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ESTUDO E AÇÃO SOBRE AS NARRATIVAS DE ÓDIO CONTRA A COMUNIDADE LGBT+ NO BRASIL.
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O DISCURSO TINGIU A BANDEIRA DE SANGUE
O DISCURSO TINGIU A BANDEIRA DE SANGUE Estudo e ação sobre as narrativas de ódio contra a comunidade LGBT+ no Brasil.
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AGRADECIMENTOS
Queiroz, Bruno Herbert de O discurso tingiu a bandeira de sangue - Estudo e ação sobre as narrativas de ódio contra a comunidade LGBT+ no Brasil. / Bruno Herbert de Queiroz - São Paulo (SP), 2018. 167 f.: il. color. Orientador(a): Felipe Pereira Barros, Juana Ribeiro Diniz, Marcos de Almeida Prado Pecci Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Design Gráfico) Centro Universitário Senac, São Paulo, 2018. 1. Discurso de ódio, 2. Responsabilidade social, 3. Movimento LGBT+, 4. Lgbtfobia, 5. Design Ativista. I. Barros, Felipe Pereira (Orient.) II. Diniz, Juana Ribeiro (Orient.) III. Pecci, Marcos de Almeida Prado (Orient.) IV. Título
Agradeço a todes que vieram antes de mim e trilharam um caminho de liberação, que nossa força esteja sempre conectada de alguma forma, a luta continua. Obrigado pelas reuniões que indiretamente fizemos nos cantos de uma faculdade jogados em poltronas ou em cadeiras à frente de batatas fritas, pelos conversas digitais repletas de hipertexto, pelos livros compartilhados, pelos feedbacks onde a minha insegurança se mostrou, pelo apoio de expertises que fizeram toda a diferença, pela voz que acalmou e deu liberdade para que eu trilhasse o projeto com autonomia, pela escuta e pela empatia, companhia no corre de colar os cartazes na cidade e inúmeras mensagens de “vai dar tudo certo”. Agradeço aos meus do dia a dia, aos que estão e os que se foram, a todas que de algum modo contribuiram para que este trabalho não fosse apenas meu, eu certamente não conseguiria fazer tudo o que fiz sem vocês no processo, e eu amo o que isso significa.
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EPÍGRAFE
5 De tudo que é nego torto Do mangue e do cais do porto Ela já foi namorada O seu corpo é dos errantes Dos cegos, dos retirantes É de quem não tem mais nada Dá-se assim desde menina Na garagem, na cantina Atrás do tanque, no mato É a rainha dos detentos Das loucas, dos lazarentos Dos moleques do internato E também vai amiúde Com os velhinhos sem saúde E as viúvas sem porvir Ela é um poço de bondade E é por isso que a cidade Vive sempre a repetir Joga pedra na,
NÃO JOGA!
O Brasil é o país que mais mata travestis, transexuais, homossexuais e bissexuaisno mundo. Composição: Chico Buarque
Isso tem que acabar. Basta.
Interpretação e intervenção: Liniker Exibição em 2 mar 2017, Programa Amor e Sexo.
Só assim podemos nos redimir.
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RESUMO Este trabalho estudou a configuração dos discursos de ódio atribuídos à comunidade LGBT+ a fim de estabelecer uma conexão com o Design Gráfico e executar intervenções com cartazes na cidade de São Paulo. O estudo das postulações referentes aos discursos de ódio contra a população LGBT+ se deram através de leituras de pessoas que pesquisaram e vivenciaram momentos importante da história brasileira a fim de montar um panorama que levará o leitor do Brasil colonial até a realidade atual, mapeando assim as gêneses destes discursos e seus reflexos na contemporaneidade, para fomentar com isto, a discussão de um pensamento crítico acerca das responsabilidades sociais de suas reproduções. A abordagem do texto propõe, portanto, o entendimento dos sujeitos que compõem o grupo em questão e como os discursos impactaram as suas vivências em diversos momentos históricos de um movimento que precisou se organizar para buscar legitimação e liberação.
Palavras-chave: 1. Discurso de ódio, 2. Responsabilidade social, 3. Movimento LGBT+, 4. Lgbtfobia, 5. Design Ativista.
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SUMÁRIO OBJETIVOS..........................................................................11 JUSTIFICATIVA....................................................................13 DISCURSO E IDEOLOGIA NA FORMAÇÃO SOCIAL.....................17 OS PAPÉIS SOCIAIS DO SUJEITO HUMANO.............................27 AS REAVALIAÇÕES DAS ATRIBUIÇÕES DE GÊNERO................32 A PLURALIDADE DOS CORPOS E SUAS VONTADES................39 RE-DESCOBRINDO A ILHA DE VERA CRUZ...........................49 A NÃO TÃO SANTA INQUISIÇÃO............................................56 A MANUTENÇÃO DO CONTROLE SOCIAL...............................63 LIMPEZA DE CONDUTA.......................................................64 PATOLOGIZAÇÃO PSIQUIÁTRICA..........................................68 BRASIL, MOSTRA A TUA CARA.............................................74 DA ESQUINA AO ORGULHO DE QUEM SOMOS........................80 DE QUAL ORDEM E PROGRESSO FALA A BANDEIRA?............93 CORPOS ESTRANHOS E O BRASIL GENOCIDA.......................99 O DESIGN ENQUANTO FERRAMENTA SOCIAL.......................105 O PROJETO LAMBE DA ESQUINA...........................................113 A ESCOLHA DO NOME........................................................116 O VEÍCULO DA COMUNICAÇÃO.............................................119 ESTUDOS DE CONCEPÇÃO..................................................120 O TOM VERBAL..................................................................130 AS ESCOLHAS GRÁFICAS...................................................138 PRODUTO FINAL...............................................................139 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................162
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OBJETIVOS GERAIS O objetivo deste projeto é o de analisar a responsabilidade social envolvida dentro dos discursos de ódio acerca da comunidade LGBT+ no Brasil para à partir disto executar a criação de cartazes lambe-lambe que serão colados na cidade de São Paulo. A proposta portanto gira em torno de uma ação que é design mas também ativismo, trazendo o design social como ferramenta de transmissão e propagação de uma mensagem reflexiva acerca das opressões sofridas pelo grupo em questão.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS Trazer um panorama histórico a respeito da importância dos discursos e evidenciar a sua utilização como erramenta de manipulação ideológica. Dissertar a respeito do contexto histórico sócio-cultural dos discursos de ódio contra o movimento LGBT+. Entender como o design potencializa a comunicação e utilizar essa potencialização para construir narrativas gráficas que sejam transmitidas nos espaços urbanos.
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JUSTIFICATIVA Entender que o discurso pode ser uma ferramenta de destruição ou salvação é o passo inicial para que as ações e pensamentos coletivos passem a se estruturar de maneira responsável e empática diante das pessoas, principalmente acerca dos grupos que sentem em suas vivências estigmas e preconceitos que possuem uma origem intolerante e antiquada reproduzidas na contemporaneidade. Para falar sobre discursos públicos/privados, faz-se necessária uma análise do que é o discurso em sua síntese e como cada um dos meios verbais e visuais os transmitem a seus receptores. Esta análise se faz fundamental para adquirir um entendimento do poder contido dentro de uma afirmação e a proporção que esta pode tomar. A comunidade LGBT+ é marcada por uma série de opressões e deslegitimações sociais que negam direitos garantidos aos demais cidadãos e penalizam as existências a uma adaptação a cis-hetero normas dentro dos espaços que estão com os olhares atentos a cada desvio de conduta. Pensar essas imposições através da ótica de um discurso de ódio é problematizar como a sociedade se organiza e quais regras são aplicadas diariamente a todos os corpos que a ocupam, é entender as origens das opressões conectando-as aos acontecimentos do passado para evidenciar como o discurso usado de maneira nociva, foi e ainda é capaz de ordenar comportamentos, posicionamentos e ideais sociais que resultam em ignorância, desumanização e mortes.
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“[...] Dir-me-ão que, se há tanta gente, atualmente, a afirmar essa repressão, é porque ela é historicamente evidente. E que se falam com uma tal profusão e há tanto tempo, é porque essa repressão está profundamente firmada, possui raízes e razões sólidas, [...] uma única denúncia não seria capaz de liberar-nos; o trabalho só pode ser longo.” (FOUCAULT, 1988, p.15) Localizar a gêneses das opressões e como elas se configuraram ao longo dos anos se faz importante para refutá-las na atualidade, uma vez que, disseminar um discurso contrário que evidencia os danos do anterior explicitando seus estragos a curto e longo prazo denota um posicionamento que gera reflexões que se propagam ocupando espaços e transmitindo mensagens que resultam em positivas transformações sociais. O design esteve ligado intrinsecamente à construção de discursos ao longo dos anos de forma negativa e positiva, trata-se de uma ferramenta que transforma o meio em mensagem e, usá-lo como objeto de estudo para a execução de denúncias é utilizar-se de uma ferramenta que viabiliza, de diversas formas, a transmissão de uma comunicação que alcançam os mais variados espaços e potencializa mensagens.
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DISCURSO E IDEOLOGIA NA FORMAÇÃO SOCIAL A linguagem é uma ferramenta de comunicação que possui códigos e regras que levaram anos de construção até que se constituísse como uma ciência autônoma, segundo Fiorin (2001), especialista em análise do discurso, esta percepção sobre a linguagem se constituiu porque os estudos da linguagem foram inicialmente pautados pela maioria dos linguistas em suas relações internas (as relações dos elementos que a constituem gramaticalmente falando), e ela é, na realidade, composta por muitas outras relações para além do textual. A preocupação elencada posteriormente com os fatores externos à linguagem culminou no termo “linguística estrutural” que conceitua a linguística como uma ciência humana e relaciona-a a uma instituição de organização social. Com isto, os linguistas passaram então a ter de refletir sobre a linguística e sobre o que ela “[...] fez, deixou de fazer, ou pode fazer” (FIORIN , 2001, p. 06), para então entender, à partir destas reflexões, como sua organização e utilização se relaciona nos meios, uma vez que a linguagem é “[...] o veículo das ideologias, o instrumento de mediação entre os homens e a natureza, os homens e os outros homens.” (FIORIN, 2001, p. 06) Fiorin (2001), busca apresentar em seu livro “Linguagem e ideologia” que a linguagem não se divide apenas em língua e fala, há nela uma forte relação de determinações ideológicas e entre essas duas divisões, expressões
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de pensamentos vindos sempre de um indivíduo sobre ele mesmo ou sobre seu exterior, em outras palavras: práticas discursivas, e para que estas sejam identificadas, há uma sintaxe e uma semântica discursiva, sendo esta segunda o “[...] campo da determinação ideológica propriamente dita.” (FIORIN, 2001, p. 19) Em “A arqueologia do saber”, Foucault (1969), filósofo e teórico social, discorre indiretamente sobre a semântica quando explica que todas as bases teóricas acrescentadas durante os primeiros meses de vida e posteriormente na vida adulta de um ser humano são conceitos já estabelecidos como verdade dentro da sociedade que classifica os significados de objetos e enunciados atribuindo valores e deméritos.
“[...]
a doença mental foi constituída pelo conjunto do que foi dito no grupo de todos os enunciados que a nomeavam, recortavam, descreviam, explicavam, contavam seus desenvolvimentos, indicavam suas diversas correlações, julgavam-na e, eventualmente, emprestavam-lhe a palavra, articulando, em seu nome, discursos que deviam passar por seus.” (FOUCAULT, 1969, p. 36) É necessário um entendimento de que estes enunciados, isto é, títulos e atribuições podem se ressignificar e se transformar à partir de uma análise individual e coletiva, entretanto, paralelamente a esta
percepção, Foucault (1969, p. 50) disserta sobre os enunciados enquanto objetos em ressignificação que quando questionados, são submetidos a uma validação social/ institucional para que a nova atribuição se propague e um discurso se estabeleça como verdade coletiva, isto é, a atribuição se consolida somente através de visões semelhantes sobre um mesmo tema e, para além desta unificação coletiva de conceitos, a redefinição está alicerçada em poderes, ou seja “[...] não é fácil dizer alguma coisa nova”. Todavia, ao longo do desenvolvimento das sociedades, eventualmente os discursos realmente mudaram, afinal, como cita Fiorin (2001) as épocas reproduzem conhecimentos que se mostram errôneos com o passar de anos, pois não mais condizem com a visão de mundo que se cria com o desenvolvimento de uma nova formação social. Há para Foucault (1969, p. 50) um “[...] feixe complexo de relações” que compõem a construção de um discurso, ótica semelhante à de Fiorin (2001, p.08) que entende a linguagem como um fenômeno que “[...] pode ser estudado de múltiplos pontos de vista, pois pertence a diferentes domínios. É, ao mesmo tempo, individual e social”, portanto, pode-se entender que apesar de ser difícila quebra de paradigmas sociais, não é impossível trazer novas ideias e para fazê-lo precisa-se de toda uma arquitetura discursiva, já que conforme Fiorin (2001), o discurso é estratégico e está ligado ao convencimento para criar efeitos de sentido de verdade e realidade e, deste modo, se sustenta em visões a serem passadas. Sua prática está ligada a escolhas persuasivas conscientes ou
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inconscientes, sempre com a argumentação diante de determinado tema para que este se sustente. A reprodução e construção de discursos está intrinsecamente ligada à construção e reprodução de ideologias, Fiorin (2001) explica que na formação das pessoas, há uma constante apresentação de dois níveis de realidades, a realidade de aparência e a realidade de essência, a primeira está ligada ao que entende-se como real, isto é, são as ideias que são inseridas no campo superficial e perceptível,
FIGURA 1 - FOTOGRAFIA DE JULIEN BRYAN NA BERLIN DE 1937. CRIANÇAS LEEM PUBLICAÇÕES FIXADAS EM UMA CERCA, DENTRE ELAS ESTÁ O SEMANÁRIO DER STUERMER, PUBLICAÇÃO ANTISSEMITA.
21 a segunda, por sua vez, faz parte de uma análise mais profunda das situações, entende-se com isso que há níveis de realidades e níveis de aparência e o problema se configura quando observa-se que é neste nível de aparência que configuram as ideias dominantes em uma formação social, pois é à partir desta homogeneidade de pensamentos naturalizados na crença popular que as verdades científicas sofrem interferência, Fiorin (2001, p. 28) exemplifica o perigo contido nesta falsa realidade sustentada quando fala das “[...] teorias antropológicas segundo as quais havia raças inferiores e superiores e que estas deveriam civilizar aquelas. Essas teorias serviram para justificar o colonialismo.”
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“[...]
se nos pusermos a questão de saber, no interior dos nossos discursos, qual foi, qual é, constantemente, essa vontade de verdade que atravessou tantos séculos da nossa história, ou, na sua forma muito geral, qual o tipo de partilha que rege a nossa vontade de saber, então talvez vejamos desenhar-se qualquer coisa como um sistema de exclusão (sistema histórico, modificável, institucionalmente constrangedor).” (FOUCAULT, 1996, p.04) Pensar na superficialidade do discurso e seu reflexo nas ciências políticas e econômicas que atendem a interesses de classes específicas, é pensar em classes com poderes estatais já que ideologia se classifica como uma “visão de mundo” conforme Fiorin (2001, p. 29) e configura o conjunto de ideias e representações que justificam uma ordem social, portanto, os condicionamentos atribuídos a determinados homens em suas relações com os outros é determinada, por fim, pelo nível econômico. É certo que este não é o único fator determinante, Marx e Engels cita, conforme Fiorin (2001) que as formas de luta política dão origem a formas jurídicas, teorias jurídicas e filosóficas, bem como concepções religiosas, deste modo, o nível econômico é determinante junto de outros elementos, mas está posicionado a ser determinante em última instância, porque, segundo o autor “[...] o modo de produção determina as ideias e os comportamentos dos homens e não o contrário”. (FIORIN, 2001, p. 31)
FIGURA 2 - MANIFESTANTES EMPUNHARAM CARTAZES CONSERVADORES NO FUNERAL DE MATTHEW SHEPARD, ESTUDANTE DA UNIVERSIDADE DO WYOMING QUE MORREU EM 1998 APÓS TORTURA EM UM ATAQUE HOMOFÓBICO. NAS PLACAS FRASES COMO “DEUS ODEIA BICHAS”, “BICHA PECADORA” E “SEM CHORO PARA QUEERS” SÃO EXPOSTAS
“A esse conjunto de ideias, a essas representações que servem para justificar e explicar a ordem social, as condições de vida do homem e as relações que ele mantém com os outros homens é o que comumente se chama ideologia. [...].” (FIORIN, 2001, p. 28)
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A formação ideológica impõe o que pensar e a formação discursiva o que dizer, ambas estão vinculadas à linguagem de forma indissociável e deste modo, são distintas mas conectadas e carregam consigo ideias de uma consciência que constitui um fato socioideológico, isto é, fazem parte de uma formação social, de uma realidade enquanto conteúdo de consciência e, por mais que se pense no ser humano em sua individualidade, não pode-se abrir mão da coletividade que este tem de ter necessariamente vivendo em sociedade, portanto, não há como dissociá-lo do envolvimento entre outros humanos e negar construções e reproduções de discursos ideológicos, inclusive dentro da própria individualidade já que suas ordens ditam os desejos aceitáveis e inaceitáveis, controlam pensamentos e pressupõem comportamentos veiculando o mundo sob a visão de uma classe ou grupo dominante, estão ligados à construção de normas sociais e veiculam estereótipos positivos e negativos, tabus e pudores. (FIORIN, 2001) Fiorin (2001, p. 55) ao discorrer sobre os estigmas sociais, comenta sobre marcas e imposições que “[...] entranham-se de tal modo na consciência que acabam por ser considerados naturais. Figuras como “negro”, “comunista”, “puta” tem um conteúdo cheio de preconceitos, aversões e hostilidades, ao passo que outras como “branco”, [...] estão impregnadas de sentimentos positivos. Não devemos esquecer que os estereótipos só estão na linguagem porque representam a condensação de uma prática social.” Fiorin (2001, p. 31) comenta também que há um ponto
25 importante a se refletir acerca desta condensação, pois, segundo ele, embora hajam visões de mundo diferentes de acordo com classes sociais diferentes, a ideologia que se torna dominante provém de uma classe dominante.
