#380
25 de março, 2023
#380
25 de março, 2023
LAGOA ENTREGOU PRÉMIO MARIA BARROSO | «A NOSSA VIDA» | «SERES DE REFLEXO»
GARANTIA PARA A INFÂNCIA | DIA DA ÁRVORE EM ALMANCIL | FESTIVAL DE MÚSICA AL-MUTAMID
RAMALHO EANES INAUGUROU PERCURSO ECO-BOTÂNICO EM QUERENÇA | «DUAL SIM»
Lagoa atribuiu Prémio Maria Barroso 2022/2023 (pág. 22)
Dia da Árvore em Almancil (pág. 28)
Algarve vai ter Núcleos Locais de Garantia para a Infância (pág. 36)
Ramalho Eanes inaugurou Percurso Eco-Botâncico em Querença (pág. 46)
Bárbara Tinoco no 14.º aniversário do Auditório Municipal de Olhão (pág. 54)
«A nossa vida» no Cineteatro Louletano (pág. 68)
«Dual SIM» no Cineteatro Louletano (pág. 80)
«Seres de Reflexo» em Lagos (pág. 90)
Festival de Música Al-Mutamid no Cineteatro Louletano (pág. 102)
Paulo Cunha (pág. 114)
Mirian Tavares (pág. 116)
Ana Isabel Soares (pág. 118)
Alexandra Rodrigues Gonçalves (pág. 120)
Dora Gago (pág. 122)
Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina Município de Lagoa deu a conhecer, no dia 8 de março, no Centro Cultural Convento de São José, a vencedora da terceira edição do Prémio Maria Barroso, designadamente, Rosa Filomena Brás Lopes Monteiro. A iniciativa pretende cimentar o investimento contínuo nas áreas da igualdade de género e cidadania e, tendo uma dotação de 15 mil euros, procura reforçar ativamente o papel desta autarquia na
concretização da Democracia e dos Direitos Humanos.
Na edição de 2022/2023 o prémio foi atribuído a Rosa Monteiro por decisão unânime do Júri, tendo em conta o seu percurso académico, político e cívico em prol da igualdade de género e promoção dos direitos humanos. O Júri desta edição foi liderado por Luís Encarnação, Presidente da Câmara Municipal de Lagoa do Algarve, e composto por Isabel Barroso Soares, em representação da família de Maria Barroso; Anália Torres, professora catedrática de sociologia do ISCSP – Instituto Superior de Ciências
Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa e fundadora e coordenadora do CIEG – Centro Interdisciplinar de Estudos de Género; Clara de Jesus, Consultora e perita em Igualdade de Género; Sandra Ribeiro, Presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género; Virgínia Ferreira, doutorada em sociologia, professora associada da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC), investigadora permanente do CES, Centro de Estudos Sociais e membro fundadora da
Associação Portuguesa de Estudos Sobre as Mulheres.
Recordando que, em 2023, se comemoram os 250 anos da fundação do concelho de Lagoa, Luís Encarnação enfatizou que a igualdade de género é tida em consideração na conceção e execução da atuação interna e pública do Município, com medidas elencadas nos Planos Municipais para a Igualdade, Cidadania e Não Discriminação. É também na sequência deste trabalho contínuo que Lagoa foi a primeira
Câmara Municipal de Portugal a certificar-se no Sistema de Gestão da Conciliação entre a vida profissional, familiar e pessoal, tendo vindo a ser reconhecida, desde há quatro anos, como um dos melhores locais para se viver em igualdade. “O Prémio Maria Barroso, que atribuímos de dois em dois anos, é um instrumento de grande relevância para tornar conhecidas e para recompensar, também a nível financeiro, pessoas e instituições que contribuam, com trabalho concreto e demonstrável, para que a Liberdade em Portugal, dentro e fora de casa, se torne real de modo igual para homens e mulheres. Assim, este prémio reconhece explicitamente a importância do trabalho que tenha como objetivo contribuir ativamente para que as pessoas e a sociedade vão desvalorizando preconceitos, costumes, tradições ou práticas que ainda se fundam na ideia de inferioridade das mulheres ou de um papel social específico e diferenciado das pessoas, só porque são homens ou porque são mulheres”, indicou o edil lagoense.
Rosa Monteiro foi Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade entre 2017-2022, nos XXI (outubro de 2017 a outubro de 2019) e XXII Governo Constitucional (outubro de 2019 a março de 2022), com produção normativa particularmente relevante em matéria de
igualdade de género. Criou ainda projetos e plataformas multissetoriais com vista ao envolvimento ativo de entidades pela promoção dos direitos das mulheres, da igualdade de género e dos direitos humanos, como a Aliança para a Igualdade nas TIC, o Pacto contra a Violência, o Pacto para a Conciliação, o Programa Práticas Saudáveis de combate à MGF (Mutilação Genital Feminina), ou o projeto Engenheiras por um Dia. Criou a Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não-Discriminação (ENIND 2018-30) e o Primeiro Plano nacional contra o Racismo e a Discriminação – Portugal contra o racismo, bem como um modelo de Nova Geração de Protocolos entre os municípios e a CIG – Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género e respetivo financiamento de Planos Municipais para a Igualdade .
Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina Infralobo e a Infraquinta, empresas municipais do concelho de Loulé, celebraram, no dia 21 de março, e com o apoio da Câmara Municipal de Loulé e da Junta de Freguesia de
Almancil, o Dia Mundial da Árvore ou da Floresta com uma iniciativa conjunta que pretendeu promover a importância do meio ambiente e incentivar a consciência ambiental nas crianças desde cedo. A ação surge na sequência do projeto «Green Smile» da Infralobo, iniciado em 2022, e também integrado no projeto ambiental da Infraquinta.
