda com um espaço de cozinha onde foram confecionados pratos tendo a batatadoce de Aljezur como ingrediente obrigatório, conjugado com outros produtos locais de excelência, podendo o visitante degustar algumas dessas iguarias.

O 24.º Festival da Batata-Doce de Aljezur, “um certame confirmado e reafirmado no panorama

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nacional”, conforme descreveu o edil José Gonçalves, mostrou-se mais ambicioso, alargando a sua oferta expositiva e de animação musical, “depois de um período de pandemia que nos obrigou a alterar as nossas vidas” “Os municípios do Algarve assinaram recentemente um compromisso no âmbito do projeto de Sistemas Alimentares Sustentáveis e alguns produtos da região vão fazer parte das ementas das cantinas escolares do Algarve, entre os quais a nossa batata-doce. O país resistiu à pandemia, mas enfrentamos agora com grande apreensão outro problema, a guerra na Europa, com os seus efeitos na subida do custo de vida,

o que coloca mais uma vez as autarquias na primeira linha no apoio às pessoas, às famílias e às empresas”, frisou o presidente da Câmara Municipal de Aljezur.

Apesar das dificuldades sobejamente conhecidas, os concelhos de baixa densidade têm conseguido resistir, até porque têm conhecido uma procura crescente pelos seus territórios, seja para gozar férias ou para viver, mas José Gonçalves reivindica “uma maior atenção e solidariedade da parte do Estado Central nos investimentos necessários e há muito esperados” “Decorre neste momento no concelho uma obra da «Águas do Algarve» de grande importância, que tem a ver com o

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tratamento dos esgotos do Rogil e do Carrascalinho, mas esperamos muito mais, como um novo quartel da GNR e da Unidade de Controlo Costeiro, e a possibilidade de termos ensino secundário em Aljezur”, declarou o autarca, não esquecendo as creches para os mais novos e mais soluções para os seniores. “Uma das maiores preocupações que temos prende-se com a melhoria dos cuidados de saúde primários.Temos feito tudo o que está ao nosso alcance, mas é fundamental que determinados investimentos e verbas sejam garantidos pelo governo para os concelhos de baixa densidade, porque a nossa capacidade de resposta em termos técnicos e de

pessoal é sempre uma desvantagem”, salientou José Gonçalves.

Presente na inauguração, José Apolinário, presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve, realçou a importância de as autarquias dinamizarem, em conjunto com as diferentes entidades e coletividades do setor, os produtos endógenos “e a batata-doce é um superalimento da nossa Dieta Mediterrânica”. E, sendo a CCDR Algarve uma entidade da administração desconcentrada do Estado que tem como responsabilidade fazer a articulação e coordenação entre os serviços do governo central e do poder local, José Apolinário elogiou o papel das autarquias na dinamização da coesão territorial e social e dos seus valores

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endógenos. “No que toca à mobilização de fundos europeus e à implementação de políticas regionais, estamos empenhados em dinamizar uma iniciativa territorial integrada que abrange toda a parte do barrocal e do interior do Algarve e a parte sul da região do Alentejo sobre a água e a paisagem, valorizando as iniciativas de reforço do cordão verde, e naturalmente que contamos com todo o potencial do

concelho de Aljezur. É preciso gritar para defender as pessoas que elegem os autarcas e para reivindicar investimentos que contribuam para a melhoria da qualidade de vida das comunidades, no ensino, na saúde, na conetividade digital, e o presidente José Gonçalves tem sido um excelente representante desta população”, culminou o responsável da CCDR Algarve .

São Brás de Alportel premiou os seus jovens de mérito

Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina e Município de São Brás rês dezenas de jovens são-brasenses extraordinários e exemplares, nas mais diversas áreas de atividade, foram nomeados pela comunidade em mais uma edição dos Prémios Juventude, cuja gala final encheu por completo, no dia 19 de novembro, o Cineteatro São Brás. Realizado a cada dois anos, o evento voltou a dar a conhecer melhor os valores de futuro do concelho de São Brás de Alportel.

Mariana Santos venceu na categoria Artes, onde também estavam nomeadas Catarina Ramos e Melissa Carneiro. Adriana Urbano arrebatou o prémio na categoria Fotografia e Multimédia, que também contava com Flávio Costa e James Carrusca como nomeados. Já Beatriz Mendonza recebeu o prémio Carreira, partilhando as nomeações com Diogo Duarte e Gabriel Martins. O prémio Cidadania foi entregue a Joana Jesus, que estava nomeada a par de Liliana Mendes e Tiago Nascimento.

