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As cr贸nicas de
Paulo Cunha 1
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O Algarve é (sempre) notícia!
O
(…) Efetivamente, há quem chateie o parceiro do lado, há quem fale sozinho, há quem assobie para o lado e até há quem queime calorias e gaste energias para, de tão cansado, chegar a casa e não ter ação para pensar no quer que seja. Pois… cá por estes lados tento comungar e partilhar ideias e pensamentos em forma da exorcização de alguns engulhos diários (…)
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telemóvel tocou… No outro lado, depois de se apresentar, o interlocutor de imediato perguntou se me recordava da última vez que me tinha entrevistado. De apelido Pina e Daniel de seu nome próprio, logo dele me recordei pela sua amabilidade no trato e saber na função. Prontamente se encarregou de me explicar o seu novo sonho que, em forma de projeto informativo, começou há pouco tempo a dar os primeiros passos. Acompanhando numa rede social alguns dos meus «desabafos opinativos», desafiou-me a embarcar na sua «carruagem informativa» que, já em marcha, pretende chegar longe e a muitos destinos. Efetivamente, há quem chateie o parceiro do lado, há quem fale sozinho, há quem assobie para o lado e até há quem queime calorias e gaste energias para, de tão cansado, chegar a casa e não ter ação para pensar no quer que seja. Pois… cá por estes lados tento comungar e partilhar ideias e pensamentos em forma da exorcização de alguns engulhos diários. Ora, o que é um facto é que, de desabafos em desabafos e constatações em constatações, algumas ideias que expresso merecem a atenção e o reconhecimento de pessoas que, como eu, exercem no seu dia-a-dia uma forma de estar ativa e interventiva. Gente que faz acontecer… Gente que, tal como o Daniel, quer mostrar que o Algarve está vivo, recomenda-se, e isso é notícia!
Poder colaborar num projeto que se quer ganhador é sempre um desafio, pois obriga a atrair e a conquistar através do conteúdo da escrita, da imagem, da fotografia, da reportagem, da pesquisa, do grafismo, do lettering… enfim, duma multiplicidade de fatores que, com diminutos e parcos orçamentos, constitui um desafio constante. Mostrar e partilhar a opinião de quem vive nesta «ilha» criada pela existência de um Alentejo de permeio não é um dever, é um imperativo, pois só juntos nas ideias e nos ideais poderemos fazer valer as nossas reivindicações e anseios enquanto região diferente na identidade, mas igual nas características que nos tornam devedores de um tratamento igualitário face aos nossos pátrios concidadãos. Depois de folhear digitalmente e ler a segunda edição da newsletter do «Algarve Informativo» fiquei com a nítida sensação que este poderá vir a ser um projeto com «pernas para andar» nos vários formatos de edição possíveis. Assim seja, pois é na adversidade e contrariedade das muitas «crises» que se reconhece o espírito lutador, empreendedor e ganhador. Felizmente tenho constatado que muitos algarvios, ao contrário do que alguns pensam, não adormeceram à sombra da bananeira a maldizer a sua sorte. É com estes que o Algarve se faz no dia-a-dia. Portanto: que o vosso seja também o nosso êxito!
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(in)Formação de Públicos?
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(...) “Estamos reféns da atual conjuntura económico-financeira”; “Primeiro alimenta-se o estômago, depois o espírito!”; “Custa-nos muito, mas temos que fazer opções políticas”. Depois, tapando o sol com a peneira, vão-se criando comissões de estudo e de análise para que se afira o impacto das referidas medidas, como se não fosse possível, antecipadamente, adivinhar as consequências nefastas da política de terra queimada no investimento cultural deste país (…) 5
eza a história que, na altura em que decorreu a segunda guerra mundial, houve quem quisesse forçar Winston Churchill a cortar na despesa a orçamentar, reduzindo o apoio às artes para que, assim, houvesse mais dinheiro para o esforço de guerra. Ao qual Churchill respondeu: “Se fizermos isso, então estamos em guerra para defender o quê?”. Não estando em guerra aberta, nem declarada contra nenhum inimigo visível ou aparente, lutamos diariamente contra a mãe de todas as pequenas crises quotidianas, a Crise que, por estarmos reféns de um passado demasiado pesado, doloroso e penoso, nos impede de projetar um futuro condigno e duradouro. Um passado que tolda e inibe a capacidade criativa e mobilizadora de todos aqueles que, por omissão, demissão e ignorância, continuam a depositar o seu destino em quem não tem capacidade para o gerir. Esses mesmos que não hesitam em cortar a eito em tudo o que, a espaços temporais, já foi feito. E as velhas desculpas demagógicas são, invariavelmente, sempre as mesmas: “Estamos reféns da atual conjuntura económico-financeira”; “Primeiro alimenta-se o estômago, depois o espírito!”; “Custa-nos muito, mas temos que fazer opções políticas”. Depois, tapando o sol com a peneira, vão-se criando comissões de estudo e de análise para que se afira o impacto das referidas medidas, como se não fosse possível, antecipadamente, adivinhar as consequências nefastas da política de terra queimada no investimento cultural deste país. Atente-se naquilo que os programadores culturais tanto gostam de falar como sendo prioritário no desempenho dos seus mandatos: a formação de públicos. Será que na sua formação enquanto tal aprenderam que os públicos se formam em paralelo com
a sua formação enquanto seres cívicos, humanistas e consciencializados?… De berço, como em tudo na vida?! Sei do que falo, e falo com propriedade, pois como pai sei que, seja onde for, as artes têm público nos meus filhos. Sei também que o investimento realizado durante os dez anos em que, conjuntamente com companheiros músicos e professores, levei vários instrumentos e géneros musicais a grande parte das crianças algarvias, está agora a dar os seus frutos nas escolas de música, academias, bandas filarmónicas, agremiações culturais e auditórios algarvios. Uma pessoa fidelizada à cultura é-o em qualquer parte do mundo. Isso sim, é formação de púbicos. Experimentem observar os estrangeiros residentes e os turistas que enchem os nossos espaços culturais mesmo, por vezes, não sabendo ao que vão. Vão porque precisam e querem cultura! Está-lhes no sangue porque cresceram com ela. Por favor, não confundamos programação a gosto, divulgação e informação de eventos culturais com formação de públicos. Nada mais errado!
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Comer dentro da gaveta
A
(…) Sempre questionei a razão pela qual certas cidades algarvias têm tantos cafés, bares e restaurantes, alguns na mesma rua… Com o tempo percebi a razão: são a sala de estar de grande parte das famílias algarvias. Obviamente, receber em casa é abrir o nosso espaço aos outros, é expor a nossa vida real, é gastar para oferecer, é continuar a trabalhar depois dos convidados saírem, enfim… é dar! Infelizmente, esta é uma região em que o turismo caracteriza o preço da oferta; os convites são efetuados em grupo para depois serem cobrados individualmente; o parecer é mais importante que o ser (…) ALGARVE INFORMATIVO
ntes que me «cruxifiquem» depois de ler as lembranças, constatações e considerações que aqui vou partilhar, deixo bem presente que sou algarvio, filho de uma algarvia e de um beirão que para cá migrou. Lembro-me da primeira vez que ouvi comentar que os “Algarvios comem dentro da gaveta”, termo que um aluno de Vila Real de Santo António, há cerca de trinta anos no Conservatório Regional do Algarve, me explicou ser usado no sotavento algarvio para caracterizar depreciativamente os algarvios na forma de partilhar o que é seu. Na altura acreditei, mas hoje sei que, em termos históricos, tal não corresponde à verdade, pois o termo deriva do tempo em que o comércio não fechava à hora do almoço, e assim o comerciante comia dentro da gaveta para que, quando chegasse um cliente, o pudesse, de imediato, atender. Bastava fechá-la… Mas o termo ficou por cá a «bater», pois fruto do contacto e sociabilização com tantos amigos que escolheram o Algarve para residir, por experiência própria e observando os usos e costumes de algumas populações citadinas com que privei ao longo deste meio século de vida, constatei alguma falta de reciprocidade no que à partilha e ao dar do que é seu diz respeito. Convivendo com amigos de outras etnias e proveniências geográficas e regionais, constatei que o seu chão é o nosso chão, mas - dito por eles - o nosso chão não é o seu chão. É verdade!... Quantas vezes abri e escancarei as minhas portas e janelas aos meus colegas, a companheiros de lides várias e até a alguns amigos e o contrário raramente aconteceu?! Gente que se contacta no dia-a-dia mas não partilha o seu lar, a sua família, o seu ser para além do seu trabalho, de uma rua da sua cidade ou de um Café de bairro.
Sempre questionei a razão pela qual certas cidades algarvias têm tantos cafés, bares e restaurantes, alguns na mesma rua… Com o tempo percebi a razão: são a sala de estar de grande parte das famílias algarvias. Obviamente, receber em casa é abrir o nosso espaço aos outros, é expor a nossa vida real, é gastar para oferecer, é continuar a trabalhar depois dos convidados saírem, enfim… é dar! Infelizmente, esta é uma região em que o turismo caracteriza o preço da oferta; os convites são efetuados em grupo para depois serem cobrados individualmente; o parecer é mais importante que o ser. E assim, através da reciprocidade (ou falta dela), se afere muito das características de um povo! Dizia-me um amigo que, regressado de África, para cá veio viver depois do 25 de abril: - Os meus pais levaram anos a convidar e a receber colegas de trabalho, vizinhos e novos amigos e, volvido esse tempo, nunca chegaram a conhecer as casas dos seus convidados e convivas. Um dia cansaram-se… Conheceram, finalmente, uma das características de alguns algarvios. Confesso, também a mim isso sempre me fez «espécie». Talvez por isso, no ano passado, depois de uma convocatória para uma Assembleia Geral de Condomínio marcada para o exíguo hall de entrada do meu prédio, eu, à revelia da minha família, coloquei a nossa casa à disposição das trinta frações representadas para que a reunião tivesse a dignidade e representatividade exigidas. Apareceu apenas um quarto dos condóminos convocados e assim, felizmente, menos tive que ouvir cá em casa pela minha forma de estar na vida… Coisas de um algarvio que gosta de partilhar! .
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Os primeiros 15 anos
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Paulo Cunha
(…) Como muitas outras associações por este Algarve fora, este coletivo existe fruto da dedicação de uma mão cheia de carolas que, apaixonada e abnegadamente, dá do seu tempo, da sua família e da sua realização pessoal para fazer e ver acontecer aquilo que acredita ser o melhor para o enriquecimento cultural da região em que vive: o «seu» Algarve (…) 7
into algum pudor e até o «seu quê» de relutância em escrever este «público desabafo», pois sinto estar a advogar em causa própria, mas… muito provavelmente, se não for eu a fazê-lo, ninguém o fará! Poderá não ser informação ou notícia que mereça destaque ou partilha mas, para mim e para outros tantos como eu, ver o sonho tornado realidade e, volvidos quinze anos, merecer reconhecimento dos pares e das instituições parceiras deixame, sem qualquer margem para dúvidas, orgulhoso e reconhecido. Quando, ainda nos últimos meses do século passado, no escritório do meu amigo Mário Silva em S. Brás de Alportel, com ele congeminava a criação de uma nova associação cultural, suficientemente abrangente e eclética relativamente às várias vertentes artísticas, aos múltiplos gostos e influências culturais, às diversas faixas etárias, às muitas proveniências regionais e às variadas parcerias institucionais, jamais imaginaria que a «Associação Cultural Música XXI» nos «tocasse», algarvios, como tocou. A grande maioria não a conhece pelo nome, nem dela alguma vez ouviu falar mas, por certo, já assistiu ou participou nalguma iniciativa por ela produzida ou realizada. A título de exemplo refiro a edição de múltiplas edições literárias e discográficas, a realização da «Música de Pais para Filhos» em várias cidades algarvias, a produção da exposição fotográfica «World Press Photo» em Portimão, a realização do «Festival de Órgão» em Faro, entre muitas outras que seria fastidioso e descabido aqui enumerar. Estive dez anos à frente da direção da dita e, chegada a altura, saí pelo meu próprio pé deixando-a, aparentemente,
com saúde financeira suficiente e bastante para continuar na senda do investimento cultural a que de início se propôs. Mas… refém dos muitos créditos por receber de várias autarquias parceiras em produções e iniciativas conjuntas, tem vido a sentir nos últimos anos a crise que atacou, também, o livre associativismo em Portugal. Como muitas outras associações por este Algarve fora, este coletivo existe fruto da dedicação de uma mão cheia de carolas que, apaixonada e abnegadamente, dá do seu tempo, da sua família e da sua realização pessoal para fazer e ver acontecer aquilo que acredita ser o melhor para o enriquecimento cultural da região em que vive: o «seu» Algarve. Aquilo que nela me dá mais motivos de orgulho são - e continuarão a ser - os associados que dela fazem uma verdadeira associação. Não são tantos como eu gostaria e desejaria, pois acredito nas associações feitas por pessoas e não por profissionais do associativismo, mas são os suficientes para que quando com eles reúno na qualidade de presidente da sua Assembleia Geral, perceba o ânimo, o empenho, o agrado e a alegria com que, usando a «Música XXI», tentam dar o ênfase, a preponderância, a relevância e a dignidade de que a arte é credora e merecedora, especialmente, a sul. Saber que o legado nasceu e foi construído assente em princípios de honestidade, integridade, respeitabilidade, perseverança, dedicação e trabalho dá a todos que fizeram a sua história, de muitas estórias feita, um lugar na história. Para quem tem e preserva a memória! .
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Qual o custo/preço de um Músico?
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Paulo Cunha
(…) há uma angariação de fundos, um concerto de solidariedade, um movimento humanitário, um evento comemorativo, e lá estão os Músicos a «alinhar»… gratuitamente, obviamente; vão tocar a um bar, a um «pub» ou a um restaurante e, muito naturalmente, grande parte das pessoas prestam-lhes a mesma atenção que à música que sai das colunas ligadas a um leitor de CD… nenhuma! É este o preço de um Músico em Portugal, o preço da indiferença, do abandono, do descrédito e da subestimação (…) ALGARVE INFORMATIVO
ircula nas redes sociais um «post» onde um Músico responde a um empresário que procurava animação musical gratuita para o seu restaurante a troco de promoção e possibilidade de vender os CD de quem lá fosse tocar, resposta dada com tal requinte, inteligência e clarividência que mereceu a minha melhor atenção, agrado e concordância. Consta que relata uma situação realmente ocorrida. Como tal, vou aproveitar este espaço para o partilhar convosco: - "Somos um restaurante pequeno e causal no centro da cidade e estamos à procura de músicos para cá tocarem de graça, podendo assim promover a sua música e vender os seus CD. Este não será um emprego diário. Será para eventos especiais que, eventualmente, poder-se-ão tornar diários logo que a resposta do público se torne positiva. Preferimos que toquem Jazz, Rock e outros ritmos mais leves, de todo o mundo e de várias culturas. Está interessado em promover o seu trabalho? Então comunique connosco o mais rápido possível" – ao qual o Músico respondeu: "Feliz Ano Novo! Eu sou um músico com uma casa grande à procura de um dono de restaurante que venha à minha casa promover o seu restaurante, fazendo comida de graça para mim e para os meus amigos. Isto não acontecerá diariamente mas, em princípio, em eventos especiais, os quais poderão eventualmente aumentar e tornarem-se algo grande e diário se a resposta for positiva. Preferimos carne de primeira e refeições exóticas e culturais. Está interessado em promover seu restaurante? Então comunique connosco urgentemente !!!". É um facto, grande parte dos portugueses olha para um Músico como
alguém que serve unicamente para entreter (entertainer), seja qual for a situação, o lugar ou a ocasião. Se não vejamos: vai um Músico lá a casa ou a um encontro público e, invariavelmente, pedem-lhe para animar o «pessoal», pois já que é músico… obviamente não o fazem com os outros profissionais, seja qual for o ramo; há uma angariação de fundos, um concerto de solidariedade, um movimento humanitário, um evento comemorativo, e lá estão os Músicos a «alinhar»… gratuitamente, obviamente; vão tocar a um bar, a um «pub» ou a um restaurante e, muito naturalmente, grande parte das pessoas prestam-lhes a mesma atenção que à música que sai das colunas ligadas a um leitor de CD… nenhuma! É este o preço de um Músico em Portugal, o preço da indiferença, do abandono, do descrédito e da subestimação. E qual foi o custo de formação deste Músico, hoje votado à pública ostracização? Independentemente do género ou estilo musical, todos eles, às expensas das suas famílias e de si próprios, custearam mais de uma dezena de anos no ensino privado, desde tenra idade, paralelamente ao ensino genérico, longe de casa e da família e com grande força de vontade, determinação e abnegação. Houvesse alguém que se atravesse a contabilizar o investimento na formação de um Músico e ficaria, por certo, de “boca mais do que - aberta” perante a enorme, disparatada e violenta disparidade entre a relação no custo da formação de um Músico e o preço com que o mesmo se «vende» para ganhar a vida. Não, nada que um Músico venha a ganhar será de mais… Apenas a ignorância que sobre eles recai!
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Tal pai, tal filho… ou será o contrário?
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Paulo Cunha
(...) interrupções constantes e falta de atenção e respeito pelo que os professores dizem; uso de aparelhos com multifunções enquanto decorrem as aulas; afronta ao papel, dignidade e autoridade do professor.Tal e qual o que assisti, impávido e nada sereno, numa sala de espetáculos da capital do Algarve, onde seniores me/nos mostraram o porquê e a razão dos mesmos comportamentos por parte dos seus juniores (…) 9
á alguma vez vos aconteceu sentirem-se envergonhados por causa de comportamentos alheios? É uma reação básica e estranha, uma vez que não somos nós os responsáveis pelo ato que a causou mas, pelo inesperado, estranheza e consequência do mesmo, instala-se um mau estar em quem o assiste. Foi o que me aconteceu na minha última deslocação ao Teatro Lethes (Faro) para assistir à última produção teatral da «ACTA». Numa tarde já um pouco encalorada e com meia casa composta, maioritariamente, por um público sénior, tive a receber-me à entrada o encenador/ator Luís Vicente, o que revela a relação de proximidade desejada por esta Companhia de Teatro sediada no Algarve. Pequenos gestos que tornam grande a relação entre o público e os artistas! Começando por endereçar uma comunicação/solicitação ao público presente, o diretor da Companhia terminou a sua alocução pedindo, eloquentemente, que o mesmo desligasse ou colocasse os seus telemóveis em silêncio, por forma a não incomodar o desenrolar da apresentação da peça. Sendo «À espera de Godot» uma das obras icónicas de Samuel Beckett e, neste caso, cuidadosa e meticulosamente recriada, encenada e interpretada por atores «de mão cheia», toda a atenção a lhe ser dispensada seria bem-vinda e desejável. Mas tal não aconteceu… Ainda a primeira parte estava a decorrer e já – recorrentemente – diálogos e comentários de dois espetadores se sobrepunham à representação, como se num desafio de futebol se encontrassem. O meu mal-estar, a desconcentração, a desconcertação e o incómodo aumentavam à medida que o
tempo passava… Eis senão quando um outro espetador sénior, atrás de mim, resolveu ligar o seu telemóvel/tablet, iluminando aquele setor da plateia. Assim se manteve mais de dez minutos, até que a aplicação em que navegava (google maps) resolveu começar a debitar em «alta-voz» o caminho pesquisado tão insistentemente para não sei onde… A sala gelou!... Imediatamente, o encenador, também em palco na qualidade de ator, resolveu interromper a representação pedindo para ligarem as luzes. O que depois se passou coíbo-me de aqui relatar, pois até ameaças por parte do espetador infrator, desavergonhado e despeitado, houve. Foi indigno, vexatório e atentatório contra a dignidade, integridade e profissionalismo dos atores, e de uma falta de respeito para com todos os que, como eu, pagaram o seu bilhete para sermos transportados a outra realidade que não aquela que nos acompanhou até ao fim da digna e brilhante representação. Já fora do Teatro fiz a analogia do que se passou com aquilo que conheço e constato no dia-a-dia das escolas portuguesas: interrupções constantes e falta de atenção e respeito pelo que os professores dizem; uso de aparelhos com multifunções enquanto decorrem as aulas; afronta ao papel, dignidade e autoridade do professor. Tal e qual o que assisti, impávido e nada sereno, numa sala de espetáculos da capital do Algarve, onde seniores me/nos mostraram o porquê e a razão dos mesmos comportamentos por parte dos seus juniores. Nada acontece por acaso… Isto de acusar os jovens de comportamentos indevidos e incorretos tem mais e muito que se lhe diga, porque neste e noutros casos a culpa não morre, definitivamente, solteira!