Assim sendo, foram entregues 900 oliveiras e 900 livros infantis relacionados com esta data a cada aluno do primeiro ciclo do Jardim de Infância das Escanchinas, da Escola Básica de Almancil, da Escola Básica e Jardim de Infância de São João da Venda, da Escola Básica de São Lourenço, da Escola Básica 2,3 Dr. António de Sousa Agostinho, do Jardim de Infância de Almancil e da Escola Básica Cónego Dr. Clementino de Brito Pinto, com o intuito de incentivar as crianças a cuidarem do meio ambiente e a entenderem a importância da preservação das florestas e da biodiversidade. “É o primeiro ano que realizamos esta atividade, mas a verdade é que a Infralobo e a Infraquinta estão cada vez mais envolvidas em projetos em
parceria, seja na limpeza de Almancil, seja no projeto de recolha de resíduos seletivos, este último num protocolo que fizemos em consórcio também com a Inframoura e a Algar. Existimos neste território e faz todo o sentido contribuirmos para que a nossa área de intervenção esteja em bom estado”, explicou Carlos Manso, administrador da Infralobo.
Uma ação que tem ainda mais pertinência, de acordo com Joaquim Pinto, presidente da Junta de Freguesia de Almancil, tendo em conta a destruição que o forte incêndio do Verão de 2022 causou particularmente nesta freguesia. “As crianças precisam ser sensibilizadas para a necessidade
de colocação de mais verde no terreno, pelo menos para tentar recuperar aquilo que perdemos no ano passado. Aliás, uma turma da Escola Básica de São João da Venda participou igualmente numa ação de recolha de materiais queimados, com o apoio da Infraquinta”, indicou o autarca.
Pedro Pimpão, administrador da Infraquinta, confirmou, entretanto, a vontade destas empresas municipais expandirem a sua intervenção na área da educação ambiental e na integração da
que todos os jovens tenham em si”.
Envolver os jovens na atividade foi extremamente fácil, garantiu, por sua vez, Maria Militão, diretora do Agrupamento de Escolas de Almancil. “É fundamental construir um ambiente sustentável, a árvore é sinónimo de vida e os nossos alunos vão dar voz, corpo e alma a essa vida”, enalteceu a professora, num entusiasmo que é, como se adivinha, partilhado por Ana Machado, vicepresidente da Câmara Municipal de Loulé. “É importante que estas crianças e jovens tenham a noção
de que não vivem numa «bolha» e que temos todos que trabalhar em rede. Precisam conhecer as forçasvivas do seu território para realizarmos cada vez mais parcerias, porque os resultados depois são sempre melhores, neste caso concreto em torno do ambiente e da sustentabilidade climática. Os alunos ficam responsabilizados pelas suas árvores, tanto por aquelas que levam para casa como por aquelas que ajudaram a plantar nas suas escolas, e ficam, ao mesmo tempo, a saber que existem, na sua freguesia, duas entidades –Infralobo e Infraquinta – tão importantes como a Junta de
Freguesia e a Câmara Municipal que zelam e pugnam pela sustentabilidade ambiental”, apontou a vereadora responsável pelo pelouro da Educação.
Árvores que foram colocadas em vasos de barro, e não de plástico, fez ainda questão de realçar Joaquim Pinto, ao passo que Carlos Manso recordou que o livro oferecido, «A Árvore Generosa», faz parte do Plano Nacional de Leitura e que os sacos foram produzidos a partir de papel reciclado. “É um investimento feito com todo o agrado pela Infralobo e Infraquinta e com o desejo de que as crianças transportem toda esta dinâmica para as suas famílias, que são o núcleo mais importante que existe na vida” .
Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina
AMAL –Comunidade Intermunicipal do Algarve assinou com o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social um Memorando de Compromisso para a Implementação dos Núcleos Locais da Garantia para a Infância do Algarve, unidades que trabalham para prevenir e combater a
exclusão social, assegurando o acesso das crianças e dos jovens em situação de pobreza a um conjunto de serviços essenciais.
A assinatura do Memorando aconteceu no dia 1 de março, na sede da AMAL, em Faro, e constituiu um passo fundamental para garantir que as crianças e jovens num contexto de maiores dificuldades tenham acesso a educação, habitação, saúde e cultura, prevenindo e
combatendo a exclusão social e a pobreza infantil e promovendo, por outro lado, a igualdade de oportunidades. Demonstra igualmente que a área social é uma das prioridades da AMAL, entidade que está a elaborar o Plano Intermunicipal de Desenvolvimento Social do Algarve, um documento, de resto, integrado nas suas Grandes Opções do Plano para 2023 e que procurará apontar caminhos para dar resposta às várias necessidades nesta área, garantindo uma abordagem regional e promovendo a melhor utilização dos recursos existentes. “É um trabalho que envolve diferentes atores sociais, de diversas áreas de intervenção, com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento social no Algarve. Garantirá, também, a articulação com
documentos estratégicos de âmbito nacional e regional, tendo como referência recomendações comunitárias e orientações internacionais ao nível, por exemplo, do Pilar Europeu dos Direitos Sociais e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, explicou António Miguel Pina, presidente da AMAL.
Neste contexto, o Plano Intermunicipal de Desenvolvimento Social do Algarve está perfeitamente alinhado com os objetivos de criação destes Núcleos Locais da Garantia para a Infância, previstos no Plano Nacional de Ação da Garantia para a Infância 2022-2030 (PAGPI 2022-2030). A implementação deste Plano Nacional implica uma intervenção social integrada, com base
numa atuação local e de proximidade aos fenómenos de pobreza infantil e social, que permita garantir uma adequada identificação e mobilização de recursos e intervenções para resolução dos problemas e das carências detetadas.