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Na área da Ciência e Investigação, a votação dos são-brasenses recaiu sobre Inês Afonso, que partilhou o palco com João Pinheiro e Ricardo Reis. Para o prémio Desporto estavam nomeados Bernardo Santos, David Santos e Bárbara Brito, esta última a vencedora da categoria. Na área do Empreendedorismo, o prémio foi entregue a Inês Mendonça, que assim superou Nuno Clara Microvegetais e UmArroba. Mariana Nunes foi a escolhida para o prémio Letras, onde também foram a votos Mara Palma e João Silva. Laura Pereira recebeu o prémio da categoria Música, tendo disputado votos

com os Art Musa e João Cavaco. As jovens Carlota Conceição e Milene Gonçalves conquistaram o prémio Solidariedade, que também era disputado por Miguel Martins.

A par das nomeações da comunidade nas diversas categorias, o Município de São Brás de Alportel entregou ainda o «Prémio Juventude Município» a um conjunto de jovens e grupos de jovens, nomeadamente: Equipa de Futsal da Casa do Benfica de São Brás de Alportel, Equipa de Futsal do Grupo Desportivo e Cultural de Machados, as equipas de Futebol Júnior e Sénior da União Desportiva e Recreativa Sambrasense, o

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Grupo de Teatro TEAS 13, Indalécio Sousa, José Eduardo Coelho, Miguel Vaz, Mónica Filipa Soares, os jovens bombeiros voluntários de São Brás de Alportel e os jovens autores que participaram no projeto «Sons de São Brás». Na Gala dos Prémios Juventude 2022 de São Brás de Alportel foram ainda entregues prémios a João Ferreira, melhor aluno finalista do ano letivo

2020/2021, e a Bernardo Faria, melhor aluno finalista do ano letivo 2021/2022.

Os Prémios Juventude nasceram em 2004 e desde então distinguem os jovens são-brasenses que, pelo talento, empenho e dedicação, se têm distinguido de forma extraordinária, exemplar e inspiradora, constituindo um bom exemplo para as gerações mais novas .

MMA deu show em Lagos

Texto: João Pelica| Fotografia: Afonso Pelica e João Pelica ealizou-se, no dia 19 de novembro, mais um evento de desportos de combate de MMA (Artes Marciais Mistas) no Algarve, o Fusion Fight League, desta feita no Pavilhão Municipal de Lagos.

A iniciar a noite registaram-se três combates preliminares em regras de submissão. Seguiram-se 9 combates amadores e 7 combates profissionais, com alguns dos melhores atletas deste desporto em Portugal e de Espanha. Participaram os clubes de MMA de Albufeira, Portimão e Lagos, para além das principais equipas portuguesas e três equipas de Espanha, fator que aumentou

a competitividade e a incerteza do resultado dos combates e que prendeu o interesse do público até ao fim, num pavilhão quase cheio.

Para a história ficam 16 combates, com os combates profissionais maioritariamente decididos antes do tempo por KO e submissão, sendo todos, e no geral, de um nível muito elevado. O evento foi organizado pelos promotores Erasto Sergio, da Albufeira Fight Team, de Albufeira, e Ricardo Sousa, da Equipa Fusion Studio, de Lagos. A prova foi acreditada pela FPLA – Federação Portuguesa de Lutas Amadoras, que regula o desporto de MMA em Portugal, e representa Portugal na International Mixed Martial Arts Federation (IMMAF).

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TEATRO ESTÚDIO FONTENOVA LEVOU A CENA «CAIM CEGUEIRA» NO TEATRO

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Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina

FONTENOVA «CAIM OU A DIVINA TEATRO LETHES

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m Caim, Saramago narra com ironia e sarcasmo uma versão crítica dos episódios do Antigo Testamento. Caim, o primeiro dos assassinos, deriva solitário pelo tempo e pelos povos, questionando o dogma religioso que tudo justifica, e confrontando diretamente o Deus bíblico ancestral, negligente e impiedoso. Em ambos se assomam as imperfeições da natureza humana.

Foi esta a história que o Teatro Estúdio Fontenova levou a cena, no dia 26 de novembro, no Teatro Lethes, em Faro, numa estreia em Portugal. “Sujeitámo-nos a horas de debate sobre o livro, o autor, a política, a religião e a fé. Seguiram-se ponderações inadiáveis sobre o cartaz, a sinopse, o cenário, os figurinos, a música e a interpretação. Porque é Caim uma obra tão revolucionária

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hoje? O que podemos nós acrescentar às palavras de Saramago? Como pode o humor ser a coisa mais séria do mundo? Tal como Deus e Caim, a única coisa que sabemos é que continuamos a discutir, e que a discutir estaremos ainda, até ao fim dos tempos. Hoje, pensar é um ato revolucionário. Pensemos”, refere o encenador José Maria Dias.