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Privatize-se Portugal! Paulo Cunha
(…) Recuso-me a acreditar que os mesmos gestores que operam milagres no setor privado não tenham capacidade de o fazer no setor público. Muito menos que o motivo seja unicamente a diferença no salário que auferem. Parece que, à medida que o tempo passa, tudo o que é «nosso» está inevitavelmente condenado a ser um fracasso, a dar prejuízo, a ser um «peso morto» e uma fonte de problemas (…)
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troika assim o exigiu e só nos resta cumprir!”, “Estava no programa eleitoral!”, “Se não o fizermos, teremos que restruturar as empresas e provavelmente seremos obrigados a proceder a «cortes» e despedimentos!”, são as frases feitas de gente que, com frases feitas, convenceu uns quantos, suficientes, que deram a maioria a um governo que - legitimamente - pode fazer o que quiser… à custa de quem não votou, e assim legitimou uma confortável aliança maioritária na Assembleia da Republica. Sou daqueles que não aliena o que é seu apenas por «dá cá aquela palha» ou por um caso de necessidade, mas resolúvel, pois sabe que no futuro poderá ser uma mais-valia. Primeiro tento esgotar todas as possibilidades, hipóteses e soluções possíveis. Sendo um «muito pequenino» administrador, sei que, quando o comando é débil e impreparado, mudando-o, os comandados, naturalmente, trabalharão bem melhor. Sei que a «Máquina do Estado» é atreita a vícios e manhas, mas também sei que tudo tem solução quando quem tutela os vários tentáculos estatais assim o quer (e sabe). Sei que há sempre solução quando a inevitabilidade não é a morte, mas o que atualmente registo é a morte declarada de símbolos e fontes de receita para o erário público português. Portugal não é apenas território, Portugal é essencialmente quem nele vive e o faz viver. Não se pode ver o
património público português como um fardo ou um empecilho, mas sim como uma fonte de receita através dos portugueses que dele tratam, cuidam, protegem, garantem, trabalham e financiam. Coloquem nas administrações das empresas públicas pessoas meritocraticamente preparadas e ideologicamente isentas e verão se será necessário, mais uma vez, vender a retalho parte das verdadeiras fontes geradoras de riqueza do país. Com tantas reservas em ouro, ninguém nelas ousa tocar ou falar, mas poucos questionam a venda ao desbarato das «galinhas dos ovos de ouro» que alguns se preparam para, muito brevemente, alimentar no seu «quintal». Recuso-me a acreditar que os mesmos gestores que operam milagres no setor privado não tenham capacidade de o fazer no setor público. Muito menos que o motivo seja unicamente a diferença no salário que auferem. Parece que, à medida que o tempo passa, tudo o que é «nosso» está inevitavelmente condenado a ser um fracasso, a dar prejuízo, a ser um «peso morto» e uma fonte de problemas. Começo a estar farto das inevitabilidades com que certos iluminados que usam os partidos políticos para se «orientarem» me tentam impingir para justificar o que para mim é injustificável. Sei que alguns pensam como eu e isso acalenta-me a esperança de continuar a viver em solo português (em Portugal). Vamos ver até quando?… .
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Paulo Cunha
A marca «Algarve Musical»
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(…) É altura de parar para pensar e confirmar a importância que as associações e coletividades algarvias não profissionais nem profissionalizantes ligadas à Música sempre tiveram e que, na atual conjuntura, está ser notória e fulcral. No atual panorama musical, são elas o garante na produção e realização musical efetiva no nosso dia-a-dia (…) 11
m 2013, fruto de um ciclo de conferências promovido pela Universidade do Algarve e pela Direção Regional de Cultura do Algarve, denominado «Quintas de Cultura», foram editados em livro uma série de textos que daí resultaram. Não tendo nestes dois anos alterado uma vírgula ao que então pensava, aqui transcrevo o último parágrafo da minha participação na referida publicação. Vindo de quem vem vale o que vale, mas é esse o meu desejo para um Algarve mais cultural no qua à Música diz respeito: - “É altura de parar para pensar e confirmar a importância que as associações e coletividades algarvias não profissionais nem profissionalizantes ligadas à Música sempre tiveram e que, na atual conjuntura, está ser notória e fulcral. No atual panorama musical, são elas o garante na produção e realização musical efetiva no nosso dia-a-dia. Mas será preciso chegar a estes extremos para os responsáveis institucionais e decisores políticos entenderem que elas sempre existiram e que, apesar de toda a sua intrínseca e voluntariosa riqueza musical, raras vezes foram merecedoras da devida e merecida atenção? São elas que, hoje, no Algarve real, através dos seus associados, colaboradores e diretores, idealizam, promovem, produzem, realizam, gravam,
concretizam… Música! Chegámos ao momento em que é preciso dar o salto, pois, fruto das circunstâncias, nada será como dantes. Será um erro crasso, com consequências irreparáveis para as gerações que nos sucederão, ser conivente e deixar - outra vez - os agentes musicais algarvios serem marginalizados, subalternizados, vilipendiados, preteridos e esquecidos. Para que isso não aconteça, é preciso que todos os que estão profissionalmente ligados à Música se consciencializem que a Música feita no Algarve só será devidamente respeitada e creditada quando todos eles a assumirem e considerarem como una, sem compartimentações preconceituosas. É necessário afirmar a atividade musical através da criação de estruturas profissionais onde todos os que pela sua exigência, dedicação, profissionalismo, qualidade e mérito possam constituir-se como um núcleo gerador de oportunidades criativas, interpretativas e performativas. Só assim poderemos, de uma vez por todas, tentar que a marca «Algarve Musical» se constitua como mais uma fonte de divulgação e rentabilização da nossa região. A bem da Música e do Algarve, criemos sons com outros tons” .
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Deficientes?... Paulo Cunha
(…) Fui bafejado por esta graça que me tocou em vida, a de poder conhecer (e reconhecer) na falta de um ou mais sentidos, a superioridade de muitos na luta e superação constante contra a indiferença e o estigma de quem, não sabendo, não conhecendo e não querendo, tantas vezes os ostraciza. São concidadãos que merecem todo o nosso apoio, atenção e estima e não as costumeiras «caridadezinhas» para eleitor ver e logo a seguir esquecer (…) ALGARVE INFORMATIVO
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djetiva-se alguém que apresenta deformação física ou insuficiência de uma função física ou mental como deficiente. Pois… entendo, mas cada vez mais concordo menos com esta definição. É que ao longo dos meus trinta e três anos de docência tenho vindo a aprender com os ditos «deficientes» o que é efetivamente a deficiência. Passo a explicar: com cerca de vinte e poucos anos de idade aceitei lecionar as disciplinas de «Piano» e «Formação Musical» a uma aluna cega. Obviamente a formação e preparação de base para tal foi «zero». Valendo-me de algum altruísmo, do desejo de arriscar, da vontade de partilhar, do anseio de aprender e de querer ser solidário, avancei com tal desiderato… Trabalhei com a dita aluna para que prosseguisse estudos e hoje, com satisfação inaudita e enorme orgulho, vejo-a na qualidade de professora habilitada para lecionar várias «cadeiras» ligadas ao ensino da Música, além de ser uma ótima cantora e pianista de jazz. O tempo entretanto passou e eis que, há quinze anos, me «bateu à porta» outro convite improvável, o de acolher uma turma de alunos surdos no seio da aprendizagem musical. Se no início da carreira letiva o desafio me pareceu inegável, volvidos alguns anos, e estando intelectualmente mais maduro, resolvi pedir uns dias para refletir, informar-me e aconselhar-me, pois, mais uma vez, repetia-se a «cena» formação e preparação de base para tal, «zero». E a história voltou a repetir-se… mais uma vez aceitei. E em boa hora o
fiz! Quinze anos volvidos em contacto com o mundo do silêncio e o resultado é encontrar-me hoje muito mais rico musical, intelecto e afetivamente. Foram várias turmas de gente que me ensinou muito mais do que eu me propus e lhes consegui ensinar. Inquestionavelmente! Daí a dificuldade em conceber e aceitar estes alunos como sendo deficientes, pois à declarada e assumida insuficiência e incapacidade de ouvir contrapõe-se a notória capacidade para igualar, e até superar, os ouvintes no que lhes é solicitado musicalmente. A forma como sentem as vibrações e nelas ouvem o que a natureza lhes roubou é comparável ao que os dedos da aluna cega viam ao tocar nas teclas do piano. Fui bafejado por esta graça que me tocou em vida, a de poder conhecer (e reconhecer) na falta de um ou mais sentidos, a superioridade de muitos na luta e superação constante contra a indiferença e o estigma de quem, não sabendo, não conhecendo e não querendo, tantas vezes os ostraciza. São concidadãos que merecem todo o nosso apoio, atenção e estima e não as costumeiras «caridadezinhas» para eleitor ver e logo a seguir esquecer. Por isso, muitas vezes - em tom brincalhão e com alguma provocação à mistura - digo que prefiro lecionar aos «deficientes declarados» do que aos «deficientes não declarados». Sim, porque considero mais deficiente aquele que pode e não faz do que aquele que não pode e faz! Para bons entendedores… .
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Paulo Cunha
Os nossos «pontos de restauro» vulgar escutar o chavão/bordão «No meu tempo é que era bom!» proferido por gente que já viveu bastante tempo… mas não necessariamente bastante. Referem-se, por certo, ao tempo da sua juventude. Altura da vida em que os sonhos se encontram à mão de semear, os desejos a um passo de se concretizar, a esperança voa na constância dos dias e a amizade não tem prazo, objetivo, nem destino. Um tempo em que há tempo para desfrutar todo o tempo que a vida nos concede. Um tempo onde os momentos nos marcam de tal forma que nos criam uma âncora temporal e um azimute vivencial. Entretanto, o tempo passa e com ele se perde, inapelavelmente, a disponibilidade para aproveitar o que o novo tempo nos oferece: a possibilidade de todos os dias criar memórias que nos possibilitem não perder tempo a falar de um tempo já passado. A voracidade dos dias torna fugazes e voláteis momentos carregados de substância, criando-nos a ilusão, à medida que os anos passam, que foi ainda ontem que vivemos o ano passado, tal a rapidez com que dias iguais se atropelam uns a seguir aos outros. Quantas vezes damos conta que momentos e situações verdadeiramente importantes nos batem à porta e nós,
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(…) Na maioria dos casos fomos erguendo muros profissionais, sociais e familiares que nos acomodaram à modorra dos dias, aprisionando-nos e espartilhando a possibilidade de ir criando um novo tempo: o tempo do agora! Um tempo em que as recordações sejam de tal forma constantes e em número suficiente que, tal como com um computador, a elas possamos recorrer sempre que os «vírus» diários nos entrem na nossa «memória operativa» e nos mandem «a baixo» (…) 13
não sabendo e/ou não querendo, não os deixamos entrar? Daí aquela sensação de perda e de saudade constante de um tempo em que fomos, efetivamente, felizes… Um tempo que já não voltará atrás, porque para trás ficou a disponibilidade da juventude que o marcou! Na maioria dos casos fomos erguendo muros profissionais, sociais e familiares que nos acomodaram à modorra dos dias, aprisionando-nos e espartilhando a possibilidade de ir criando um novo tempo: o tempo do agora! Um tempo em que as recordações sejam de tal forma constantes e em número suficiente que, tal como com um computador, a elas possamos recorrer sempre que os «vírus» diários nos entrem na nossa «memória operativa» e nos mandem «a baixo». Hoje já é possível atrasar o envelhecimento corporal e mental, mas não o é impedi-lo. Irremediavelmente a isso estamos condenados! Permitir que a mente flua e nos faça transcender para lá das amarras ao passado poderá ser, indubitavelmente, uma forma de envelhecer jovialmente. Basta para isso dar tempo ao tempo que ainda nos resta para continuar a criar «pontos de restauro». Os nossos «utilizadores» agradecerão! .
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Paulo Cunha
“Lá em casa quem manda é ela!”
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(…) No fundo, a mensagem que passa cá para fora, e que qualquer pessoa com dois dedos de testa percebe à primeira, é a desresponsabilização e não assunção das incumbências ligadas às tarefas domésticas, à educação e apoio aos filhos e à gestão do orçamento caseiro e familiar por parte de quem profere tais dislates (…)
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ão consigo deixar de sorrir e «pensar com os meus botões» quando oiço algumas expressões (com o seu quê de idiossincrasia, na ótica de quem as profere) tão queridas de certos géneros e faixas etárias para justificar uma forma de estar e agir em família e em sociedade. É comum, numa roda de amigos mais velhos, ouvir alguns homens dizer, orgulhosa e altivamente, que “Lá em casa quem manda é ela!”, parecendo que, com esta afirmação, manifestam publicamente a sua partilha de poderes face ao contexto familiar em que estão inseridos. Querendo parecer ser detentores de grande condescendência e bonomia, anuem em subentender uma curiosa partilha de poderes: “Tu mandas lá em casa, eu mando no resto!”. Espremendo esta afirmação, facilmente damos conta que o sumo obtido não corresponde à fruta que nos querem vender. No fundo, a mensagem que passa cá para fora, e que qualquer pessoa com dois dedos de testa percebe à primeira, é a desresponsabilização e não assunção das incumbências ligadas às tarefas domésticas, à educação e apoio aos filhos e à gestão do orçamento caseiro e familiar por parte de quem profere tais dislates...
São tarefas domésticas que foram herdadas, em parte por obrigação, por mulheres que saíram de casa para casar com «filhos de certas mamãs», formatados numa educação assente e inspirada nos exemplos vivenciados e inculcados em ambiente familiar. Educação de tal modo enraizada em determinados extratos sociais e culturais portugueses, que faz com que sejam as próprias mulheres a defender a não participação e ajuda dos seus maridos e filhos nas lidas da casa. Dir-me-ão que hoje já não é assim, que isso é coisa dos tempos da «outra senhora». Em parte, acredito que sim… que seja um fenómeno que se tenha vindo a desvanecer e diluir na falta de tempo doméstico, efetivo e útil, provocada pelos deveres profissionais do casal. Mas, em verdade também vos digo que cada casa é um mundo, e há «mundos» de gente jovem que me surpreende pela cabotinice dos seus atos entre as quatro paredes. Perante afirmações do género: “Isso são assuntos de mulher… Não se fala mais disso! Querem lá ver… Eu que até despejo o lixo todos os dias!?...” – só me ocorre dizer a esses homens: “Libertemse, o lixo está na vossa cabeça!” .
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FARO CAPITAL NACIONAL DA CULTURA 2005 – 10 ANOS DEPOIS…
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Paulo Cunha
(…) A falta de estruturação atempada da programação e o favorecimento de uma programação centralizada em detrimento das propostas dos agentes culturais da região foram as principais causas para que a FCNC tenha deixado poucas raízes no tecido cultural algarvio. Teriam sido as forças culturais da região, atuantes, conhecedoras da realidade local e independentes do poder que, através dos seus projetos, poderiam ter alargado a oferta com iniciativas estruturantes na contínua formação de públicos (…) 15
inda a estrutura de Missão «Faro Capital Nacional da Cultura 2005», a minha amiga Ana Oliveira fez-me, em jeito de balanço, três perguntas, às quais respondi sucintamente na qualidade de exconselheiro cultural da referida estrutura e, na altura, presidente da direção da Associação Cultural Música XXI. Não sei se as respostas foram publicadas ou não na imprensa. Pouco importa, já é história…! Assim sendo, faça-se história com as mesmas perguntas e as mesmas respostas dadas há nove anos: 1 – Considera que FCNC cumpriu os seus objetivos, na medida em que se propunha ser um evento estruturante para a região, em termos de mudanças de hábitos culturais? Conseguiu, com alguns eventos mais mediáticos que realizou, mostrar aos autarcas da região que eventos culturais também servem para «vender» as suas localidades. Tenho vindo a constatar que o modelo de programação que foi então levado à prática (principalmente na vertente musical) é aquele que neste momento mais é aplicado pelas várias autarquias da região: programar em função do gosto vigente, baseado na escolha «à la carte» das propostas existentes nos múltiplos catálogos culturais que por cá proliferam. A falta de estruturação atempada da programação e o favorecimento de uma programação centralizada em detrimento das propostas dos agentes culturais da região foram as principais causas para que a FCNC tenha deixado poucas raízes no tecido cultural algarvio. Teriam sido as forças culturais da região, atuantes, conhecedoras da realidade local e independentes do poder que, através dos seus projetos, poderiam ter alargado a oferta com iniciativas estruturantes na contínua formação de públicos. Pensadas, estruturadas e
realizadas por gente do sul, provavelmente, essas iniciativas seriam hoje uma marca cultural da região… 2 – De que forma a Música XXI participou em FCNC? Participou na elaboração duma série de projetos que foram entregues, em devido tempo, aos seus programadores, não tendo nenhum deles merecido qualquer atenção e apoio. Participou também «cedendo» o seu presidente para integrar o Conselho Consultivo da FCNC, facto que não surtiu qualquer efeito prático na programação da FCNC. A única colaboração foi a colagem da FCNC a uma produção nossa, já implementada e com assinalável êxito: a exposição «World Press Photo», realizada em Portimão. 3 – Qual seria o formato ideal de uma capital da cultura? O formato ideal seria a realização de uma capital da cultura completamente independente de interesses políticos (partidários), sem condicionalismos estruturais e conjunturais e onde os programadores olhassem para a cultura como um fim e não um meio. Uma década depois, gostaria de poder, numa roda de amigos, confraternizar, debater e «tertuliar» com o homem que ainda tentou fazer algo para que as minhas queixas não tivessem, ontem e hoje, razão de existir… mas, vítima de contingências várias, então tal não conseguiu. Foi através desta iniciativa que António Rosa Mendes entrou - pela porta grande - na minha vida. Figura central, comissariou como soube e lhe deixaram uma Estrutura de Missão tardiamente estruturada por quem a decretou e financiou. Quis o destino, cruel, levá-lo do mundo dos vivos. Para ele, onde quer que esteja, vai o meu reconhecimento por, mal ou bem, ter tentado dar à nossa capital de distrito, capital importância! .
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“… E JÁ AGORA: QUERIA PEDIR-TE UM FAVOR!” Paulo Cunha
(…) Genuínas e simples ações, como o convidar para um evento, para um jantar em grupo ou para uma festa, trazem, por vezes, uma segunda intenção implícita. Já não falando no despudor, insensatez e falta de vergonha com que se usa a palavra «Convite» para levar os convidados a financiar a atividade para a qual foram convidados. Sou do tempo em que quem convidava, convidava porque podia e queria. Sem mais… (…) ALGARVE INFORMATIVO
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unca vos aconteceu olhar para o visor do vosso telemóvel e, identificando quem vos está a telefonar, questionarem-se: “o que será que ele/ela me vai pedir?”… É um facto indesmentível, à medida que os anos vão passando, diminuem os contatos com os outros «apenas» com o intuito de dar, partilhar e conviver. A juventude ficou para trás e com ela a forma desprendida e ingénua de contactar e convidar pelo simples prazer de estar com... Eis senão quando, com a velhice, ressurge a vontade de rever, de procurar, de estar, de partilhar e de mostrar. Já sem a pressão dos dias cheios e ávidos de tarefas e prossecução de objetivos, onde os sorrisos e risos francos andam arredios e o simples prazer de desfrutar da companhia de alguém é quase proibitivo. Outro sintoma desta forma de «consumir» a vida, em vez de vivê-la com e para os outros, é a facilidade com que se chama «amigo» a simples conhecidos, retirando à palavra a sua carga efetiva e afetiva, vulgarizando-a e substituindo emoções por racionalizações. Genuínas e simples ações, como o convidar para um evento, para um jantar em grupo ou para uma festa, trazem, por vezes, uma segunda intenção implícita. Já não falando no despudor, insensatez e falta de vergonha com que se usa a palavra «Convite» para levar os convidados a financiar a atividade para a qual foram convidados. Sou do tempo em que quem convidava, convidava porque podia e queria. Sem mais…
Hoje, os «Convites» têm (quase) todos um preço. O preço para quem os pede, o preço para quem os dá e o preço para quem os aceita. Atente-se nos eventos públicos que são apoiados e financiados com dinheiros de todos nós e para os quais estão sempre reservados lugares para convidados que, de uma forma ou de outra, pagaram ou pagarão o convite a quem os convidou. Num tempo cada vez mais mercantilista e consumista, as trocas de favores têm outro nome e fazem-se de variadíssimas formas. É o tempo que temos, o tempo onde a finança e a política ditam as regras sociais! Observo, nada impávido nem sereno, os comportamentos de gente que transmite às gerações vindouras, procedimentos em que a deturpação e banalização de condutas que garantiam idoneidade, competência, honestidade e amizade, são agora uma constante. Não estou aqui a tentar arvorar-me em moralista, nem defensor acérrimo dos bons costumes. Não é essa a minha intenção, nem o meu estar na vida… de modo algum! Não posso é passar pela vida sem questionar, nem refletir sobre quais foram as razões que levaram os valores que me foram incutidos no seio familiar a ser adulterados pela minha geração. Continuo a achar que não vale tudo para lá chegar… Até porque o «lá» afasta-nos dos de cá, e nada poderá ser pior para quem cá está do que perder a «ligação à terra». Esta Terra de gente feita! .