No decorrer da sessão, a Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança
Social, Ana Mendes Godinho, destacou o facto de este ser “o primeiro memorando a ser assinado a nível regional, o que reflete a capacidade de os 16 municípios se unirem em torno de uma mesma causa, sendo este um exemplo que o Algarve está a dar ao resto do
país” “A Garantia para a Infância surgiu no âmbito da presidência portuguesa da União Europeia e conseguimos, na Cimeira Social do Porto, assumir o combate à pobreza como determinante na construção de uma Europa mais
solidária e coesa, e na capacidade de reconstrução no pós-pandemia. Foi o processo legislativo mais rápido dentro da União Europeia e foi aprovado por unanimidade por todos os Estados-Membros. Não podemos, como comunidades, aceitar que 20 por cento das crianças que estão na Europa se encontrem em risco de pobreza ou exclusão. É o maior desperdício social que qualquer um de nós podemos ter e estamos, enquanto sociedade, a falhar”, admite a governante, “pois a pobreza é um fator que condiciona toda a vida”.
Portugal é, entretanto, o único país na Europa que prevê duas dimensões nesta missão, logo a começar pela criação, em setembro de 2022, de uma prestação financeira, mas também o acompanhamento personalizado de cada criança que está a receber esta garantia para a infância. “Estas crianças terão entrada obrigatória numa creche mesmo que não haja vagas e são criadas diversas medidas para tentar retirá-las da situação de desvantagem em que se encontram. Neste momento existem cerca de 125 mil crianças a receber a garantia para a infância”, revelou Ana Mendes Godinho, para quem a articulação entre as entidades regionais e, neste caso concreto, entre os municípios, se reveste de especial importância, uma vez que a criação dos Núcleos Locais da Garantia para a Infância vai possibilitar uma proximidade
à comunidade e uma resposta e acompanhamento mais eficaz a estas crianças e jovens.
No Algarve, estão sinalizadas 9 mil e 938 crianças e jovens (até aos 17 anos) em risco de pobreza extrema, “crianças com nome e rosto e, se não agirmos coletivamente e de uma forma integrada, dificilmente vamos cortar estes ciclos de pobreza” “Este é um dos nossos compromissos e a nossa aposta e só conseguimos resolver isto através das redes sociais”, manifestou Ana Mendes Godinho,
sublinhando ainda que este Plano já está a ser implementado, com várias medidas no terreno, dando como exemplo o facto de 2 mil e 677 crianças do Algarve já estarem abrangidas pela gratuitidade nas creches. Uma medida, segunda a Ministra, “transformadora do ponto de vista social, porque liberta as mulheres para o mercado de trabalho, porque garante a igualdade de direitos entre homens e mulheres na gestão da vida familiar, e porque a creche é decisiva para a real igualdade de oportunidades no mesmo espaço coletivo das crianças,
independentemente das condições socioeconómicas em que nasceram” “Neste momento temos, no Algarve, uma capacidade instalada de 6 mil e 950 lugares de creche, uma taxa de cobertura que corresponde a 61,3 por cento, acima da média nacional, mas temos concelhos na região que estão bastante abaixo desta média nacional”, reconheceu. “O tempo corre contra nós, temos que meter o pé no acelerador. No âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência foram aprovados 280 lugares de creche para o Algarve e estamos a analisar processos de reconversão de espaços que não
estavam a ser utilizados, ao invés de investirmos em novas construções. É um investimento mais fácil de concretizar e ganhamos tempo nesta caminhada”.
António Miguel Pina confirmou que “o Algarve está unido no propósito de dar uma atenção redobrada a estes jovens, de forma a cortar estes ciclos de pobreza logo desde cedo, para que não se perpetuem na vida adulta”. “Queremos mais e melhor para as nossas crianças e jovens e entendemos, os 16 autarcas, que este memorando que aqui assinamos vai nesse sentido”, frisou o presidente da AMAL,
que aproveitou a presença da Ministra para chamar a atenção para o facto de o próximo Programa Operacional 2030 não especificar verbas para esta área, sendo que o Algarve precisa de uma maior cobertura de creches. “Temos feito um trabalho enorme no primeiro ciclo e nos infantários e não foi assim há tanto tempo que fizemos desaparecer os horários duplos, o que permitiu que as escolas funcionassem a tempo inteiro. Havendo esta janela de oportunidade no PRR, temos que aproveitá-la, para colocar todas as crianças no mesmo carril”, defendeu.
Para a implementação destes Núcleos Locais da Garantia para a Infância foram igualmente assinados, no dia 1 de março, protocolos com os Municípios de Loulé e Portimão, que já avançaram com a criação destes espaços, estando igualmente a trabalhar nesse sentido os Municípios de Albufeira, Faro, Lagos e Aljezur. A sessão de assinatura do Memorando contou também com a presença da Secretária de Estado da Inclusão, Ana Sofia Antunes, de Sónia Almeida, Coordenadora Nacional da Garantia para a Infância, e de representantes dos 16 municípios algarvios e de outras entidades, nomeadamente da Segurança Social, Universidade do Algarve e Direção Regional de Educação .
Texto: Daniel Pina| Fotografia: Daniel Pina
antigo Presidente da República, General Ramalho Eanes, esteve em Querença, no dia 10 de março, para inaugurar o Percurso Eco-Botânico Manuel Gomes Guerreiro, o primeiro a nível nacional exclusivamente dedicado à flora mediterrânica. A obra, que ocupa uma área de hectare e meio, foi projetada por um dos arquitetos paisagistas portugueses mais reputados, Fernando Santos Pessoa, e desenvolve-se numa encosta virada a sul, integrando mais de
uma centena de espécies, algumas delas protegidas ou em vias de extinção, incluindo árvores e arbustos, plantas medicinais, herbáceas e bolbosas. A consultoria científica é de Jorge Paiva, biólogo premiado e que deu nome a novas espécies para a Ciência, e que estará presente na inauguração.