FIGURA 3 - CARTAZ RACISTA E HOMOFÓBICO COLADO EM PORTO ALEGRE, BRASIL, 2018.
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É importante pontuar que o discurso se configura enquanto conteúdo e é passado de inúmeros meios, isto é, apesar de não ser uma manifestação individual, se faz singular pela forma como é passado (texto, oratória, pinturas, etc) adquirindo nuances de acordo com quem o transmite, podendo inclusive agregar novidade e perder informação que outrora era veiculada, isto porque o discurso tem uma função citativa à partir de outros discursos e as ferramentas de transmissão constituem linguagens distintas. (FIORIN, 2001)
“[...] o discurso é mais o lugar da reprodução que o da criação. Assim como uma formação ideológica impõe o que pensar, uma formação discursiva determina o que dizer. Há numa formação social, tantas formações discursivas quantas forem as formações ideológicas. [...]”
reivindicam mudanças que como já dito, constitui um processo difícil, todavia, necessário.
“O
falante, suporte das formações discursivas, ao construir seu discurso, investe nas estruturas sintáticas abstratas temas e figuras, que materializam valores, carências, desejos, explicações, justificativas e racionalizações existentes em sua formação social. Esse enunciador não pode, pois, ser considerado uma individualidade livre das coerções sociais, não pode ser visto como agente do discurso. Por ser produto de relações sociais, assimila uma ou várias formações discursivas, que existem em sua formação social, e as reproduz em seu discurso. É nesse sentido que se diz que ele é suporte de discursos.” (FIORIN, 2001, p. 43)
(FIORIN, 2001, p. 32) Constata-se sobre discursos ideológicos que toda ideia está ligada aos discursos existentes, mesmo quando uma prática discursiva tem o intuito de problematizar as verdades coletivas e quebrar as estruturas impostas, isto porque esta propriedade intelectual está embasada em formações discursivas anteriores. Esta vontade de problematização se constitui porque como cita Fiorin (2001, p. 54) “[...] o espírito humano não é passivo [...] sua função não consiste apenas em refletir a realidade”, e com isto entende-se que uma vez identificados problemas na estrutura discursiva, pessoas
OS PAPÉIS SOCIAIS DO SUJEITO HUMANO Houveram ao longo da história da humanidade, práticas culturais com o olhar ao corpo e estas práticas serviram para construir atribuições das constituições do sujeitos, bem como características que avaliassem os sujeitos e lhe atribuíssem identidades, ou seja, a materialidade dos corpos esteve durante todo o processo de formação
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dos sistemas de organização social, atrelados a sentidos atribuídos, isto é, a compreensões advindas das práticas discursivas. (MAGALHÃES e RIBEIRO, 2015) Os corpos, portanto, foram submetidos a avaliações e estruturações comportamentais e estes estudos eram baseados em uma origem biológica de homens e mulheres baseando-os no que se entendia por ambos e no que foi classificado e atribuído biologicamente aos mesmos, deste modo, conforme Laqueur (2001), atribuiu-se a homens a característica de possuir um pênis, bem como atribuiu-se à mulher a característica de amamentar/menstruar e a norma dos desejos sexuais de um para o outro, fatos que, analisados individualmente, são reais, mas colocados à uma análise coletiva não constituem-se como exclusividades, e sendo assim, não deveriam terem sido explicitadas como verdades e conclusões sólidas, uma vez que, com isto, as atribuições sociais se fecharam a ideias binárias e excludentes, validando e invalidando corpos e vontades. Portanto, as sexualidades e identidades de gênero classificadas hoje não foram isentas dos olhares e classificações sociais, muito pelo contrário, carregam histórias, contextos e processos onde foram deslegitimadas, demonizadas e patologizadas. Com base nestas afirmações, entende-se que para analisar as colocações contemporâneas sobre as construções identitárias de gênero/sexualidade, é necessário buscar suas gêneses e entender as percepções sociais sobre elas.
“Um
rápido crepúsculo se teria seguido à luz meridiana, até as noites monótonas da burguesia vitoriana. A sexualidade é, então, cuidadosa-
mente encerrada. Muda-se para dentro de casa. A família conjugal a confisca. E absorve-a, inteiramente, na seriedade da função de reproduzir. Em torno do sexo, se cala. O casal, legítimo e procriador, dita a lei. Impõe-se como modelo, faz reinar a norma, detém a verdade, guarda o direito de falar, reservando-se o princípio do segredo. No espaço social, como no coração de cada moradia, um único lugar de sexualidade reconhecida, mas utilitário e fecundo: o quarto dos pais. Ao que sobra só resta encobrir-se; o decoro das atitudes esconde os corpos, a decência das palavras limpa os discursos. E se o estéril insiste, e se mostra demasiadamente, vira anormal: receberá este status e deverá pagar as sanções. O que não é regulado para a geração ou por ela transfigurado não possui eira, nem beira, nem lei. Nem verbo também. É ao mesmo tempo expulso, negado e reduzido ao silêncio. Não somente não existe, como não deve existir e à menor manifestação fá-lo-ão desaparecer — sejam atos ou palavras.” (FOUCAULT, 1988, p. 09-10) Os papéis sociais de gênero aceitos na sociedade foram traçados por um vasto período de tempo e veio primeiramente de achismos e posteriormente de conclusões científicas, todavia, como dito anteriormente, estas percepções coletivas são extremamente fortes e influenciáveis, difíceis de quebrar e perpetuadas à medida que são transmiti-
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das. As colocações dos papéis produziram uma organização cultural firmada em estudos de diferenciação do sexo (entre o que se entendia e buscava entender sobre homens e mulheres), isto é, houve uma perseguição sobre a sexualidade dos corpos e diferenciação entre eles que geraram interpretações e re-interpretações que por sua vez trouxeram ordens sociais pautadas na política, na religião, entre outras instâncias. (LAQUEUR, 2001)
“O
que observamos ao revisitar alguns fatos históricos e contemporâneos é que a homossexualidade e os corpos dos sujeitos homossexuais foram sendo “descobertos”, investigados, tratados, classificados e produzidos por meio de discursos das várias ordens [...]”
no, e como cada um deve ser posto diante dos corpos, configurando assim toda uma expectativa de que a vida dos sujeitos se encaixassem exatamente de acordo com com estas ordens sociais, não é atoa, deste modo, que toda característica desviante desses códigos de conduta impostos acabaram sendo olhados como errôneos, uma vez que foram com estes julgamentos dados aos homens e às mulheres (quando desviantes do comportamento imposto) que a estrutura se repetiu e se consolidou. Infere-se deste modo que estas ordens sociais construíram fobias aos desvios e estão intrinsecamente ligadas ao ao machismo e à manutenção do patriarcado1. Isto é, falar sobre este assunto é falar de imposições e inconformismos de grupos que lutaram e ainda lutam para reverter toda uma cultura de ódio/estigmas.
“Explicam-nos que, se a repressão foi, desde a épo-
(MAGALHÃES e RIBEIRO, 2015, p. 04) Laqueur (2001) traça em seu livro “Inventando o Sexo” um panorama das visualizações do sexo de acordo com épocas diferentes e apresenta com isto uma certacronologia que identifica a construção das verdades atribuídas às mulheres ao longo dos tempos, esta “linha do tempo” se faz fundamental para entender como a mulher foi classificada e vista na antiguidade e como estas visões sobre ela construíram paralelamente uma figura masculina que acabou ocupando um espaço de poder. Podemos pensar à partir destas conclusões que sexualidades e identidade de gêneros estão, então, ligadas às estruturas que definem o feminino e o masculi-
ca clássica, o modo fundamental de ligação entre poder, saber e sexualidade, só se pode liberar a um preço considerável: seria necessário nada menos que uma transgressão das leis, uma suspensão das interdições, uma irrupção da palavra, uma restituição do prazer ao real, e toda uma nova economia dos mecanismos do poder; pois a menor eclosão de verdade é condicionada politicamente.” (FOUCAULT, 1988, p.11) 1
Segundo Morgante e Nader (2014, p. 03), “o uso de patriarcado enquanto um sistema de dominação dos homens sobre as mulheres permite visualizar que a dominação não está presente somente na esfera familiar, tampouco apenas no âmbito trabalhista, ou na mídia ou na política. [...]”
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AS REAVALIAÇÕES DAS ATRIBUIÇÕES DE GÊNERO O movimento feminista que surgiu durante a passagem do século XIX para o XX (período em que as sociedade ocidentais foram influenciadas por correntes liberais pautadas na liberdade individual e no igualitarismo, ambas marcadas pelo patriarcalismo), veio em seu primeiro momento para criticar e reivindicar as situações de desigualdade impostas às mulheres com relação aos homens colocando em pauta a petição do direito ao voto, a oposição a casamentos arranjados, o acesso/direito à
33 educação e ao trabalho fora do âmbito doméstico. Foi um movimento articulado inicialmente, conforme Consolim (2017), analista jurídico da Promotoria de Justiça de Direitos Humanos do Ministério Público do Estado de São Paulo, por “[...] mulheres dos EUA e do Reino Unido, brancas, de classe média e insatisfeitas com o seu estado de submissão e opressão.” O movimento feminista cresceu e se articulou, ganhou força e trouxe em sua história outras questões que precisavam se colocar em discussão, entre elas, a representatividade das mulheres em órgãos políticos, a igualdade nos salários e a liberdade sexual. Estas demandas, por sua vez, pleitearam a independência e os reposicionamentos com
FIGURA 4 - MULHERES LUTANDO NA FRANÇA PELO SUFRÁGIO (DIREITO AO VOTO) UNIVERSAL, PAUTA PRINCIPAL DA PRIMEIRA ONDA DO FEMINISMO..
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relação aos papéis sociais, estabeleceram-se em manifestações coletivas que impulsionaram estados de inconformismos e acabaram contribuindo a outros estudos sobre as imposições aos corpos. (PRAUN, 2011)
“A análise da revista Psychological Abstracts, da década de 70, revela que o aumento do interesse pelos estereótipos, naquela época, se deveu quase inteiramente aos estudos sobre estereótipos sexuais. Essa revista procurou estudar o gênero, investigando os atributos masculinos e femininos da época. Para isso, analisou os tipos de comportamentos que a sociedade esperava encontrar nos homens e mulheres, ou seja, os estereótipos masculinos e femininos. Esses estereótipos ressaltavam as qualidades consideradas masculinas e patologizavam as qualidades femininas, ocasionando efeitos negativos nas mulheres que não se adequavam ao padrão idealizado. Segundo o estereótipo feminino, as mulheres continuavam sendo submissas, reprodutoras e invisíveis na sociedade.” (PRAUN, 2011, p. 60) É certo afirmar a partir de Praun (2011), que as solicitações do movimento feminista tiveram de ser carregadas por muitos outros anos e que com isto continuou existindo na busca de melhorias que de fato ocorreram neste processo, porém, todavia, houveram outras desigualdades que continuaram e as conquistas de longe foram grandes
no que diz respeito ao âmbito quantitativo. Ou seja, as conquistas que se atribuíram não supriram todas as demandas das pautas e foram sendo concedidas a passos extremamente largos, resultando no fato de existir, ainda hoje, diversas situações que ainda são emergentes e recorrente nas discussões feministas.
“No Brasil, a defesa do direito ao voto pelas mulheres começou, em 1910, com a fundação do Partido Republicano Feminino, e terminou em 1932, com a promulgação de decreto do Presidente Getúlio Vargas, estabelecendo o direito de as mulheres votarem e serem votadas. Foram, portanto, 22 anos de manifestações feministas em prol dessa causa.” (PRAUN, 2011, p. 58) Ao passo que denúncias antigas se tornaram recorrentes, novas insatisfações foram postuladas pelo movimento feminista visando abarcar outras demandas sociais, com isto, novas vertentes surgiram a fim de especificar e colocar em pauta outros pontos também importantes à luta das mulheres pensando-as em suas interseccionalidades, isto é, pensando-as em suas distinções e especificidades (fossem elas raciais e/ou de classe), entendendo com isto, que o foco inicial pautado às vivências das mulheres se diferenciava das pautas de outras mulheres. Em outras palavras, a luta abarcada por algumas mulheres se diferenciava da luta de outras pois não haviam igualdades sociais
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primeiramente, entre elas, ou seja, havia sim opressões semelhantes no que diz respeito ao gênero, mas outros fatores as distanciavam no que diz respeito a suas vivências. (RIBEIRO, 2015)
“A década de 60 também foi marcada pelo colapso do colonialismo europeu na África, no Caribe e em partes da América Latina e do Sudeste Asiático. As mulheres das antigas colônias passaram a criticar o feminismo ocidental tradicional, por entendê-lo etnocêntrico, e propuseram feminismos pós-coloniais.” (CONSOLIM, 2017) As ondas do feminismo foram importantes para que a evolução das pautas e suas abrangências crescessem bem como se expandissem e o movimento se estabelecesse como uma luta política, foram importantes também, conforme Consolim (2017), para que ocorresse uma revolução sexual e questionamentos dos papéis de gênero e suas imposições, proposição que corrobora com a explicação de Praun (2001) de que foi à partir da problematização das condições dos sujeitos (homem e mulher) associados indispensavelmente ao sexo e estereótipos sexuais que os estudos sobre gênero se fizeram presentes pois percebeu-se que os indivíduos não apresentavam, necessariamente, as características de expressão do gênero com base na sua genitália. A feminilidade e a masculinidade, deste modo, não deveriam estar indissociavelmente ligada ao sexo pois
FIGURA 5 - MANIFESTAÇÃO DE LIBERTAÇÃO DAS MULHERES EM NOVA YORK, DÉCADA DE 1970. UMA MULHER SEGURA UMA PLACA ONDE SE LÊ: “NÓS REPRESENTAMOS AS MULHERES NEGRAS E DO TERCEIRO MUNDO AS MAIS EXPLORADAS E OPRIMIDAS NA RAÇA HUMANA.”