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ALGARVE TODO O ANO?... OBVIAMENTE!
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Paulo Cunha
(…) Mas atentai, senhores decisores, diretores, administradores e governantes: quem trata desta joia preciosa é quem cá vive, e se quem cá vive se sente abandonado, subalternizado, enganado e esquecido durante todas as outras estações do ano para que nos meses de verão seja então canalizada grande parte dos respetivos orçamentos com o único intuito de agradar e fidelizar quem vem de fora, é natural que não goste (…)
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verão chegou e com ele, em proporção direta, um turista por algarvio. Será que o vosso já chegou? Se ainda não, habituem-se à ideia: ele vem aí! É claro que não se distribuem de forma uniforme e equitativa pelos belos recantos do «nosso» Algarve, e ainda bem, pois felizmente vem «ao de cima» o espírito gregário e de «rebanho» tão característico do comportamento humano… E como dizia o outro: “Deixaios vir, que eu sei para onde ir!”. Felizmente esta «ilha» com o Alentejo de premeio é suficientemente grande para fugirmos e nos defendermos de toda a pressão, tensões e stress acumulados que quase todos que nos visitam nesta época querem afogar nas cálidas e transparentes águas da costa algarvia. A questão é que por mais atrativa e apelativa que seja esta região, não é a mesma, por si só, que opera o milagre terapêutico de fazer «recarregar as baterias», a frase preferida proferida por tantos turistas que cá chegam com as «baterias» repletas de energias negativas e, sem darem conta, continuam a carregá-las apenas através do polo negativo, ao mesmo tempo que as distribuem - negativamente - por todos à sua volta. Basta estar atento aos comportamentos dos muitos visitantes que, trazendo consigo o peso de onze meses de trabalho árduo e mal pago, de mágoas, de angústias, de desilusões e de depressões encapotadas, não conseguem, em menos de um mês, despir este fato que lhes cai tão mal num sítio onde: “Quanto menos roupa, melhor”! Quem cá vive (Algarve) sabe que, querendo e sabendo aproveitar, o Algarve tem outro encanto quando,
noutro tempo e noutra altura, o sol continuando a brilhar, o mar continuando calmo e o campo continuando florido nos proporcionam a paz e a serenidade suficientes para vivermos bem connosco e com os que nos rodeiam. Sem concentrações, sem massificações e sem pressões. O outro Algarve que só quem já não está dependente e obrigado pelas contingências laborais e escolares conhece. Esse sim: o verdadeiro Algarve. Entretanto… nestes meses de verão que venham muitos e que venham por bem! O Algarve, enquanto região, tem no turismo a sua «galinha dos ovos de ouro». Para um país que se habituou a ver sair em vez de entrar, este é um capital precioso. Um capital de todos nós, portugueses. Mas atentai, senhores decisores, diretores, administradores e governantes: quem trata desta joia preciosa é quem cá vive, e se quem cá vive se sente abandonado, subalternizado, enganado e esquecido durante todas as outras estações do ano para que nos meses de verão seja então canalizada grande parte dos respetivos orçamentos com o único intuito de agradar e fidelizar quem vem de fora, é natural que não goste. Até porque algarvio que se preze é filho de boa gente! Assim sendo: “Bem-vindos caros turistas. Férias à vossa medida e não deixem de aproveitar uma das melhoras características desta região: os algarvios!”. Encontramo-nos então nesta enorme esplanada chamada Algarve! .
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FESTAS E VAIS…
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Paulo Cunha
(…) fica o Algarve, no que concerne a esta programação «à la carte» e de recriação e entretenimento prégarantidos, com a organização na mão de autarquias que se substituem às entidades privadas. Nalguns casos, por sua (nossa) conta e risco, com programações interesseiras e de qualidade duvidosa. Obviamente, nada tenho a obstar quando todos ficam a ganhar (artistas, operacionais do espetáculo, público, autarquias e patrocinadores). Aliás, esta é também uma forma inteligente e eficaz de salvaguardar e até melhorar as finanças das autarquias algarvias (...) ALGARVE INFORMATIVO
erivando, naturalmente, da palavra e do significado de festa, festival é tudo aquilo que se pretende num mesmo tempo, espaço e contexto: a celebração e fruição conjunta de algo que, afagando e estimulando os sentidos, nos propicia momentos de fruição, deleite e enriquecimento intelectual. Foi, é, e será uma fórmula que, independentemente das condições económicas e financeiras do país em que os mesmos se realizem, terão, indubitavelmente, êxito, pois as pessoas sabendo ao que vão e, ao mesmo tempo, reconhecendo a elevada quantidade e qualidade das manifestações integradas nesses eventos, sentem-se compelidas a desfrutá-los. É o caso de Portugal que, atravessando uma das piores crises socioeconómicas de sempre, não deixou de ter nos Festivais de todo o género um motivo de escape, alento, conforto e alheamento de todos os problemas de vária índole que nos têm vindo a afligir. Sabendo disso, muitas empresas altamente profissionalizadas têm explorado este filão que constitui a organização de Festivais, apostando na contratação de «estrelas» musicais que constituem êxito assegurado, juntandolhe «comes e bebes» e outros motivos de entretenimento. Convém referir que todas elas, inteligentemente, «vão à luta» secundadas e fortemente patrocinadas por multinacionais que veem nestes eventos uma forma rápida, direta e eficaz de se publicitarem. Do ponto de vista empresarial é este, sem dúvida, o caminho! Tomando como exemplo o enorme êxito que tem constituído a realização de grandes festivais de música de verão, seria de esperar que, dos mais de cem estritamente musicais - que já decorreram e ainda virão a decorrer nesta altura, muitos deles fossem realizados no Algarve… por todos e mais alguns motivos que, por serem tão
óbvios, nem aqui os menciono. Agora o que é facto é que esses e outros empresários continuam a não apostar na realização desses festivais no Algarve. Eles lá saberão e eu nem me atrevo a imaginar, nem tentar adivinhar as verdadeiras razões para que tal aconteça. Assim sendo, fica o Algarve, no que concerne a esta programação «à la carte» e de recriação e entretenimento pré-garantidos, com a organização na mão de autarquias que se substituem às entidades privadas. Nalguns casos, por sua (nossa) conta e risco, com programações interesseiras e de qualidade duvidosa. Obviamente, nada tenho a obstar quando todos ficam a ganhar (artistas, operacionais do espetáculo, público, autarquias e patrocinadores). Aliás, esta é também uma forma inteligente e eficaz de salvaguardar e até melhorar as finanças das autarquias algarvias. Agora o problema é quando tal não acontece e, num ápice, vemos, nos meses de verão, as parcas finanças das autarquias a serem prejudicadas e delapidadas em organizações que, váse lá saber porquê, tinham tudo para dar certo, mas… não deram! E depois é ouvir os responsáveis a colocar a costumeira culpa nos outros, alegando depois já não terem condições para financiar a programação cultural para os restantes dez meses do ano. São chamados então os do costume: os artistas algarvios, aqueles que todo o ano fazem mais do que simplesmente entreter os de cá e os lá. Agentes culturais e músicos algarvios que deviam ser o porta-estandarte cultural de uma região em todos estes festivais realizados a sul, mas, inevitavelmente, por representarem a cultura, o estar e o ser algarvio não são merecedores da atenção de determinados programadores já previamente programados. Festa?... Sim, para os do costume! .
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VEM DE FORA? É BOM! (…) Ainda um destes dias, pesquisando para um trabalho específico, dei-me conta da reduzida quantidade de grupos musicais ligados à música étnica portuguesa em atividade no Algarve, constatando também, com alguma consternação e apreensão, o términus de alguns que foram referências na divulgação do nosso património no que à música tradicional diz respeito. As razões são mais do que evidentes, basta observar a quantidade de eventos por cá realizados onde a música regional algarvia (não) está presente. “Tocar para aquecer? Não!... Deixar de tocar para esquecer!” (…)
PAULO CUNHA NUTRO PROFUNDA ADMIRAÇÃO POR POVOS que têm na sua matriz identitária e código genético, o respeito, a defesa e a valorização da sua identidade cultural. Gente que aprendeu, desde o berço, o valor do imaterial em tudo aquilo que de material viria a constituir a sua vida. Deixo aqui o exemplo de dois povos referenciais na opinião que aqui partilho: a Espanha e a Irlanda. Duas nações que, tal como Portugal, têm atrás de si uma longa história de separações, junções, anexações, colonizações e aculturações. O que hoje são deve-se à soma de todos estes e outros fatores, mas, sobretudo, ao imenso orgulho naquilo que as distingue enquanto nações: a sua cultura. Nas visitas que lhes fiz marcoume profundamente a forma ativa e interventiva como afirmam, através de várias expressões artísticas, as características diferenciadoras das suas várias regiões. Assumem a sua grandiosidade pela polivalência cultural, destacando-a e levando-a a todos os que as visitam. Usam-na como forma de valorizar as suas províncias e as suas gentes, e isso, diferenciando-as, dá-lhes a respeitabilidade e admiração que só as grandes nações merecem. Por cá, com uma herança cultural enorme (quantitativa e qualitativa), custa-me constatar a forma como se vilipendia, de berço, a transmissão de uma riqueza identitária que nos torna únicos entre pares. Com uma educação e instrução assentes em valores e premissas anglo-saxónicas, habituámo-nos a ver os principais ideólogos, intervenientes e agentes no processo de aculturação a, deliberada ou ignorantemente, a negligenciar, banalizar e até ostracizar o que é nosso. E quando falo do que é nosso, refiro-me às tradições de uma região. Tomemos como exemplo o Algarve… Não seria de esperar que sendo esta uma região que recebe todo
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o ano gente de várias partes do globo, tivesse nos seus agentes culturais um dos ex-líbris da sua matriz regional? Sendo eles os principais produtores e realizadores de cultura feita na região, seria natural que estivessem na linha da frente para serem um dos nossos cartões de visita, mas se atentarmos e refletirmos com atenção, reparamos que não é isso que acontece. Cada vez mais os programadores ligados às instituições públicas e privadas que organizam todo o tipo de animação turística, apostam quase exclusivamente numa programação artística assente numa centralidade «impingida» pelos vários meios de comunicação e publicidade. Sempre a gosto e de consumo rápido e garantido, mas de consequências nefastas e irreparáveis para as várias gerações que povoam o Algarve. O lema é «Vem de fora, é bom!». Ainda um destes dias, pesquisando para um trabalho específico, dei-me conta da reduzida quantidade de grupos musicais ligados à música étnica portuguesa em atividade no Algarve, constatando também, com alguma consternação e apreensão, o términus de alguns que foram referências na divulgação do nosso património no que à música tradicional diz respeito. As razões são mais do que evidentes, basta observar a quantidade de eventos por cá realizados onde a música regional algarvia (não) está presente. “Tocar para aquecer? Não!... Deixar de tocar para esquecer!”. E assim muitos de lá vão «cantando e rindo» com tanta pobreza de espírito de alguns de cá. E de quem é a culpa? De alguns políticos de pacotilha que ainda se atrevem a defender a regionalização. A «sua» regionalização… .
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MAIS UM ANO… LETIVO
PAULO CUNHA
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(…) Não havendo preço para um filho, não há nenhuma instituição bancária em nenhuma parte de mundo que valha tanto quanto uma escola cheia de alunos. Tal como num depósito à ordem, esperamos que volvido um ano letivo o nosso maior investimento renda, em conhecimento e saber, os juros devidos por lá os ter colocado. E é na soma destes investimentos individuais que obteremos o PIEC (Produto Interno Educacional e Cultural) que nos colocará - ou não - nos países mais desenvolvidos (…)
inda vazias de alunos, a sua única razão de ser e existir, as escolas de Portugal preparam-se para, mais uma vez, se verem conquistadas e povoadas pelo nosso maior tesouro nacional: os nossos filhos. É inquestionável que os nossos descendentes são a nossa principal riqueza! Riqueza que, grande parte do dia, é colocada à guarda, gestão e investimento da instituição «Escola». É lá, para o bem e para o mal, que vão passar as várias fases do seu crescimento enquanto indivíduos e seres sociais. Não havendo preço para um filho, não há nenhuma instituição bancária em nenhuma parte de mundo que valha tanto quanto uma escola cheia de alunos. Tal como num depósito à ordem, esperamos que volvido um ano letivo o nosso maior investimento renda, em conhecimento e saber, os juros devidos por lá os ter colocado. E é na soma destes investimentos individuais que obteremos o PIEC (Produto Interno Educacional e Cultural) que nos colocará - ou não - nos países mais desenvolvidos. Desenvolvimento que, natural e consequentemente, trará riqueza, seja ela de que índole for. Parecendo esta ilação irrefutável, estranho constatar que, a reboque, instigada e obrigada por várias entidades bancárias comunitárias e internacionais, vemos a Educação de um país (que tem tudo para dar certo!) ser vilipendiada e sonegada em nome das Finanças e da Economia. Embora os políticos partidários não o queiram assumir publicamente, temos hoje um sistema educativo doente, onde as principais maleitas são sentidas por todos os seus intervenientes. Senão vejamos: - O desemprego e o emprego mal remunerado geram encarregados de educação sem tempo, paciência nem vontade para educar, ajudar e
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acompanhar os seus educandos; geram encarregados de educação revoltados contra tudo e contra todos; geram alunos agressivos, desinteressados e ausentes; geram alunos com necessidades educativas especiais totalmente entregues à boa vontade do reduzido número de técnicos especializados ao dispor; geram falta de condições e insegurança no espaço escolar por falta de assistentes operacionais; geram professores cansados, depressivos e desmotivados por terem de trabalhar por si e por todos os que se viram obrigados a se afastar do sistema de ensino; geram professores sem expetativa de um futuro melhor nem a recompensa devida pelo trabalho de uma vida; geram professores revoltados contra a obrigação de ter que cumprir programas inadequados, de ter que realizar exames de recuperação a alunos que não querem aprender, e de ter que executar um excessivo volume de trabalho burocrático, tudo para minorar os custos da reprovação dos alunos; gera grandes níveis de ansiedade, exaustão emocional e stress ocupacional, o facto de grande parte dos professores não poderem planificar a sua vida familiar para além da duração dos contratos e das diferentes zonas do país onde ficam colocados; geram cargas horárias excessivas e turmas sobrelotadas; enfim geram o que está vista de todos os que sabem e querem ver… Portanto, por muito que se queira remediar pela base, é no topo que está o segredo para que a Educação possa vir a ter o investimento que o betão e o alcatrão tiveram nas últimas décadas em Portugal. Investimentos esses que serão pagos por todos aqueles que hoje padecem do atual estado da Educação. Incongruências da vida que escolhemos para este país… .
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ENSINO DESARTICULADO DA MÚSICA
PAULO CUNHA
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(…)É caso para colocar em causa esta social-democracia (tão pouco cristã) que me obriga mais uma vez a retroceder à memória dos meus tempos de aluno de Conservatório, onde só os meninos «bem» provenientes de famílias abastadas tinham a possibilidade de aprender Música fora do ensino regular oficial (…)
ou do tempo em que estudar Música no Algarve era um privilégio de poucos pois, para além de haver apenas um Conservatório de Música na região (Faro), não havia qualquer tipo de financiamento para além do «bolso» dos encarregados de educação. Fui um privilegiado, pois sendo filho de um (simples) funcionário público e duma «doméstica», tive em quem nunca teve, o desejo que eu e o meu irmão tivéssemos. O tempo passou e com o tempo vieram as alterações estruturais e estruturantes que colocaram Portugal mais perto da Europa da Cultura e da Educação, posicionando assim também o Algarve mais perto da centralidade de que se via arredado dez a onze meses por ano. Foram anos em que, para felicidade e progresso de todos, a oferta vocacional da Música estendeu-se por uma região que até então apenas acolhia a produção musical dos outros. Do barlavento ao sotavento, o Ensino Particular e Cooperativo começou a gerar Conservatórios, Academias e polos de Música em Lagos, Portimão, Lagoa, Albufeira, Loulé, Olhão, Tavira e Vila Real de Santo António. Associações de pessoas que, de forma abnegada e altruísta, construíram autênticas fontes potenciadoras de arte e cultura numa região até então ávida de oferta musical. Com o acesso aos fundos europeus foi possível, através do ensino articulado, criar uma forma digna, prática e democrática de financiar os alunos que, desde cedo, mostravam aptidão, vocação e desejo pela Música. Para que tal acontecesse o Estado financiava na totalidade a mensalidade dos alunos que tivessem escolhido este tipo de ensino articulado com o ensino oficial. Entretanto os fundos europeus têm-se vindo a transformar em financiamentos apenas afetos ao
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Orçamento de Estado, e perante tal cenário eis que, a dias de começarem as suas atividades letivas, as cerca de 97 instituições privadas que asseguram a maior parte da oferta de ensino artístico especializado em todo o país se vêm na contingência de ter cortes no financiamento através de contrato de patrocínio a celebrar com o Estado, na ordem de 97 por cento nas iniciações, 79 por cento no ensino básico supletivo e de 16 por cento no ensino básico articulado. E assim se colocam em causa cerca de 8400 lugares financiados em Portugal (dados da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo) … É caso para colocar em causa esta social-democracia (tão pouco cristã) que me obriga mais uma vez a retroceder à memória dos meus tempos de aluno de Conservatório, onde só os meninos «bem» provenientes de famílias abastadas tinham a possibilidade de aprender Música fora do ensino regular oficial. Perante tal estado de coisas não é difícil ver o que irá acontecer, tanto por cá, a sul, como no resto do país: mensalidades a aumentar, alunos a desistir e a interromper o seu percurso musical, mais professores no desemprego e Conservatórios a fechar. Será que nascemos todos a saber música e não sabíamos? Talvez por isso, para quê «Conservatórios»?... Bem… como estamos tão perto das eleições para a Assembleia da República, pode ser que quando este meu «desabafo» for publicado, já estas medidas tenham sido revogadas e tudo tenha voltado ao que era. Até porque ver «dar o dito pelo não dito» não é coisa que me surpreenda no que à política diz respeito! .