Há vários anos que Fernando Santos Pessoa, «herdeiro» do legado de Gonçalo Ribeiro Telles, assiste à desertificação do interior, ao abandono da serra, da agricultura e da arquitetura hídrica, e às suas implicações na paisagem. São alterações demográficas que se somam
às climáticas e, acreditando que as comunidades podem intervir positivamente na paisagem, como parte integrante da Natureza, resolveu «dar uma mãozinha», cavando, juntando pedras, buscando sementes e criando condições para reorganizar e recuperar a paisagem.
O engenheiro silvicultor e arquiteto paisagista, cujo papel tem passado algo despercebido junto do grande público, tem um palmarés invejável. Foi ele o fundador do Serviço de Parques, Reservas e Património Paisagístico, atual Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, introduzindo em Portugal os conceitos de parque natural e de paisagem protegida. Foi também ele o fundador do Curso de Arquitetura Paisagista na Universidade do Algarve. Em 1995, recebeu o grau de Comendador
da Ordem Infante D. Henrique pelo seu papel na defesa e preservação ambiental. Agora, em Querença, resultado de uma colaboração de longa data com a Fundação Manuel Viegas Guerreiro, viu finalmente inaugurado um dos seus trabalhos mais marcantes, pela mensagem que anuncia, o Percurso EcoBotânico Manuel Gomes Guerreiro, projetado em coautoria com dois discípulos, João Marum e João Rodrigues.
O jardim in situ – de entrada gratuita –situa-se a sul da Fundação Manuel Viegas Guerreiro, junto ao restaurante A Tasquinha do Lagar. A inauguração era para ter acontecido em 2020, com a presença dos mesmos intervenientes, mas a 10 dias da cerimónia foi adiada devido à pandemia da covid-19. A partir de agora já é, porém, possível visitar as múltiplas espécies de flora característica
da região do Algarve e do Mediterrâneo, com um bónus adicional. Isto porque muitas das plantas, arbustos e árvores têm, para além da identificação, um QR Code que permite obter no telemóvel ou tablet informação científica adicional sobre cada uma delas, através de uma aplicação desenvolvida pela Universidade do Algarve. Alguns QR Codes disponibilizam vídeos que servem de enquadramento, não só à flora, como a personalidades relacionadas com o percurso, caso de Manuel Gomes Guerreiro, Fernando dos Santos Pessoa ou Filipa Faísca, guardiã da tradição oral de Querença. Os vídeos estão também disponíveis no canal de Youtube da Fundação Manuel Viegas Guerreiro.
Aproveitando a ocasião, e crente de que a Natureza também se faz com os homens e as mulheres, a Fundação
inaugura uma instalação artística com 40 fotografias de personalidades de Querença, em tamanho real, cada uma delas segurando um objeto que a identifica ou que faz a ligação aos ofícios. A exposição, intitulada «Qrença na Paisagem», da autoria de Marinela Malveiro com fotografia de Filipe da Palma, está patente no exterior, no Jardim das Oliveiras, entre a Fundação Manuel Viegas Guerreiro e o Percurso Eco-Botânico Manuel Gomes Guerreiro. Patente também, mas no interior, encontra-se uma exposição sobre Manuel Gomes Guerreiro, intitulada «Percurso Eco-Botânico Manuel Gomes Guerreiro: Humanismo e Ecologia», organizada por Maria Mackaaij, a partir do acervo bibliográfico do Centro de Estudos Algarvios Luís Guerreiro, que a Fundação acolhe.
Pretende-se que o projeto, que demorou vários anos a implementar, venha a criar raízes entre residentes e visitantes, que assim têm mais um incentivo para visitar o interior e aprender algo mais sobre a flora e as tradições locais. A ideia é que também as escolas e as universidades possam beneficiar com visitas de estudo, num mix que junta o exercício físico ao longo da encosta, o ar puro do Barrocal e a tecnologia, com a utilização pedagógica dos gadgets para saber mais.
Não por acaso, na raiz do projeto esteve também a conceção de uma peça artística – um videoclipe com uma composição original da harpista Helena Madeira (música, poema e voz) e com a participação da bailarina e coreógrafa Inês Mestrinho – que sintonizam a ligação com a Natureza. O videoclipe, com imagem de Eduardo Sousa, chama-se «A Raiz» e foi apresentado ao vivo no dia da inauguração, a que se seguiu um
conjunto de breves intervenções, incluindo a participação de João Guerreiro, professor catedrático da Universidade do Algarve e ex-Reitor da UAlg, filho do homenageado. Jorge Paiva lançou também o alerta «Portugal Dendrodescoberto e a perda da biodiversidade e da água». Honrando o amigo Gomes Guerreiro, o General Ramalho Eanes encerrou a cerimónia, sem esquecer ainda que a esposa Manuela Ramalho Eanes deixou plantada uma oliveira naquele que é o único jardim mediterrânico in situ do Algarve, numa metáfora de continuidade já que será parceira de uma outra, milenar, com 1.575 anos e, entretanto, certificada.
Orçado em mais de 200 mil euros, o Percurso Eco-Botânico Manuel Gomes Guerreiro é financiado pelo Programa CRESC Algarve 2020, no âmbito do FEDER – Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional. A Câmara Municipal de Loulé é parceira e cofinancia o projeto .
árbara Tinoco foi a convidada especial do 14.º aniversário do Auditório Municipal de Olhão, no dia 17 de março, e, como se adivinha, os bilhetes voaram num instante, com os fãs da jovem cantora e compositora a rumarem à cidade cubista para reviver alguns dos seus maiores êxitos, mas também vários temas do próximo disco que vai ser lançado brevemente.