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esta classificação se fazia/faz limitada levando em consideração a pluralidade de indivíduos de uma sociedade, portanto entendeu-se conforme Praun (2011, p. 57) que “[...] o conceito de gênero enfatiza todo um sistema de relações que, embora possa incluir o sexo, não é por ele determinado, nem determina diretamente a sexualidade.” Sobre estes aspectos, Djamila Ribeiro, pesquisadora da área de filosofia política e feminista chama a atenção dos estudos do movimento feminista no momento contemporâneo, uma vez que hoje novas descobertas sobre gênero se fizeram presentes graças aos questionamentos de determinação deste pelo sexo, para ela:
“A relação entre política e representação é uma das mais importantes no que diz respeito à garantia de direitos para as mulheres e é justamente por isso que é necessário rever e questionar quem são esses sujeitos que o feminismo estaria representando. Se a universalização da categoria mulheres não for combatida, o feminismo continuará deixando de fora diversas outras mulheres e alimentando assim as estruturas de poder.” (RIBEIRO, 2014)
A PLURALIDADE DOS CORPOS E SUAS VONTADES Entende-se até aqui que as postulações sobre os corpos estão para estes desde que nascem e que estas pressuposições geram opressões que foram e continuam sendo questionadas e que à partir disto se estabeleceram reivindicações. Assim como dita Djamila Ribeiro, é preciso entender que existem outros sujeitos protagonistas de lutas contra opressões relacionadas ao gênero que apesar de somarem às lutas como o feminismo como ela dita, também estão fora dele. Estes sujeitos fazem parte do movimento LGBT+, conjunto de siglas usadas para designar um grupo de pessoas cujo enfoque será mais direcionado à partir daqui. É de suma importância pontuar neste momento da pesquisa que o que se pretende com esta monografia é (em especial neste capítulo) não o de trazer uma definição sólida dos termos relacionados a identidades de gênero e sexualidades TLBG+ mas sim um levantamento de pensamentos sobre estas e as percepções contemporâneas sobre suas existências evidenciando como elas se projetam na sociedade perpassam e são afetadas pelos ruídos dos discursos construídos. Portanto, esta monografia não busca explicar de uma vez por todas as identificações, o ponto é exatamente o de destacar as existências e posturas que se estabelecem enquanto auto-denominação para situar o leitor e em seguida evidenciar as opressões entre as vivências sofridas pelas pessoas deste grupo, evi-
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denciando quais são os discursos de ódio e quais são/foram os seus impactos dentro desta comunidade. Apesar de trazer percepções singulares para um embasamento nas vivências, a discussão de opressão se colocará inúmeras vezes sob uma ótica coletiva para que entendamos os impactos dentro de um grupo inteiro através de estatísticas pois é desta forma que entendemos um grupo como oprimido e o outro como opressor mesmo quando há exceções dentro deste último. Outro ponto importante é o de que o presente trabalho trará um enfoque maior às discussões brasileiras, refletindo seus entendimentos e discussões, isso não significa, entretanto, que contextos históricos e estudos estrangeiros serão vetados, muito pelo contrário, estarão presentes de forma a complementar o conteúdo. A necessidade de pontuar a abordagem nacional se faz exclusivamente para que o leitor entenda que os contextos em solo brasileiro se distinguem em alguns aspectos dos estrangeiros pois cada qual teve seus desenvolvimentos, aberturas e resistências acerca do mesmo movimento e portanto, histórias e avanços distintos, inclusive no que diz respeito aos progressos de entendimento dentro da própria comunidade. Com isto, salienta-se o fato de que o Brasil passou (e passa) por diversas negações das sexualidades e dos gêneros enquanto avanços significativos ocorreram em outros solos e por conta disto (atraso histórico) ainda tem muito o que avançar neste sentido. É retomando novamente o fio conector entre o movimento feminista e a atenção a outros sujeitos do feminismo e para além dele no que diz respeito a identidade
41 de gênero que o presente trabalho pretende avançar a discussão deste capítulo ao ressaltar como estes sujeitos oram e são pouco explorados (relativamente a um olhar sensível) e citados de maneira correta nos ambientes em geral (quando humanizados), isto porque como já mencionado, construiu-se uma corrente de ideias que podaram o entendimento do corpo enquanto pluralidades além do já estabelecido e rotulado com base na genitália ocasionando o que Conforme Butler (2003, p. 37), filósofa pós-estruturalista estadunidense, teórica contemporânea sobre questões que envolvem a teoria queer, feminismo, filosofia política e ética, gerou uma validação de existência pautada na ideia de que as pessoas “só se tornam inteligíveis ao adquirir seu gênero em conformidade com padrões reconhecíveis de inteligibilidade do gênero”, a autora também questiona o que significa uma identidade enquanto algo pressuposto como idênticas e imutáveis/únicas em normas, aponta o fato de que a discussão sobre a natureza do ser vem sendo uma reivindicação sociológica e que o discurso filosófico vem se aplicando com a noção de pessoa determinada a uma estrutura definidora de sua condição de pessoa, seja pela consciência, capacidade de linguagem e reflexões morais. Conforme Jaqueline Gomes de Jesus (2012, p. 10), professora de psicologia do Instituto Federal do Rio de Janeiro, doutora em psicologia social do trabalho e das organizações pela universidade de Brasília, pós doutorada pela escola superior de ciências sociais da Fundação Getúlio Vargas, depois de entendermos a questão de não determinação do gênero em decorrência do sexo somos apresentados ao conceito de identidade de gênero e dentro dele
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a classificações que abrangem e diferenciam as identidades socializadas e aceitas e as identidades que desviam desta norma. Segundo a autora, os termos cisgênero e transgênero designam as pessoas que, respectivamente, se identificam com o gênero atribuído desde seu nascimento e pessoas que não se identificam. Mas os termos vão além, a discussão na atualidade (dentro dos coletivos LGBT+ e instituições que se preocupam com a causa) abarca as identidades do grupo T (transgêneros e travestis) mas pouco discute as outras existentes, e quando se fala de pouca discussão, fala-se de reverberação de debates, que mesmo ocorrendo, ainda precisa de mais força, ou seja, pessoas não-cisgênero não são necessariamente pessoas transgêneros, o termo pode estar para estas como também para outras pessoas cuja identidade de gênero fogem da atribuição dada no nascimento, como as já citadas travestis, as pessoas que não se identificam com uma classificação binária de homens e mulheres, e muitas outras identidades.
“No
Brasil, ainda não há um consenso sobre o termo, vale ressaltar. Há quem se considere transgênero, como uma categoria à parte das pessoas travestis e transsexuais. Existem ainda as pessoas que não se identificam com qualquer gênero, não há consenso a como denominá-las. Alguns utilizam o termo queer, outros, a antiga denominação “andrógino”, ou reutilizam a palavra transgênero.” (JESUS, 2012, p. 10)
Os ruídos entre denominações se estabelecem provenientes da falta de informação em relação aos países estrangeiros pois existe no Brasil um grande tabu no que concerne à educação sexual e de gênero graças ao contexto histórico da história brasileira que será mais explorada nos próximos capítulos, isto é, não são assuntos amplamente discutido na redes de ensino, principalmente na rede pública onde existe um atraso educacional, processo que dificulta o acesso de informações e debates sobre as informações acerca deste tema, ocasionando pouco alcance das discussões estrangeiras (uma vez que muitos dos textos ainda não são traduzidos). Há também, em solo brasileiro um ruído proveniente do conservadorismo que
FIGURA 6 - MANIFESTAÇÃO DE ATIVISTAS CONSERVADORES À PARTICIPAÇÃO DE JUDITH BUTLER (RECONHECIDA POR SEUS TEXTOS SOBRE OS ESTUDOS DAS IDENTIDADES DE GÊNERO) EM UMA CONFERÊNCIA QUE OCORREU NO SESC POMPÉIA, 07 DE NOVEMBRO DE 2017.
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bate de frente a toda manifestação artística e ou de informação sobre questões que abordem identidades de gênero e sexualidades, a existência de uma bancada evangélica dificulta ainda mais a aceitação da pluralidade dos corpos e das suas sexualidades já que, em um país que supostamente se classifica como laico, existe uma porção de bancos legislativos ocupados por pessoas que não tomam suas decisões abdicando de seus valores cristãos, resultando em decisões que implicam na vida de toda uma população LGBT+. A grande questão recorrente sobre identidade de gênero e sexualidades é o fato de que a pluralidade delas é negada ao passo que uma norma cisgênero e heterossexual se instaura. Jaqueline Gomes de Jesus (2012) diz que ao contrário da visão que se obtém nos discursos, uma pessoa T não é um ser patológico e contagioso, não é uma pessoa com doença mental e tão pouco debilitante, é apenas uma pessoa com uma identidade pessoal que assim como as sexualidades desviantes, acaba sendo descoberta em algum estágio da vida e que estas identificações podem levar muitos anos de aceitação justamente por conta de uma imposição das normas cujos comportamentos foram moldados compulsoriamente, Jaqueline diz ainda que buscou-se sobre a gênese de uma transexualidade e das sexualidades nas ciências biológicas e sociais. A grande verdade é que criou-se inclusive, ao longo do tempo, teorias absurdas e sobre estes comportamentos teóricos Trevisan (2000, p. 33), escritor de Devassos no Paraíso, diz que há um teor preconceituoso por apontarem-nas com um referencial que as colocam fora de uma normalidade
45 e que portanto necessitam de investigação. O que pretende-se dizer com isto é que estes estudos em sua grande maioria não buscaram validar as existências, mas destacá-las como um erro. O que mais se precisa estabelecer é não uma teoria geneticista mas sim um aceitação de que a pluralidade dos corpos e suas vontades existem, e que elas precisam ser validadas e aceitas.
“[...] Como não existe ciência neutra, todo projeto científico se estabelece a partir de determinado ponto de vista subjetivo, envolvendo idiossincrasias do cientista e do seu meio. Quer dizer, já ao eleger o que será examinado, entram em jogo os dados culturais de quem propõe tal exame porque algo lhe parece estranho e subjetivamente passível de exame. O próprio gesto investigativo cai sob suspeita por implicar um julgamento valorativo [...] Portanto, buscam-se as origens genéticas da homossexualidade por considerá-la no mínimo um fato de excessão, como bicho de zoológico, ou próximo à anomalia, como um rato induzido em laboratório.” (TREVISAN, 2000, p. 33) Pode-se dizer que o termo sexualidade, ao contrário de identidade de gênero é um termo mais conhecido e popularizado, entretanto apesar de existir mais pessoas com informações sobre algumas das orientações sexuais, ainda há uma não aceitação e a opressão que se
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estabelece quebra a ideia de que a ignorância é o único motivador de um preconceito. Apesar de ser um assunto mais recorrente e conhecido, falar sobre orientações sexuais ainda é necessário quando pretende-se explicitar questões não conhecidas, bem como quebrar equívocos, estereótipos e estigmas. Como dito anteriormente, o sexo não determina o gênero e vice versa, é certo afirma também que as sexualidades não determinam o gênero nem ele as vontades sexuais, isto porque identidade de gênero está relacionado uma identificação ao passo que orientações sexuais estão relacionadas a uma atração afetivossexual. Ou seja, uma pessoa transgênero (mulher ou homem), assim como pessoas de outras classificações de gênero podem ser tanto heterossexual, como homossexual, bissexual, entre outras sexualidades, e inclusive negá-las, pois esta é uma questão sobre o gênero ao qual determinadas pessoas são atraídas e não ao qual se identificam. Portanto, apesar de serem conceitos e estados de existência classificados em um mesmo grupo (LGBT+) não são dependentes um do outro, podendo estar presentes nos corpos de maneira conjunta ou separada. (JESUS, 2012)
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RE-DESCOBRINDO A ILHA DE VERA CRUZ João Silvério Trevisan, jornalista, dramaturgo, tradutor, cineasta e ativista LGBT brasileiro publicou em 1986 um livro que veio a ser um marco para o registro de uma história pouco comentada e discutida fora do âmbito acadêmico, esse registro veio com o intuito remontar as vivências e pesquisas acerca da trajetória do movimento LGBT+ no Brasil. Devassos no Paraíso é, portanto, uma obra rica em relatos que vão do brasil colonial ao século XXI e veio sendo atualizado com o passar dos anos por uma necessidade de acrescentar à obra novos pontos, o que de fato se fez e faz necessário uma vez que novas postulações e entendimentos sobre as pessoas do movimento se estabeleceram/estabelecem e as atribuições e organizações do grupo se ressignificaram de forma a caracterizar cada pessoa da melhor maneira, assim como pela necessidade de colocar em pauta novos acontecimentos de uma comunidade que (ainda) carrega consigo estigmas e opressões. Remontar a história do Brasil é falar sobre muito sangue derramado em um período colonial onde indígenas e negros africanos foram foram dominados, doutrinados e escravizados (quando não mortos), trata-se portanto, de expor a crueldade e a falta de sensibilidade tida com o povo nativo desta terra e com a diáspora aplicada aos negros. As chacinas que ocorreram neste solo, portanto, refletem-se até os dias atuais, uma vez que, mesmo existindo uma pressão da Inglaterra para que a escravidão fosse abolida,
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o que de fato se promulgou em 1850, não houve um suporte aos negros para uma inserção livre na sociedade, como cita Trevisan (2000, p. 49) ao observar que “[...] Em plena década de 1990, ainda havia trabalho escravo em numerosos pontos do país, com “empregos” cujo salário eram as duas refeições diárias.” Estes acontecimentos impulsionaram uma estrutura social de poder (branco) cujos reflexos, tais quais: desigualdade, estigmas e preconceitos se estabeleceram e modificaram toda uma cultura indígena e negra buscando apagar seus traços e impor uma supremacia europeia. Reitero, remontar a história do Brasil é falar mais do que o sangue derramado em um período colonial, é falar sobre sangue que se derrama nos dias atuais, onde atitudes e discursos antigos e naturalizados continuam a reverberar.
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“[...]
Calcula-se que, à época do Descobrimento, haveria de 1 a 3 milhões de indígenas no Brasil. Hoje, estima-se a existência de 330 mil índios, ou seja, 0,16% do total de brasileiros [...] Das 230 nações supostamente existentes em 1900, a Funai não conseguiu registrar mais do que 215. [...] Até hoje, é comum os índios morrerem também em chacinas, já que 80% dos territórios sofrem invasões, quando não são espoliados pelo próprio governo federal ou por empresas comerciais que destroem suas florestas e as poluem [...]” (TREVISAN, 2000, p 52)
FIGURA 7 - MANIFESTAÇÃO INDÍGENA REALIZADA EM OUTUBRO DE 2013 NO MONUMENTO ÀS BANDEIRAS DE VICTOR BRECHERET COMO FORMA DE PROTESTO E DENÚNCIA AOS PERSONAGENS CONSTANTEMENTE TRATADOS COMO HERÓIS.