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O ALGARVE NA EUROPA DA CULTURA
PAULO CUNHA
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ão tendo nascido ontem (nem de geração espontânea) para a Cultura… e sendo um homem do sul que o Algarve crestou, fiquei bastante satisfeito em saber que a autarquia da minha cidade de adoção (Faro) pretende candidatar a capital de distrito a «Capital Europeia da Cultura» em 2027. A primeira capital de distrito portuguesa que, almejando dividir tal organização com uma cidade da Letónia, se prepara (dez anos depois de se ter realizado estrutura de missão «Faro - Capital Nacional da Cultura – 2005») para colocar esta cidade nas «bocas do mundo» pelos melhores e mui nobres motivos. Qualquer algarvio sensato e de boa índole verá com agrado e orgulho esta aspiração. Eu sou o primeiro entre muitos! Mas… Tendo a candidatura que ser entregue até 2017 para ser escolhida em 2019 por um júri internacional que decidirá qual será a cidade portuguesa que honrará Portugal através da sua produção, participação e mostra cultural, cabe à equipa escolhida para elaborar a candidatura, a hercúlea tarefa de fazer valer os pergaminhos farenses/algarvios nesta meritória disputa. Ora assim sendo, e tendo como limite temporal cerca de dois anos de trabalho para que tal desiderato chegue a bom porto, manda o bom senso que se olhe para o passado e com ele se retire as devidas e necessárias ilações e ensinamentos para que esta candidatura não seja contaminada com aquilo que nas outras não surtiu o efeito desejado. Sendo uma candidatura de uma cidade, deverá, antes de mais, ter implícita na sua génese, toda a região de que Faro é capital. Comparado com certas cidades cosmopolitas internacionais, o Algarve quase se assemelha a uma grande cidade atravessada pela
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estrada nacional 125 e pela via do Infante, tendo como ponto central, Faro. Deverá ser assim o farol de uma candidatura onde as questões e divergências históricas, autárquicas e político-partidárias deverão ficar para trás, privilegiando o crescimento e enriquecimento cultural da região. Deverá privilegiar a cultura e a educação para a cultura - tout court - sem se deixar amarrar a questões de ordem económica e financeira que, logo à partida, poderão fazer inquinar a qualidade da candidatura. Deverá privilegiar todos os equipamentos culturais da região e, ao mesmo tempo, requalificar e criar outros que possam vir a ter um papel estrutural e estruturante para a criação, produção e apresentação de cultura na região algarvia. Deverá ter em conta os algarvios (agentes, intervenientes e consumidores de cultura), pois serão eles os maiores e melhores veículos de promoção da região após a realização dos eventos inclusos na candidatura. Deverá, finalmente, ser idealizada também com o intuito de projetar além-fronteiras, a cultura (desconhecida) de uma região que tem tudo para se afirmar também através do turismo cultural. E se assim for, deixaremos, inquestionavelmente, um enorme legado para as gerações vindouras. Daqui a doze anos agradecerão tal candidatura. Eu desde já louvo e enalteço tal iniciativa. As maiores felicidades! Ganharemos todos, enquanto região e enquanto algarvios… .
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OS REPRESENTANTES DO POVO
PAULO CUNHA
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antando um destes dias com um amigo brasileiro e assistindo de soslaio a um debate entre os líderes de duas forças partidárias, eis que ele me lança a seguinte questão: “Qual será a razão pela qual, servindo as eleições que se avizinham para eleger os deputados de cada região de Portugal, a maioria da imprensa concentra apenas a sua atenção nos debates entre os secretários gerais dos partidos representados na Assembleia da República?”. Fazia-lhe confusão não ver os candidatos regionais a discutir e a dirimir as suas opiniões e visões estratégicas para a região que, pretensamente, irão representar e defender, pois é neles que o eleitor deveria fazer recair - ou não - o peso do seu voto?!... Apelando à minha capacidade sintética/analítica, tentei explicar-lhe as idiossincrasias de um povo ainda jovem no que à democracia diz respeito. Efetivamente ele tinha razão, a maioria dos portugueses acabam por ver estas eleições apenas como a oportunidade de escolher um primeiro-ministro que terá então a incumbência de constituir o governo do país, e não a de, em primeira instância, escolher os seus representantes na «nossa» Assembleia. É difícil explicar a um estrangeiro que muitos dos candidatos que aparecerão de carinha laroca e produzida nos panfletos que encherão as caixas de correio e povoarão os «outdoor» à beira estrada plantados, nunca foram «tidos nem achados» quanto aos problemas, questões e
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assuntos da região pela qual se candidatam; que alguns nem dessa região são, passando nela apenas o tempo necessário para que os mais incautos e crentes fiquem com a sua imagem na retina; que alguns «cabeças de lista» assumam os cargos para logo de seguida saírem para «irem à vida», dando assim lugar a figuras apagadas, impreparadas e totalmente desconhecidas da população que os elegeu; que o dever de obediência à disciplina de voto do partido se sobreponha aos soberanos e inalienáveis direitos das populações que esses deputados deveriam representar na «Casa da Democracia»; que sendo um dos Parlamentos mais povoados na Europa, os muitos assentos não correspondem proporcionalmente a parlamentares que decidam a favor de quem os elegeu. Enfim… O Portugal do poder. E como final de conversa ainda lhe presenteei com outra característica muito própria do «Portuga»: exige, reclama, barafusta… mas sempre nas alturas despropositadas e nos sítios inapropriados. Se não vejamos… Vós, que comigo partilhais esta minha reflexão, sabeis por acaso o nome de todos os deputados da vossa região que cessaram funções e que no último mandato vos representaram no hemiciclo parlamentar? Não… Bem me parecia! Depois de eleitos os representantes, os representados caem no esquecimento. Obviamente, porque só é respeitado quem se faz respeitar! .
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NÃO TIVE TEMPO!... PAULO CUNHA medida que a idade vai avançando vãonos batendo à porta, sem pedir licença, notícias que nos deixam completamente chocados, desconcertados e confusos, tal a dimensão das mesmas na nossa vida. É um facto, nada é mais certo que a nossa finitude. Para tal bastou apenas nascer. Daí a célebre frase «A vida são dois dias!», o dia em que nascemos e o dia em que morremos. De permeio tudo passa tão rápido que acaba por não caber num dia, tal a sua fugacidade. Sendo a morte o mais certo que temos na vida, passamos a vida a pensar que somos eternos, seres imbuídos de uma perenidade etérea que fará com que o amanhã seja sempre uma certeza… Nada mais errado! Certo, apenas o que já passou e o que estamos agora a vivenciar. Tal como o ato de me estar agora a ler e a pensar que tudo o que aqui escrevi não é mais do que a soma de puras evidências. Sem dúvida, evidências tais e tantas que se transformam em aparências. Parece que convivemos, parece que desfrutamos, parece que socializamos, enfim… parece que vivemos. Até que a realidade dos factos nos acorda desta dormência provocada e consentida. Será necessário sentir na pele a perda de um amigo para perceber que já o tínhamos perdido há já algum tempo? O tempo em que não houve tempo para com ele estar, o tempo em que o material substituiu o emocional, o tempo da ilusão da falta de tempo… Tardiamente
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percebemos que, afinal de contas, o dia era feito de vinte e quatro horas e que bastavam sessenta minutos para trocar todos aqueles afetos guardados no peito. Deixá-los sair ter-nos-ia dado a sensação de um propósito e recompensa de vida, mas… não havia tempo! Passando por cá uma só vez, todos os momentos contam, e na soma dos mesmos se constrói uma história de variados momentos feita. Estórias partilhadas que nos projetam nos outros e nos fazem viver para lá de um «eu» egocêntrico, repetitivo e doentio. Não nos enganemos, temos tempo!… Não temos é vontade nem interesse em dar o primeiro passo. O passo para uma caminhada que se faz através de uma palavra, de um sorriso, de um gesto, de um abraço, de um olhar. E na brutal frontalidade da morte percebemos o que perdemos: o carinho que não foi dado, as perguntas que não foram feitas, as palavras que não foram proferidas e, sobretudo, a amizade que não foi alimentada. Cada velório acaba, assim, por se transformar numa catarse e numa profunda lamentação entre os que ainda por cá andam, para no dia seguinte tudo voltar ao mesmo: o insustentável peso dos dias. Onde, mais uma vez, não haverá tempo para o tempo dos outros! .
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FAMÍLIAS SKYPE PAULO CUNHA
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legemos, recorrentemente, políticos que acham muito natural os portugueses terem que emigrar, pois “Sempre foi assim!”, “Está-nos no sangue!”, “Somos um país de descobridores!”, “Assim espalharemos a nossa portugalidade pelo mundo!”, “Temos que ajudar o país a sair da crise!”, etc. e… tal. Frases feitas, feitas de menosprezo, desconsideração e desrespeito por quem - sem querer - se viu obrigado a deixar para trás tudo com que sonhou e projetou. Concidadãos que, a exemplo de quem os condenou, gostariam também de ser felizes em Portugal! Tal não foi possível, pois por cá quem perdeu o emprego nunca mais o encontrou. Sonhar?... Só lá fora, num mundo em que a verdade tem um significado diferente daquele que nos habituámos a ouvir na boca de quem nos governou e continuará a governar. E assim, famílias outrora juntas no calor do lar, na troca e partilha de afetos e na construção de um ideal comum, veem-se obrigadas a trabalhar, trabalhar mais e… trabalhar ainda muito mais para poder esquecer, e - o mais rapidamente possível - poderem regressar. Não há um dia que não pense em todos eles, os que me privaram do prazer do seu contacto sem que tal tivessem desejado. Amigos que, uma vez por ano, «quando o rei faz anos», conseguem usufruir um pouco dos «seus» e do «seu» Portugal. O mesmo país que os estrangeiros mais endinheirados escolhem para viver e que eles, autóctones, tiveram que abandonar. Efetivamente, que raio
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de vida a nossa, tão efémera e, como se não bastasse, ainda nos empurra para longe de tudo aquilo que mais prezamos e gostamos… Tal e qual: um Portugal sequestrado! Emigrantes que através do «milagre» operado pelo sistema global de comunicação «Internet», conseguem através de uma câmara vídeo/áudio, de um ecrã e de umas colunas, interagir virtualmente com todos aqueles dos quais foram obrigados a separar-se. Pais, filhos e cônjuges que deixam as câmaras ligadas por períodos ilimitados para poderem observar, imaginar e fruir momentos nos quais gostariam, por certo, de participar se estivessem junto dos seus entes queridos. De tal forma, que tenho sabido de casos em que os pais, separados por milhares de quilómetros, ajudam os filhos nos TPC, que cantam para os seus bebés adormecerem, que partilham o momento do jantar, que brincam e jogam uns com os outros, que adormecem ao mesmo tempo, enfim… uma multiplicidade de tarefas que os ajuda a reaproximar e a fazer esquecer esta malfadada sina que ciclicamente nos persegue. Uma geração herdeira da crise em que múltiplas famílias se veem obrigadas a suportar a sua manutenção e o seu crescimento, enquanto estrutura nuclear, através da comunicação virtual. Sentimentos reais partilhados através de dados… Porque não há distância que resista à saudade! .
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ESQUERDA, DIREITA, EM FRENTE… MARCHE! PAULO CUNHA
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entando explicar a uma criança de oito anos o que é a «Direita» e a «Esquerda» de que tanto se fala agora nos meios de comunicação, pedi-lhe para me trazer uma folha em branco e com um lápis traçar um risco a meio para que assim a dividisse em duas partes; de seguida pedi-lhe para escrever as palavras «direita» e «esquerda» nos lados correspondentes. Assim fez… Logo a seguir pedilhe para dobrar a folha ao meio, pela linha traçada. Mais uma vez assim fez, perguntandome de seguida se aquilo que lhe estava a pedir era algum truque de magia. Ri-me, pela associação da pergunta com a realidade, e para terminar a explicação prática pedi-lhe para me dizer onde estavam agora as partes esquerda e direita da folha, ao qual ela, perspicazmente, me respondeu estarem viradas uma para a outra e assim sendo, no mesmo sítio: no meio. Na inocência da sua infância pediu-me que lhe resumisse a experiência, tendo-lhe eu respondido sucintamente que, na teoria, os partidos políticos se posicionam num horizonte que vai da esquerda à direita, para assim poderem convencer os seus simpatizantes a elegê-los conforme aquilo em que se reconhecem e apoiam. Quando são eleitos a folha dobra-se e, na prática, quase não se distinguem uns dos outros, pois chegaram ao centro das suas aspirações: o poder. Não sei se consegui o meu intento, mas pelo menos expliquei-lhe conforme me é dado a observar o espetro político mundial, onde a prática não tem nada a ver com a teoria que lhe serviu de base programática. Só mesmo alguém muito desatento é que não o percebe, e pelos vistos é o que por aí mais há…
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Faz parte da natureza humana escolhermos um lado e nesse lado nos acomodarmos por uma questão de proteção, de associação e de identidade, muitas vezes sem saber (nem querendo saber) o que o distingue, na prática, do lado contrário. Quem não tem lado é considerado alguém estranho e até perigoso, pois acaba por subverter a arrumação de «quem manda nisto tudo». E não estou a falar de qualquer tipo de anarquia militante, de modo algum… unicamente de reflexão e equidistância ideológica. Vulgarizou-se associar as convicções políticas a cores, a símbolos, a músicas, a slogans e a lados. Tudo bem pensado para que não nos percamos no caminho rumo à vitória… A vitória deles. Daqueles que, invariavelmente, arrumam as convicções na gaveta perante os interesses instalados. A nós fica-nos a ilusão de integrar aquela «família» que ajudámos a crescer mas na qual, afinal de contas, ninguém nos conhece e reconhece. Esquerda, direita? Basta mudar o lado em que estamos a observar o objeto e rapidamente se transforma em direita, esquerda. Vejamos alguns países comunistas do mundo como a China, Coreia do Norte e Cuba… terão efetivamente uma política de esquerda na sua praxis quotidiana? E o modelo político implementado nos países nórdicos, qual será o seu lado, ou terá uma mistura dos dois? Pois é… É muito mais fácil viver num mundo dividido em duas partes. O «Sim» e o «Não» estão garantidos. Eu gosto também do «Talvez» que o arco-íris me proporciona! .
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POLITIZADOS OU PARTIDARIZADOS? PAULO CUNHA
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ecordo-me, embora fosse um miúdo, de nos primeiros anos após o 25 de abril ser lecionada a disciplina de «Introdução à Política» no ensino oficial, tendo posteriormente, e a exemplo do «Serviço Cívico», sido abolida do sistema educativo. Era a altura de despolitizar as escolas e deixar a política para quem dela iria viver. Foram tempos em que a Democracia dava os primeiros passos e onde muitos jovens que hoje são políticos profissionais e/ou estadistas reconheciam na teoria e na prática a política como melhor forma de garantir a defesa dos direitos dos cidadãos. Foram tempos onde o tempo para subterfúgios, jogos de bastidores, maquinações e inverdades era mais escasso do que hoje. Mal ou bem a democracia acontecia e crescia. Anos que marcaram uma geração que, como eu, cresceu e fez as suas opções políticas. Muitas delas estiveram na génese e no crescimento regional e nacional das estruturas partidárias que hoje assumimos como referências democráticas. Gente que com a política partidária nada quis embora mantenha uma consciência cívica apurada e participativa; gente que nos partidos se apoiou e cresceu social e profissionalmente; gente que se iludiu, desiludiu e desistiu; gente que permaneceu convicto e militante e gente que muitas «casacas» vestiu. No seguimento da aprovação da Lei de Bases em 1986 tentou-se colocar a Educação Cívica como objetivo central da Educação através da criação de disciplinas como «Desenvolvimento Pessoal e Social» e «Área-Escola». Com a queda do muro de Berlim, a partir de 1990 vigorou o sistema a que os seus mentores apelidaram de 27
«Educação para a Cidadania Democrática», assente cada vez mais no investimento na «Educação para os Media». Hoje é o que se sabe… O filósofo Padre Manuel Antunes, em 1979, dizia: “Para bem e para mal, Portugal é hoje uma sociedade politizada. Só assim poderemos retomar a história do nosso país, só assim será possível a reinvenção de Portugal por Portugal, a recriação de Portugal por Portugal, através da democracia como espaço da liberdade e da comunidade, da subjetividade e da legalidade, da consensualidade e da soberania popular”. Escreveria ele hoje o mesmo, em 2015? Penso que não! Sinto nas novas gerações com que contacto um grande desinteresse e demissão cívica e política pela condução dos destinos da nação. Politizado? Não… partidarizado! Portugal está hoje nas mãos de partidocratas que, tendo feito a sua «Introdução à Política» nas sedes e universidades de verão dos seus partidos, constituem muletas de interesses muito pouco nacionais. Quatro décadas desperdiçadas no que à consciencialização e sensibilização cívica e política dos portugueses concerne. Os resultados estão à vista: a abstenção, o cansaço, a negação e o desinteresse aumentam a olhos vistos. Perguntam-me o que fazer e eu respondo: “Fazer o que ainda não foi feito… Ensinar nos locais próprios que a Politica não é algo mau. Maus são todos aqueles que dela se aproveitam, dando-lhe uma fama que não merece!” .
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NÃO TENHO TEMPO! PAULO CUNHA
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ão tenho tempo!” - Uma fase bordão que, sendo demasiadas vezes usada e banalizada por educadores para se desculparem ou escusarem de fazer o que não querem ou não têm «pachorra», está, cada vez mais, a ter um efeito negativo, preservo e reprodutor nos seus educandos. Tenho grande dificuldade em entender pais, que o são por opção, desejo e convicção, que não arranjam tempo para o bem mais precioso que a vida lhes concedeu: os seus filhos. Desde que nascem até que deixam o «casulo», o tempo passa num ápice, e nesse tempo, todo o tempo é insubstituível, inestimável e irrecuperável. Perante as naturais, necessárias e inevitáveis investidas dos seus filhos para que com eles façam «coisas», grande parte desta nova geração de «pais sobreviventes» escusa-se com as costumeiras desculpas: “Estou cansado, amanhã logo vemos se temos tempo…”, “Não me maces com «criancices»!”, “Agora não posso, vai falar com a tua/teu mãe/pai.”, “Tenho mais que fazer, não me chateies!” e “Não tenho tempo!”. E neste jogo do empurra e do mente/mente ficam todos a perder, pais que não acompanham nem contribuem para o crescimento emocional e intelectual dos seus filhos, nem filhos que, com a sua presença efetiva, não recompensam os pais por “os terem mandado vir”. Desencontros provocados por uma sociedade em que o Ter é necessariamente - mais importante que o Ser.
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Compreensivelmente (ou talvez não), muitos pais dirão: “Como posso ser eu feliz se não tenho como o ser?”. É um facto para quem acha que ter justifica deixar de dar e partilhar. Tempos em que a principal crise reside nos valores, e que a aparência supera a essência. A utilização do tempo de qualidade é, quanto a mim, o valor mais negligenciado e vilipendiado nas relações familiares dos portugueses. Sinto-o no meu dia-a-dia profissional e custa-me ver e contactar com pequenos seres que tão pouco recebem de quem tanto deveria dar. Apercebome disso quando as desculpas, recorrentemente, provêm de filhos que apenas coabitam na casa dos pais, dizendo-me que muitos deles raramente falam ou interagem com os progenitores. Não culpo a consequência, culpo a origem. Critico todos aqueles que permitem e legitimam uma sociedade que nos rouba o usufruto do nosso bem mais precioso, bem como a nossa continuidade enquanto seres consequentes e responsáveis: os nossos descendentes! Ainda hoje o referi a uma plateia de jovens que «bebiam» as minhas palavras como se algo de transcendente estivesse a proferir: “Tempo é a aquilo que distingue a vida da morte. Quem diz que não o tem para os seus, morreu em vida para uma relação que só o tempo se encarregará de matar!” .