«Caim ou a Divina Cegueira» tem texto inspirado na obra «Caim» de José Saramago, com dramaturgia de Armando Nascimento Rosa e José Maria Dias e encenação de José Maria Dias. Tem cocriação e interpretação de Clara Passarinho, Fábio Vaz, Graziela Dias, João Mota, Patrícia Paixão, Sara Túbio Costa, Tiago Bôto e Wagner Borges .

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AUDITÓRIO MUNICIPAL DE OLHÃO COMPLETAMENTE CHEIO EM TRÊS SESSÕES DE «MONÓLOGOS DA VACINA» Texto: Daniel Pina Fotografia: Daniel Pina

rês sessões esgotadas, nos dias 25 e 26 de novembro, no Auditório Municipal de Olhão, foi o resultado da vinda de «Monólogos da Vacina» de João Baião à cidade cubista. O ator e apresentador é sinónimo de alegria, energia e boa disposição e tudo isso se reflete num grandioso espetáculo à boa moda do teatro de revista, repleto de cor, música e movimento.

O espetáculo é um monólogo, a cargo

da «empregada» de João Baião e Diana Chaves, que rapidamente se transforma numa eletrizante sequência de diálogos, coreografias, canções e cenas recheadas de humor abordando temas atuais, tudo envolvido numa cenografia contemporânea. «Monólogos da Vacina» é, sem dúvida, uma verdadeira explosão de luz, vídeo e dança, com um elenco de bailarinos e atores queridos do grande público e que fez as delícias das centenas de olhanenses no último fim-de-semana de novembro .

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«O GATO MALHADO E A ANDORINHA SINHÁ» ESGOTOU TEATRO LETHES

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Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina

Teatro Lethes, em Faro, encheu por completo, no dia 24 de novembro, para assistir a «O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá», uma criação do Teatro do Noroeste concebida a partir do texto com o mesmo nome de Jorge Amado. “Engana-se quem pensa que uma andorinha não se pode apaixonar por um gato. Esta é a história que a Manhã ouviu doVento e contou aoTempo. Uma História de amor. Uma reflexão

sobre um mundo de preconceitos, desigualdades, injustiças, incompreensão e pouco amor ou, pelo menos, ainda não o suficiente. Um mundo, enfim, que não presta”, descreve o encenador Tiago Fernandes.

Inspirado na obra de Jorge Amado, a peça tem cocriação e interpretação de Ana Perfeito, Alexandre Calçada e Elisabete Pinto e foi vivenciada por uma plateia repleta de crianças e adolescentes de Faro e Olhão .

GRUPOS DE TEATRO COMUNITÁRIO DE FARO E QUARTEIRA APRESENTARAM NOVOS TRABALHOS NAS RUÍNAS ROMANAS DE MILREU

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Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina
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s grupos de teatro comunitário «Teatro de Vizinhes de Faro» e «Quarteira Fora da Caixa» subiram ao palco, nos dias 19 e 20 de novembro, nas Ruínas Romanas de Milreu, em Estoi, em duas apresentações integradas no programa DiVaM da Direção Regional de Cultural do Algarve. Os

grupos, coordenados pelo JAT – Janela Aberta Teatro, deram a conhecer as suas novas criações, fruto das ideias, dinâmicas e jogos teatrais desenvolvidos nos ensaios/encontros semanais e sintetizados artisticamente por Miguel Martins Pessoa e Diana Bernedo.

O Grupo Teatro de Vizinhes de Faro leva a cena «Ouvi dizer», que centra a

sua história num mundo aparentemente longínquo, mas não demasiado, no dia em que a água acabou. Uma sátira que leva ao banco dos réus «alguns» dos responsáveis. Já o Grupo Quarteira Fora da Caixa apresentou «Aluga-se», que conta a história de uma comunidade que aluga as suas casas a turistas e fica sem lugar para onde ir, numa peça crítica e distópica sobre os alugueres no Algarve. “São dois temas fraturantes e preocupações dos vizinhes algarvios que, sem fronteiras, procuram promover a reflexão e diálogo, através do teatro. A voz do coletivo é também dinâmica central do teatro comunitário e é assim exaltada através do canto, que, no caso do grupo de Faro, conta com a coordenação musical/vocal de Ilda

Nogueira Martins”, indicam Diana Bernedo e Miguel Martins Pessoa.