Foi um concerto entusiasmante, com Bárbara Tinoco em constante interação com o público, a contar sempre as razões
que a levaram a escrever esta ou aquela música. Houve até tempo para descer do palco e percorrer a plateia para, à conversa com os espetadores, tentar descobrir qual o segredo para a felicidade. Mais tarde, foi a vez de diversos espetadores subirem ao palco para a acompanhar num tema. E assim se passou uma inesquecível noite escutando «Ensina-me a voar», «Outras línguas», «Querido Ex Namorado», «Sei Lá», «Advogado», «Devia ir», «Despedida de solteira», «Carta de Guerra», «Antes dela dizer que sim», «Síndrome de Impostor», «Coisas no silêncio», «Cidade», «Gisela», «Tragédia» e, para terminar em beleza, «Chamada não atendida» .
epois de «A minha morte», o Cineteatro Louletano recebeu, em estreia absoluta, no dia 11 de março, «A Nossa Vida», a segunda parte de «Episódios da Vida Selvagem», pelo Colectivo 84. Desta feita, o governo discute as duas propostas para o futuro da cidade e, entre a guerra ou o êxodo, ambas as opções parecem acarretar custos humanos e
morais elevados. Das exposições técnicas à análise das implicações, o debate político desvela confrontos familiares, ambições pessoais e noções de identidade nacional, num enredo e discurso que revisitam a tragédia grega.
Com texto e encenação de Mickaël de Oliveira, a interpretação esteve a cargo de Ana Bustorff, Afonso Santos, Beatriz Maia, Diana Sá, Jani Zhao, Luís Araújo, Paulo Pinto e Siobhan Fernandes .
os dias 14 e 15 de março, o Cineteatro Louletano acolheu
«Dual SIM», um projeto de circo contemporâneo direcionado para a comunidade escolar, produzido pela Erva Daninha e interpretado por dois malabaristas – Filipe Contreras e Jorge Lix – que se propõem o desafio da partilha constante e obrigatória de todos os recursos. “Uma investigação sobre as redes, sobre as formas e esquemas da
partilha digital. Um estudo sobre a distribuição de objetos entre dois corpos, passes-receções-partilhas. Um ciclo que não se encerra, força a partilha da identidade ao habitar o mesmo espaço com um Dual SIM”, descreve Vasco Gomes, responsável pela Direção Artística.
«Dual SIM» é uma coprodução do Teatro Municipal do Porto e contou com o apoio da República Portuguesa através da DGArtes – Direção-Geral das Artes .
criação artística participativa «Seres de Reflexo», promovida pela associação
Questão Repetida, em parceria com a Escola Secundária
Júlio Dantas, desvendou-se ao público nos dias 17 de março, numa sessão especialmente dedicada ao público escolar, e no dia 18 de março para o público em geral. O espetáculo bilingue (com LGP) foi encenado por Francisca Marinheira, em parceria com o artista visual e docente Pedro Domingues, e envolveu e desafiou os alunos da turma D de artes do 12.º ano da Escola Secundária
Júlio Dantas, de Lagos, a refletirem sobre
o autoconhecimento, a consciência do outro, bem como a nossa própria probidade, através do Teatro, Artes Visuais e Música.
Pretendeu-se com este projeto encorajar os mais jovens a desafiarem os padrões, os conceitos e os preconceitos. A sensibilização dos jovens foi feita através das Artes e da Cultura em questões como o respeito pelos Direitos Humanos, a Igualdade e Não Discriminação, e a Promoção da Participação dos Jovens. O evento foi produzido pela Questão Repetida, em parceria com o Agrupamento de Escolas Júlio Dantas, e contou com o apoio da DGartes e Município de Lagos .
nserido no 23.º Festival de Música Al-Mutamid, o grupo
«Funún Taht» apresentou, no dia 17 de março, no Cineteatro
Louletano, o programa
«Melodias de Al-Sharq Wa AlGharb», uma viagem sonora desde o local onde nasceu Ziryab, atual Iraque (Al-Sharq – Oriente) até ao Califado de Córdova (Al-Gharb –Ocidente). Além dos temas tradicionais inspirados no grande músico e cantor Ziryab (789-857), o grupo interpretou
também temas contemporâneos de diferentes países do mundo árabe.
Os «Funún Taht» são Omran Adrah na Kanun (cítara árabe), Abdelatif Louzari na voz e violino, Fernando Depiaggi nas percussões chello «al arabi», nay e flautas, e Salma Vives, no alaúde árabe e violoncelo. O grupo faz-se acompanhar ainda de Sufi Merche Campello, uma bailarina que interpreta a dança tradicional árabe-andalusí e o giro espiritual sufi .
ornou-se um «lugarcomum» ouvir por parte de quem veio viver para o Algarve que os algarvios gostam de ser recebidos na casa dos outros, mas não gostam de receber na sua. Ora eu que não gosto de generalizações, tendo nascido e vivido grande parte da minha vida neste reino a que já chamaram dos Algarves, sou hoje obrigado a dar razão a muitos que nos veem como portugueses descendentes dos mouros, aqueles que para muitos não dão nada sem nada almejarem em troca.
Será este comportamento resultante duma educação e, por consequência, duma aculturação e tradição dos povos do Sul, mais habituados a verem os seus elementos a encontrarem-se e confraternizarem fora de casa? Já repararam que são poucos os autóctones algarvios que combinam um encontro na sua casa, privilegiando, quase sempre, um qualquer Café de Bairro como uma extensão da sua casa para reunir ou conviver.
Um destes dias, ao telefonar para uns amigos que eu e a minha família entendemos convidar para jantar, a primeira coisa que disse aos convivas foi: “Sei que não é habitual nos contactos telefónicos de hoje, e até poderá parecer estranho, mas não estou a telefonar para
pedir nada. Gostaríamos apenas de comungar e partilhar convosco o prazer que é estar com e entre amigos. Como todos os dias jantamos, gostaria que se juntassem a nós, pois é só acrescentar mais comida na panela e comprar mais bebida”. Como seria de esperar, no outro lado ouvi uma franca gargalhada, acompanhada pela gratidão pelo convite e o prazer da aceitação.