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SEM COMENTÁRIOS! PAULO CUNHA
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ão sei se já repararam, mas em cada português temos um comentador que fala por dois ou três… Não há acontecimento que não mereça comentário, desde da cama da vizinha que range mais do que o habitual, até à política que, não sendo bestial, irá ficar - por certo - pior do que mal. Dêem-lhes um assento e um interlocutor e logo ali nascerá um comentador de sofá, café ou bancada. Somos tão exímios e prolíferos a comentar que até temos comentadores pagos que comentam por encomenda. Comentam tudo e todos, comentam ocasiões especiais e até comentam em função das suas tendências, gostos e apetites. São comentadores que, sem qualquer prurido ou vergonha, não escondem ser dos clubes A, B ou C e dos partidos X, Y ou Z. Gente que não comenta de uma forma isenta, pois sabe que lhe faltará plateia, fazendo-o apenas em função da aceitação de quem pensa de forma igual. Profissionais da retórica que através dos seus comentários, muitas vezes carregados de verborreia, maledicência e interesses incógnitos, arregimentam acólitos e fiéis propagadores das suas «palavras santas». Custa-me ver tantas pessoas a quem se pede uma simples opinião a dizer, de uma forma desabrida e eloquente, que não sabem nem querem saber… Em suma, dizendo não ter opinião! Gente que, confrontada com questões do dia-a-dia que lhe diz, particular e diretamente, respeito, limita-se a reproduzir e a
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partilhar o que os meios de comunicação lhe «ofereceram» através dos seus comentadores de serviço. Pessoas que raramente contraargumentam face a opiniões divergentes das suas, fazendo-o apenas com as «frases feitas» costumeiras, apanhadas aqui e ali nas caixas-deressonância dos interesses vigentes. Porque opinar é diferente de comentar, ter opinião sobre seja o que for obriga, necessariamente, a saber do que se está a falar, correndo o risco de passar por tolo e ignorante quem o faz sem saber ao que vai. Exercer o direito de emitir uma opinião acarreta, obrigatoriamente, o dever de a saber defender. Infelizmente, não comenta quem sabe, comenta quem quer… muitas vezes com a displicência de um bocejo. Comentários despropositados que acarretam consigo, recorrentemente, a ignorância de quem os profere, ferindo com a acutilância de uma lança quem não os merece. Daí ter alguma relutância em comentar seja o que for, pois a realidade não precisa de ser comentada, encontra-se ao dispor de quem a saiba e queira interpretar. Sei que há muita gente que necessita de ter alguém que lhe descodifique a mensagem que quer ouvir, mas não seria bem mais interessante potenciar a análise dos factos através de um pensamento analítico e estruturado? Tal ensina-se e aprendese (ou não) na escola... A importância de questionar o porquê das coisas .
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FEICEBUQUES… PAULO CUNHA
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mbora há já muitos anos escreva (espaçadamente) artigos de opinião, estes que aqui convosco partilho, pela particularidade de serem de tal forma abrangentes e sem temática definida, levaram-me a aceitar prontamente o convite endereçado pelo criador, executor e editor da publicação «on line» Algarve Informativo, Daniel Pina, para aqui desabafar ideias. Até aqui chegar e poder partilhar a minha opinião, seja sobre o que for, preciso de ser estimulado e espicaçado. Não escrevo o que os leitores querem ler, sobre assuntos mediáticos, por interesses pessoais ou por encomenda. Até começar a digitar nas teclas do «pc» cá de casa, o assunto que convosco irei partilhar pode até à última hora mudar… Gosto dessa imprevisibilidade, pois acaba por ser desafiante e gratificante, dando ao «meu mundo» mais um propósito de vida. Mesmo a propósito, hoje no facebook (a rede social mais utilizada por pessoas de todas as idades) dei de caras com uma notícia partilhada pelo meu amigo «Necas», em que o título sugestivo «Se quer ser feliz o melhor é abandonar o facebook» me fez abandonar a temática inicialmente programada para esta crónica de opinião. A notícia do estudo referia que: “A investigação indica que 88% das pessoas que deixaram o facebook durante sete dias admitiram sentir-se mais felizes. Do mesmo modo, 84% das pessoas envolvidas disseram que conseguiram, por isso, apreciar mais a vida. Apenas 12% das pessoas afirmaram estar insatisfeitas por não poderem utilizar a rede social”.
cinco anos e não me considero em nada mais infeliz do que antes por ter aceitado o convite para dela fazer parte, muito menos sinto sintomas de privação quando dela estou ausente. Sinto-a como um complemento e uma forma de enriquecimento pessoal, pois só o facto de ter recuperado o contacto diário com amigos de infância e juventude; ter recuperado memórias esquecidas; ter conhecido as famílias, as vivências e as preferências de quem está longe e me é querido; ter mantido o contacto com antigos colegas e alunos; ter conhecido virtualmente pessoas que vim posteriormente a privar pessoalmente; ter partilhado gostos, ideias e ideais; ter conhecido e ter dado a conhecer informações pertinentes e úteis para a nossa vida; e ter podido «gostar» de quem merece apreço, admiração e reconhecimento, fazem manter-me ligado à rede sem qualquer tipo de reserva, receio ou constrangimento. Obviamente que conheço e reconheço todos os malefícios e contrariedades de não saber usá-la com a parcimónia, a independência, o recato e o cuidado exigidos. Mas não será assim com tudo o que provoca adição e dependência? Saber contrariar os impulsos de negar, refutar, contradizer e maldizer as opiniões e gostos alheios poderá ser uma boa forma de viver em paz com essa rede social que cresceu e popularizou-se mundialmente, pensada e estruturada num sinal de aceitação (o «like»). Outra atitude para a manter na nossa vida, de uma forma sã e enriquecedora, é fazer aquilo que sempre fizemos antes das redes sociais existirem: “Quem é meu amigo aceita-me como sou, quem não… é porque meu amigo não é!”. Assim sendo… .
Frequento os meandros comunicacionais (e só esses!) dessa rede social (e só essa!) há cerca de
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MAS PORQUÊ, PAI?... PAULO CUNHA
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h pai, porque é que «essas pessoas» matam outras pessoas, assim sem mais nem menos? pergunta-me recorrentemente a minha filha quando as notícias nos entram casa adentro de várias formas e por vários meios. - São pessoas que deixaram de acreditar na vida tal como a projetamos e vemos… Pessoas que não acreditam na liberdade e têm como objetivo a destruição do mundo tal como o entendemos. - Mas porquê? Porque é que matam e destroem famílias inteiras que não fizeram mal a ninguém, se eles também têm famílias? - Porque desistiram da vida… da «nossa» vida. São pessoas que cortaram radicalmente com o passado em nome de um futuro construído à medida dos seus sentimentos, desejos e ilusões… onde a destruição legitima o terror das suas ações. - Mas porquê?... Continuo sem entender! Enfim, tantos «porquês» que parecendo-nos a nós, adultos, tão difíceis de compreender, mais difíceis se tornam de responder, pois tudo o que possa ser agora dito a pequenos seres em formação condicionará, por certo, a imagem com que ficarão daqueles «outros» que nos poderão vir a fazer mal. Efetivamente vivemos tempos em que é difícil explicar a razão de atitudes e ações que, lógica e racionalmente, não têm qualquer razão de ser. Preocupa-me ver todas estas crianças que fogem do terror, que crescem no terror e, se nada for feito para debelar e sanar tal flagelo, viverão ainda mais - reféns do medo que o horror que presenciaram lhes plantou no peito. 31
Aflige-me ver todos estes combatentes de causas insanas e perdidas, «fabricados» num mundo que nada mais lhes deu do que a vontade de morrer e levar consigo inocentes apenas culpados por terem nascido. Culpas?... Culpados?... Todos os que permitiram que num único planeta, as assimetrias sejam hoje tantas e tão diversas, que em determinadas regiões do globo se viva no século XXI e noutras ainda na idade média; todos os que, duma forma sub-reptícia e encapotada, permitiram que a loucura fosse acolhida no radicalismo ideológico, político e religioso; todos os que, substituindo-se a um «Deus» menor, financiam estes acólitos para quem os interesses incógnitos dos seus líderes pouco interessam. Como explicar a uma criança, as mortas gratuitas, a destruição de património, a perda de direitos, a submissão, a escravidão…? Como fazêla entender que num mundo global, o esvoaçar das asas de uma borboleta tem consequências no outro lado do planeta? Como responder a questões sobre «realidades» que os seus pais jamais vivenciaram, equacionaram e pensaram? São as suas perguntas que nos devem manter atentos e «alerta!», pois serão eles, em última instância, os principais beneficiários (ou não) das medidas que ora tomarmos. Porque a «Liberdade, Fraternidade e Igualdade» não são – garantidamente – bens adquiridos, irreversíveis e imutáveis. Serão, tão somente, aquilo que deles fizermos! .
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MINI(STÉRIO) DA CULTURA OU MISTÉRIO DA CULTURA? PAULO CUNHA
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ou daqueles que sempre que há uma remodelação ministerial ainda acredita que um dos ministérios que me é mais querido (Cultura) terá a chefiá-lo um ministro isento, humanista, competente, conhecedor, honesto, sensato e idealista. É um processo que se tem vindo a assemelhar aos «furinhos» na caixa de chocolates «Regina». Lembram-se?... Cada furo, cada surpresa! Para muitos considerada a parente pobre de qualquer família governativa, seja ela de que quadrante político for, a Cultura acaba por estar destinada às sobras orçamentais. Poucos esperarão grandes projetos, empreendimentos e realizações de um ministério que parece existir para calar e alimentar alguns «artistas» e para financiar alguns eventos da nomenclatura vigente. Pretendem que seja a mulher bonita da foto de grupo. Está lá apenas para efeitos estéticos e decorativos, sem direito a abrir a boca. Não fosse esse o ministério que umas vezes passa a secretaria, voltando depois a ministério… mas sempre com letra pequena, tal a diminuta orçamentação que lhe tem sido destinada desde que vivemos em democracia. Às vezes ponho-me a imaginar que era criada uma lei que instituía uma base mínima para um ministério poder existir e funcionar como tal, por exemplo 1% do Orçamento Geral do Estado. Assim, sim… Assim poderíamos ver as Direções Regionais de Cultura a fazer muito mais do que apenas «contar os tostões» e gerir as módicas
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quantias disponibilizadas para a produção cultural na província. Imaginei também que era criada outra lei que garantia a itinerância ministerial pelas várias províncias de Portugal. Talvez acabassem assim muitas das disparidades verificadas nos apoios que são concedidos à produção cultural por este país fora. Obviamente, isto sou eu a «utopizar». «Coisas» de alguém para quem a Cultura conta mais do que o valor que lhe é dado!... Para além das habituais razões partidárias, vulgarizou-se colocar como uma das condições primordiais para a escolha para o cargo, ser bom gestor. Relegando para segundo plano os conhecimentos técnicos, científicos, logísticos e operacionais; esquecendo a capacidade de ouvir, dialogar e criar consensos; menosprezando a visão criativa, empreendedora e estratégica, acabámos por constatar que em vez de ministros e secretários de estado da Cultura, muitos foram apenas gestores culturais do Ministério das Finanças. Nem os benditos e abençoados assessores os salvaram, pois quando não há «guito», engenho e arte, acabamos todos por ficar com a pior parte! Já com o gabinete de Ministro da Cultura ocupado, espero que o atual usufrutuário venha a colocar no seu mapa de prioridades uma região que – pretensamente – deve conhecer bem (Algarve), pois foi eleito como seu representante para a Assembleia da República. Para quem tem boa memória, e eu julgo ter… No fim do mandato falaremos! . 32
NATAL TODO O ANO PAULO CUNHA
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odos os anos, cada vez mais cedo, nos entra pela casa adentro uma data que para todos os cristãos, pretensamente, deverá ser de júbilo, agradecimento e comemoração pelo nascimento de Jesus Cristo. Uma época que, com o passar do tempo, tem vindo a vulgarizar e a banalizar as festividades a ela associada, como forma de prestar homenagem e vassalagem ao «deus consumo» personificado no «Pai Natal», figura publicitada pela «Coca-Cola» no início do século XX e que acabou por ajudar a subverter o verdadeiro espírito de Natal. É um facto: é Natal quando alguém nasce! Daí a «frase feita» que nos relembra que é Natal quando um homem e uma mulher querem. Dar ao mundo um novo ser e, por consequência, proporcionar-lhe tudo o que o possa ajudar a crescer saudável e feliz deverá ser, no meu modesto entender, o espírito de Natal. Foi isso que aprendi numa altura em que o Natal se consumia menos e se vivia mais… O atual Natal, planificado e construído no consumo, faz-nos mergulhar numa amálgama de sensações e sentimentos contraditórios. À medida que vamos ficando menos novos vamos sentindo que o tempo entre natais parece ser cada vez menor. As sensações de hipocrisia, constrangimento e angústia minam-nos ao constatarmos que chegou a época em que deveremos todos ser «bonzinhos» uns para os outros e muito amigos da família. Instala-se também a sensação de obrigatoriedade por ter
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que dar, retribuir e partilhar com data e hora marcadas. Finalmente, a sensação de urgência e de stresse por ter que preparar, acompanhar, assistir e participar em todas as festas, «festazinhas», almoços, jantares, quermesses e compra de rifas... Dar e receber não tem hora marcada. Paz, amor, solidariedade, compreensão, fraternidade e tolerância, muito menos! Fingir e dissimular o que não está bem porque é Natal é tudo, menos Natal. Acaba por ser uma época onde os contrastes se agudizam ainda mais, pois quem está só, mais só acaba por se sentir… Faço muitas vezes a analogia com a «Música de Natal», que por ter sido composta imbuída do verdadeiro espírito natalício é quase toda ela bela, e assim sendo… porque não ouvi-la, interpretá-la e desfrutá-la durante todo o ano?... Da mesma forma, porque não alimentar os verdadeiros relacionamentos com sinceros e sentidos afetos? Todo o ano! Agora que o Natal se aproxima a passos largos e a crise continua a controlar e a moderar os gastos em prendas e ofertas - muitas vezes desnecessárias e supérfluas, eis que é chegada a altura de reforçar a dádiva de carinho, ternura, afeto e apoio a todos aqueles que deles precisam e merecem. São ofertas gratuitas que refletem o genuíno espírito de Natal e ajudam a aproximar os amigos que estão longe da vista mas perto do coração .
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“A EDUCAÇÃO É O QUE SOBRA QUANDO SE ESQUECE TUDO O QUE SE APRENDEU NA ESCOLA” PAULO CUNHA
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or sugestão de um amigo que conhece as minhas ideias e ideais sobre Educação, li há pouco tempo um artigo que fazia uma súmula de um inventário realizado pelo jornal «El País» sobre o que Albert Einstein pensava sobre o tema. Coligido a partir de cartas, ensaios biográficos e livros, estas ideias de um homem que enquanto estudante não gostou nem se interessou pela escola autoritária e desmotivadora do seu tempo - tendolhe sido, inclusive, imputada a fama de medíocre enquanto aluno - são hoje motivo de interesse e reflexão. Não, não foi um «mau» aluno!… Foi apenas aquilo que muitos dos atuais alunos são em Portugal: vítimas das circunstâncias. E como tantos mostrou-o nos bancos da escola, levando inclusive uma professora a vaticinar-lhe que nada seria na vida. Afinal de contas, um «dejá vu» que se repete insistentemente de geração em geração e que leva a estigmatizar quem não tira boas notas, sejam os motivos quais forem. Leva tudo pela mesma bitola! Na sua obra «A minha visão do mundo», publicada originalmente em 1949, Einstein defendia que: “A aprendizagem deve ser feita de uma maneira que possa ser recebida como a maior dádiva, e não como uma obrigação amarga.”. Tendo escrito também: “Aprendi desde muito cedo a extrair o importante, prescindindo de uma multiplicidade de coisas que (…) desviam a mente do essencial. O problema é que para os exames tinhas de enfiar tudo na cabeça, quer queiras ou não. (…) É um erro grave acreditar que a vontade de olhar e pesquisar pode ser fomentada pela obrigação e pelo sentido de dever. Penso que até um predador animal saudável pode ser privado da sua voracidade se lhe for exigido continuar a comer quando não tem fome”. Afirmações que, refletindo a falta de investimento na curiosidade
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natural como força motriz para a aprendizagem, continuam ainda tão atuais. Numa carta dirigida ao seu filho, Eduard Einstein, publicada postumamente em 2008 na obra «Posteridade: cartas de grandes cidadãos norteamericanos aos seus filhos», de Dorie McCullough Dawson, o cientista recomendava-lhe a seguir o seu instinto e fazer aquilo que gostasse, já que essa é a melhor maneira de aprender: “No piano toca sobretudo o que gostares, mesmo que a professora não te o exija. Essa é a melhor maneira de aprender, quando estás a fazer algo com tanto prazer que nem te dás conta do tempo a passar”. Seja na arte ou na área que for, esta premissa continua a fazer toda a diferença: deixar a “vocação falar mais alto”, em detrimento de tudo o resto que para os outros é o mais importante. “Afinal de que me interessa a opinião dos outros se a vida a ser vivida é a minha?!...”. Na obra as «As minhas crenças» (1939) escreveu: “Deveria cultivar-se nos indivíduos qualidades que promovam o bem comum. Isto não significa que «o indivíduo» se converta num simples instrumento da comunidade, como uma abelha (…). O objetivo deve ser formar indivíduos que atuem com independência e que trabalhem o seu principal interesse ao serviço da comunidade”, e “Temos que ter cuidado com os que pregam aos jovens o sucesso como o objetivo (principal) da vida (…). O valor de um homem deveria ser analisado em função do que dá, e não do que recebe. A função decisiva do ensino é despertar estas forças psicológicas (vontade de contribuir para o mundo) nos jovens.”. Reflexões de alguém que pelo exemplo da sua vida (vivida) deverão constituir um farol para quem ensinar é algo mais do que «apenas» instruir. Porque a gosto aprender é um gosto! .
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OPINIÃO PARA CANTAR MAIS: WWW.CANTARMAIS.PT PAULO CUNHA
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o longo de mais de três décadas de ensino vocacional e genérico da Música sempre encarei a «Voz» como um instrumento primordial, fundamental e crucial para uma saudável e enriquecedora descoberta da Música. Sendo um instrumento portátil, único pelo seu timbre, gratuito e de fácil manutenção, o aparelho fonador humano é, sem qualquer margem para dúvida, o instrumento de, e para todas as classes sociais. Perspetivar, contextualizar, programar e direcionar deverão ser tarefas que todos os profissionais do ensino da Música terão que implementar se quiserem que o canto sirva de fio condutor para a descoberta de «outros mundos». Sendo a oferta de canções devidamente estruturadas e planificadas quase sempre restrita aos manuais escolares, a criação da plataforma digital www.cantarmais.pt veio democratizar o livre acesso a uma quantidade e variedade de canções que constituem uma poderosa e eficaz ferramenta para quem usa a canção no seu dia-a-dia. Pensado, programado e estruturado para educadores, este sítio aberto a todo o mundo está já suscitar a curiosidade e a acolher visitas de quem gosta «apenas» de cantar. À distância de uns quantos «cliques» constatamos que temos quase «a papinha toda feita»… É só assimilá-la e o proveito é nosso e de quem nos acompanha.
Fundação Calouste Gulbenkian, o projeto «Cantar Mais – Mundos com voz» assenta na disponibilização de um repertório diversificado de canções (tradicionais portuguesas, de música antiga, de países de língua oficial portuguesa, de autor, do mundo, fado, cante e teatro musical/ciclo de canções) com arranjos e orquestrações originais apoiadas por recursos pedagógicos multimédia e tutoriais de formação. Numa altura em que o canto volta, cada vez mais, a ser um chamariz para a socialização, para a interação e para o crescimento e realização pessoais, tenho vindo a constatar que quando apresento este «sítio» aos meus alunos, é com grande atenção, curiosidade e satisfação que me pedem para o pesquisar também com eles. Estruturado e construído para um acesso fácil e intuitivo, este «oásis musical» construído em Portugal tem tudo para dar certo: uma autoria credível, sábia e competente; um grafismo e cromatismo atraentes; colaboradores habilitados e criativos; harmonizações atrativas; arranjos eficazes e atuais; textos formativos, tutoriais e glossários apelativos e acessíveis… Enfim tudo aquilo que há muito tempo aguardávamos. Agora já não há motivo para não cantar mais. Seja quando, onde, e com quem for. Quem sabe, comigo?! Ou contigo… .