Celebrou-se, assim, a comunidade apoiada na ideia de arte e transformação social, com mais de 60 vizinhos-atores e vizinhas-atrizes a atuarem num lugar de memórias de uma outrora Villa romana, onde viveram várias comunidades que deixaram marcas dos seus hábitos, rituais e ofícios, agora legado para conhecimento e interpretação da nossa história. O projeto «Vizinhes sem fronteiras» conta com o apoio do Programa DiVaM – Dinamização e Valorização dos Monumentos, da Direção Regional de Cultura do Algarve, da Junta de Freguesia de Quarteira, da Câmara Municipal de Loulé e do Município de Faro .

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A arte da guerra? Paulo

Cunha (Professor)

ensa-se que Sun Tzu tenha sido um general, estratega e filósofo do Período dos Reinos Combatentes do Império Chinês, em meados do século V a.C. É-lhe atribuída a autoria da obra «A Arte da Guerra», apesar de hoje essa possibilidade ser discutida, tal como a existência do próprio. Sendo uma obra de características e conteúdos militares, a «Arte da Guerra» é hoje usada para os mais diversos fins: da estratégia militar à gestão de empresas ou à capacidade de liderança e de chefia. De leitura obrigatória para muitas gerações de militares, a obra tornou-se um clássico no mundo empresarial, fornecendo aos gestores inspiração para responderem aos desafios com que se veem confrontados num mundo cada vez mais globalizado.

Segundo a obra, existem cinco fatores que permitem que se preveja qual dos oponentes sairá vencedor: aquele que sabe quando deve ou não lutar; aquele que sabe como adotar a estratégia militar apropriada de acordo com a superioridade ou inferioridade das suas forças frente ao inimigo; aquele que sabe como manter os seus superiores e subordinados unidos de acordo com as suas propostas; aquele que está bem

preparado e enfrenta um inimigo desprevenido; aquele que é um general sábio e capaz, em cujas decisões o soberano não interfere.

Por nunca ter deixado de existir, mas sim metamorfosear-se, a guerra nunca deixou de estar na ordem do dia. Então, é caso para nos questionarmos se, sendo a guerra uma ação/reação intrinsecamente humana, constituirá a mesma uma arte, apenas por nos ensinar a evitar o conflito, fenómeno social comum a tantas outras espécies?

Não havendo uma única definição para o que é a arte, é difícil definir um significado absoluto para uma atividade que reúne uma produção tão vasta e diversificada ao longo do tempo. Sendo a arte associada à comunicação humana e, maioritariamente, à expressão de emoções, dúvidas e anseios, tanto existenciais, sociais ou puramente estéticos, é-me difícil associá-la à guerra. Sei que «A Arte da Guerra» é apenas um título, mas, ainda assim, causa-me algum incómodo ver a destruição associada à arte.

Apesar da arte ser realizada nos mais variados meios, linguagens e técnicas, os artistas geralmente compartilham o desejo de transmitir sentimentos e emoções através da criação e da construção: “A arte é essencialmente a

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afirmação, a bênção e a divinização da existência”, Nietzsche; “Arte é a disposição humana de matéria sensível ou inteligível para um fim estético”, James Joyce; “A arte é a assinatura das civilizações”, Jean Sibelius; “O propósito da arte é tirar a poeira da vida diária das nossas almas”, Picasso; “A arte é a descoberta e o desenvolvimento de princípios elementares da natureza em belas formas adequadas ao uso humano”, Frank Lloyd Wright.

Num tempo em que a guerra se aproxima mais do «nosso» ocidente e nos faz recordar outros tempos, não muito distantes, em que vários países se uniram no propósito de se defenderem contra a irracionalidade de guerras provocadas em nome de conquistas territoriais, políticas e ideológicas, assaltam-nos pensamentos em que damos conta da nossa pequenez, fragilidade e dependência. Todos sabemos, mas teimamos em esquecer, que não há guerras boas nem más e, mais

importante do que isso, numa guerra não há vencedores nem vencidos, pois muitos terão de perder para alguém, pretensamente, assumir-se como vencedor.

Se há algo que aprendi e intuí enquanto fui instruendo e instrutor de artilharia ligeira é que as armas só ferem e matam se forem manipuladas. O poder sempre esteve e estará na mão de quem tem o poderio de mandar destruir. A autoridade, a repressão e o medo são os agentes catalisadores que alimentam as guerras que proliferam pelo mundo, tendo como denominador comum os interesses pessoais daqueles que, em nome da história, do território, da etnia, da raça e de outros motivos mandam matar os filhos, pais, irmãos e maridos do seu e dos outros povos. Por isso, já me cansa ver tantos especialistas duma pseudo-arte a explicar e a comentar nos vários canais de tv as estratégias de quem, à nossa revelia e à custa da nossa ignorância, usa a guerra para proveito seu e dos seus.