Mas o que dizer daqueles que, convite após convite, não manifestam qualquer intenção de mostrar a reciprocidade que cimenta a amizade? Ainda um destes dias ouvi, mais uma vez, uma frase que me desgosta: “Não pareces algarvio! Tu e a tua mulher estão sempre disponíveis para receber, apesar dos pesares do trabalho que têm”. É claro que, recorrentemente, respondo que, na balança, entre o prazer e o trabalho, o prato que mais pende será sempre a satisfação e o agrado de alimentar com atos a amizade.
Foi uma pergunta que a minha filha me fez que motivou esta minha reflexão que, como todas, pode enfermar duma visão redutora e simplista: “Oh pai… Eu já fui à casa de quase todas as minhas amigas e elas também já cá vieram à nossa casa. E tu e a mãe já foram convidados para irem à casa de todos aqueles que chamam e vos chamam de amigos?”. É claro que a pergunta me colocou a pensar, tal como a vós, espero. Realmente, é estranho chamar amigo a alguém e com ele nunca
ter usufruído do espaço onde passou e passa grande parte da sua vida. Dá que pensar: como fortificar, consolidar e perpetuar uma amizade, quando os nossos interlocutores se escondem e mascaram na impessoalidade de espaços exteriores, incaracterísticos e neutros?
Serão só os algarvios que assim são,
como muitos dos meus amigos «de fora» dizem, alegando que eu tenho uma costela beirã e por isso sou diferente?
Não quero acreditar… mas, se assim for, espero que esta forma de estar mude com as gerações dos nossos filhos e netos. Porque quem dá também gosta de receber! .
O único referente que ainda funciona é o da maioria silenciosa. Todos os sistemas atuais funcionam sobre essa entidade nebulosa, sobre essa substância flutuante cuja existência não é mais social, mas estatística, e cujo único modo de aparição é o da sondagem. Simulação no horizonte do social, ou melhor, no horizonte em que o social já desapareceu.
Jean Baudrillardfilósofo coreano
Byung-Chul Han descreve, na sua obra A Sociedade da Transparência, o paradoxo da contemporaneida de: o excesso de informação que desinforma e a propalada transparência que serve muito mais para ocultar que, propriamente, para dar a ver. Ele retoma, no século XXI, ideias que foram defendidas por filósofos como Jean Baudrillard que, antes da emergência das redes sociais e do desenvolvimento acelerado das tecnologias de comunicação, previa que o mundo caminhava para a iconolatria – cada vez mais estávamos embrenhados nas imagens, e elas iam, aos poucos, substituir a densidade dos seres – as imagens substituiriam o real, ou melhor, tornar-se-iam naquilo que entendemos por realidade. Passada a fase do auge do pós-modernismo, Baudrillard foi considerado apocalíptico. Até que foi substituído pelos novos filósofos, mais trendy, que repetem, de alguma maneira, as suas previsões, só que agora as previsões tomaram corpo, ou melhor, o
corpo foi desaparecendo e sendo substituído por imagens, por avatares, por ícones, indicativos, por sinais. E nessa sociedade da transparência, ou da aparência, somos todos avaliados a cada instante por tudo o que fazemos ou não fazemos. Somos também avaliadores de serviços, de pessoas, de casas de banho dos aeroportos. Passamos a vida a responder inquéritos de satisfação, a preencher plataformas, a julgar e a sermos julgados. Procura-se a eficácia, a qualidade absoluta, a falta de ruídos. Procura-se, de facto, a imagem –impoluta, transparente, perfeita. E vamos jogando, inadvertidamente, o jogo. Avalie, de 0 a 5, a qualidade do serviço. E lá nos apresentam uma grelha que não permite desvios, não há lugar para o mais ou menos porque… Ou é mais, ou menos, ou nada temos a dizer sobre isso. O que também é uma forma de resposta, contabilizada e passível de se transformar em gráfico. Somos cores num gráfico, somos pontos, numa tabela Excel, somos dados estatísticos. Mas o interessante é que nada, efetivamente, muda. Tanta avaliação e tão pouca ação. Se calhar é esse o truque – as avaliações substituem as ações necessárias e continuamos a
fingir que estamos a fazer alguma coisa para mudar. Mas, no fundo, permanecemos os mesmos. Os serviços funcionam mal, as pessoas continuam insatisfeitas. Uns usam as avaliações como arma para vingar-se de algo ou de alguém, mas poucos, ou quase nenhuns, pensam que aquela avaliação vai ser efetiva, vai ser fruto de uma mudança, vai surtir efeito. Vivemos na sociedade do faz-de-conta que as coisas vão melhorar,
e metem-nos mais 32 plataformas de controle e de monitorização da qualidade. Mas a qualidade, ela mesma, é bastante relativa e discutível, e não se mede por inquéritos objetivos que só tocam os problemas na superfície. Talvez porque, como predicava Baudrillard, já não haja nada além da superfície. E vamos seguindo satisfeitos como imagens .