Sendo uma iniciativa da Associação Portuguesa de Educação Musical (APEM) e contando com a colaboração da Direção Geral de Educação e da 35
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OPINIÃO PARA QUE - DE UMA VEZ POR TODAS - A PRODUÇÃO CULTURAL ALGARVIA SE TRANSFORME EM PATRIMÓNIO DE TODOS NÓS PAULO CUNHA
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empre que saio para visitar outras localidades portuguesas, mais do que observar o que a natureza delas fez, tento apreciar a forma como a mão do homem as tornou ainda mais admiráveis, aprazíveis e apetecíveis. Neste constante olhar observador e contemplativo tenho vindo a constatar como certas cidades e regiões se têm afirmado através da sua relação programada, sustentada e continuada com a Cultura… a sua Cultura. Sem qualquer laivo de regionalismo demagógico ou bacoco, penso que investir na produção artística de um determinado local define-o, caracteriza-o, individualiza-o e potencia-o. Sinto-o quando registo que as obras artísticas que me são dadas a apreciar têm na sua génese e construção os traços identitários de quem as construiu. São essas características que, de forma indelével e subliminar, nos fazem também valorizar e querer voltar aos locais visitados. Quando oiço - e constato in loco - que determinados locais do nosso país estão «na moda», facilmente percebo as razões que os levaram a ser mimoseados com tal epíteto. O investimento planificado, estruturado e diversificado em determinadas áreas nucleares tem vindo a aumentar consideravelmente a qualidade de vida das suas populações e isso reflete-se na forma como recebem quem as visita. Com admiração, mas também com alguma inveja à mistura, registo que, a exemplo do que há muito tempo se faz «lá fora», os artistas de determinadas regiões integram também o cartaz de visita que as torna tão acarinhadas e procuradas pelos autóctones e forasteiros. Integrando o «pacote», a cultura da região é mais um garante e potencialidade no selo de qualidade da mesma, tornando-a assim património imaterial exportável. Sentindo na pele o desinvestimento na produção cultural algarvia registado nos últimos anos, onde grande parte das autarquias algarvias se socorreu da carolice de artistas amadores e da (muito) boa vontade de alguns profissionais, concentrando os gastos com o setor cultural na habitual contratação sazonal de nomes firmados da
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animação nacional/internacional, penso ser mais do que a altura de «dar um murro na mesa» e «falar grosso» com quem tem a responsabilidade e o dever de proteger, acarinhar e incentivar o que por cá se faz. Já basta de tratar os artistas algarvios de forma sobranceira, displicente e até imoral! Como em qualquer setor da sociedade, a produção cultural necessita também de investimento. Os agentes culturais têm os mesmos encargos diários que o comum dos mortais, e como tal precisam que quem administra o dinheiro dos nossos impostos trace políticas de apoio antecipado e estruturado à produção cultural da região onde se inserem, e à qual são, ao mesmo tempo, devedores e credores. Sem apelar aos maus hábitos da subsidiodependência, penso que se pode manter vivo e pulsante o tecido artístico da região algarvia. Como? Patrocinando a encomenda, produção, realização ou edição de obras que servirão como referência cultural atualizada da região para os algarvios e para todos os que nos visitam; apoiando, eficaz e merecidamente, as associações e estruturas culturais geradoras de atividades não lucrativas; fomentando e impulsionando a globalização das várias vertentes artísticas, conjuntamente com outras referências identitárias da região; programando em rede para que se torne possível permutar e partilhar atividades culturais de relevo entre os vários municípios algarvios; criando uma bolsa/listagem de artistas residentes que garantam uma representação fiel e condigna no resto do país do atual «Algarve Cultural»; planificando e estruturando uma programação anual atempada, assente na promoção e divulgação da produção cultural realizada em todo o distrito; promovendo residências e intercâmbios artísticos; valorizando o ensino artístico como garante de continuidade, crescimento e afirmação cultural da região. Esperando que todos os organismos oficiais e privados que tutelam a Cultura me oiçam, desejo que seja este o ano da mudança… para melhor. A arte - a sul agradece!.
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OPINIÃO ENTÃO: «VÁ-DE-VIRÓ» PARA TODOS VÓS! PAULO CUNHA
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uando em setembro de 1992 um grupo de jovens alunos me interpelou numa das escadarias do Conservatório Regional do Algarve (Faro), questionando a possibilidade de poder vir a coordenar uma classe de conjunto alternativa e complementar às que então existiam, estava longe de imaginar que, volvidos mais de 23 anos, hoje dedicaria o meu tempo a um grupo que cresceu comigo e que me ajudou a crescer. Prontamente o desafio foi aceite e daí nasceu um agrupamento com caráter académico e pedagógico que se veio a denominar «Grupo de Música Tradicional do C.R.A.». Cedo percebi que uma das formas de o fazer crescer seria convidar para o integrar, gente que «soubesse da poda», com conhecimentos adquiridos na escola musical da vida e, o mais depressa possível, dá-lo a conhecer ao mundo. E assim foi… Quando demos por isso estávamos a tocar em todo o Algarve, divulgando a «nossa» música e a instituição à qual pertencíamos. Um ano depois sentimos o natural desejo de batizar o grupo com um nome que o identificasse em termos do género musical, do objetivo, e da região de proveniência. «Vá-de-Viró» foi decisão consensual, pois o seu significado (frase utilizada pelos pescadores algarvios com a qual se dá ordem para fazer virar o barco quando se pretende recolher as redes de pesca) assentava que nem uma luva no seu propósito quanto ao destino da música de cariz tradicional. Tendo a sua música chegado aos ouvidos de um produtor musical responsável por uma editora internacional dedicada à edição de música étnica (Playa Sound), prontamente foi convidado para gravar um disco (Escale au Portugal) com distribuição mundial. Daí, e por consequência, começaram as primeiras digressões internacionais (Canadá, Alemanha e Espanha). Com a desvinculação da instituição onde nasceu e a inevitável saída e entrada de novos elementos com formação e percursos musicais diferenciados, em conjunto com o consequente crescimento musical e artístico dos seus membros, cada novo registo discográfico veio a refletir mudanças constantes num som
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que um crítico musical apelidou de “original e… muito Váde-Viró”. Sendo um grupo que tocava, pelo menos, mais do que uma vez por mês, com o passar do tempo transformou-se num grupo hibernado, condenado como muitos outros grupos algarvios a deixar de existir, a ter que mudar de nome ou a «travestir-se». Hoje, com um naipe de músicos de exceção que se respeitam e admiram enquanto profissionais, e que adoram tocar juntos, continuam, abnegada e estoicamente, a encontrar-se apenas para desfrutar do prazer que a sua música lhes proporciona. Muitos algarvios ficam admirados e impressionados por saber que o grupo ainda existe, pois nunca mais dele ouviram falar, outros questionam as razões porque não são convidados a tocar na região de onde são oriundos pois (tal como o vinho do Porto) cada vez estão melhores… Não respondendo publicamente, sabem de antemão que não tocando no «seu» Algarve jamais serão conhecidos e reconhecidos no resto do país. Obviamente tenho refletido muito sobre as razões que fizeram com que tantos grupos musicais que fizeram parte do nosso património musical algarvio tenham cessado a sua atividade. São por demais evidentes, e somadas tiveram efeitos nefastos e irreversíveis na produção musical da região. Porque os velhos hábitos, estigmas e preconceitos passam de geração em geração, muitas das entidades públicas e privadas que contratam músicos fazem-no com base nos pressupostos com que a generalidade dos programadores e produtores usam na sua escolha: o que é novidade é que «pega»; o que vem de fora é que é bom; o que está na moda é que vende; se não passa na rádio e televisão não interessa; se é da região tem qualidade inferior; se é da terra toca à «borla» ou com um grande «desconto» no cachet, para assim se promover. Efetivamente está na altura de dar um grande vá-deviró nesta forma encapotada de desprezar o que é nosso. De que serve apregoar aos quatro ventos a nossa grandiosidade, quando os atos revelam a pequenez de quem os pratica? Não há maior afirmação de uma região do que aquela que é feita com a sua cultura! E não é preciso sair do Algarve para o constatar… .
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OPINIÃO DIZ-ME O QUE OUVES… PAULO CUNHA
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unca estranharam ouvir sempre as mesmas músicas na estação radiofónica que elegeram como sendo aquela que vos acompanhará no automóvel, no trabalho ou em casa? Já repararam que as ditas músicas obedecem a um padrão, a um estilo musical definido e a determinadas interpretações e intérpretes? De tal forma que cada estação acaba por se definir e catalogar através da música que passa. Invariavelmente, no início de cada ano letivo sei através das respostas dos meus alunos quais são os cantores e grupos musicais que «estão na berra». Basta perguntar-lhes que género de música é que ouvem e grande parte apelida-o de «RFM», «Antena 3», «Cidade», «Comercial» ou outro parecido. Basta sintonizar o rádio numa destas estações e, recorrente e repetidamente, esbarro num dos nomes de grupos e intérpretes que através deles conheci. Tendo crescido num tempo em que os radialistas levavam os seus discos para o estúdio e produziam e realizavam o seu programa tentando cativar e agarrar a atenção do ouvinte, e assim fidelizá-lo para aquela hora radiofónica, é com algum agastamento e até uma «pontinha de saudade» que hoje vejo estes programas de autor reduzidos e confinados às poucas rádios locais existentes. Hoje as músicas são alinhadas num «power play» que dispara automaticamente em programação devidamente agendada no computador. Ao apresentador resta apenas emprestar a sua voz a programas que mais não servem do que modelar e condicionar a apreciação e o gosto de quem os ouve.
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Servindo de fonte de financiamento para conglomerados empresariais detentores de empresas de comunicação, a «venda» de determinados artistas e géneros musicais é um negócio apetecível para quem com eles quer ganhar dinheiro. Não é assim de estranhar que as editoras multinacionais comprem tempo para através das ondas hertzianas promoverem e venderem os seus produtos. De tal forma que acabam por «secar» tudo à volta, impedindo a promoção de qualquer edição de autor ou de editoras independentes. E assim acabamos a ouvir o que não queremos, o que não gostamos e até o que aparenta ter qualidade duvidosa. Mas o que dizer dos mais jovens, aqueles que através dos programas de rádio, de tv e até de youtube acabam por moldar o seu gosto à incumbência de quem os «massacra» com os mesmos «artistas» de sempre? Por isso, e por muito mais, não estranhei quando constatei que o kizomba (música e dança de pares de origem angolana) tinha «invadido» Portugal. Bastou saber quem foi que financiou tal operação nesta porta da Europa onde a mesma língua ajudou a disseminar um ritmo que é hoje um dos preferidos de muitos portugueses. É caso para pensar no que aconteceria se quem tem o saber, a competência e os meios para o fazer, investisse na música de origem portuguesa nos países onde a nossa língua também se fez pátria. O problema é o mesmo de sempre: enquanto Portugal servir apenas como porta de entrada seremos sempre um público atento, maravilhoso, carinhoso, reconhecido… em relação aos outros, os de fora! . 38
OPINIÃO DEIXA ESTAR! PAULO CUNHA
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egando na frase “Laissez faire, laissez aller, laissez passer” (deixai fazer, deixai ir, deixai passar), usada sobretudo por quem defende o liberalismo económico, é fácil extrapolar o seu primeiro sentido para o que hoje se passa nas escolhas que metade da população portuguesa faz para a sua vida. Não o fazendo na maioria - com tal intuito, a demissão que um em cada dois portugueses coloca nas escolhas cruciais para o seu destino acaba por ter o mesmo efeito, deixando a vida correr o curso idealizado por quem já a destinou. Começando em contexto familiar, transportado para o universo escolar e, mais tarde, devidamente cristalizado nas relações socioprofissionais e comportamentos cívicos, esta forma displicente, desprendida e amorfa como muitos dos seres com que privamos encaram a vida, faz-me pensar que tal atitude é terreno fértil para a manietação e absoluto controlo por parte de gente menos séria e escrupulosa. “Porque sim!”, logo seguida de “Deixa estar!...”, são frases-bordão impensadas que muitas vezes (demasiadas) ouvimos como resposta ao porquê de determinadas atitudes e, ao mesmo tempo, justificar a incompreensão, demissão, omissão e negação perante a assunção de uma posição perante assuntos e matérias nucleares e fundamentais para a vida de todos nós. Tendo tido a honra e o privilégio de privar com cidadãos portugueses que deram tanto de si e dos seus para que a democracia fosse hoje uma realidade, custa-me constatar que cerca de metade da população portuguesa não exerça um dos direitos mais nobres, importantes e consequentes consagrados na Constituição Portuguesa: o direito ao voto. Não sendo 39
obrigatório, muitos deixaram de o encarar como um dever cívico enquanto decisores políticos, sociais e morais, motivando assim um progressivo alheamento e demissão em relação à causa pública. Escalpelizadas, esmiuçadas e debatidas por sociólogos, politólogos e comentadores, as razões são por de mais evidentes. Todos os que abdicam de escolher, passando ao seu congénere a “procuração” de decidir por si terão, por certo, uma razão para o fazer… Mas será que a ponderaram e maturaram suficientemente para que mais tarde não venham a ser confrontados com as consequências de tal decisão, quando derem conta que estão a criticar as escolhas dos outros? Aceito e concordo com a legitimidade da abstenção enquanto tomada de posição perante o progressivo descrédito que a política partidária tem vindo a merecer por parte dos cidadãos mais esclarecidos. É, sem qualquer margem para dúvida, uma atitude mais coerente do que votar no mal menor, pois “Mal por mal, o mal já está feito… e não é para repetir!”. Mas o que dizer de todos aqueles que, como eu, sentem que a história se constrói com a soma das “cruzinhas” que fazemos no boletim da história? Não será já altura de todos os que sabem a razão pela qual não votam, de fazer algo a título pessoal e/ou coletivo para que os verdadeiros independentes das “tricas, trocas e baldrocas” partidárias coloquem outra vez os portugueses a gostar de si? Sim! Gostar de nós passa por depositar a nossa confiança em quem a merece… e porque o futuro não se delega, construamo-lo com a participação de todos! .
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OPINIÃO Ó «NOSSO» ALGARVE PAULO CUNHA comum ouvir gente que saiu do Algarve dizer que tal foi necessário para, finalmente, conhecer a real dimensão, peso e importância desta província portuguesa. Gente que, invariavelmente, saiu com vontade de ficar e que, não o tendo feito, volta sempre que pode, adiando o inevitável e definitivo regresso. Afinal de contas: quem nasce ou “renasce” numa terra abençoada pela natureza, sente-se abençoado por nela passar o resto da sua vida!
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É um facto, a importância das coisas é aquela que lhes damos! Basta imaginar o que sentirão os peixes que vivem dentro de um pequeno aquário… para eles, aquele é o seu mundo e basta-lhes, não imaginando sequer o quão diminuto e restrito o é face ao oceano. Daí a importância de sair para perceber que a grandiosidade dos recursos naturais e a forma como os autóctones os gerem não tem sido merecedor, por parte de quem nos governa, do devido e merecido crédito e mérito. Por ser a habitual “casa de férias” de muitos portugueses durante cerca de três meses por ano, vulgarmente apelidados de “silly season”, para demasiados o Algarve funciona como uma espécie de estância turística que, a exemplo de muitas unidades hoteleiras, também fecha nos restantes meses. Basta ouvir a forma como falam desta região para além dos meses de verão, e a importância que lhe é dada comparativamente a outras que estão cada vez mais a ser noticiadas pela forma como gerem os seus recursos naturais em proveito dos seus habitantes e visitantes. Em termos de contexto contributivo, em relação a todas outras é uma das províncias que
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mais riqueza gera. Por assim ser e por ser já um dado adquirido, tem vindo a desmerecer a atenção de quem tem responsabilidade de acautelar a manutenção, crescimento e valorização de todos os outros setores de produção desta província. Refém da ideia errada que o Algarve existe exclusivamente de, e para o turismo, e onde nada acontece para além do período de lazer e ócio, temos vindo (algarvios) a sentir na pele o descrédito e abandono por parte de quem olha para o Algarve apenas como um grande e vasto areal que se espraia pela costa. Por isso não é de estranhar ouvir tantos a queixar-se que nada do que por cá fazem chega para lá do Alentejo, quanto mais alémfronteiras!? Mas como poderemos nós mudar este estado de coisas, dando ao Algarve o devido e merecido destaque, tornando-o notícia para além das súbitas e imprevisíveis alterações meteorológicas e suas consequências? Sou daqueles que advoga e defende que pensar e agir “em grande” ensina-se e aprende-se nos bancos da escola. De pequeno, como em tudo! Olhando para esta região inserida num todo global e uno; com orgulho e perseverança; sem a mesquinhez e a falsa modéstia dos subservientes; afirmando ideais; negociando e debatendo contrapartidas; promovendo e criando pontes inter-regionais. Para que o Algarve, o tal destino de férias para onde todos rumam quando querem ficar “silly”, não seja visto aos olhos de quem nos visita como uma região onde apenas se descansa e pouco mais acontece, é altura de nos deixarmos de “provincianices” regionalistas e começarmos a pensar e a agir como portugueses de primeira. Que o somos! . 40
OPINIÃO QUANDO OS NOSSOS «FUSÍVEIS» FUNDEM… PAULO CUNHA
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oi sem grande surpresa que, mais uma vez, ouvi noticiado num canal televisivo que “Um estudo realizado com cerca de mil professores de escolas portuguesas revelou que 30% dos docentes padeciam da síndrome de burnout, ou seja, estavam exaustos emocionalmente e sem qualquer sentimento de realização profissional”. Este estudo levado a cabo durante três anos, entre 2010 e 2013, por uma equipa de investigadores do ISPA - Instituto Universitário teve como base os resultados obtidos na inquirição feita a cerca de mil docentes que davam aulas a alunos do 2.º, 3.º ciclos e ensino secundário. Tendo como objetivo perceber se existiriam mais docentes em stress ou em burnout, no final verificou-se que 30% dos professores estavam em burnout, uma percentagem que fica um pouco acima dos números habituais registados nos outros países, que rondam entre os 15 e os 25%. Apurou-se também que a maior parte dos docentes em burnout são mais velhos, têm vínculo à função pública e dão aulas no ensino secundário. O estudo revelou ainda que existem entre 20 a 25% de docentes que sofrem de stress, ansiedade e depressão. Convém também referir que o estudo foi feito numa altura em que se registaram algumas mudanças, tais como a avaliação de professores, o aumento de alunos por sala de aula ou o aumento da idade de reforma. Não sendo exclusiva do sistema educativo, esta maleita afeta também todas as profissões com contacto constante, direto e prolongado com pessoas, aliado também a uma dedicação exacerbada à atividade profissional. Tendo em conta todas as mudanças sociais e políticas, o burnout começa já a ser um problema social de extrema relevância devido à exaustão emocional e falta de realização profissional. Afeta não só o professor, mas também o contexto educacional, uma vez que o
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mal-estar sentido pode originar problemas de saúde, perda de motivação, irritabilidade, aumento dos níveis de absentismo e abandono da profissão, o que pode interferir na realização dos objetivos pedagógicos propostos. A síndrome burnout (do inglês to burn out, queimar por completo) é um processo lento que se vai instalando e acaba por ser detetado quando a exaustão ultrapassa um determinado limite, a realização profissional diminui e o cinismo aumenta, altura em que muitos já não têm força para se controlar. Acontecendo, por norma, a meio da carreira, entre os dez a quinze anos de atividade, é típico em pessoas altruístas que se dedicam muito ao emprego e pode ser afetado por outras características individuais, como por exemplo o estado civil, sendo mais propensos os não casados ou sem relação afetiva estável. Os sintomas psicológicos do burnout podem ser um cansaço extremo, falta de paciência para atender os outros, o que é grave em profissões de ajuda como os bombeiros, polícias ou médicos. Atitudes depressivas, irritabilidade, autoagressividade ou heteroagressividade, sensação de vazio e cansaço físico e emocional extremo são outros sintomas. Tendo mais de três décadas de interação, observação e análise do sistema educativo onde, profissionalmente, me insiro, tenho na apresentação e análise destes dados um motivo de preocupação acrescido, pois enquanto professor e encarregado de educação aflige-me e preocupa-me constatar que um em cada três professores portugueses está em burnout. De que serve, e a quem serve ter as luzes do conhecimento apagadas? É que com os “fusíveis fundidos” não há luz que se acenda na aprendizagem dos nossos alunos. Para bom entendedor… .