Militares e/ou civis, somos meros peões transformados, em menos de nada, em carne para canhão. Porque, por mais que alguns doutos peritos militares o defendam, a guerra como a conhecemos não tem lógica, ética, moral nem utilidade! Arte? Muito menos .

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Sexagésima sétima tabuinha - Outono

Ana Isabel Soares (Professora)

o começo de novembro, logo na semana que o abriu, a minha mana Gabriela Soares, a minha querida Ana Marta Farrajota e eu fomos, muito contentes, dizer versos à Biblioteca Municipal de Loulé. Vou sempre muito alegre àquela biblioteca: foi por ela que comecei a ler fora de casa (era ainda noutro lugar da agora cidade), foi também ali que me fui formando; hoje é dirigida pela Rita Moreira, alguém cujo percurso pude acompanhar (por ser da criação da Gabriela e do nosso irmão João Gabriel). Fomos, pois, muito contentes –e alegrou-nos ter tido na assistência olhos e ouvidos muito doces e amigos, gerações diferentes, o mesmo brilho. Na escolha dos poemas, consegui fazer o que

tantas vezes tenho de adiar: abrir e gozar um livro que comprara algumas semanas antes e que ainda não encontrara tempo para perscrutar. Saiu em agosto deste ano, Verão pleno, mas chama-se O Outono de Oitocentos (edição da Flop). Nele, Margarida Vale de Gato coligiu e traduziu para cima de cento e vinte poemas, todos do século XIX (mas de todo o século!), sobretudo de autores anglófonos, mas igualmente de escritores alemães, franceses, belgas, ou holandeses, que teceram as mais bonitas linhas em torno da ideia do Outono. Desde logo, sobre o Outono literal, entendido como a estação do ano que, na maior parte dos meses derradeiros do ano (no hemisfério Norte) faz transitar a abertura do calor para o friozinho invernal; e, para além disso, lido metaforicamente, ou figuradamente, como tempo de passagem para um capítulo mais inóspito da vida, momento de término, ponto de chegada.

Qualquer dos versos dos poetas Românticos sobressai na oscilação entre estas duas leituras, a do sentido figurativo e a do

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sentido literal. Na sessão da biblioteca de Loulé, misturámos uns quantos poemas escolhidos da antologia com outros tantos de autores portugueses (Saramago, que abriu a leitura; o óbvio Pessoa; mas igualmente Torga e Eugénio de Andrada). O gozo era o da palavra, sincronizada com o tempo que vivíamos (que vivemos). A tentativa foi a de fazer com a ideia outonal, decadente, da estação, não predominasse – e sobreviesse antes a ligeireza da aceitação da passagem, da sua alegria. As versões de Margarida Vale de Gato (ela própria poeta, ela muito e muito antiga conhecedora de versos de todos os tempos, de todas as línguas), dos poemas não portugueses que elegemos, ajudaram a criar o ambiente. Penso em dois deles, os que mais me cativaram: um divertido (e mordaz, e até cruel) «O ouriço cacheiro», do «poeta camponês» John Clare (1793-1864), que suscitou em mim uma vontade feroz de o ler melhor; e «Ao Outono», um louvor do romântico inglês John Keats (1795-1821) à estação tão menos cantada do que a da Primavera (“Que é feito da cantante Primavera? Ora, / Deixa, tu também tens as tuas melodias”). No primeiro, o simpático animalzinho dos contos infantis protagoniza cenas gore em que tanto é vítima como carrasco e nada tem a ver com o focinhito doce e atarefado de

Mrs. Tiggy-Winkle, que Beatrix Potter viria a popularizar no século seguinte. No segundo destes dois poemas, depois de duas estrofes em que sobretudo se cantam plantas e frutos (a recolha da estação, afinal), além de nuvens, brisas e névoa, a última é dominada por vários animais: melgas, ovelhas, grilos, pintarroxos e andorinhas que se juntam em bandos («gathering swallows»), «amontoadas» no céu, como as retratou a tradutora, que dá a quem lê a alegria de um verbo desusado para o cantar dos pássaros: «trinfar» – eis o último verso: “E trinfam andorinhas no céu amontoadas”. Por uma sorte imensa, alojo temporariamente um volumezinho (querido empréstimo da Tânia Veríssimo Figueiredo) precioso, o Pequeno Dicionário Luso-Brasileiro de Vozes de Animais (Onomatopeias e Definições) – 1º Suplemento. Lá está, na página 16, o «trinfo» que declina em língua portuguesa o tão agastado «Twitter» da andorinha inglesa .