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A colonização causou uma grande mudança na cultura dos autóctones que tiveram suas terras tomadas, fato constantemente divulgado nos livros de ensino fundamental e do ensino médio cuja exploração das terras brasileiras e riquezas naturais trazem juntas a história da doutrinação destes aos valores cristãos, principalmente no que diz respeito aos seus costumes de cultuar deuses pagãos, o choque estabelecido quando observaram os costumes dos indígenas relacionado à sua nudez também é algo constantemente comentado nas escolas, todavia, segundo Trevisan (2000, p. 65), o que não se postula nos livros bases da nossa formação é em como esta doutrinação veio também por outro motivo além dos já conhecidos: o choque estabelecido no que diz respeito ao “pecado nefando” dos aborígenes praticado pelos seus desejos sexuais, pecado este também designado por “sodomia2” e “sujicidade”. Ou seja, o olhar dos colonizadores (cuja cultura teológica impulsionou verdades) se escandalizaram com os nativos do Brasil onde as sexualidades existiam em contextos não 2
Apesar de seu significado ser aplicado inicialmente a homens, por designar sexo anal com penetração, este termo acabou sendo utilizado na história do Brasil tanto para homens quanto para mulheres que faziam sexo entre si e tem origem bíblica. (TREVISAN, 2000) Todavia, este termo popularizado não deveria trazer tais conotações, Magalhães e Ribeiro explicam o porquê disto: “[...] Contudo, ao observarmos essas passagens bíblicas, verificamos que os pecados citados não contêm nenhuma palavra relacionada a sexo ou homossexualidade, apenas rebelião contra Deus, religião vazia, entre outros. Além de pecado, a homossexualidade também foi/é considerada um crime e, hoje, em alguns países islâmicos, essa identidade sexual é punida com a morte, condenando o sujeito a sofrer apedrejamento, enforcamento, decapitação, entre outras formas de violência e óbito.” (2015, p. 03)
demonizados nem pecaminosos em aldeias distintas. Segundo Trevisan (2000), os aborígenes tupinambás, tupinaés e os nativos da tribo boboró se relacionam no baito (casa dos homens) local intitulado desta forma pois só permitia a entrada dos mesmos após provas de iniciação e houveram também relatos de mulheres indígenas que abdicaram ofícios articulados como femininos e se envolveram afetiva e sexualmente (inclusive na já citada tribo dos tupinambás) com outras mulheres. Em 1621 apareceu segundo Mott (2006 apud FERNANDES, 2015) pela primeira vez o termo “çacoaimbeguira” que veio do vocabulário da língua Brasílica (dos Jesuítas) e designava-se à mulheres que se “casavam” com outras mulheres. Da mesma forma que a sexualidade, o que podemos observar como uma possível identidade de gênero já estava presente nos nativos do Brasil, entre os índios guaicurus, observou-se no princípio do século XIX a existência dos cudinas3, pessoas cuja atribuição inicial seria a de serem homens, mas que posteriormente, castradas, vestiam-se como mulheres e se entregavam totalmente a ocupações ditas femininas. (TREVISAN, 2000, p. 66) Ao passo que haviam escandalizações acerca do paganismo e liberdades sobre as relações sexuais e identidades expressas, havia também um fascínio a quem vinha de uma construção doutrinada pela Inquisição e via na liberdade amoral dos índigenas uma forma de viver conforme a ideia de que aqui, tudo era permitido. Com o passar do tempo e maior recorrência da adoção da liberdade, 3
Nome designativo à castração (TREVISAN, 2000, p. 66)
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uma lamentação de cristãos se instaurou acerca das pessoas que se “perdiam” entre os “gentios”, outro termo usado para designar homossexuais. Estrangeiros passaram a vir para o país à partir destas postulações de permissividade, acreditando que aqui a liberdade era maior e com a ideia de que abaixo dos trópicos não havia pecado. Em um lugar onde as orientações sexuais eram comparadas a crimes contra os céus, a prostituição, o abuso e o incesto instaurados nessas ideias de condescendência, acabaram sendo outorgados como devassidão social junto da prática “sodomita”, como se todas as práticas fizessem parte de um combo de coisas ruins 4. (TREVISAN, 2000) Para os europeus, as práticas homossexuais entre homens e mulheres eram pecados que clamavam aos céus, algo como uma doença contagiosa onde toda atitude que de alguma forma subvertia os valores cristãos e papéis sociais de gênero era julgada e mal vista, o que ocorreu com a não subordinação de determinadas 4
Essa associação de “coisas ruins” aos cidadãos LGBT+ é uma caracterização ainda recorrente quando observamos o discurso de pastores/conservadores religiosos que colocam as sexualidades e os gêneros junto a crimes, discursos não apenas colocados em cultos religiosos mas também em outros espaços como a televisão aberta. A exemplo, em 2013, em uma entrevista ao programa “De Frente com Gabi” de Marília Gabriela, o pastor Silas Malafaia associou bandidos e assassinos às práticas homossexuais, colocando tudo em uma única balança: “A mãe de um bandido vai na cadeia e eu tenho trabalhos em penitenciárias, o filho é um assassino [...] ela o ama profundamente, agora pergunta se ela concorda um milímetro com aquilo? Concordar com uma prática é uma coisa amar a pessoa é outra. Eu amo os homossexuais, mas discordo 100% de suas práticas. [...] Amo os homossexuais como amo os bandidos, amo assassinos [...]” (GABRIELA, 2013, 17:12 - 17:42)
mulheres ao homem para ajuntamento viril (seja por um comportamento lésbico, assexual ou apenas opção de viver sem sujeições) que foram classificadas como hereges.
“Foi
Francisco de Orellana, descobridor do rio Amazonas, quem primeiro referiu-se a uma tribo de mulheres guerreiras, que teriam atacado sua expedição em 1541, nas proximidades da atual Óbidos paraense. Séculos mais tarde, antropólogos e pesquisadores encontraram sinais de sua existência nas narrativas míticas de tribos brasileiras, que fazem várias referências às icamiabas, isto é, mulheres sem homem ou sem marido. Como no estreito quadro ideológico da época, não se supunha que a sexualidade feminina pudesse independer do homem, tal fenômeno era atribuído a existência das icamiabas à difusão do “pecado contra a natureza” entre os índios varões.” (TREVISAN, 2000, p. 68) Segundo Fernandes (2015, p. 196) constata-se sobre o período colonial que “[...] raça, sexo e civilização estariam ligados entre si e a projetos de colonização indígena, engendrando noções de progresso e nação e justificando sua incorporação compulsória ao sistema econômico do colonizador[...]”. Para o autor, esse modelo se instaurou antes da proclamação da República em 1889 e foi revigorado com esta e com a criação em 1910 do ente estatal laico para gestão dos povos indígenas, uma vez que este fato
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culminou num modelo de controle onde ciência e nação se “interpenetrariam” durante a República Velha até meados do século XX e ideias naturalizadas e universalizadas sustentadas pelos saberes científicos imprimiriam uma ordem moral onde território e população deveriam ser integrados em um projeto nacional que teria como base o positivismo, o evolucionismo, o darwinismo social. Deste modo, a ação republicana passou na esfera da saúde e da educação a empregar mudanças nos comportamentos dos indígenas e negros, tanto no que diz respeito à empregação de padrões morais, imposição de rituais tidos como civilizatórios, hábitos alimentares, ideais de higiene e trabalho e uma “normalização” das sexualidades. (FERNANDES, 2015)
A NÃO TÃO SANTA INQUISIÇÃO A Europa do século XIV passou por uma reforma religiosa ao passo que no século XVI, se posicionou em uma Contra-Reforma com o intúito de apertar o cerco em relação às heresias e os ditos costumes desviantes. Com isto, o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição veio como um braço direito da Igreja de Roma e o Tribunal da Santa Inquisição se instaurou em portugal, conforme Trevisan (2000, p. 128) em 1536 exercendo atividade até 17655, 5
Conforme Fernandes (2015, p. 163) foi “sendo gradualmente desativado, desde 1774 (em Goa) até sua abolição, em Lisboa, em 1821, no contexto da revolução liberal portuguesa.Conforme Fernandes (2015, p. 163) foi “sendo gradualmente desativado, desde 1774 (em Goa) até sua abolição, em Lisboa, em 1821, no contexto da revolução liberal portuguesa.
57 sustentados pelo poder eclesiástico e real buscando formas efetivas para a doutrinação e o controle social da população, inclusive a brasileira. A documentação deste período tornou-se de difícil acesso trazendo consigo dificuldades de mapeamentos da ação inquisitorial mas consta-se que ao longo desses anos a começar pelo ano de 1591, o Santo Ofício visitou diversos estados brasileiros e teve o seu auge de perseguições inquisitoriais durante o século XVIII. Em determinada ocasião, o Conselho Português veio à Bahia através de denúncias de que haviam grandes escândalos de judaísmo, feitiçaria e pecado nefando.
“Em
Portugal, desde as Ordenações Afonsinas, no século XIII, a justiça secular já punia a sodomia com a pena de morte[...]. Em 1536 o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição foi instalado em Portugal por Dom João III, e em 1553 o Tribunal recebeu competência para processar os sodomitas. Como se sabe, a Inquisição era um tribunal de fé responsável por disciplinar os erros de doutrina, as heresias. A sodomia foi incluída entre outros crimes morais na esfera dos pecados heréticos, erros que a Inquisição deveria detectar e corrigir. As relações e atos sexuais deveriam passar agora pelo crivo moral da Inquisição, que se tornou o disciplinador moral de condutas tanto em Portugal quanto nas colónias.” (VAINFAS, 1989, p. 118 apud VIANNA e PRETES, 2007, p. 330-331
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Segundo Trevisan (2000), a Europa dos séculos dezesseis, dezessete e dezoito condenavam a sodomia com punições extremamente sádicas que iam de multas, prisões e tomada de bens a banimento da cidade/país, trabalho forçado e até mesmo marca de ferro em brasa, execração, açoites em público e castração, segundo o autor ocorriam também amputações das orelhas, morte em forca, fogueiras, empalamentos e afogamentos com cidadãos que iam do clero à plebe.
“São difíceis de apurar de modo preciso os dados sobre a inquisição, que variam de autor para autor, conforme a documentação disponível. O estudioso Cecil Roth calcula que, no decorrer dos seus quase 300 anos de atividade, o Santo Ofício em Portugal teria processado 40.000 pessoas, queimado 1.808 nas fogueiras e condenado 29.560 a outras punições - aí incluindo as colônias sob jurisdição inquisitorial de Lisboa.” (TREVISAN, 2000, p. 129) Os autos-de-fé eram as cerimônias que tornavam públicas as decisões do Tribunal da Santa inquisição em solo brasileiro, eram rituais consagrados que se iniciavam com um culto religioso (missa cantada) na igreja onde os Éditos de fé eram publicados (uma espécie de documento onde os pecados eram denunciados), ao fim havia um juramento ao senhor visitador. No tempo denominado “tempo da graça” que durava algumas semanas as pessoas tinham
a “oportunidade” de confessar os seus “crimes” para que houvesse uma possível clemência do Tribunal, que poderia ou não diminuir a pena, este era o momento também das pessoas delatarem os pecados alheios (de forma anônima ou não) uma vez que esta era uma obrigação pontuada pelo Édito, que, conforme Trevisan (2000, p. 130) proclamou-a a “quaisquer pessoas, homens e mulheres, clérigos e religiosos, isentos ou não, de qualquer estado, condição, dignidade e preeminência, assim como pais e mães como outros e quaisquer parentes presentes ou ausentes, companheiros, consortes, participantes ou consentidores dos ditos delitos e erros”, o que instaurou, por sua vez, um clima de vigilância e a reiteração de um controle social, ocasionado suicídios e assassinatos (seja pela condenação da Inquisição ou até mesmo de quem buscava não deixar vestígios de alguma denúncia) daqueles que cometiam faltas com a fé e a moral dos bons costumes.
“De
acordo com o procedimento corrente da Inquisição, após a confissão e interrogatório do réu, o visitador preparava a acusação e ouvia o procurador da defesa, além das testemunhas [...] de acusação e de defesa. Para os crimes de sodomia, geralmente bastava uma testemunha de acusação - considerando-se que a punição desses casos era “de primeira necessidade numa república cristã [...] Caso ocorressem dúvidas frente ao processo, o inquisidor podia apelar para tortura, a fim de definir os termos da confissão. E também meter o réu na prisão, an-
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tes mesmo do julgamento, se houvesse suspeita de fuga da cidade.[...]” (TREVISAN, 2000, p. 149) Em 1557 o pastor calvinista Jean de Léry se referiu-se à homossexualidade entre os nativos Tupinambá pelo termo “tibira”, palavra genérica emprestada da linguagem dos autóctones para designar o “pecado nefando de sodomia”, em 1613 um desses nativos, o indígena Tibira Tupinambá do Maranhão foi executado por ordem dos frades capuchinhos francesses como bucha de canhão (foi amarrado à boca de um canhão) em São Luís, este crime consta como a primeira condenação de um homossexual à morte no Brasil, colocando de uma maneira mais clara, a primeira condenação por homofobia pois a ideia era a de desinfestar a terra do pecado. (MOTT, 2006 apud FERNANDES, 2015, p. 25) No Brasil, o Código Penal mais antigo veio das Ordenações Manuelinas pois eram as leis que vigoravam em Portugal na época do descobrimento do país. Nestas leis, a sodomia era equiparada ao crime de lesa-majestade, isto é, um crime comparado a uma traição contra uma majestade e condenado com pena de morte por fogo e confisco dos bens. As Ordenações Filipinas entretanto, se fizeram mais presentes (cerca de mais de dois séculos), vigorando no Brasil independente adaptadas à Constituição do Império, com atualizações em 1823. Nesse código penal, havia contido no livro V o capítulo XIII que tratava as pessoas que cometiam pecado de zoofilia e sodomia, condenando-as a uma morte por fogo para que sua memória fosse apaga-
da, assim como, novamente, uma ordenação do confisco dos bens à Coroa do Reino e infâmia dos descendentes das próximas gerações. Diferente das ordenações anteriores, as ordenações Filipinas se aplicavam não apenas a homens, mas também a mulheres que cometessem pecados contra a natureza, ditavam também que em caso de masturbação por pessoas do mesmo sexo (molice), a pena seria de degredo às galés e havia também penalidades para as pessoas que não se trajavam de acordo com o gênero atribuído e as penas variavam de açoites públicos a degredos durante anos e multas. (TREVISAN, 2000)
“Segundo
essas leis, quem conhecesse e não denunciasse um sodomita perderia todos os seus pertences e sofreria degredo perpétuo para fora “de nossos Reinos e senhorios”. Ao contrário, aquele que denunciasse um suspeito de sodomia tinha direito, se comprovado o crime, a receber metade dos pertences do criminoso; quando este não tivesse posses, a própria coroa se encarregaria de premiar o denunciante com cem cruzados.” (TREVISAN, 2000, p. 165) No período colonial do Brasil havia também uma jurisdição eclesiástica que se distinguia da Justiça secular e do Tribunal da Inquisição apesar de atuar simultaneamente a estas. Esta jurisdição eclesiástica se instaurou quando, em 1707 foram promulgadas as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, pelo Sínodo baiano (assembleia de
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párocos). Por ser o primaz do Brasil, o arcebispado baiano foi o coordenador do episcopado brasileiro cujas constituições eclesiásticas promulgadas em Salvador valiam para outras dioceses (unidades territoriais administradas por bispos) do Brasil, constituindo assim uma província religiosa. As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia vigoraram até 1900 e nelas a sodomia era considerada um crime horrendo e péssimo que provocava a ira de Deu e que trazia à partir disto catástrofes (tempestades, terremotos, pestes e fomes), pecado indigno de ser nomeado quanto mais cometido, feio até mesmo ao Demônio. Para esta constituição, o praticante do ato nefando deveria ser investigado e entregue pelo vigário geral ao Santo Ofício da Inquisição. (VIANNA e PRETES, 2007, p. 336 & TREVISAN, 2000, p .167-168) Com a promulgação da Constituição do Império após a independência brasileira as Ordenações Filipinas adotadas passaram por atualizações e elaborou-se um novo Código Criminal sancionado conforme Trevisan (2000, p 166) no ano de 1830, código que por sua vez assimilou os avanços da época no que diz respeito às legislações criminais, recebendo assim influências dos Códigos Napoleônico (datado de 1810) e Napolitano (datado de 1819) bem como do filósofo Jeremy Bentham, essas inspirações fizeram com que a figura jurídica da sodomia e seus equivalentes fossem eliminados da legislação6. 6
Trevisan (2000, p. 166) dita que os iluministas, cujas ideias inspiraram o Código Napoleônico acreditavam ser uma atrocidade julgar e punir a sodomia com a morte, segundo eles, não deveriam serem colocadas sob o domínio da lei se exercidas sem violência ou de forma obscena. No contexto destes pensamentos Napoleão então tira os crimes homossexuais do código penal da França em 1810.
63 Este Código Penal brasileiro instaurado em 1830 acabou, por sua vez, influenciando o Código Penal Espanhol e à partir deste, o de muitos outros países da América Latina.