o meio dos dias, reparo que a Fezoca visitou Portugal. Fezoca é o nome que se deu a si mesma nas redes sociais a Fer
Guimarães Rosa (que há de ser Fernanda). A Fer é uma das pessoas que melhor conheço e mais admiro desde que, lá por alturas de 2005, comecei a seguir o blogue onde ela ia alternando entre redigir receitas da mãe, descrever as suas, fotografar a comida que fazia e, sobretudo, escrevendo, escrevendo bela, doce, sabiamente, sobre comida. O meu próprio blogue (as Cartas do Meu Moinho, título que pedi de empréstimo a Alphonse Daudet) começara pelo mesmo ano e a época era de descobertas. Esta mulher que escrevia em língua portuguesa, mas como a norteamericana que também é, à força de viver nos Estados Unidos, cativou-me. Lia nas frases dela uma porta aberta, o cheiro de um fogão a fumegar, o som da água a sair da torneira. Nunca mais a perdi de vista (o seu Chucrute mantém-se mais ativo do que as minhas Cartas). Conheço-lhe a casa (a mais recente, porque houve pelo menos duas, estou em crer), o marido, o filho, conheci-lhe os gatos; a cozinha, sobretudo: as prateleiras, a mesa, os louceiros e as muitas peças que vai agregando ao seu mundo, que traz de lojas inusitadas e instigantes; a fruta, os legumes que recolhe dos campos vizinhos
– ou dos vizinhos amigos – no tempo das colheitas, ou que compra nos mercados locais. Sei quando viaja, de que lugares mais gosta, como se comporta no local de trabalho, que atividades físicas pratica. Quando fui a primeira vez ao Brasil, antes sequer de pisar a grande livraria da Avenida Paulista em São Paulo (agora fechou, é a vida), fui procurar noutra, mais manêra, um dos livros que a Fezoca aconselhava no Chucrute com Salsicha – continua a ser uma das mais preciosas obras autobiográficogastronómico-literárias que já li, A Cozinha da Alcobaça, de Laura Góes. Parece-me que foi mesmo o primeiro livro que comprei do lado de lá do charquinho atlântico. São obras diferentes, o blogue da Fezoca e o livro da Laura; mas, no meu pensamento, não existe uma sem a outra. Mas o meu ponto de viragem na vivência com a autora do Chucrute foi o contacto com aquele livro. Seria por se tratar de uma materialização? O facto é que nunca me encontrei com a Fezoca. Trocámos alguns cumprimentos no blogue; com as novas encarnações no Twitter, no Facebook, ou no Instagram, talvez as nossas interações se tenham multiplicado – são esporádicas, rarefeitas, sem necessidade de maior frequência, estranhamente, como resultado daquela sensação que se tem quando se encontra um amigo bom que se está anos sem ver e com quem não precisamos de alterar a atitude ou habitar novos eus que o tempo
e a idade impõem. A Fezoca é a mesma desde que a conheci no blogue, nem mais um dia passou por ela, mesmo quando mudou de emprego, mesmo se nas fotografias o cabelo lhe parece mais cinza ou a impaciência se evidencia.
No meio dos dias, reparo que visitou Portugal. Andou por Lisboa, por Coimbra e pelos seus arredores. Acompanhei, fui comentando – cheguei a fazer sugestões. Não foi a sua visita inaugural, creio. Faço suposições sobre a minha Fezoca e, mesmo sem lho dizer, vou seguindo a sua viagem ao ritmo das refeições que fotografa e revela, das montras que nas ruas lhe prenderam a atenção. São, que curioso..., como o livro da Laura Góes: porque tantas delas são lugares onde já estive, por onde já passei, que já pisei ou onde entrei, materializam esta mulher
feita de tela de computador e de letras iguais sobre fundos divertidos.
Nunca estive frente a frente com a Fezoca – jamais demos um abraço, ou nos cumprimentámos com um “passou bem”. O sorriso que lhe vejo é múltiplo, mas estático, ou é estático, mas sempre múltiplo (não me recordo: terei visto algum vídeo seu, Fer?). Tem a mesma qualidade que têm as personagens dos meus sonhos: mais ou menos nítidas, existem noutro plano, na minha vida, mas noutros lugares dela.
Jamais encontrei a Fezoca, jamais estivemos simultaneamente no mesmo espaço – mas ela é minha querida parente.
cozinha é um espaço essencial da identidade de uma comunidade, assim como, o que se come, como se come, quando se come…esta semana convivi de perto com esta realidade, pois estive em visita de investigação em Jaén (Andaluzia, Espanha), cidade em que o azeite é rei e senhor, e possui toda uma economia e indústria dependente do olival e da azeitona.
Há um interesse crescente na cultura gastronómica e a cozinha assume uma força extraordinária na diferenciação e no reforço da atração dos destinos turísticos. Por sua vez, a cozinha e a arte da culinária também se relacionam com outras dimensões do património cultural imaterial, como as festividades, o artesanato e a natureza.
A relação da gastronomia com a agricultura, a pesca, a caça, a pastorícia, entre outras atividades demonstra que o potencial de inter-relação com a comunidade local é imenso. Por sua vez, as celebrações festivas, as festividades cíclicas e outras manifestações culturais enquadram também uma expressão de
sociabilização muito apelativa, que possibilita aos visitantes assumirem as vivências locais, dando resposta às tendências de procura dos «novos» turistas.
Contar as histórias locais associadas ao nosso património culinário é também contribuir para a salvaguarda da nossa cultura e identidade. Em termos humanos, a comida mexe com todos os sentidos, traz memórias e representa identidades (veja-se a Dieta Mediterrânica e o património alimentar que lhe está associado).
Uma das grandes vantagens associadas ao desenvolvimento de propostas de afirmação dos locais como bons para comer, está no facto de se utilizarem recursos e produtos locais.
Mais ousado é o reconhecimento da relação determinante entre a comida e o urbanismo, e vice-versa, mas que faz sentido se pensarmos: na localização da restauração, dos produtores e dos consumidores, dos mercados; no desenho dos espaços de convivialidade; nas paisagens alimentares, nos transportes de acesso a estes lugares; nas hortas urbanas e nos jardins aromáticos.
Os investigadores têm feito um esforço na ciência da produção e inovação dos alimentos, mas esta é crescentemente uma questão das pessoas. Temos que convocar os diferentes públicos para o envolvimento na partilha, valorização e consumo do património alimentar do mediterrâneo.