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Foto: Vasco Célio

«Todas as cartas de amor são ridículas» –Carta de Ophelia a Fernando Pessoa Adília

César (Escritora)

«Todas as cartas de amor são ridiculas. Não seriam cartas de amor se não fossem ridiculas. Também escrevi em meu tempo cartas de amor, como as outras, ridiculas. As cartas de amor, se ha amor, têm de ser ridiculas. Mas, afinal, só as creaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são ridiculas. Quem me dera no tempo em que escrevia sem dar por isso cartas de amor ridiculas. A verdade é que hoje as minhas memórias d’essas cartas de amor é que são ridículas. (Todas as palavras esdruxulas, como os sentimentos esdruxulos, são naturalmente ridiculas)».

Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa, 21/10/1935

mo-te e quero escrever-te uma carta de amor. Mas porque a carta e o amor te pertencem e a ti se destinam, quero apenas expressar o que te apraz ouvir, o que tem a ver contigo: o sentimento de ti. Aprofundar a relação entre a pessoa que ama e a pessoa amada, em vez de aperfeiçoar uma qualquer correspondência banal entre nós. Deste modo, entenderias o meu mundo preenchido com a totalidade da tua imagem.

Tento escrever esta carta de amor e implicitamente desejo uma resposta voluntária, vinda da tua pessoa. Mas persiste uma pequena e corrosiva agonia, como se a casa do amor fosse uma zona de angústia, as tuas angústias. A resposta talvez nunca chegue e assim, a imagem da pessoa amada que és altera-se. Há um desfazamento na realidade desse amor

que me preenche. O amor, antes irreal e idealista, torna-se agora «a-real», uma fuga à percepção viva do que julgo ser a nossa realidade, através de um imaginário sentimental. Tu e as tuas pessoas. O amor, antes fantasiado - a fuga à realidade impõe-se através da fantasia - torna-se agora estéril e imutável, pela impossibilidade de existência no meu mundo que penso ser real. O meu amor, preso nas franjas da ausência da tua resposta. A essência do que sinto não existe, apenas insiste num gesto de telepatia espiritual – a realidade inatingível.

Hoje, ainda não sabes que te amo. Hoje, é mais um dia destruído pela tua ignorância. Amo-te e desisto de escrever esta ridícula carta de amor. Amanhã (ainda te amarei?), fantasiarei sobre a minha irrealidade amorosa, com a mesma caneta sobre o papel rasurado, um acto contínuo de insatisfação, bem no centro da tua ausência «a-real». Mudarei talvez uma palavra que, entretanto, se

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perdeu naquela hora diária em que os pássaros gritaram e esvoaçaram à procura de um lugar para pousar a sua frágil loucura. A minha loucura.

Sei que nem os meus pensamentos sobre ti são uma realidade verdadeira. Porque tu não és real. Tu e os outros. As pessoas que tu és. Hoje, quem sois? O meu amor por ti e pelos outros não é verdadeiro. Real, será apenas o esquecimento. O pensamento é o regresso repetido do esquecimento. Acredito nisto porque todos os dias, à mesma hora, os pássaros esvoaçam e gritam, desesperadamente, à procura de qualquer coisa que parece não existir. O espaço-tempo dessa penumbra que continuamente esqueço é o lugar onde vivemos quando amamos, e ao qual repetidamente regressamos. O espaçotempo do esquecimento é o ninho do pensamento, é a cadeira onde descanso depois de escrever cartas de amor ridículas.

Eu, aqui sentada nesta cadeira incómoda depois de quase escrever uma carta de amor. Fecho os olhos, guardo este instante sublime no meu colo e percebo que acabei de nascer. Esqueci o que era e o que escrevi antes. Não tenho passado, nasci mesmo agora, enquanto te peço que me leias. Os pássaros pousaram nos ramos da minha árvore e calaram-se. Agora, podes ouvir-me? Queres ler-me, conhecer-me melhor, descobrir o significado da minha narrativa inacabada? Vais perceber que há um instante em que o autor morre e o leitor nasce, precisamente ao mesmo tempo. Eu dou-me e tu acolhes-me no teu colo interpretativo, essa espécie de

abraço. Descodificas as minhas palavras, mas eu já não estou aqui, já não sou a mesma natureza sentimental. Voltarei quanto te escrever outra carta de amor, outra complexidade ridícula. É um sacrifício quase divino, na ausência do autor-deus que valide as minhas considerações transitórias. Inútil, indecente filosofia.