A MANUTENÇÃO DO CONTROLE SOCIAL O Código Penal de 1830 retirou os crimes de homossexualidade mas fez surgir os crimes por “ofensa à moral e aos bons costumes” quando praticados em público e, mesmo não havendo menção explícita, é nesta infração que à partir de então a homossexualidade passou a ser enquadrada na prática e na teoria. Mais tarde, no código penal Republicano (1890), a figura jurídica correspondente ao crime de ofensa moral continua sob uma nova postulação: “crime contra a segurança da honra e honestidade das famílias” ou “ultraje público ao pudor” cuja pena, caso tais atos fossem praticados em público eram de um a seis meses de prisão, diferente do código anterior que condenava de dez a quarenta dias e multa correspondente à metade do tempo. O código Penal Republicano determinava também uma punição de 15 a 60 dias em caso de “travestismo”, negando a liberdade de uma pessoa não cis-gênero. Em 1932, esse código foi acrescido em relação ao crime de ultraje ao pudor com a indicação de que não eram permitidas as veiculações de materiais gráficos (de livros, jornais, a folhetos, gravuras, etc) que ofendessem a moral pública, sob penalização de seis meses a dois anos. O código penal seguinte datado
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de 1940, foi novamente refeito e posteriormente atualizado até a atualidade e mantém o crime de “ultraje ao pudor” quando cometido publicamente e praticado através de objeto obsceno (incluindo neste momento não apenas publicações gráficas mas também representações cinematográficas, fonográficas e/ou teatrais) O código penal de 1969 foi uma revisita e atualização do código de 1940 e diminuiu as penas do crime de ultraje público ao pudor que passou a ser de três meses a um ano ou pagamento de dez dias-multa. Durante a ditadura que começou em 1964 criou-se uma manobra na lei para punir as veiculações que eram julgadas obscenas ao criarem a Lei 5.250, promulgada no dia 9 de fevereiro de 1967, que ficou conhecida como Lei de Imprensa cujos artigos 12 e 17 decretavam pena de três meses a um ano de detenção e multa de um a vinte salários mínimos para atos de divulgação na mídia que atentassem ao pudor e aos bons costumes e foi através dessa lei que o governo em questão reprimiu as primeiras veiculações relacionadas às lutas pelos direitos dos LGBT+ no Brasil (na época com um enfoque maior ao L e ao G, principalmente o segundo). (TREVISAN, 2000, p. 167-168)
LIMPEZA DE CONDUTA O sistema de controle se modernizou com o passar dos anos, historicamente a ideia problema acerca das vivên-
65 cias das sexualidades e gêneros foram pautados somente pelos ideais cristãos de conduta moral e condenações de pecados que ocuparam as leis, entretanto, posteriormente se instaurou e se articulou também em um poder científico, isto porque apareceram os primeiros higienistas, médicos-legistas e os psiquiatras que trariam pensamentos reguladores. (TREVISAN, 2000) Com o alto índice de mortalidade infantil que ocorria na terceira década do século XIX o Estado liberal e civilizador tomava consciência das ações sanitárias do lar e gerou uma necessidade de modernizar, isto é, repensar as famílias. Com isto, os lares passaram a ser preenchidos com prescrições científicas e cuidados específicos através do Estado que possuía influência e a reforçava tanto na classe dominante quanto nas classes menos favorecidas, causando assim um reflexo geral no corpo social que ia sendo paulatinamente higienizado através de campanhas de moralização e higiene coletiva mediante assistências filantrópicas que colaboraram para que ocorresse a normatização da unidade familiar. Os médicos higienistas portanto, com livre acesso ao interior das famílias impôs sua autoridade a níveis que perpassaram os corpos e alcançaram os níveis emocionais e das sexualidades que passaram por interferências numa ideia de que a raça fosse melhorada e a pátria fosse engrandecida pois acreditava-se que a “libertinagem” enfraquecia as nações. (TREVISAN, 2000) Toda essa comoção em instaurar uma “saúde” nos âmbitos familiares foram na verdade ideias que contribuíram ainda mais para as delimitações dos papéis sexuais pois havia neste momento uma coesão dos cônjuges e um aper-
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feiçoamento do matrimônio legal para melhorar os padrões reprodutivos e combater a alta incidência de doenças venéreas que existiam. Com isto o estado assumia um controle normativo das famílias e fortalecia uma visão falocêntrica, e consequentemente machista, colocando o homem no centro da família com sua paternidade ao passo que a mulher deveria exercer o papel da maternidade e consequentemente todas as características que fugissem ao padrão vigente e regulador seriam tratados como anormal. Através desta normatização ocorreu, evidentemente diversas condenações dos médicos aos libertinos, celibatários e homossexuais que aos seus olhos eram irresponsáveis que iam contra o bem estar biológico social por abdicarem do papel de homem pai, ideal que conforme Trevisan (2000) se estende até a atualidade. Essa crítica a esses sujeitos se estabeleciam porque eles estariam (com uma falácia de exclusividade) se expondo a doenças venéreas e trazendo consigo um mal doméstico e social de ordem física e moral. Em 1869 o Dr. Macedo Júnior chegou inclusive a escrever uma tese para a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro que defendia uma ideia que acusava a promiscuidade (no contexto de perversão sexual das sexualidades desviantes) de trazer/provocar em suas palavras “[...] febres adinâmicas, síncopes, paralisias, apoplexias, convulsões, demências, gotas e todas as afecções que Pinel classificou nas cinco ordens de neuroses”. Segundo Fonseca Viana, médico higienista, em sua tese de 1842, um homem viver uma vida solteira e não possuir uma esposa traria a ele tuberculose, estado de hipocondria e outras doenças. (TREVISAN, 2000, p. 173)
67 Se o celibato já era uma falta grave no código de conduta higienista, junto de uma paternidade mal exercida, uma negação de uma considerada natureza humana era uma posição mais grave ainda, além de sodomitas, os homossexuais passaram a serem chamados de uranistas, pederastas e outros termos que surgiriam à partir dali. Uma terapia deste “uranismo” passou a ser implementada na educação infantil e foi mencionada de forma indireta, se aplicando como uma ideia de prevenção à “pederastia”, a higiene médica educacional, portanto, impôs uma educação cientificamente programada onde meninos deveriam buscar a prática de exercícios físicos a fim de evitar uma e efeminação (fato que gera reflexos até hoje quando entendemos expressões de gênero e performances de masculinidades aceitas e negadas) e amar o trabalho. Essa domesticação não se colocava apenas no âmbito da educação infantil, impôs-se às sexualidades dos homens adultos um tratamento de validação que afirmava ou não sua virilidade também com essa premissa da “degradante” efeminação. Enquanto na inquisição o controle era pautado em uma questão eclesiástica, na ideologia higienista ocorreu não mais a uma lei secular/religiosa, mas sim a um padrão de normalidade científica, ou seja, estabeleceu-se um controle através e em nome da ciência e, apesar desta não negar a possibilidade de afetividade verdadeira entre pessoas do mesmo sexo e não encontrar nada de errado na fisiologia destas pessoas, a postura se deu em rotular uma condição como desviante e não aceita, prescrevendo lugares e limites de tolerância que se excedidos desencadeariam solicitações de intervenção policial. O resultado destas posturas
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geraram cidadãos, conforme Trevisan (2000): auto-reprimidos, intolerantes, comportados e vulneráveis ao Estádo/ Pátria lgbtfóbico.
PATOLOGIZAÇÃO PSIQUIÁTRICA A psiquiatria entra na história das pessoas LGBT+ aprimorando esse controle social/terapêutico começado pelos médicos higienistas. Durante o século XIX a psiquiatria tinha uma larga experiência com a loucura e passou a enquadrar, legitimada pela jurisprudência da já citada constituição de 1830, os desvios das sexualidades a essa categoria, patologizando-os. Ou seja, o que era considerado pecado, vício ou crime passível de pena passou a sofrer intervenção a fim de tratamento. Neste contexto de estudos e buscas das sexualidades desviantes e definições científicas a categorização do termo homossexualismo surge para designar a irregularidade da “preferência” sexual de um homem para um homem e/ ou de uma mulher para uma outra mulher. A utilização deste termo (surgido em 1869) tinha como objetivo alcançar uma definição científica para validar uma intervenção física e/ou psicológica do que viam como anomalia, o termo intervenção, neste caso, está colocado como algo rigoroso e literal e não subjetivo. Com isto pode-se perceber que apesar dos métodos terem mudado as ideias preconceituosas continuaram e a manutenção do controle social também, tanto
69 no que diz respeito a um controle das sexualidades quanto na repercussão de estereótipos sobre comportamentos masculinos e femininos.
“Segundo
o Dr. Viveiro de Castro, as causasda anomalia homossexual podiam ser: “loucura erótica” resultante de psicopatias sexuais em pessoas mentalmente alienadas; falhas no desenvolvimento glandular, provocadas por hereditáriedade; vida insalubre, alcoolismo ou excesso de onanismo; e outras circunstâncias favoráveis à aquisição do vício, tais como prisões, velhice e impotência. Segundo ele, os homossexuais sofrem de uma alteração psíquica chamada “efeminação”, cujo quadro comportamental era assim apresentado: “Tem como as mulheres a paixão da toilette, dos enfeites, das cores vistosas, das rendas, dos perfumes [...] Depilam-se cuidadosamente. [...] Designam-se por nomes femininos, Maintenon, princesa Salomé, Foedora, Adriana Lecouver, Cora Pearl, etc. São caprichosos, invejosos, vingativos. [...] Passam rapidamente de um egoísmo feroz à sensibilidade que chora, mentira, delação, covardia, obliteração do senso moral, tal é o seu apanágio. A carta anônima é a expressão mais exata de sua coragem. Não seguem as profissões que demandam qualidades viris, preferem ser alfaiates, modistas, lavadeiros, [...].” (TREVISAN, 2000, p. 179)
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As lésbicas nesse momento eram classificadas como tribades, lesbianistas, sáficas, viragos ou fanchonas e assim como homens homossexuais eram tidas como loucas, viciadas ou congênitas e pensamentos extremamente misóginos se aplicaram a elas, a exemplo, as afirmações do criminalista Viveiro de Castro. Segundo Trevisan (2000, p. 180) o criminalista tinha uma ideia de que a “transformação de uma mulher em lésbica” vinha da vida nos internatos; da literatura moderna e da educação moderna que em suas palavras “[...] retirou a mulher da penumbra silenciosa do lar para as afirmações tumultuosas do mundo, abrindo-lhe horizontes desconhecidos, iniciando-as nos segredos dos vícios, despertando-lhe curiosidades indiscretas”. Além de tratar as “inversões sexuais” no âmbito da educação sexual, ocorreu uma orientação de que afastassem as pessoas já “taradas” a fim de que se evitasse um contágio. Implementou-se também uma proposta de incentivar a convivência frequente entre crianças de sexo oposto e que quando identificadas condições individuais desviantes nas pessoas, elas deveriam ser exortadas e submetidas a métodos persuasivos e com isto ocorreram medidas de direcionamento da atenção de homens às formas femininas (corpo), obrigação de leituras que despertassem suas paixões “tumultuosas” e até em último caso uma provocação de um coito, obrigando-os a pernoitar com o sexo oposto. Esse processo persuasivo era feito em paralelo a uma medida dissuasiva que usava hipnose a fim de incutir asco à “anormalidade” dos “doentes”, as sessões poderíam
71 variar de trinta a cem que seriam finalizadas com a inversão das vontades desviantes.
“Provando
que os fins justificam os meios, na contramão da “grandeza moral”, Pires de Almeida aprovava a importação de prostitutas estrangeiras para a modificação do meio social propício às inversões sexuais (...) Na verdade o método parece não ter funcionado tanto assim, pois, no final do século XIX, Pires de Almeida continuava conclamando “não só o Governo, como também a Municipalidade”, a retomar a imigração feminina estrangeira na Capital federal. No caso das lésbicas, os tratamentos também falhavam ao que era justificado por outro médico, o Dr. Viveiro de Castro que dizia que “quando o vício é antigo, a sua cura é quase impossível, porque os nervos das partes genitais se tem hiperesteriado e o prazer sentido excede muito o que proporcionam os enlaces do amor natural.” (TREVISAN, 2000, p. 181) Essa intervenção dos médicos nas sexualidades resultou inclusive em experiências feitas em cobaias a fim de reverter suas práticas. No começo do século XX reportaram-se transplantes de testículos humanos em homens que não tinham atração pelo sexo oposto e em 1920 pacientes chegaram a ser enxertados inclusive com testículos de animais, a autoridade da ciência era tamanha que es-
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sas intervenções se davam mesmo sem aviso prévio ao paciente, houveram também transplantes de ovários entre mulheres e em ambos os casos obteve-se uma comemoração de uma suposta efetividade na coerção dos indivíduos, fato que, mais tarde, quando conquistada a possibilidade de isolamento dos hormônios das glândulas transplantadas e implementação nos pacientes, percebeu-se ineficaz nessa cura da “inversão sexual”. No Brasil não criou-se um estabelecimento próprio para a reclusão dos indivíduos desviados, entretanto esta foi uma ideia defendida na década de 1920 e no final da década de 1930 com a visão de que interná-los em penitenciárias impediria as intervenções médicas e colocá-los em hospitais psiquiátricos era perigoso por conta de uma ideia de enfermidade que seria transmitida a outras pessoas. Debateu-se sobre os “desviados incuráveis e os e “investidos honestos”, sendo estes últimos os que estariam dispostos a uma coerção e que portanto não mereciam uma prisão, mas sim um tratamento. Mesmo que não tenham criado um estabelecimento especializado, os manicômios judiciários já existentes foram utilizados pelos fervorosos adeptos das ideias punitivas, local intermediário entre prisão e asilo, que inclusive chegou a tratar pessoas com tratamento de eletrochoques. É importante levar em consideração que neste momento da história o nazifascismo ganhava força na Europa e esses pensamentos higienistas/eugênicos refletiram muito as práticas que ocorriam no Brasil, conforme Trevisan (2000, p. 191) defendiam e ressaltavam que “nos dias de hoje (...) o combate ao homossexualismo, nos países
73 da Europa, é o mais rigoroso possível”, como se este fosse um modelo a ser seguido.
“Se nas mãos do juiz o condenado cumpriria uma sentença delimitada, que possibilitava inclusive obtenção de liberdade condicional ou redução da pena, nas mãos do psiquiatra o “louco moral” não tem sequer uma sentença que estabeleça prazos ou limites e contra a qual se possa recorrer. Sua liberdade depende direta e exclusivamente da opinião onipotente do médico, que pode obrigá-lo a continuar o “tratamento” pelo resto da vida.” (TREVISAN, 2000, p. 204) É neste período da década de 1930 que floresce no Brasil uma radical expressão fascista, o movimento integralista. Em uma esfera pautada na defesa do conservadorismo, do modelo patriarcal de família e com uma forte influência da religião, era comum e naturalizada uma homofobia radical espelhadas nas condenações nazistas ao então “homossexualismo7” carregado com todas as ideias já citadas.
7
Este termo foi usado no CID (Código Internacional de Doenças) elaborado pela OMS (Organização Mundial de Saúde) que só decidiu retirá-lo da lista de transtornos mentais e despatologizar a orientação sexual em maio de 1990, cuja data representa o dia de combate à LGBTfobia. A transsexualidade esteve presente como uma patologia pelo CID durante todos estes anos e foi somente à partir de 18/06/2018 que ela passou a não ser mais considerada um “transtornos de identidade de gênero”.
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BRASIL, MOSTRA A TUA CARA À partir da década de 1970 a música popular brasileira e o teatro eclodiu diversos fenômenos que bateram de frente com as repressões da ditadura brasileira instaurada em 1964, neste momento a forma como outrora tratavam das sexualidades (subtendidas, nas entrelinhas) foram abandonadas e as ideias passam a se estampar de forma declarada, a exemplo do cantor e compositor Caetano Veloso, o grupo teatral Dzi Croquetes e o cantor Ney Matogrosso. Houve uma sensação de urgência para que houvesse uma modernização social por conta da não democratização política vigente, tratava-se de uma liberação individual que tinha como base uma solidariedade não partidária. É importante falar sobre como os poucos espaços ocupados por pessoas LGBT+ nas mídias (pouco quando comparados aos artistas cis-hétero que são majoritários) são importantes enquanto conquistas mas também enquanto situações que demandam constante avaliação, isto porque o modo com o qual os espaços trazem aberturas para este público diz muito sobre o reforço de estereótipos e locais de subordinação, fato que apesar dos pesares, mobilizou vozes que não necessariamente alcançaram os espaços através de abertura legitimada com boas intenções nem de livre espontânea vontade, mas sim por pressões sociais. A televisão brasileira sempre teve uma atenção pela censura (policial ou não) e obedeceu a um rigoroso código moral que proibia (e pode-se dizer que dê certo modo ain-
75 da proíbe) a apresentação de “obscenidades” ou “formas de perversão sexual”, e quando se fala de código moral aqui, fala-se literalmente de um código de ética da Associação Brasileira de Emissoras de rádio e televisão (Abert), que foi instaurado em 1980. É certo dizer que apesar de se notar toda uma ressalva com o público LGBT+ a rede de televisão veio explorando o público a fim de introduzi-lo nas suas produções e, não obstante, desenvolveu papel na disseminação de discursos que contribuíram com o preconceito por trazer inicialmente personagens extremamente estereotipados (ditando regras de comportamento) e nesse mesmo contexto, ridicularizados. As sexualidades foram usadas por muito tempo como forma de faturamento e não como voz ativa na transformação de mensagens preconceituosas, eram usadas como “tempero” na trama para que se aumentasse uma audiência uma vez que o assunto causava polêmica. Conforme Trevisan (2000, p. 306) “(...) fica claro que a dramaturgia televisiva continua perpetuando certa abordagem exótica, para que “amores estranhos” povoem, sem qualquer risco, o zoológico do imaginário brasileiro (...)”, ao que continua dizendo “as telenovelas padecem de um recato espantoso, em se tratando de cenas de amor homossexual, especialmente quando comparadas ao atrevimento das cenas de alcova entre homem e mulher”. Portanto, as abordagens citadas geraram incontestáveis inconformismo e protestos. Apesar de perpetuar ideias retrógradas, a mídia também abriu algum espaço a pessoas que com o passar dos anos (aos poucos, nas décadas de 1980/1990, passada a absorção dos anos 70) se configurariam como artistas
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mais alertas ao significado pessoal de suas existências e contextos históricos/sociais acerca delas,k trazendo vozes mais ativas. É possível verificar esse amadurecimento nos trabalhos de Cássia Eller, cantora abertamente homossexual que desfilava com roupas ditas masculinas, Renato Russo e Cazuza que foram outros grandes destaques de toda uma geração e trouxeram debates sobre as vivências homossexuais bem como vivências soropositivas.