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OPINIÃO O ÓCIO CRIATIVO PAULO CUNHA
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ode parecer descabido e até um contrassenso vir aqui opinar sobre a importância de «fazer nada» (que não é o mesmo que nada fazer), quando tantos por cá andam a tentar - desesperadamente - arranjar alguma coisa para fazer. De preferência, remunerada!... Numa altura em que as consequências provocadas pelas desigualdades sociais tornam urgente uma real tomada de consciência e de posição sobre o papel e a contribuição de cada um na vida dos outros, urge conseguir arranjar tempo para pensar. Simplesmente… O sociólogo italiano Domenico di Masi, defensor que as pessoas deveriam reservar uma parte do seu dia para fazer nada, porque só assim seriam capazes de ter boas ideias e, consequentemente, terem tempo para criar, coloca-me em absoluta consonância e concordância com tal teoria! Vivendo num mundo e num tempo onde as palavras-chave para o «sucesso» são motivação, iniciativa, rendimento, e onde, cada vez mais, a pressão laboral é exercida na pessoa a partir de dentro de si e na necessidade de ser produtiva, empreendedora e audaz, torna-se premente tentar arranjar mecanismos que nos ajudem a lidar com o facto de tal nem sempre vir a ser concretizável. Numa sociedade onde o trabalhador modelo é o trabalhador capaz de realizar múltiplas tarefas em simultâneo e na perfeição, do «yes, we can» e do «like», torna-se urgente ensinar os jovens a aprender a lidar com o fracasso, experiência fundamental numa vida humana em construção e mutação.
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A história conta-nos que foram nos longos períodos de atenção, silêncio e concentração que surgiram as grandes criações humanas. Do mesmo modo, as nossas relações familiares sofrem quando somos incapazes de lhes conceder a nossa total atenção, algo difícil no meio de todas as distrações e solicitações que nos atingem. O excesso de informação, de comunicação, de emoções e de objetivos provocam no individuo dispersão, incapacidade de estar centrado e desgaste mental e físico. Trazendo também a este texto o filósofo Byung-Chul Han, aqui partilho a necessidade urgente de reaprender o dom da atenção, da escuta, do silêncio, do deter-se, do dar espaço, do não cair nas «engrenagens» de consumo e produção, para que o ser humano não se converta “numa máquina de rendimento, cujo objetivo consiste no funcionamento sem alterações e no máximo de rendimento”. Tratase de crescer na pedagogia do olhar: “Aprender a ver significa acostumar o olho a observar com calma e com paciência, a deixar que as coisas se aproximem dos nossos olhos, quer dizer, educar o olho para uma profunda e contemplativa atenção, para um olhar alargado e pausado.” Fazer nada é, tão simplesmente, acrescentar às nossas vidas janelas temporais onde possamos ver para além da modorra dos dias pré-feitos. Transformar os pequenos «nadas» em folhas de papel onde, na sua brancura e candura, possamos redesenhar uma nova vida. Uma vida digna de ser vivida! A nossa… .
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OPINIÃO TIRA UM «CURSO A SÉRIO»! PAULO CUNHA
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uitos que no «seu tempo» ouviram da boca dos seus pais as costumeiras frases “Tens que estudar para ser alguém na vida!”, ”Tira um curso a sério!” ou “Vê lá se essa área tem saída!?”, dizem-no agora com o mesmo paternalismo, convicção e esperança com que os seus progenitores o disseram. O tempo passa mas os velhos tabus sociais que nos foram incutidos por todos aqueles que ajudaram a construir os alicerces da atual sociedade de consumo, mantêm-se. É uma herança cultural que, duma forma ténue e lenta, tarda em mudar. É inquestionável a importância de adquirir conhecimentos seja em que área for, para, sobretudo, nos enriquecermos moral e intelectualmente, independentemente do rótulo e dos prémios e regalias que a sociedade nos venha a atribuir na sua hierarquia do «quem é Quem». Toda a gente é alguém na vida! Na vida de quem prezamos e nos preza. É isso o mais importante, pois para além do usufruto inconsequente e ostentação mundana de bens materiais, o bem-estar dos «nossos» acaba por ser o garante da nossa verdadeira importância nesta curta passagem terrena. Quando alguém faz a destrinça qualitativa entre o sério e o menos sério no que à importância profissional diz respeito, coloca-se a questão se a mesma é dada apenas pelo índice de empregabilidade, da média salarial, da capacidade de progressão, do status social ou também contempla a satisfação, a realização, o preenchimento e a felicidade pessoal de cada um. Não serão também os ditos cursos inferiores, aqueles que não sendo superiores 43
tornam a nossa vida superior? Afinal de contas tira-se um curso para ser superior a outrem ou para tornar superior a nossa aprendizagem da vida, na vida e para a vida? Observando a forma como muitos educadores tentam condicionar as escolhas vocacionais dos seus educandos, em nome de uma projetada e muito almejada «saída profissional», tenho vindo a constatar que nos seus percursos académicos muitos desses alunos hipotecam e vilipendiam a sua felicidade em nome duma aparente certeza e segurança profissional. Entendo o desejo de qualquer pai que os seus filhos encontrem uma forma de subsistência que lhes garanta a possibilidade de também constituir família. Mas a que custo?... Apeteceu-me aqui desabafar este estado de espírito após ter ouvido um comentário de um jurado dum concurso onde é avaliado o talento dos concorrentes. Artista de formação e de convicção, aconselhava um jovem a continuar a investir o seu tempo e energia, dedicando-se “de alma e coração” àquilo que o fazia feliz: a arte onde mostrava vocação e competência. Tendo finalizado a dissertação com o eloquente e assertivo conselho: “Não ligues a quem te diz para tirares um curso a sério. Um curso a sério é o que fazes!”. Apetece-me perguntar-vos o que é hoje um «curso a sério». Não podendo, deixo-vos aqui a questão para colocarem aos vossos filhos… Talvez eles saibam! .
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OPINIÃO ADVERSÁRIOS OU INIMIGOS? PAULO CUNHA
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mbora, aparentemente, as palavras «adversário» e «inimigo» possam carregar com elas os piores sentimentos da natureza humana, há no seu significado muito que as distingue. Depois duma consulta atenta a qualquer dicionário de língua portuguesa, poderemos verificar que aquele que se eleva contra outro para lhe disputar a posse de uma coisa ou o triunfo de uma ideia é um adversário; sendo que alguém hostil, prejudicial e nocivo é considerado inimigo. À força de tanta ser pronunciada, já se tornou um cliché a ideia que na vida partidária os inimigos estão dentro dos próprios partidos e os adversários nas outras forças partidárias. Assim sendo, e a ser verdade, causa-me alguma admiração e até perplexidade observar como é que tanta gente se sujeita ao escrutínio e análise pessoal para a respetiva aprovação na filiação em grupos onde, supostamente, irão sofrer!?... Sim, porque ninguém se sujeita a sair de casa para estar com certas pessoas que, apesar dos apertos de mão e das palmadinhas nas costas, os tratam com cinismo, hipocrisia e desrespeito… a não ser que os ganhos e as mais-valias superem todas essas vicissitudes. Bem, mas isso é lá com os «camaradas» e «companheiros», pois se lá estão é porque assim o quiseram, ninguém os obrigou!
disputas estéreis e insanas com algumas pessoas que trazem o pior da natureza humana para a sua profissão. Por despeito, por inveja, por pequenez intelectual e até por malvadez, inquinam relações laborais e consequentemente tornam as respetivas classes profissionais mais frágeis. Colocando-se assim numa posição em que serão mais fáceis de manipular por interesses externos, menos produtivas e eficazes, e mais atreitas a críticas, sujeitam-se a alguns julgamentos infundados por parte de certos setores da opinião pública. Por analogia comparo este tipo de comportamentos primários ao que muitos fazem nos estádios de futebol: enquanto os adversários jogam, o público injuria-se e agride-se com os requintes de malvadez próprios de verdadeiros inimigos. Não adianta pois falar dos outros, quando é no âmago de quem fala que reside o problema. Basta parar para pensar e quantificar quantos inimigos fizemos por comportamentos não amigos para com eles. Muitos?... Poucos?... Nenhum?... Na resposta reside a relação que temos com a vida. E em devido tempo a vida retribuirá! .
Mas o que dizer dessa mesma situação em realidades onde não podemos fugir nem dizer que não? Refiro-me, obviamente, à grande parte das classes profissionais existentes. Nos seus locais de trabalho, profissionais qualificados acabam por passar um terço do dia, sujeitos a
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OPINIÃO 365 DIAS MULHER PAULO CUNHA
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gora que o dia em que simbolicamente se homenageia e celebra o género feminino já passou - e porque, da mulher, todos os dias o são - sinto-me ainda mais compelido em aqui deixar o meu modesto, mas sentido contributo em relação a esta data carregada de tanto simbolismo histórico e civilizacional. Começo, antecipadamente, por pedir as mais sinceras desculpas a todos a quem as minhas palavras possam, de algum modo, parecer sexistas. Escrevo-as assumindo uma visão desejável de um mundo onde a única característica que nos diferencie não seja o género, mas unicamente o sexo com que nascemos. Humanos apenas… Considerando-me um privilegiado por, desde sempre, ter trabalhado num mundo laboral (Educação) onde as mulheres sempre estiveram em maioria e sempre desempenharam lugares de coordenação e direção, tenho a plena noção que vivo numa «bolha» onde a realidade diária não espelha as desigualdades e assimetrias profissionais que grande parte das mulheres sentem no seu dia-a-dia em diversos contextos geográficos, socioeconómicos e socioculturais. Continua a «fazer-me espécie» consagrar um dia à mulher, pois da forma como é aproveitado e usado por algumas, sempre me pareceu redutor e até banal, tal a importância do evento histórico que a data evoca. Mas o que mais me confrange e preocupa é constatar que muitos dos jovens com quem convivo diariamente inculcaram a ideia que este dia é o dia em que as mulheres ficam dispensadas de fazer as «tarefas de mulher» para assim puderem festejar o «seu dia». Seja nas relações profissionais, sociais ou familiares, a mulher continua a carregar e a ser vítima de um fardo demasiado pesado, assente 45
na tradição, cultura e religião, onde o preconceito e o estigma continuam a minar e a condicionar uma plena vivência democrática e igualitária entre seres humanos. Diferentes entre si, iguais nos direitos e nos deveres! Tão simples na teoria mas tão longe de ser verdade numa realidade onde a educação, ou a falta dela, tem um peso central e primordial. Sejam homens ou mulheres, quanto mais sensibilizados e alertados para a necessidade de mudar o que não está bem, em prol duma sociedade onde a palavra «todos» abarque efetivamente os dois géneros, mais rapidamente teremos uma sociedade mais feliz e realizada e, consequentemente, mais produtiva. Ao contrário do velho discurso de certas avós que, não raras vezes, desabafavam a «maldição» de terem nascido mulher, enquanto ao mesmo tempo bendiziam a sina dos seus filhos homens, a atualidade tem vindo a garantir a afirmação, o orgulho e a satisfação de ser e viver a feminilidade em toda a sua plenitude. Colocar na ordem do dia a discussão da justa e devida paridade entre sexos não tem dia. É um erro crasso eleger apenas o homem como causador principal da desigualdade de direitos e deveres entre géneros, tendo em conta que muitos dos comportamentos que se perpetuam de geração em geração são incutidos através da assimilação dos modelos familiares. Lutar pelos direitos da mulher não constitui uma guerra entre sexos. É uma luta que deverá ser feita a dois (mulher e homem), onde os principais vencedores serão os vindouros, herdeiros e transmissores de uma nova forma de pensar, estruturar e viver a vida. Para que todos os dias sejam «Dia do Ser Humano»… simplesmente! .
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Pai, um dia é pouco! Paulo Cunha
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primeiro registo de que há conhecimento como homenagem ao pai tem já quatro mil anos e foi encontrado por arqueólogos, escrito em argila, na antiga Babilónia. Reza a história que tudo começou em 1910 nos Estados Unidos da América, quando uma americana deu início a uma petição sugerindo uma celebração aos pais, depois de ter ouvido um discurso de homenagem às mães. O seu pai tinha-a criado sozinho, conjuntamente com seus cinco irmãos, pelo que inicialmente o «Dia do Pai» era festejado na data do seu aniversário, a 19 de Junho. Hoje celebra-se no dia de S. José, em Portugal e também noutros países. Sou daqueles que acha que tudo o que é realmente importante na vida deverá ser celebrado, dignificado e homenageado todos os dias. Sem dia marcado para nos lembrar que muito do que somos o devemos aos nossos pais, «Pai e Mãe» são a maior instituição desde que o «mundo é mundo». Não há como negá-lo! Nem as exceções, que infelizmente as há, poderão condicionar esta celebração a um mero dever com dia programado. O amor não tem dia marcado! Para além do mercantilismo próprio das sociedades de consumo, associado a todas as datas onde tudo tem dia e todo o dia é dia de comprar para oferecer, festejar quem nos gerou e educou deverá constituir um referencial para todos os dias desta nossa curta passagem. A melhor forma de o fazer é mostrar-lhes, presencial e efetivamente, o amor que por eles nutrimos. Confinar a expressão e transmissão de afetos aos nossos pais a dias datados, marcará irremediavelmente o momento em que com eles quisermos estar e eles já cá não estarão. Porque
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para o inevitável a contagem é decrescente e há muito começou… Quando oiço falar em «Dia do Pai» vêm-me imediatamente à memória todos aqueles pais que, separados da mãe dos seus filhos, se veem, por decisão judicial, na contingência de sentir na pele, e no coração, a terrível sensação de só poderem estar com os seus filhos dois fins de semana (quatro dias) por mês. É neles que penso quando oiço jovens que, com lágrimas contidas e palavras embargadas, me relatam que não puderam fazer com os pais tudo aquilo que lhes sugeri e solicitei, pois só estão com eles de quinze em quinze dias. Estou, obviamente, a referir-me a todos aqueles pais que o quiseram ser e todos os dias o comprovam, agindo como tal. Aqueles que se veem para além das funções de progenitores, mantedores e cuidadores. Aqueles que educam, ensinam e, sobretudo, compartilham diariamente com os seus filhos a sua maior dádiva: o seu amor paternal. Aprende-se a ser pai, sendo-o! Entregando-nos a essa nobre missão e devoção, todos os dias descobrimos nos nossos atos tudo aquilo que o tempo se encarregou de apagar ou fazer esquecer da nossa memória. E como é bom redescobrir a nossa história através dos nossos filhos… Há mais de duas décadas que não lhe posso expressar o carinho, respeito e amor que continuo a nutrir por ele, mas não é o facto do meu pai já cá não estar que me fará deixar de falar dele no presente, pois sei que enquanto eu viver, ele viverá em mim. É essa a magia da paternidade: podermos viver para além do presente, projetando no futuro dos filhos tudo o que nos foi transmitido pelos nossos pais no passado. Essa sim, a verdadeira homenagem! .
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Uma vida inteira dentro duma mochila Paulo Cunha
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alando com alguns jovens, perguntei-lhes o significado de refúgio. Grande parte deles, apesar da tenra idade, responderam-me prontamente ser um sítio onde poderiam encontrar segurança, ajuda e conforto. Perante tais afirmações, apeteceu-me perguntarlhes o que achariam que os seus pais fariam se, de repente, se sentissem atemorizados e até aterrorizados se fossem perseguidos devido à sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinados grupos sociais ou opinião política… mas não o fiz, pois pelo seu semblante fiquei desde logo esclarecido sobre qual seria a sua resposta. Tendo em conta as migrações forçadas, que estão a grassar por este «mundo fora», com especial enfoque e atenção por parte dos «media» para o êxodo registado em direção à «nossa» Europa, temo-nos vindo a confrontar com atitudes fraturantes, discriminatórias e xenófobas que, devido a estes eventos, estão finalmente a dar a conhecer com que massa foi construída esta União Europeia. Sob um terreno pejado de «minas ideológicas», enterradas em vários períodos da história, germinam agora as diferenças que continuam a fazer explodir desentendimentos no que aos direitos humanos concerne. Muitos de nós, manietados por um preconceito alimentado pelas diferenças socioeconómicas, diferenças étnicas, diferenças raciais, diferenças culturais, diferenças religiosas e muitas outras que continuamos a sublimar, assistimos - impávidos e serenos - a uma realidade humilhante que a qualquer «homem de boa vontade» envergonha.
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Mais do que chamar à razão quem da razão pouco uso faz, urge fazer a transferência e projetar para a nossa realidade diária, a realidade de gente que, dum momento para outro, se viu espoliada de toda uma história de vida. Gente que para além da roupa que traz no corpo, traz na sua pequena bagagem os despojos de uma luta que não foi, e continua a não ser, a sua. Gente que guarda como maior tesouro a memória de um passado construído a pensar num futuro melhor e apenas tem a certeza de um futuro desconhecido repleto de incertezas, dúvidas e angústias. Já, por um momento que seja, experimentaram colocar-se na pele destes seres tão humanos quanto vós, e que se sujeitam às piores e inimagináveis provações e agruras, colocando a todo o momento em risco a sua vida e a dos seus? Para chegar a esse ponto é preciso ter atingido o «fim da linha». Ninguém foge para o desconhecido porque quer, mas porque a isso é obrigado. Fogem para longe do fogo que lhes queimou a alma, saltando desamparados para um futuro incerto. Não ter medo nem preconceito de os amparar fará, por certo, a diferença. A diferença de quem os tornou refugiados. Da mesma forma que se aprende a discriminar através dos (maus) exemplos que temos por perto, também se aprende o valor da compreensão, do respeito, da partilha, do altruísmo e da solidariedade, quando colocamos esta forma de estar e de ser como referências educativas para quem connosco priva. Num mundo em constante mutação, será essa a maior e melhor herança que poderemos deixar aos nossos descendentes: sementes de paz! .