Ainda te amo, mas não sei o que isso significa. Dou-te a minha vida, a amplitude do meu último instante, mas não consigo perceber a resposta do tempo e da razão na imagem do que sinto. Tu a ler-me: lês o amor e decides escrever uma resposta. Amas-me e queres escrever-me uma ridícula carta de amor .

*Ofélia Maria Queirós Soares (19001991), a única namorada conhecida de Fernando Pessoa

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Cooperativismo pela mudança

João Ministro (Engenheiro do Ambiente e Empresário)

alar de cooperativas em Portugal era, até há pouco tempo, falar de algo estranho, ultrapassado, desacreditado, até associado a uma forte imagem do comunismo, sem relevância e interesse para a grande maioria das pessoas. Os próprios serviços administrativos do Estado ainda hoje têm uma certa dificuldade em lidar com estas organizações, sem saber por vezes como enquadrá-las juridicamente, a que benefícios fiscais e financeiros podem aceder, chegando mesmo ao ridículo de não saber quais os procedimentos necessários para a sua constituição. Disso tenho eu próprio provas.

Porém, os tempos são outros e nota-se uma mudança. Uma mudança que quer deixar marca visível no território, assente nos princípios fundadores do cooperativismo, onde se incluem os aspectos relacionados com o bem social, ambiental ou económico. Temos hoje casos de sucesso em Portugal que estão a mudar paradigmas de desenvolvimento e a cativar jovens para uma alternativa mais sustentável e justa. Ainda estamos muito longe das dinâmicas existentes em outros países, como França ou Espanha, onde as cooperativas abundam em todos sectores da sociedade. Em Espanha, por exemplo, existem largos milhares destas

organizações por todo o país, inclusive na área dos serviços financeiros éticos, como é exemplo a COOP57, que apoia centenas de projectos por toda Espanha, com resultados impressionantes e sem os dramas normalmente associados aos empréstimos bancários convencionais. Em Portugal tal ainda não existe, embora há anos se procure criar uma instituição de banca ética por cá.

Recentemente tive oportunidade de conhecer algumas cooperativas que estão a imprimir uma dinâmica no interior do território muito encorajadora e com resultados que impressionam. Cativam pelo facto de serem essencialmente constituídas por jovens, na sua maioria oriundos de outras regiões e mesmo de outros países, licenciados, bem informados e com vontade de fazer acontecer. Partilham um espírito de independência e autonomia perante as forças políticas e administrativas locais, mas um forte sentido de conexão com as comunidades. Querem mudar paradigmas locais de desenvolvimento, com focada aposta na sustentabilidade e ligação à terra.

A Cooperativa Regenerativa Integral de S. Luis, Odemira, é um desses exemplos. Em associação com o Espaço Nativa (https://www.facebook.com/espaconativ a2020/), têm uma mercearia, um caférestaurante, bar e ainda espaços de

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escritório para nómadas digitais. Têm produção agrícola própria e prestam vários tipos de serviços de consultoria e formação. Tudo em pleno funcionamento, com programação cultural semanal e uma forte ligação às pessoas da aldeia que estiveram desde o início no processo de instalação. São mais de 70 associados e querem provar que o interior não está condenado ao abandono e ao esquecimento, e que aí existem oportunidades de desenvolvimento com enfoque na ecologia e nas pessoas.

Esta cooperativa teve apoio de uma outra bem mais conhecida, a Cooperativa Minga, de Montemor-o-novo, com vasta experiência na produção agrícola, comercialização de produtos e serviços e até na habitação.

No Rogil, Aljezur, outra cooperativa está a juntar jovens de diferentes áreas de formação e intervenção, e a gerar dinâmicas transformativas locais: a Cooperativa da Terra

(https://cooperativad aterra.pt). Esta conta com uma rede de produção agrícola (e não só) e mecanismo de distribuição que abrange todo o barlavento Algarvio. Possui, também, uma moeda própria: a «Moeda da Terra». Tal como em outros casos existentes por essa Europa fora, este instrumento foi criado para incentivar dinâmicas comerciais internas e gerar receitas que permitem reinvestir nos próprios projectos da organização. Tem uma aplicação telemóvel própria e está coberta por um mecanismo de proteção que garante 100% de segurança.

Estes exemplos são inspiradores e são prova dada de que «mais faz quem quer, do que quem pode». O desenvolvimento do interior e das zonas rurais está, infelizmente, na grande maioria dos casos, refém de organizações «gastas» e ineficientes, que insistem em abordagens do passado, sem quaisquer efeitos práticos no terreno e nas suas comunidades. Valha-nos, por isso, estes novos agentes transformadores e valorizadores do território, associados em cooperativas, que além de provar que é possível gerar economia sustentável nesses locais, as cooperativas não são um qualquer resquício do velho passado, mas podem ser um instrumento de mudança. É nisso que estou confiante .