FIGURA 8 CÁSSIA ELLER.
“Certas atitudes, nessa geração de artistas pop homossexuais, foram ainda mais longe; alguns dos seus expoentes mais atrevidos tomaram para si o papel de dar exemplo não só a colegas de profissão mas a milhares de homossexuais anônimos/ as do país, a quem podiam oferecer referenciais mais positivos no fortalecimento da auto-imagem arranjada pela repressão familiar e social. (...) podia se tornar útil para combater preconceito e tornar um pouco menos conflituada a vida de jovens homossexuais, no país inteiro (...)”
FIGURA 9 RENATO RUSSO.
(TREVISAN, 2000, p. 317) Esse momento da história é marcado pelo momento do exercício do local de fala, artistas emprestaram a sua voz e seu corpo ao país e criaram uma teia de vasos comunicantes ligados a uma expressão cultural LGBT+, compondo um “ruído subterrâneo” que começa com Ney Matogrosso e vai ganhando força até chegar em Cazuza e seu pedido: “Brasil, mostra a sua cara”.
FIGURA 10 CAZUZA.
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De fato muitos artistas levantaram a bandeira LGBT e conforme Trevisan (2000, p. 319) esta foi de fato uma tarefa da época, mostrar uma face antes escondida no país e falar de uma comunidade para uma comunidade, e não mais de uma instituição preconceituosa para uma comunidade. Estes fatos foram importantes por constituírem as primeiras referências representativas dentro da mídia brasileira e definir um engajamento de um público já cansado com as situações desiguais. A geração dos anos 80/90 eclodiu com um boom gay no plano cultural que com o tempo entrou em um processo de absorção. Os setores passaram então a manifestar um descaso e um silêncio de rotina à causa LGBT (exceto em casos de escândalos), conforme Trevisan (2000, p. 325) ocorreu algo como “concluir que, após ser descascada, a fruta exótica da homossexualidade tem um sabor apenas corriqueiro; então joga-se o bagaço fora”, ou seja, toda a permissividade fez parte de uma fórmula que teve a intenção de retirar lucros e não liberar nada, ao que Trevisan (2000, p. 326) comenta: “(...) A sociedade mercadológica favorece aberturas, mas cobra seus juros, através de uma cooptação cruel”. Entende-se que esta a onda de liberacionismo homossexual demorou a chegar e não por isso foi legítima pois se impôs pelo consumo, fato que ocorreu por conta de todo um conservadorismo cuja insensibilidade e comodidade consumiu uma moda de saber, isto é, ideias novas, o que não exatamente colaborava com as pautas, pois conforme Trevisan (2000, p. 335) “(...) Se a profusão de personagens homossexuais em rádios, televisores e filmes
79 brasileiros têm excitado essa elite modernizada, que se sente orgulhosa de já poder aceitar viados e sapatonas ao seu redor, não exageremos: “Tudo bem, desde que não na minha família!”. Apesar de as sexualidades/identidades de gênero não serem mais proibida com alguma lei como ocorreu na época da Inquisição e existir pessoas públicas assumidamente gays, lésbicas, travestis e etc, os anos 1990 conforme Trevisan (2000, p. 22-23) ainda vivia sob os reflexos da sexualidade proibida, abusos policiais eram corriqueiros em invasões de saunas e casas noturnas e cinemas frequentados por homossexuais, assim como a organização de gangues que atacavam nas ruas (que é o caso do grupo Baixo Guei do Rio de Janeiro) e até mesmo em bares cujo público fosse LGBT+, como em junho 1996, quando um grupo composto por cerca de 30 homens carecas invadiu a lanchonete Burguer & Beer em São Paulo. A atenuação do recente ciclo ditatorial a partir de 1975 trouxe a ideia de um novo movimento de cosmopolitação porque o golpe de 1964 provocou sem querer uma modernização compulsória na vida brasileira ao exilar inúmeros intelectuais, que, em contato com outras vivências fora do Brasil, acabaram absorvendo conhecimentos que ao retornarem (o que ocorreu graças a anistia em 1989) foram passados adiante.
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DA ESQUINA AO ORGULHO DE QUEM SOMOS Trevisan foi um dos brasileiros em exílio durante a época ditatorial e que trouxe para o Brasil conhecimentos das vivências estrangeiras, principalmente no que diz respeito ao movimento LGBT+, isto porque de sua ida voluntária ao retorno em 19768, ele percebeu um contraste grande em como as sexualidades que se organizavam aqui eram em relação às suas percepções americanas, isto é, havia um atraso no Brasil decorrente dos discursos e repressões instauradas. Sua inquietude diante destes contrastes o fez buscar um agrupamento de estudantes universitários a fim de formar um núcleo de discussão das vivências na cidade de São Paulo. O grupo de fato se consolidou porém de forma demasiadamente pequena, a proposta trazia discussões e estudos de textos mas as tentativas não vingaram tanto pois os participantes demonstravam-se reticentes e paralisados diante das ideias de liberdade de viver a sexualidade sem
81 culpa, isto porque ainda viviam sob o julgamento de uma condição sexual errônea e anormal, o que culminou, após algumas reuniões não tão bem sucedidas, no fim do grupo, era necessária uma evolução nas organizações e reivindicações sociais para que um pensamento se transformasse e um coletivo de fato fosse sustentado. (TREVISAN, 2000) O quadro político brasileiro em 1978, cerca de dois anos depois, evoluía os debates e instaurava um clima de ousadia. Grupos de mulheres passaram a incursionar temas como
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Durante a ditadura brasileira, ocorria, no dia 28 de junho de 1969 uma revolta no bar Stonewall Inn frequentado pelo gueto gay em Nova York, essa resistência aconteceu em decorrência de uma batida policial ao bar, situação comum na época, pois os bares eram proibidos. Os frequentadores do bar se negaram a colaborar com os abusos e entraram em um confronto que durou seis dias e se transformou na manifestação social que marcou a luta pelos direitos LGBT+ em Nova York, data que se tornaria no ano seguinte realizada a primeira parada do orgulho LGBT+ buscando não apagar a resistência ocorrida. (GNT, 2011) Portanto, em 1976, quando Trevisan Retorna ao Brasil, os avanços americanos são demasiadamente maiores por conta do contexto histórico que ocorreu em solo brasileiro.
FIGURA 11 - “GAYPOWER”. MEMBROS DA FRENTE DE LIBERTAÇÃO GAY DE 1970 (INCLUINDO MARSHA P. JOHNSON, TERCEIRA DA ESQUERDA, E SYLVIA RIVERA, SEGUNDA DA DIREITA) EM NOVA YORK.
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a liberdade sexual e o aborto (discussões que foram se ampliando em torno da criação de alguns jornais e com a chegada das exiladas). Conforme Trevisan (2000, p. 338) esse também era um momento onde os negros davam investidas para que fosse discutida a questão do racismo, cultura e organização da população negras. Além destes temas, crescia também debates acerca de questões ecológicas e foi nesse contexto e momento de evolução de pautas que, em 1977, alguns intelectuais, jornalistas e artistas de São Paulo e do Rio de janeiro reuniram-se em um prédio onde residia o pintor Darcy Penteado a fim de realizar uma antologia de literatura gay latino americana, que seria organizada por Winston Leyland, fundador da Gay Sunshine Press de São Francisco, Trevisan era um dos integrantes deste grupo composto, segundo Carlos Ferreira (2010, p. 4), jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), pelo próprio Darcy Penteado, por Adão Costa, Agnaldo Silva, Antonio Chrysóstomo, Clóvis Marques, Francisco Bittencourt, Gasparino Damata, Jean Claude Bernadet, João Antônio Mascarenas e Peter Fry. Neste encontro surgiu a ideia da criação de um coletivo para a criação de um jornal feito por homossexuais e que falasse da comunidade com o ponto de vista dos integrantes dela, cujos temas fossem diversos e as publicações ocorressem de forma mensal. O projeto floresceu e 1978 data a publicação número 0 do então chamado Jornal Lampião, posteriormente publicado como Lampião da esquina, mudança estratégica que visou evitar problemas de propriedade industrial. (FERREIRA, 2010)
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85 FIGURA 12 DO JORNAL DURANTE O E DURANTE
- COLAGEM DE ALGUMAS EDIÇÕES LAMPIÃO DA ESQUINA, IMPRESSO FINAL DA DÉCADA DE 70 OS ANOS 80.
As publicações do Lampião da esquina causaram um escândalo às pessoas que estavam acostumadas com o local de recato atribuído/instaurado às pessoas LGBT+. O jornal foi uma ruptura na imprensa ao tratar de assuntos considerados secundários (sexualidade, identidade de gênero, discriminação racial, artes, ecologia, machismo) com uma linguagem que conversava com o gueto do público. O lampião trouxe uma naturalização das vivências bem como ressiginificaçao de termos impregnados de forma pejorativa, deste modo, a figura da bicha e do viado passam ser exaltados, o discurso era de independência e desobediência às normas, que refletiu e encorajou os seguintes passos da luta LGBT+.
“Enquanto o Lampião vinha à luz no Rio de janeiro, em São Paulo iniciaram-se, também nos primeiros meses de 1978, as reuniões de um grupo de homossexuais interessados em organizar-me para discussão de atividade liberacionistas, o qual integrei já desde o primeiro momento, com grande satisfação é alívio. Composto predominante de jovens atores, profissionais liberais e estudantes, o grupo era pequeno e assim permaneceu
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87 durante quase um ano, indo servir de matriz para todos os demais que viriam depois. De fato, a partir daí, o Movimento de Liberação Homossechal no Brasil teria como espinha dorsal grupos que aglutinavam militantes um pouco à maneira de clubes fechados de viados e lésbicas. Evidentemente, cada grupo procurava acentuar diferenças para aí encontrar sua identidade - elementos que podem ser considerados como sistema de defesa frente ao ambiente hostil. Algo semelhante parece ter ocorrido nos primórdios do movimento guei americano e europeu do pós-guerra, com a sociedade Mattachine e a Arcadie, respectivamente nos Estados Unidos e França” (TREVISAN, 2000, p. 339)
Conforme Regina Facchini (2010), pesquisadora com experiência em antropologia e que atua principalmente nos temas que envolvem cultura e política, movimentos sociais, sexualidades, gêneros e interseccionalidade, ocorreu no ano de 1978 uma semana de debates elaborada pela Revista Versus, em um desses dias ocorreu uma abertura à imprensa alternativa onde o “boicote” ao lampião foi tema. Facchini diz em seu texto “Movimento homossexual no Brasil: recompondo um histórico” que nesta ocasião João Silvério Trevisan junto de outros homossexuais presentes formaram um grupo a fim de refletir acerca das questões colocadas em pauta e com isto cerca de 15 a 20 pessoas se reuniam semanalmente, formado inicialmente
por homens. O grupo se intitulou inicialmente, quando estabelecida a sua primeira aparição pública em uma carta enviada ao sindicato dos jornalistas como Núcleo de Ação pelos Direitos dos Homossexuais, ao passo que naquele mesmo ano, em dezembro, foi rebatizado por SOMOS Grupo de Afirmação Homossexual, mudança que foi feita mediante o convite para a participação no inicio do ano seguinte numa semana de debates (realizada pela USP) sobre movimentos de emancipação de grupos discriminados, as então conhecidas minorias sociais. Este debate público, segundo Trevisan (2000, p. 343) que ocorreu na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo gerou levantamentos e questionamentos que foram jogados de volta ao público, fato que impulsionou-os a se dirigirem uns aos outros sobre as situações sociais em que se encontravam as vivências, argumentando com evidências a importância de uma mudança nos posicionamentos politicos/sociais. Trevisan percebeu nesta pauta que as pessoas não mais pediam desculpas pelo que era, mas sim batiam de frente à repressão imposta aos seus corpos/vontades e percebeu também, em suas palavras que “Nossa luta estava finalmente na rua. Emocionados e nos beijando em público, já não sentíamos nenhum pudor ideológico”. De fato uma pauta tinha neste momento um avanço significativo, mas o pudor ideológico estava longe acabar, aquele era um de muitos outros debates sobre as opressões da comunidade LGBT+, que notadamente se instauraram até os dias atuais. Conforme Facchini (2010), é à partir deste debate que novos integrantes entram para o Grupo Somos, composto
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agora por homens e mulheres, além da formação de novos grupos como o Eros e o Libertos 9. O não conformismo com as situações sociais e o crescente aumento das vozes reivindicando mudanças sociais culminou na realização, em 1995, conforme matéria escrita por Letícia Naísa (2016) para o site Vice, a décima sétima conferência do ILGA (Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersex) que foi terminada com uma marcha em Copacabana, no Rio de Janeiro. No ano seguinte acontecia na Praça Roosevelt em São Paulo um ato que reivindicava o direito das pessoas LGBT+ e que contou com a presença de 500 pessoas ao que foi mobilizado, através de diversos grupos o planejamento/organização de uma passeata anual na Avenida Paulista, fato que se consolidou, nascendo em junho de 1997 a primeira parada do orgulho LGBT+ (na ocasião colocada como parada do orgulho GLT) no Brasil. 9
Dalí por diante diversos grupos seriam construídos a fim de trazer olhares sobre as vivências LGBT+, é importante postular que isso decorre da vontade de se elaborarem abordagens diferentes do Grupo Somos, assim como da necessidade gerada em pontuar vivências específicas. Portanto, o movimento LGBT+ precisou passar por um longo processo de maturação durante os anos seguintes, vivenciando conflitos internos além dos externos, isto é, ruídos nas organizações e postulações (misoginia para com as lésbicas, transfobia para com as pessoas trans, bifobia para com bissexuais, dentre outras situações) que reverberam até os dias atuais pois, como apresentado neste trabalho, “verdades” foram construídas e precisaram/precisam passar pelo processo de desconstrução, principalmente dentro de um grupo que buscou/busca quebrar algumas delas, mas reproduziu/reproduz outras. O que pretende-se deixar claro neste ponto é que as vivências LGBT+ possuem interseccionalidades e que uma pessoa oprimida pode também ser opressora quando privilegiada em algum aspecto, isto é, um rapaz gay é oprimido o por ser gay, mas sua vivência possui certos privilégios em relação às vivências de uma lésbica, por conta do machismo e estas situações precisaram/ ainda precisam entrar em debates.
89 FIGURA 13 - BANDEIRA GIGANTE COM AS CORES DO ARCO-ÍRIS COBRE OS PARTICIPANTES DA PARADA DO ORGULHO LGBT+ NA AV. PAULISTA, EM SÃO PAULO, JUNHO DE 1997.