A cidade de Jaén, onde estive em estância de investigação, apresentou na FITUR (Feira Internacional de Turismo) a sua candidatura a Cidade Criativa de Gastronomia da Unesco evidenciando a importância da sua cultura culinária e da tradição associada ao olival. Na reunião que tivemos no Município, o concejal de Cultura y Turismo, José Manuel Higueras, explicou-nos que trabalham neste processo há quase três anos e que tem mobilizado toda a província e os seus diferentes agentes. Na quinta-feira iniciaram um 3.º Festival Gastronómico de Cinema e Gastronomia que acontece em vários espaços da cidade e estabelece uma fusão entre duas artes mais inusitadas.
Temos que ousar e procurar estratégias de renovação e de afirmação dos nossos territórios que contribuam para cidades e regiões mais saudáveis, mais vibrantes e em que seja possível viver com mais qualidade. Mais do que espaços de visitação, queremos «construir» lugares de boas memórias, que promovem e preservam a nossa matriz cultural .
Notas finais:
*No próximo ano letivo a Universidade do Algarve inicia um novo Curso de Técnico Superiores Especializados em Gastronomia e Inovação Alimentar dando um contributo para a região e para a formação de profissionais qualificados nestes domínios (proposta do Instituto Superior de Engenharia em colaboração com a Escola Superior de Gestão, Hotelaria e Turismo).
** É um absurdo que a proposta de integração dos Serviços das Direções Regionais de Cultura deixe de fora os Monumentos Nacionais, o Património classificado pela UNESCO, e os pareceres sobre imóveis classificados, renovando o modelo antigo de centralização e a dependência da Direção Geral do Património Cultural. Afinal, que transferências se vão fazer e com que argumentos não se fazem outras? Seria de esclarecer abertamente os cidadãos .
“The Snow
It sifts from leaden sieves, It powders all the wood, It fills with alabaster wool The wrinkles of the road”
Emily Dickinsonoucos dias após a celebração do Dia da Poesia e da chegada da Primavera, este é um breve texto ainda de neve, mas também como do modo como no seu dorso frio a poesia germina.
Revejo essa tarde de Outubro de 2011. Uma carícia fria a semear salpicos de branco no rosa-dourado, nos múltiplos tons de castanho das árvores. Estou ali, dentro de um postal natalício antecipado. Imóvel, hipnotizada, cativa de uma beleza ainda desconhecida para mim, apenas existo. O mundo suspenso, parado, em flocos de quietude branca, muito perto da casa onde Emily Dickinson viveu, construiu o seu universo poético e morreu. Não precisou de mais nada. Não calcorreou outros continentes nem culturas, como tantos fazem constantemente, muitas vezes em busca daquilo que têm atrás da porta, ou num lugar recôndito de si próprios, mas não se apercebem. Por vezes, o que procuram jaz num alçapão qualquer que insistiram em fechar e que, afinal, não passa do
poço cuja água lhes sustenta a vida. Mas isso só depois descobrimos, quando nos afastámos de mais, por demasiado tempo, quando nos ancorámos em latitudes remotas e, de repente, as raízes nos sugam para as profundezas da terra, para as entranhas do que somos. Pelo contrário, no caso de Emily, as suas palavras que “rasgaram limites” (como refere Ana Luísa Amaral, num artigo publicado no Público a 29-4-2000), germinaram nesse pequeno mundo formado pela casa, o jardim e a cidade. E com isso rasgou limites inimaginados no seio da poesia norte-americana, nos mais de dois mil poemas que nos deixou, tendo publicado apenas dez em vida.
É a minha primeira visita aos Estados Unidos. Desconheço ainda a quantidade de vezes que regressarei, vinda da Ásia, ainda que seja para breves conferências ou trabalho de investigação. Ignoro as profundezas do sonho que se desenha com o sangue e o suor do corpo e da alma, convertido em carne e depois sombra. Não conheço sequer o frenesim da ascensão, o sabor agridoce da vitória arrancado da boca pelo alicate da
impossibilidade. Habita-me a ingenuidade do olhar inaugural, único de quem ignora que haverá outras vezes, outras experiências.
A intensidade do nevão aumenta. Árvores tombadas a parecerem bonecos de neve mumificados. A certa altura, o frio atravessa o umbral da janela e vem ter comigo. Só então percebo que o eficiente aquecimento deixou de funcionar, assim como tudo o resto: acabou a energia eléctrica. O postal de Natal perde assim os seus contornos idílicos e agarra-me com as mãos geladas da realidade, além dos vidros, da rede mosquiteira.
Um nevão demasiado forte, vindo cedo demais, por isso, surpreendeu as árvores ainda carregadas de folhagem, partindo os cabos eléctricos, o que provocou uma falha de energia prolongada, nunca antes ocorrida. Por isso, durante cinco dias, regresso a experiências de um outro tempo, de um mundo longe do jugo tirânico da electricidade, da tecnologia, do fluido universo guiado por cliques em telas de luz. Revejo Emily, vestida de branco, a escrever à luz de uma vela, semelhante à que me ilumina no quarto provisório, que de repente se expande, adquirindo novas dimensões. Já não é apenas o espaço dela que partilho, mas também o tempo, o modo de viver, de olhar para o que nos cerca. De súbito, a cordial frieza entre mim e os donos da casa onde estou alojada, derrete na partilha da água aquecida numa pequena fogueira, no empréstimo dos cobertores, das velas, nas conversas junto à improvisada fogueira, a tentarmos esquecer o frio, o desconforto.
A carícia fria inicialmente desenhada no rosa-dourado transfigura-se de companhia, de partilha, suspensa numa metáfora, num verso esquecido de Dickinson, enterrado entre as pétalas da neve desfolhada .
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