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Querida avó, querido avô… Paulo Cunha
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á já alguns anos que é possível encontrar nalguns sítios alojados na Internet, um texto sobre os avós, pretensamente escrito por uma menina de oito anos. Reza o seguinte: “Uma avó é uma mulher que não tem filhos, por isso gosta dos filhos dos outros. As avós não têm nada para fazer, é só estarem ali. Quando nos levam a passear, andam devagar e não pisam as flores bonitas nem as lagartas. Nunca dizem “Despacha-te!”. Normalmente são gordas, mas mesmo assim conseguem apertarnos os sapatos. Sabem sempre que a gente quer mais uma fatia de bolo ou uma fatia maior. As avós usam óculos e às vezes até conseguem tirar os dentes. Quando nos contam histórias, nunca saltam bocados e nunca se importam de contar a mesma história várias vezes. As avós são as únicas pessoas grandes que têm sempre tempo. Não são tão fracas como dizem, apesar de morrerem mais vezes do que nós. Toda a gente deve fazer o possível por ter uma avó, sobretudo se não tiver televisão.”. Texto escrito com a inocência própria de uma criança e focalizado na figura da avó, pode - e deve - ser direcionado e interpretado no universo dos dois avós em geral. É um facto, é impossível lê-lo sem ser contagiado pelas palavras ternurentas, cândidas e até humoradas com que uma neta vê e presenteia a sua avó! A ligação entre netos e avós é uma ligação única, diferente daquela que os mais novos têm com os pais e da que têm com outros adultos, sejam eles familiares ou não. Criam-se laços marcados por uma profunda ternura, pela experiência e também pela ausência da responsabilidade final enquanto educadores, podendo assim desfrutar da relação de uma forma mais sã, alegre e descontraída. Numa sociedade como a portuguesa, o papel dos avós é,
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na maioria das vezes, central e nuclear na vida das crianças. Ao criarem os pais, os avós transmitiram-lhes um conjunto de valores que muito provavelmente serão replicados na educação dos filhos. Ao passar tempo com os mais velhos, as crianças compreendem o que esteve na origem dos princípios da sua família, o que lhes transmitirá uma forte noção de pertença e de referenciais futuros. O avô e a avó são um porto seguro e os mais novos sabem-no, mesmo que de forma instintiva. Sabem também que não se relacionam com os mais velhos da mesma forma que o fazem com os pais. Por muito que a educação respeite os mesmos princípios, os cenários e os contextos são diferentes, acabando as crianças por se adaptar de forma imediata. Todos nós, pais, sabemos que na casa dos avós os mimos são mais do que muitos e não acabam… E ainda bem! Os avós ajudam a educar, mas também a “deseducar”. Compram inúmeros brinquedos, guloseimas, roupas, etc. Deixam passar a hora de dormir. Permitem a quebra de certas regras… E ainda bem! São estas pequenas transgressões que, de forma inconsequente, permitem a estes pequenos seres em formação, viver e desfrutar uma infância única e insubstituível, a sua… Juntos integram a única e verdadeira instituição não oficial de beneficência e solidariedade social (os avós de Portugal), que de forma graciosa e benemérita ajuda a sarar as feridas provocadas por todos aqueles que nos obrigam a colocar a produção à frente da educação e fruição dos nossos filhos. Já pais, os nossos pais continuam a dar-nos “berço” e “colo” através dos nossos filhos. Possamos nós retribuir com a mesma afetividade, disponibilidade, dinamismo e dedicação que eles, benditos e preciosos avós! . 48
Diz que vais da minha parte! Paulo Cunha
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o longo da história, apesar de perniciosos e lesivos, certos comportamentos tornaram-se tão comuns que, mesmo socialmente criticáveis, são hoje reconhecidos como intrínsecos à natureza humana. Vulgarizou-se chamar “chicoespertismo” a comportamentos assentes na batota, na falcatrua, no suborno, na corrupção, na usurpação e no engano. Uma forma de estar que se tem vindo a consolidar através da replicação das ditas atitudes. Desde que permaneçam na esfera privada de quem os pratica, muitos desses comportamentos são inconsciente e subliminarmente tolerados, tornando-se até desculpáveis. É curioso observar como, aos olhos de muitos, certas figuras se transformam, num ápice, de bestiais em bestas. Como se o poder, de um momento para o outro, os tivesse tornado pessoas desonestas, mentirosas e infratoras. Não serão os que, acérrima e veementemente, criticam, também possuidores das características que tanto censuram? Para um observador isento, e mais atento, é possível observar que havendo predisposição, a ocasião, inevitavelmente, fará o ladrão. E a predisposição cresce à medida que cresce o acesso ao dinheiro dos outros! Chegámos a um estado de coisas em que é possível ver adultos com responsabilidades a vários níveis e de vária índole a vangloriarem-se, em círculos fechados, das “artimanhas, façanhas e patranhas” ilegais e imorais que usam (e abusam) para somar mais bens patrimoniais à sua existência. E quem não o faz é tomado por papalvo, ingénuo e até “totó”! A culpa não “morre solteira” sobre o pouco 49
que nos vão deixando saber da atuação fraudulenta de alguns dos muitos poderosos. Sendo já um hábito escutar e ler que “eles vão para lá para se encher e para se governar!”, seria interessante observar, em iguais circunstâncias, a atuação de muitos que usam tais tiradas como arma de arremesso pela inveja e despeito que sentem por lá não estar. Sobre Portugal alguém escreveu: “O povo português precisa de perceber que o problema de Portugal não é só a meia dúzia de políticos no poder (lá em cima), pois eles são apenas o reflexo dos mais de dez milhões de oportunistas (aqui em baixo). Os políticos de hoje foram os oportunistas de ontem!”. Sendo uma visão extremada e redutora do percurso histórico que nos levou a esta forma de estar assente num “nacional-porreirismo”, alicerçado em “jogadas e esquemas”, não deixa de haver um fundo de verdade nesta análise ao nosso Zé Povinho. Recordo-me como se fosse ontem, quando numa reunião mais acalorada um dos intervenientes “sacou” do seu telemóvel e nos disse: “Poder? «Poder» são todos os contactos aqui tenho… De Presidentes da Câmara a Ministros!”. Na troca de favores, assente nas famosas “cunhas”, vão-se construindo teias onde a ética, a moral, os valores e a competência são substituídos pelas “jogadas do costume”. Como cantaria o músico/poeta do outro lado do Atlântico: “Começar de novo e contar comigo, vai valer a pena ter amanhecido. Ter-me rebelado, ter-me debatido, ter-me machucado, ter sobrevivido. Ter virado a mesa, ter-me conhecido, ter virado o barco, ter-me socorrido.”. Talvez assim!?… .
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Intervir musicalmente?... Sempre! Paulo Cunha
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e é impossível dissociar o 25 de abril da história da música contemporânea portuguesa, também é verdade que muito do que originou a revolução dos cravos começou a ser construído com palavras e notas musicais. Para além das estórias que ajudaram a construir a história de um país que iniciou uma revolução política com música, é de salientar a importância que muitos músicos de vários quadrantes musicais tiveram – e continuam a ter – na consciencialização cívica e política de muitos que (ainda) teimam em fazer a vida acontecer. Se atentarmos nas grandes revoluções, registamos que sempre houve escritores, músicos, pintores e escultores na sua génese, a provocar e estimular a consciência para aceitar a mudança. Fernando Namora, no caderno «Sentados na Relva» afirmou que "A arte era o nosso veículo de protesto; impunha-se que os romances e os poemas que escrevíamos fossem a voz desses homens cujo grito não era ouvido, fossem o registo de uma realidade iníqua que urgia denunciar e resgatar.". Em Portugal as «canções da resistência» assumiram uma função social e política desde o princípio dos anos 60, nomeadamente com a eclosão da Guerra Colonial em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Muitos foram os poetas/músicos que encontraram a palavra e a música exata para esse momento. Mesmo aqueles que, aparentemente, não entraram na denúncia do regime, escreveram letras e músicas onde a revolta estava alegórica, subliminar e metaforicamente presente. As «canções de resistência» ou «canções de protesto», consideradas após a revolução de abril de 1974 como «canções de intervenção», eram constituídas por poemas e músicas de
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denúncia e surgiam como forma de lutar por um mundo melhor. Possuíam uma mensagem universalista, livre de qualquer constrangimento social ou político. Na sua base estiveram, muitas vezes, poemas que exprimiam o sentimento de um povo oprimido e maltratado, com esperança de liberdade e justiça social. Noutros países, constituíram, sobretudo, canção de protesto de movimentos pacifistas e antibelicistas. Passadas as campanhas de dinamização cultural, as manifestações de engajamento partidário e o exacerbamento panfletário, eisnos chegados a um tempo em que falamos deste período da história da música portuguesa já “devidamente” enquadrado no século passado. Mas estará a «música de intervenção» já arrumada numa das estantes da história destinada a ser periodicamente revisitada sempre que chega abril? Enquanto músico e professor tenho feito a minha quota-parte para que tal não aconteça! Sei também que por este país fora, muitos pedagogos, professores, divulgadores, jornalistas e músicos de vários géneros musicais imprimem às suas dissertações, ações culturais, criações e apresentações musicais, toda uma carga ideológica e cívica que não é indiferente a quem os escuta e com eles desperta para outra realidade diferente daquela que nos é “vendida” por muitos. Continuo a pensar que enquanto houver um músico/poeta que consiga juntar as 26 letras do alfabeto português e as 7 notas musicais com o intuito de lutar pela manutenção e preservação da liberdade e da justiça social, continuará a haver «música de intervenção» em Portugal. Até porque: “Músico de intervenção é aquele que intervém para além da Música!” . 50
Onde estavas no «25 de abril»? Paulo Cunha
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opularizada pelo grande Herman José, a charge televisiva inspirada pelos programas do jornalista Armando Baptista-Bastos, onde perguntava aos convidados onde estavam no «25 de abril», continua ainda na ordem do dia. Enquanto houver memória e ainda estiverem vivos todos os que, de alguma forma, foram tocados pelos eventos daquele período revolucionário, todas essas estórias pessoais continuarão a construir a história coletiva de um Portugal renovado. Quem como eu já ultrapassou o meio século de vida, sabe que, de uma forma ou de outra, o «25 de abril» teve consequências em tudo que até agora vivemos, independentemente de quem, sub-reptícia e veladamente, ainda continua a criticar a Revolução que teve o condão de nos abrir as portas para a liberdade de o fazer. Pela importância capital que este acontecimento teve na nossa história contemporânea, não há hoje nenhum “maduro” que não se recorde onde estava e o que estava a fazer nesse dia. E é dessas trocas e partilhas de vivências que aferimos a forma como a «Revolução» nos revolucionou… ou talvez não!? Sei que alguns continuam (e continuarão) a maldizer o transtorno que tal mudança de paradigma político operou nas suas vidas. Fruto de várias reformas então realizadas e de uma descolonização mal planificada e pior executada, muitos ainda se queixam das perdas de bens, de regalias, de status social e de outras tantas coisas. Mas entre o deve e o haver, sabemos hoje que a maioria dos portugueses continua a apontar este evento histórico como o maior catalisador para a luta pela “liberdade, paz, pão, saúde e habitação”. Olhando para trás e fazendo o balanço natural e devido, é possível constatar que muitas das expetativas se goraram, sentindo-se hoje um 51
esmorecimento da chama que acalenta o sonho que abril em nós plantou: ver uma sociedade onde a justiça social e o respeito pelos direitos, garantias e liberdades sejam uma realidade plena e consequente. Ao invés, deparamo-nos com uma cristalização de procedimentos e atuações consubstanciada na total falta de respeito pelos valores humanos e onde os valores económicofinanceiros ditam quem é quem neste país lindo mas, cada vez mais, mal frequentado. Quando há 42 anos, na manhã do dia 25 de abril, numa das salas da Escola Primária de S. Luís, em Faro, “assisti” com os meus colegas ao decorrer dos eventos que marcaram o «25 de abril», transmitidos pelo pequeno rádio que a professora então levou para acompanhar a Revolução em direto, estava longe de imaginar a forma e a intensidade com que tais acontecimentos iriam marcar a vida de tantos. À tarde, tendo “fugido” de casa para “participar” na Revolução, observei de perto as ações e as palavras de ordem que muitos proferiam para dentro das instalações da PIDE, perto da Escola Tomás Cabreira. No dia seguinte, pressentindo que se estava a fazer história, não deixei que o meu pai deitasse fora os jornais que então tinha comprado. Agora, dobradinhos e amarelinhos, são a melhor aula de história que posso dar aos meus filhos. São a testemunha viva de dias onde duas músicas e alguns molhes de cravos vermelhos tornaram Portugal um país inigualável em todo o mundo. E vós, os mais velhos… onde estavam no «25 de abril»? A vossa história será um legado vivido e sentido que deixarão aos mais novos para que, de geração em geração, se transforme em património de Liberdade. Liberdade que não se compra, não se vende… Conquista-se todos os dias! .
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Turismo e hidrocarbonetos – uma coexistência improvável Paulo Cunha
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e perguntarem a qualquer estrangeiro que conheça minimamente Portugal o que caracteriza o Algarve fora de portas, certamente responderá: o turismo. Sem qualquer tipo de veleidade ou vaidade, qualquer algarvio ou residente no Algarve sabe que vive num dos maiores tesouros com que a natureza bafejou este país à beira mar nascido. Aliás, os dados da AICEP confirmam-no, pois preveem que “cerca de 23% do emprego nacional no prazo de 10 anos se registe no setor do turismo e que cresça a um ritmo saudável e continue a atrair investimento estrangeiro na criação de equipamentos de nível superior.”. É inquestionável que este “bem” se transformou numa riqueza inestimável e insubstituível para Portugal. Contribuindo para uma boa fatia do PIB português e sendo o único paraíso acessível a muitos portugueses que só aí conseguem “carregar baterias”, nada é mais errado do que pensar que ao maltratá-lo só os autóctones serão afetados. Com o anúncio por parte da Repsol e da Partex que começarão a fazer as primeiras perfurações para prospeção de hidrocarbonetos ao largo do Algarve já em Outubro, levámos “à má fila” o primeiro “murro no estômago”. Aliás, tudo o que a coberto de uma legalidade encoberta foi feito até aqui chegarmos, tresanda a tudo a que os hidrocarbonetos estão associados. Em boa hora muito já está a ser escrito, debatido e esclarecido pelas entidades competentes e movimentos cívicos. Ao mesmo tempo, lamentamos agora a falta prévia de apresentação e esclarecimento por parte dos “nossos” representantes eleitos sobre quais seriam as implicações resultantes de concessionar a exploração de hidrocarbonetos em terras e mares algarvios. Fica-nos aquela sensação de “dejá vu”, onde quem os elegeu são sempre os últimos a saber. Não quero acreditar que para este caso, a velha premissa “O que não tem remédio, remediado está!” faça aqui jurisprudência. Mal estaríamos se assim fosse, pois não honraríamos os antepassados
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que tanto zelaram e defenderam o «Reino dos Algarves»! Nunca vos aconteceu estarem refastelados na praia e por vezes serem “bafejados” com aqueles odores a gasolina expelidos pelas embarcações de recreio que pululam na calmaria das nossas águas, já sem falar nas manchas de óleo à superfície que nos fazem retrair no ato de mergulhar nas águas azuis do nosso mar? A mim já!... E não é o facto do gás ou do crude poder vir a ser retirado de poços terrestres ou marinhos situados longe da minha casa que me deixa menos preocupado, pois colocará em perigo toda a fauna e flora que torna o Algarve um local único e formoso. Razão tem o povo que, para estes e para outros casos, sabiamente diz: “Quem tudo quer, tudo perde!”. Pois eu atrevo-me a dizer que quando o petróleo e/ou o gás começarem a jorrar quem se vai lixar será - como sempre - o mexilhão, aqui bem representado pelos algarvios que, agarrados à “sua” rocha, continuarão a aguentar o embate de muitas marés. Nada a que já não estejam habituados!... Não acredito nas pias, sãs e inocentes intenções dos promotores desta miraculosa e lucrativa exploração de recursos naturais, apresentada por alguns como uma possível panaceia para os “males de finanças” que enfermam as nossas contas públicas. Até porque não nos faltam exemplos do destino a que foram votados certos locais depois de lhes terem sido sugadas, secadas, sacadas, extorquidas e destruídas as suas “fontes”. Depois?... Depois haverá sempre um outro «Allgarve» noutro local, de preferência “clean”, não esventrado e sem qualquer tipo de poluição à espera de quem vendeu este Algarve de onde vos escrevo. Incongruências de quem só aferirá o valor do que perdeu quando o deixar de ter. Tão comum naqueles que não conseguem entender que há muitos tipos de energias. Basta renovarem-se! E já agora: imaginem que descobriam petróleo em Lisboa, ou no Porto... Como seria?! .
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Quem num coro canta seus males espanta! Paulo Cunha
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ltimamente têm sido divulgados uma série de estudos científicos que apontam para os benefícios de cantar em grupo: - Benefícios para vários estados mentais, comprovados pela associação da estrutura e da melodia da música à atividade cardíaca dos membros de um coro, onde o ato de cantar em uníssono desencadeia um efeito de sincronização, fazendo com que o ritmo cardíaco dos cantores aumente e diminua ao mesmo tempo e à mesma velocidade, proporcionando assim um efeito similar aos exercícios de ioga; - Benefícios ao nível do bem-estar de pacientes com determinadas doenças incapacitantes como a doença de Parkinson, esclerose múltipla e doenças respiratórias, e que assim, através da prática coral, aumentam a exercitação dos músculos associados à emissão vocal e controlam melhor os seus níveis de stresse e de ansiedade; - Benefícios na socialização e entreajuda entre pessoas que padecem de sintomas aliados a estados de solidão, angústia e depressão. Cada vez mais se verifica que certas empresas e organismos oficiais adotam e incentivam o canto coral entre os seus funcionários com o intuito de assim poderem garantir e promover uma maior integração, interação, proatividade e desenvolvimento cognitivo e motor entre os seus funcionários, bem como incentivar a diminuição ou até mesmo o abandono do uso do tabaco e do álcool. Jordi A. Jauset, especialista em neurociência musical, salienta que cantar num coro ajuda a construir uma relação de confiança, de coesão e até mesmo de generosidade com os colegas. O autor do livro «Cerebro y música: una pareja 53
saludable» explica que cantar é uma atividade eficaz contra estados de stresse e depressão: "Cantar aumenta os níveis de cortisol e oxitocina, hormonas que, entre outras coisas, aumentam a autoconfiança e o nível de bem-estar pessoal". Jauset salienta também que o canto pode atuar como uma espécie de armadura contra doenças neuro-degenerativas: “Cantar é uma espécie de ginástica neuronal”. Cantar em grupo é uma expressão da vontade coletiva. Basta pensar nos cânticos de apoio nos estádios de futebol, nas canções de trabalho, nos hinos, nas procissões, nos festivais de música, nos coros de igreja ou nas marchas militares. A história prova-nos que os rituais sincronizados sempre contribuíram para a solidariedade de grupo. Há mais de quatro décadas a cantar em coro e a coordenar grupos corais, posso hoje afirmar, inequívoca e perentoriamente, que cantar num coro é algo ao alcance de todos que (simplesmente) tenham a capacidade de entoar a afinação pretendida e de se ouvir, ouvindo ao mesmo tempo os outros. Mas mais importante que tudo isso, para integrar um coro é preciso ser (ou aprender a ser) humilde, respeitador, solidário, cumpridor, disponível e participativo. É talvez o coletivo onde os vários grupos que o integram (naipes) mais se respeitam e entreajudam, sempre com o intuito de alcançar o objetivo de transformar um ato natural e singular num enorme prazer coletivo. É esse o segredo para querer cantar num coro: colocar o nosso timbre vocal à disposição do enorme arco-íris sonoro que constituirá um bem comum: o todo que nos/vos (en)cantará! .
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FICHA TÉCNICA DIRETOR: Daniel Alexandre Tavares Curto dos Reis e Pina (danielpina@sapo.pt) CPJ 5852 EDITOR: Daniel Alexandre Tavares Curto dos Reis e Pina SEDE DA REDAÇÃO: Rua Estrada de Faro, Vivenda Tomizé, N.º 12P 8135-157 Almancil Telefone: 919 266 930 Email: algarveinformativo@sapo.pt Site: www.algarveinformativo.blogspot.pt PROPRIETÁRIO: Daniel Alexandre Tavares Curto dos Reis e Pina Contribuinte N.º 211192279 Registado na Entidade Reguladora para a Comunicação Social com o nº 126782 PERIODICIDADE: Semanal CONCEÇÃO GRÁFICA E PAGINAÇÃO: Daniel Pina FOTO DE CAPA: Paulo Cunha
ESTATUTO EDITORIAL A ALGARVE INFORMATIVO é uma revista regional generalista, pluralista, independente e vocacionada para a divulgação das boas práticas e histórias positivas que têm lugar na região do Algarve. A ALGARVE INFORMATIVO é uma revista independente de quaisquer poderes políticos, económicos, sociais, religiosos ou culturais, defendendo esse espírito de independência também em relação aos seus próprios anunciantes e colaboradores. A ALGARVE INFORMATIVO promove o acesso livre dos seus leitores à informação e defende ativamente a liberdade de expressão. A ALGARVE INFORMATIVO defende igualmente as causas da cidadania, das liberdades fundamentais e da democracia, de um ambiente saudável e sustentável, da língua portuguesa, do incitamento à participação da sociedade civil na resolução dos problemas da comunidade, concedendo voz a todas as correntes, nunca perdendo nem renunciando à capacidade de crítica. A ALGARVE INFORMATIVO rege-se pelos princípios da deontologia dos jornalistas e da ética
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profissional, pelo que afirma que quaisquer leis limitadoras da liberdade de expressão terão sempre a firme oposição desta revista e dos seus profissionais. A ALGARVE INFORMATIVO é uma revista feita por jornalistas profissionais e não um simples recetáculo de notas de imprensa e informações oficiais, optando preferencialmente por entrevistas e reportagens da sua própria responsabilidade, mesmo que, para tal, incorra em custos acrescidos de produção dos seus conteúdos. A ALGARVE INFORMATIVO rege-se pelo princípio da objetividade e da independência no que diz respeito aos seus conteúdos noticiosos em todos os suportes. As suas notícias narram, relacionam e analisam os factos, para cujo apuramento serão ouvidas as diversas partes envolvidas. A ALGARVE INFORMATIVO é uma revista tolerante e aberta a todas as opiniões, embora se reserve o direito de não publicar opiniões que considere ofensivas. A opinião publicada será sempre assinada por quem a produz, sejam jornalistas da Algarve Informativo ou colunistas externos. 54
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