Conforme Naísa (2016), a primeira parada do orgulho LGBT+ contou com cerca de duas mil pessoas e era inspirada nas marchas que aconteciam pela Europa e nos EUA e cresceu muito ao longo dos anos, acrescentando causas e abrangendo de forma mais integral o grupo que compõem as siglas LGBT+, ganhou realizações em outras cidades do Brasil. A parada do Orgulho LGBT+ em São Paulo é uma das mais comentadas no mundo, junto da de São Francisco e Nova York e conta até os dias atuais com vinte e uma edições que conforme seu site oficial, receberam temas como: “Quero mostrar meu rosto, eu também pago imposto”, “Educando
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para a diversidade”, “Temos família e Orgulho”, “Parceria Cível Já! Direitos Iguais: nem menos, nem mais”, “Homofobia é crime! Direitos sexuais são direitos humanos”, “Por um mundo sem Racismo, Machismo e Homofobia”, “Homofobia Mata! Por um estado laico de fato”, “Sem homofobia, mais cidadania. Pela isonomia de direitos”, “Vote contra a homofobia”, “Amai-vos uns aos outros: Basta de homofobia!”, “Homofobia tem cura: educação e criminalização”, “Para o armário nunca mais. União e conscientização na luta contra a homofobia”, “País vencedor é pais sem homolesbotransfobia”, “Eu nasci assim. Eu cresci assim. Vou ser sempre asim. Respeitem-me!”, “Lei de Identidade de Gênero Já! Todas as pessoas Juntas Contra a Transfobia” e “Independente de nossas crenças nenhuma religião é lei. Todas e todos por um Estado Laico”. A associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo (APOGLBT) traz também um levantamento estimativo do público das passeatas que segundo a Polícia Militar em 1997, contou com cerca de 2.000 pessoas; segundo os próprios organizadores, a décima edição em 2016 contou com cerca 3.000.000 de pessoas. Os números apontam uma crescente visibilidade e participação de pessoas nas Paradas do Orgulho LGBT+ mas não refletem uma vitória sólida e definitiva acerca das pautas, pois, como se verá a seguir, o preconceito existente no começo do movimento homossexual brasileiro e nos dias atuais, continuam, com avanços e retrocessos que culminam o Brasil em um dos países com maiores casos de lgbtfobia.
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DE QUAL ORDEM E PROGRESSO FALA A BANDEIRA? É importante pensar em como as qualificações e desqualificações das sexualidades foram criando crises sociais, conforme Trevisan (2000, p. 205-206) nenhuma sexualidade nasce em crise, mas sim tornam-se conflituosas dentro de um contexto social, onde pânicos são resultantes das condenações ancestrais e atuais internalizadas. A igreja, as legislações e os médicos são as causas dos “males desviantes” que tanto buscam combater, pois inventaram e instalaram esta colocação de sexualidades e gêneros como um problema que se postulou de forma extremamente insensível aos resultados que vão de humilhações públicas, chantagens, golpes, suicídios, crimes e todo tipo de neurose que os cercam e tornam-os párias sociais da educação, religião, leis e ciência. Os tabus sociais em torno das vivências LGBT+ são, portanto, conforme Trevisan (2000, p. 19) sólidas construções morais imbuídas às sociedades pós-industriais com base em todos esses velhos argumentos e nos que surgem a cada dia para postular “defesas” às inferências intolerantes e vão desde o perigo às famílias ditas tradicionais brasileiras cujo modelo não é o das reais famílias tradicionais ao medo de que se instaure uma supremacia das minorias, quando, na realidade, o que ocorre é uma a busca pelos direitos igualados. Pautar a LGBTfobia, deste modo, é pautar uma discriminação que atingem diversos pontos sensíveis a toda uma comunidade LGBT+.
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Em 1988, houve uma votação no plenário do congresso constituinte para que houvesse uma inclusão de um item na constituição que proibisse a discriminação por orientação sexual, a votação foi quase toda contra a integração do item. A bancada evangélica aplaudiu o resultado em comemoração à derrota do que chamavam “emenda dos viados” e a vitória dos “valores morais”, Carlos Sant’Anna, líder do governo chamou-a de emenda da “desorientação sexual”, para o deputado evangélico Costa Pereira, aprovar o item seria o mesmo que trazer o Brasil para maldição de outros países, citando em seguida Sodoma e Gomorra. Trevisan (2000, p. 158-159) cita este caso para colocá-lo paralelo a outro que ocorreu quase dez anos depois, no ano de 1997 onde se debateu na Câmara Federal um projeto de registro das parcerias civis entre pessoas do mesmo sexo proposto por Marta Suplicy (deputada federal na ocasião), este projeto inclusive, só conseguiu encaminhamento para discussão após ser vetada a possibilidade de, na aprovação, ser validada a adoção de crianças a estas famílias. Segundo o autor a discussão acerca do projeto demorou muitas horas chegou a atingir um nível de baixeza não comum no ambiente, deputados gritavam grosserias e gracinhas acompanhadas de gestos obscenos à deputada e a outros deputados favoráveis ao projeto, o discurso conservador mais uma vez se fez presente ao afirmarem que a proposta era um desrespeito à Casa e que os beneficiários do projeto eram nada mais do que uma aberração à natureza. Sobre este caso, o arcebispo de Maceió, D. Edivaldo Amaral disse: “Sem querer ofender os cachorros, acho que isso é uma cachorrada! Esta é a opinião de Deus e da Igreja”.
95 Em 1993, depois de se assumir bissexual em um programa de rádio, o vereador Renildo dos Santos, do vilarejo de Coqueiro Seco em Alagoas foi afastado da Câmara municipal por “quebra de decoro” e passou a receber frequentemente ameaças de morte, ele chegou a pedir proteção à justiça mas foi sequestrado de sua casa e assassinado. Seu cadáver foi encontrado decapitado e com os órgãos sexuais mutilados, pernas quebradas e unhas arrancadas, sua cabeça apareceu não muito longe boiando em um rio, estava com dois tiros nos ouvidos, os olhos, orelhas e línguas arrancados. (TREVISAN, 2000) Em novembro de 2010, Luis um jovem que voltava pra casa depois de uma noite na balada acompanhado por dois amigos da faculdade foi abordado por cinco meninos na Avenida Paulista ao sair de uma lanchonete, conforme entrevista ao G1 (2010), o grupo de meninos (composto segundo a polícia por quatro menores e um maior, de 19 anos) vieram no sentido oposto e traziam na mão de um deles duas lâmpadas fluorescentes. O ataque foi gravado por uma câmera de segurança captou parte do acontecido, segundo a vítima um grito ecoou seguido de uma desferida de uma das lâmpadas em seu rosto que sangrou imediatamente, atingido e buscando se defender, ele investiu contra o garoto e a briga que continuou fora do alcance da câmera resultou na dominação do mesmo, que foi agredido com socos e chutes. Segundo Luís, não fosse pela intervenção de um segurança, os meninos não iam parar e seu medo durante o ataque foi o de que chegasse a óbito. Conforme o G1 (2010), o ataque a Luís pode não ter sido o único executado pelos garotos, segundo o jornal “[...] Na
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sexta-feira, surgiu mais uma acusação contra os jovens. Um homem de 37 anos procurou a polícia e contou que foi espancado no dia 14 de março, na Rua Augusta, região de bares e boates de São Paulo. [...]”, o executivo que sofreu o ataque não quis se identificar mas reconheceu dois dos rapazes, que segundo ele o imobilizou e desferiu cerca de oito socos em seu olho, causando esmigalhamento de ossos da face e afundamento do olho direito, crime que conforme ele, se configurou por conta de homofobia, fato que Luís também defendeu, mesmo não sendo gay (estava acompanhado de amigos que eram e acredita ter sido confundido como um). A não validação da pluralidade de corpos e identidades trouxe para as pessoas não cis-gênero um local de total exclusão nos espaços, negando direitos civis e reconhecimento de suas identidades, colocando-as numa posição de reafirmação diária de uma identidade que não é respeitada pelas pessoas e instituições gerando extrema desigualdade social com a falta de oportunidades de emprego e com o genocídio, pois o direito à vida é uma das suas principais pautas. As violências são portanto além de psicológicas, simbólicas e físicas. Segundo Jaqueline Gomes de Jesus (2012, p. 11), a organização internacional Transgender Europe divulgou que “no período de três anos entre 2008 e 2011, trezentas e vinte e cinco pessoas trans foram assassinadas no Brasil. A maioria das vítimas são as mulheres transexuais e as travestis”, a autora continua os dados ao declarar que até meados de 2012 noventa e três travestis e transexuais foram assassinadas segundo o grupo gay da Bahia.
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“Essas violações repetem o padrão dos crimes de ódio, motivados por preconceito contra alguma característica da pessoa agredida que a identifique como parte de um grupo discriminado, socialmente desprotegido, e caracterizados pela forma hedionda como são executados, com várias facadas, alvejamento sem aviso, apedrejamento.” (JESUS, 2012, p. 11) Em fevereiro de 2017 Dandara Santos, mulher trans do conjunto de Palmares foi brutalmente agredida por rapazes que desferiram socos, chutes, pedradas, golpes de madeira e um tiro no bairro de Bom Jardim, na periferia de Fortaleza. Segundo a matéria de Paloma Vasconcelos (2018), estudante de jornalismo que escreve ao site Ponte Jornalismo, a morte de Dandara que tinha 42 anos ganhou repercussão internacional ao representar a face da transfobia no Brasil, cujo crime foi gravado e publicado em redes sociais. Vasconcelos (2018) aponta que, de acordo com o ANTRA e o IBTE, respectivamente Associação Nacional de Travestis e Transexuais e Instituto Brasileiro Trans de Educação, “só em 2018, já são 54 assassinatos de pessoas trans até o dia 5/4, aumento equivalente a 45% em relação ao mesmo período do ano passado. Quatro desses crimes aconteceram no estado do Ceará.” O julgamento da morte de Dandara condenou cinco dos nove rapazes que a assassinaram,a medida se estabeleceu por conta de quatro deles serem menores de idade (deverão cumprir medidas socioeducativas).
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Conforme Vasconcelos (2018) a condenação dos réus que mataram Dandara foi configurada como homicídio duplamente qualificado, por meio cruel e motivo fútil (homofobia). Esta foi a primeira vez que em um crime foi citada no Brasil como causa/agravante a homofobia, certamente o termo utilizado foi inadequado por não classificar o crime pela transfobia mas a citação da homofobia já colabora para um avanço social, mesmo tendo sido feita sob uma exceção, pois ainda não há uma legislação adequada para a criminalização da LGBTfobia.
FIGURA 14 DANDARA SANTOS.
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CORPOS ESTRANHOS E O BRASIL GENOCIDA Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro pelo PSOL que foi executada na noite de 14 de abril de 2018 carregava consigo os discursos de suas vivências e trazia-os à tona nos debates por onde passava. Segundo Vasconcelos (2018), apesar de ter sido ocultado pela mídia, Marielle estava em um relacionamento com a arquiteta Mônica Tereza Benício e um dos projetos defendidos durante sua atuação na Câmara pautava a inclusão do Dia da Visibilidade Lésbica no Rio de Janeiro, para o qual movimentou discussão, criando a Frente Lésbica do Rio de Janeiro. A vereadora lu-
FIGURA 15 MARIELLE FRANCO.
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tou e foi atrás da elaboração da PL que chegou a se colocar para votação (tornando-se o projeto com temática LGBT+ que mais teve avanço dentro da Casa) mas foi rejeitada com 19 votos a 17, ou seja, o assassinato de Marielle Franco, que representava uma inquietude diante das desigualdades sociais, na Maré, representa a tentativa de calar um movimento negro, pobre feminista e LGBT+. Em maio de 2018, o Brasil esteve face ao conhecimento do assassinato da estudante Matheus Passareli, conhecida pelo ciclo de amigos por Theusinha. Matheusa era uma pessoa não-binária (ou seja, não se identificava com os gênero masculino e feminino) e estudante da universidade UERJ, no curso de Artes Visuais e apaixonada pelo mundo artístico e das passarelas. Seu desaparecimento ocorreu, conforme Vasconcelos (2018), 50 dias após a execução de Mariele Franco e durante o tempo de sua procura, diversos amigos e pessoas não próximas compartilharam suas fotos a fim de mobilizar o seu encontro, gerando assim uma rede de solidariedade com a família de uma pessoa LGBT+ que sumira após saída para mais uma de suas performances. Foi cerca de 10 dias depois que a confirmação de sua morte chegou à família. Por meio da assessoria de comunicação, a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro informou à matéria que “fica confirmada a morte de Matheus Passareli. Ele foi assassinado na madrugada de domingo (29/4), ao sair de uma festa no Morro do 18, em Água Santa, na Zona Norte do Rio. As investigações prosseguem com diversas diligências objetivando a identificação da autoria do crime e posterior pedido de prisão. Não há outras infor-
101 mações passíveis de divulgação sem que as diligências policiais sejam prejudicadas”. A morte de Theusinha passou a representar para as pessoas da comunidade LGBT+, assim como a morte de Mariele Franco, Dandara, e tantas outras pessoas que morrem diariamente na comunidade LGBT+, uma reflexão acerca dos corpos políticos e a aceitação destes nos âmbitos sociais pois ela apresentava uma configuração pessoal de expressões, físicas e intelectuais que transpassavam as atribuições comuns que ditam uma normalidade aceita.
FIGURA 16 MATHEUSA PASSARELI.
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Em um de seus trabalhos para a faculdade, Matheusa abordava no título: “O Rio de Janeiro continua lindo e opressor. Corpo estranho dessa cidade, relatos que comprovam meu corpo estranho na universidade.” Tudo leva a crer que este corpo estranho foi o motivo da morte da estudante de 21 anos que foi queimada no estado carioca, conforme sua irmã Gabe Passareli “poucas são as possibilidades de encontrarmos alguma materialidade, além das milhares que a Matheusa deixou em vida e que muito servirão para que possamos resignificar a realidade brutal que estamos vivendo”. Ainda em maio de 2018, o projeto de lei conhecido por “Escola sem Partido”, conduzido pela bancada evangélica foi analisado por uma comissão especial e obteve um relatório favorável, o projeto que foi assinado pelo deputado Flavinho (PSC-SP) tem como objetivo vetar o uso do termo “gênero” e da expressão “orientação sexual” nas salas de aula, independente de serem disciplinas complementares e facultativas. O projeto de lei visa colocar cartazes nas salas de aulas com orientações às condutas dos professores e ainda precisa passar por sessões que apresentarão emendas antes de ser discutido e votado mas já exibe um discurso de negação das pluralidades e o reforço de uma censura. Para Flávio, esta lei é importante porque não há um precedente de que “uma sociedade sexualmente plural seja realmente sustentável a longo prazo” mas sim de que “[...] sabemos por experiência concreta é que uma cultura heteronormativa foi imprescindível à perpetuação da espécie humana e ao desenvolvimento da civilização ocidental”, discurso pouco empático e extremamente nocivo sob a ótica de um país genocida contra a população LGBT+. (BOLDRINI, 2018)
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BRASIL
NARRATIVAS
DESSE PAÍS O NO CONVIVIO SOCIAL
FIGURA 16 - CAPA DO TRABALHO DE MATHEUSA PASSARELI COM INTERVENÇÃO.
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O DESIGN ENQUANTO FERRAMENTA SOCIAL Conforme Marcos da Costa Braga (2011), desde a década de 1990 os questionamentos sobre o papel social do design gráfico vieram se postulando em relação a um mundo cada vez mais globalizado, cujas mudanças na comunicação, política e cultura são cada vez mais rápidas. Ele afirma que o papel social corresponde ao conjunto de direitos e deveres relacionados à abordagem esperada acerca de um indivíduo, isto é, corresponde aos exercícios das pessoas em determinadas posições sociais, que são os lugares que os indivíduos ocupam em uma estrutura de sociedade e que estas podem ser determinadas por diferentes recortes como a questões raciais, religiosas, e etc. Segundo o autor, uma categoria de trabalho é portanto, uma categoria social determinada pela divisão social do trabalho através do campo de conhecimentos e competências que devem ser desempenhadas pelo profissional e dentre essas divisões, encontra-se o designer. Para Braga, em teoria, todo profissional deveria estar consciente ao exercer seu papel social de maneira ética e eficaz a fim de contribuir para o desenvolvimento da sociedade de forma harmônica, o que necessita, para que isto aconteça, de uma reflexão acerca do lugar que esta profissão e categoria profissional ocupam e/ou deveriam ocupar e de que modo o profissional pode usar suas competências para alcançar tal finalidade. A palavra graphic design foi cunhada pela primeira vez
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pelo designer de livros, ilustrador e tipógrafo William Addison Dwiggins a fim de descrever as pessoas que traziam ordem de estrutura e forma visual à comunicação feita no meio impresso, isto é, projeção e ordenação de elementos cujo suporte fosse o papel, que naquele momento (1922) era o campo que abrangia os profissionais da área editorial e publicitária que ainda assim não tinham muita força de atuação. (BRAGA, 2011) Em 1930, através dos diretores de arte do campo da publicidade, o design gráfico passou a ser instituído de forma mais efetiva nos Estados Unidos, principalmente na criação de revistas, mas só ficou conhecido por este nome depois de 1950, uma vez que até esta época era descrito como artes gráficas. Existe atualmente uma visão muito industrial do design, as pessoas enxergam-no como algo indispensavelmente pautado pelas visões do mercado onde estará atuando, mas a realidade que ele pode ser usado além do âmbito de produto, servindo como suporte para disseminação de mensagens benéficas que podem auxiliar a sociedade e o governo. Flávia de Barros Neves pauta o engajamento do design gráfico com um viés de contestação gráfica que implementa um engajamento político sócio cultural, segundo a autora o design é uma ferramenta de tangibilizar ideias visualmente traduzindo mensagens em elementos visuais e pode ser usado, na contramão de uma área muito pautada pela venda de produtos, com uma abordagem que busca sua utilização enquanto um resultado social que mobilize e difunde ideias a fim de uma melhoria. Conforme Barros
107 (2011) essa área de atuação visa o trabalho com denúncias e mensagens críticas para engajar posicionamentos sociais, econômicos e políticos.