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Pastora-alemã Dora Nunes Gago (Professora)

o longo do tempo, sobretudo quando comecei a viajar mais, principiei a deparar-me com um curioso fenómeno acontecido naqueles locais a que Marc Augé denominou por «não lugares», espaços que não podem definir-se como identitários, nem relacionais, nem históricos, aqueles onde as pessoas não permanecem, nos quais pouco ou nada se relacionam. Cabem nesta categoria, por exemplo, estações de caminhos de ferro, de autocarros, aeroportos.... Esses espaços onde as pessoas apenas se cruzam, em constantes passagens. E precisamente, nesses locais, é frequente quando estou sentada numa sala de espera, ser abordada por alguém desconhecido que se aproxima, pedindo para vigiar a mala porque precisa de fazer algo urgente. Embora o pedido se tenha repetido, ao longo dos anos, dos cantos do mundo, a minha surpresa renova-se sempre, aliada à instintiva pergunta que faço a mim própria: “mas se não me conhece de lado nenhum, como sabe que eu não lhe vou roubar a bagagem? Como pode ter a certeza de que não irei simplesmente dizer que sim para depois abandonar a promessa feita e ir à minha vida?”. Eu, por exemplo, nunca confiei a minha mala à supervisão de nenhum estranho. Serei anormalmente

desconfiada? Por outro lado, há ainda a inquietação, a preocupação quando o proprietário ou proprietária da bagagem desaparece por largo tempo. Eu que também precisava de sair dali pelas mais diversas razões, sou impelida a ficar, completamente incapaz de abandonar aquela mala desconhecida, como uma pastora-alemã rigorosamente treinada. No fim, acabo frequentemente a correr, quase a voar, para a porta de embarque, para a fila, para a linha, de modo a não perder o avião ou o comboio consoante o caso.

Na Ásia, a primeira vez que tal me sucedeu foi no aeroporto de Singapura, a pedido de um monge budista. Envolto na sua túnica laranja, dirigiu-se a mim, num inglês perfeito, pedindo para que lhe vigiar a mala. Respondi-lhe afirmativamente, admirada como sempre pela confiança, embora saibamos que um monge é forçosamente um homem de fé. Não se demorou e quando regressou quis saber a minha nacionalidade. Quando referi ser portuguesa, exclamou de imediato: “Oh, Portugal, Cristiano Ronaldo! He’s my idol!”. Sinceramente, a palavra «idol», pronunciada assim por um monge budista ressoou de forma estranha dentro de mim. E, de súbito, vi uma imagem gigantesca e dourada de Cristiano Ronaldo a ocupar o centro do templo (um sucedâneo dos Big Budas visitados em várias partes). Todavia, isto

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de o futebol como religião ou como substituto da mesma, já foi estudado, comentado, como se sabe. Aliás, em 2014, em vésperas do campeonato do mundo, o teólogo brasileiro Leonardo Boff mencionou no seu blogue, o futebol como “religião laica universal”, tecendo depois ousadas comparações entre um e o outro domínio. Não obstante, neste ponto, regresso novamente ao antropólogo francês Marc Augé que, em 1982, num artigo intitulado «Football. De l'histoire sociale à l'anthropologie religieuse», publicado em Le Débat, equaciona já a posição do futebol como

uma espécie de fenómeno religioso. Nesse estudo, preconiza que o futebol constitui um facto social completo por dizer respeito a todos os elementos da sociedade, deixando-se abordar sob diferentes pontos de vista. Além disso, cita um trabalho de Robert W. Coles no qual se demonstra que a análise de Durkheim das atitudes e práticas religiosas é aplicável à realidade social do futebol. Não obstante, sendo estas perspectivas do mundo ocidental, não se pode negar que o acto de idolatria do monge budista por Ronaldo assuma o seu toque de originalidade.

E para rematar, termino com a minha última missão como «pastora-alemã» num aeroporto asiático. Aconteceu em Macau, após os anos despidos de viagens, devido à pandemia, quando no aeroporto aguardava o voo para Singapura, única porta de ligação ao ocidente. De repente, oiço uma voz a perguntar: “Desculpe, não se importa de me olhar pela mala? Preciso mesmo de ir à casa de banho antes de embarcar”. Respondo sem hesitar que sim. Senti-me envolvida por uma aconchegante capa de alívio, afagada pela mão da normalidade, que naquele momento, apesar de todas as incertezas, me tranquilizou .

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