“Todavia, ser bom é subjetivo e alguém pode ser um bom (ou ótimo) designer sem necessariamente ser um bom cidadão. Mas se o bom design (independente de estilos ou maneirismos) acrescenta valor à sociedade, seja pelo investimento no invólucro cultural ou pela manutenção do status quo em um nível alto, então design e cidadania andam de mãos dadas.” (HELLER & VIENNE, 2003, p. IX apud BARROS, 2011, p. 48) A ideia de um design social não se dá unicamente no contexto teórico, momentos da história (sociais e artísticos) apresentam manifestações que foram potencializada por ele e entende-se aqui um manifesto como uma rede de mensagens ou a mensagem cujas ideologias, premissas e visões estejam determinadas a uma declaração pública, em sua maioria, num caráter de protesto que convida o expectador a uma reflexão. Em 1968 ocorreu nas ruas de Paris manifestações intensas elaboradas pelo movimento estudantil e greve geral dos trabalhadores pois havia uma insatisfação com o sistema tradicional de ensino e um crescente desemprego. Com isto fábricas e universidades foram ocupadas. A escola de Belas Artes de Paris, então ocupada, foi movimenta-
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da com a ação de estudantes que tornou-a um centro de produção de materiais gráficos ao criarem um grupo que foi intitulado de Atelier Populaire. O grupo passou a elaborar diversos cartazes contra a sociedade burguesa e esses materiais foram veiculados nas paredes das ruas, das fábricas e jornais que noticiaram a greve e suas ações. A peças produzidas pelo Atelier durante este tempo não carregavam autoria e eram compostas por ilustrações juntas de slogans que em sua grande parte eram escritos à mão, as produções ocorreram em stencil, serigrafia e litografia. O Atelier Populaire ficou marcado na história como um acontecimento de revolução estudantil que usou a arte e o design a fim de trazer uma mudança no status quo. O grupo continuou seu trabalho depois de 1968, influenciados pela corrente de design anárquico pautado por Steven
FIGURA 17 - IMPRESSÃO DE CARTAZES DO ATELIER POPULAIRE.
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FIGURA 18 - CARTAZES ELABORADOS PELO ATELIER POPULAIRE. Heller. Mais tarde, em 1970 alguns dos integrantes fundaram uma organização de designers, cujo viés de transformação social/política se manteve, o Grapus trabalhou para sindicatos, grupos de interesse público e para o Partido Comunista Francês. (BARROS, 2011) Em 1970 repercutiu na sociedade e mídia norte americana a criação do movimento gráfico feminista, cuja finalidade se deu para que fossem criados cartazes para defesa e suporte ao crescente movimento de liberação das mulheres. O grupo foi formado inicialmente por mulheres artistas plásticas que decidiram unir suas habilidades e explora-las para defender os ideais feministas e não traziam assinaturas, para evidenciar uma mensagem coletiva, e não individual, elas acreditavam que as produções deveriam se destacar frente a uma produção artística maioritariamente masculina e que a disseminação de cartazes era o meio mais barato de alcançar a massa e levar a ela
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FIGURA 19 - INTEGRANTES DO CHICAGO WOMEN’S GRAPHICS COLLECTIVE E ALGUNS DOS SEUS CARTAZES.
as suas mensagens. Os cartazes deste grupo (intitulado “Chicago Women’s Graphics Collective”) traziam linguagens visuais correspondentes às veiculadas na época e foram feitos principalmente através da técnica silkscreen, visando a criação de cartazes grandes, coloridos e com pouco custo de produção. Posteriormente foram produzidos também através da impressão offset por conta da procura e necessidade de tiragens maiores. Além dos pôsteres foram produzidos durante a atuação do grupo cartões, adesivos e bottons. (BARROS, 2011) No Brasil, o já citado jornal Lampião da Esquina foi a primeira publicação que teve esse caráter social com a comunidade LGBT+ e abriu o caminho para as próximas manifestações gráficas e sociais, que são publicadas e empunhadas nas ruas todos os anos e é neste viés que este trabalho pretende trabalhar, intervindo na esfera social urbana de São Paulo com cartazes que denunciem e pautem a importância da responsabilidade social acerca dos discursos de ódio elencados contra a comunidade em questão.
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O PROJETO LAMBE DA ESQUINA Pautar a responsabilidade social envolvida nos discursos de ódio contra a comunidade LGBT+ é algo que esteve latente desde as primeiras entregas relacionadas ao trabalho de conclusão de curso, lá atrás foi pensado primeiramente no tema e na proposta sem muita preocupação com qual seria o produto final desta ação, que por mais que já estivesse sendo consolidada, poderia se moldar no desenrolar da pesquisa, que de fato criou caminhos e me fez trilhar um caminho de conhecimento antes não acessado, contribuindo para a maturação do conteúdo abordado e consequentemente com a qualidade do produto a ser entregue. O projeto Lambe da Esquina nasceu portanto nesta trajetória de conhecimento/estudos de um Brasil cheio de narrativas, muitas delas destrutivas (como citado no referencial teórico deste trabalho) e nasceu de um resgate pessoal e coletivo acerca dos xingamentos, das coerçoes e das centenas de histórias de vidas interrompidas, surgiu com o propósito de trazer reflexão sobre situações naturalizadas mostrando didaticamente que os discursos cotidianos geram consequências (ações) e, portanto, necessitam de uma mudança. Os Lambes da Esquina se materializaram numa tentativa de denunciar e questionar, de informar e sensibilizar, de fazer as pessoas apontarem os dedos para elas mesmas analisando com isto os locais que ocupam socialmente e como, às vezes sem perceber, reiteram uma opressão no simples ato de falar, pois a fala se materializa em ações coletivas.
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A ESCOLHA DO NOME Lambe da esquina foi um nome escolhido com o propósito de trazer significados múltiplos ao projeto, pensando em: 1) trazer a literalidade para entendimento imediato de um cartaz “lambido” em esquinas, 2) remeter à historia do movimento LGBT+ no Brasil trazendo ao nome do projeto um pedaço do nome de uma produção do jornal do final da década de setenta (citado no referencial teórido desta pesquisa) e por fim, 3) a simbologia ao falar de um conteúdo produzido por e para conscientizar as pessoas acerca das situações urgentes de um grupo colocado às margens, ou seja, esquina enquato lugar à parte na rua, lugar este que é também um lugar de conexão pois liga uma rua à outra, e aqui, de forma poética, narrativas a pessoas.
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O VEÍCULO DA COMUNICAÇÃO A escolha do destino de um cartaz diz muito sobre com quem se pretende comunicar com uma ação gráfica pois está indissociavelmente ligada um público alvo, deste modo, com a intenção me comunicar com um grupo não nichado (isto é, apenas com pessoas que utilizem redes sociais, frequentem galerias de arte, etc) escolhi usar o meio urbano onde o acesso é mais pluralizado, podendo deste modo levar a comunicação não somente a um jovem com tempo, acesso à internet e informação na palma da mão mas também a uma senhora que levanta cedo para trabalhar, volta tarde para casa e não costuma estar conectada. Evidentemente a escolha dos lugares onde cartazes são colados acabam por determinar de forma mais específica o público dos mesmos e por este motivo as colagens ocorreram em espaços distindos da cidade de São Paulo, uma vez que este foi o espaço que pude acessar durante o desenvolvimento do trabalho. A intenção do projeto foi não a de mapear locais mas sim de encontrar nos locais por onde passei, a oportunidade de colar os cartazes , o que ocorreu desde em locais mais elitizados no centro da cidade como em lugares da periferia pois o que mais importou neste projeto é que essa mensagem ecoasse nas rotinas das pessoas para que neste encontro uma brecha de conscientização se estabelescesce e o espaço público não só permitiu esse ponto de conexão diverso como evidenciou a absorção das mensagens.
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ESTUDOS DE CONCEPÇÃO O processo de estudo de concepção do trabalho de conclusão de curso começou quando a um ano atrás, cursando a matéria de pré-TCC tive que pensar o tema e propor algo inicial, na ocasião desenvolvi dois cartazes que tiveram um bom tempo de maturação interna e externa entre o que foi feito e onde eu pretendia chegar à partir dalí, inclusive qual era a minha intenção e como eu a estava executando/queria passar a mensagem desejada O primeiro estudo de concepção buscou estabelecer uma identidade de um cartaz que carregava liberdade das sexualidades e foi inspirado nas cançõess de Linn da Quebrada (bixa travesti que ocupa espaços e dá voz, em suas músicas, a uma auto afirmação amoral). A intenção dentro a visualidade composta pelo cartaz foi a de trazer uma referência aos cartazes modernistas na escolha da tipografia principal assim como uma fuga deste modelo ao empregar uma tipografia menos racional, mas sim expressiva por serem cursivas em mensagens que trouxeram à tona o caráter anônimo dos pensamentos de pessoas preconceituosas, essa abordagem que se consolidou graças à introdução de mensagens recolhidas em portas/paredes de banheiros. Ou seja, o cartaz representou em sua composição uma resistência aos discursos de ódio escritos, que vão de “Todas as bichas vão para o inferno” a “Morte ao judeu viado do português diurno, aquele lixo humano”, entre outras frases.
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123 O segundo estudo abordou a violência contra a comunidade LGBT+ de uma forma mais explícita e chocante, nele a criação de um rosto desconfigurado foi construído através de recortes cujos pedaços são, na verdade, retirados de outros rostos de pessoas que sofreram ataques lgbtfóbicos, tornando-o fragmentado pela violência que estampa as manchetes corriqueiramente. Os pedaços de pele cobertas de sangue e hematomas são imagens reais das pessoas após o ataque colocadas junto da frase de Jair Bolsonaro “Não vou combater nem discriminar, mas, se eu vir dois homens se beijando na rua, vou bater”, evidenciam o quanto se faz necessária uma responsabilidade social, pois mostra o discurso e sua repercussão depois de proferido. Ambos os estudos foram as primeiras tentativas de trazer à tona de forma visual e textual o que eu idealizei antes mesmo de toda a formação obtida durante a imersão de estudo e escrita e falam muito com o que propús ao final deste trabalho, uma vez que a ideia de trazer as narrativas da violência fisicas e verbais continuaram presentes, entretanto, analisando em retrospecto consigo enxergar que essas ideias iniciais necessitavam de um amadurecimento a fim de criar um conteúdo que tivesse uma unidade visual e textual mais definida. Consigo pensar o processo de elaboração dos cartazes como um momento delicado onde me sujeitei a acessar violências horríveis a fim de tentar entender onde eu queria chegar, e apesar de difícil e de um certo modo destrutivo, esse caminho foi muito rico (construtivo) pois me permitiu explorar e reexplorar algo feito a um ano atrás, remontar caminhos a fim de estabelecer o dialogo de forma mais acessivel e potente.
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O TOM VERBAL Um design quando acompanhando de um texto não se materializa apenas em escolhas visuais e estudos de tipografia, pensar a unidade verbal de peças gráficas se faz fundamental para que uma mensagem chegue da forma desejada ao público, assim como faça sentido quando lida de forma seriada, que é a proposta deste trabalho. O levantamento de palavras usadas como insultos e não foi o único trabalho textual pois foi preciso também pensá-las enquanto palavras desrespeitosas (e deste modo colocá-las em um contexto cotidiano) e introduzí-las dentro de frases que não fossem extensas, a fim de não cansar quem passar pelo cartaz, e consequentemente conseguir se comunicar com esta pessoa. Foram usados pontos e contrapontos que evidenciassem uma ação e a sua consequência adotando as aspas como indicador do discurso problemático e o tempo (ontem, hoje, mês passado) como indicador de veracidade a fim de situar os acontecimentos cotidianos.
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AS ESCOLHAS GRÁFICAS
PRODUTO FINAL
Para definir estruturas gráficas primeiramente eu tive que entender o que eu queria transmitir, me conectar com a mensagem que gostaria de passar. Com isto consegui entender que meu ideal e inclinação era o de mostrar que uma simples ideia negativa que se tem sobre a comunidade LGBT+ pode gerar palavras/frases que quando encontram o outro, geram violência, e a culpa é sim de quem deu o soco, o tiro, a facada e tantas outras agressões, mas o sangue derramado é primeiramente de quem dita, de quem legitima a violência, com isto foi decidido que os cartazes deveriam trazer o vermelho como elemento principal e caracterizador. A escolha do recorte de imagens de pessoas machucadas pela violência anti-lgbt+ se deu porque buscava um elemento visual forte que impactasse quem o avistasse, como um chacoalhão. O tratamento gráfico a esses recortes veio inspirado na obra de Helio Oiticica “seja marginal, seja herói” e cumpre o papel de preservar as identidades que recortadas compõem as faces da violência dentro dos cartazes. Feitos com elementos que podem ser rapidamente assimilados para que a mensagem fosse absorvida na no cotidiano, mas também compostos por detalhes que necessitam de uma atenção a mais para aqueles que fossem lê-los em um tempo maior os cartazes cumprem uma dualidade de superficie e profundidade.
O projeto se materializou em doze versões de cartazes que se diferem entre si pelo conteúdo mas que também mantém uma unidade visual, destes doze, seis versões abordam narrativas textuais e o restante traz uma narrativa visual. A quantidade foi pensada para que fossem contempladas algumas das siglas do grupo LGBT+ e histórias cotidianas sobre o que cada uma destas siglas já passou ou pode passar, a demanda de histórias é certamente muito maior mas foram necessárias algumas delimitações de casos para que o trabalho pudesse ser concluído, deste modo o projeto hoje comporta peças que falam de uma bixa, uma lésbica, um bissexual, um homem trans, uma travesti, e uma pessoa não binário em situações de opressão e convidam as pessoas a questionarem os seus discursos/atitudes. Os cartazes foram para as ruas em formato A2 (42 x 59,4 centímetros) para que fosse possível uma melhor legibilidade, foram impressos em papel sulfite branco 90g para que os textos dos cartazes não perdessem a legibilidade e o peso do cartaz fosse suficiente para que ele não caísse da parede quando colado, o que ocorreu próximos a avenidas, viadutos, locais abandonados, parques, estações de trem, pontos de ônibus e museus. O processo de colagem dos cartazes se deu através do uso de um grude (farinha de trigo, água e vinagre no fogo) e envolveu muita adrenalina/receio pelo risco passado na ação de expor o corpo e o pensamento de forma gráfica
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num ativismo tido como ilícito (lambe-lambe). Penso nos cartazes lambe-lambe como algo muito efêmero que uma vez que está colado fica sujeito à absorção urbana e nesse processo é logo desgastado, seja pela ação humana ou fatores da natureza e se o processo de colagem proporcionou percepções e de tolerância e intolerância, voltar aos espaços e observar como as mensagens foram
141 aceitas e também como incomodaram e em quais espaços isso se deu mostrou ainda mais uma face da lgbtfobia uma vez que quando rasgados evidenciaram a intolerância e comprovaram a recepção da mensagem provando que o diálogo (principal ponto deste projeto) de fato se estabeleceu para que a reflexão se estabelecesse e se ele chegou a alguém que rasgou, certamente chegou a outras pessoas.
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O DISCURSO TINGIU A BANDEIRA DE SANGUE
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CONSIDERAÇÕES FINAIS Concluo ao final deste trabalho que é preciso entender que o feixe complexo de relações de discursos e ideologias dentro do Brasil construíram narrativas que foram iniciadas em ideias preconceituosas e moldaram as vivências em solo brasileiro para que com isto consigamos acessar como estas narrativas foram postuladas aos corpos de acordo com ideais eclesiásticos, científico-higienizantes, ditatoriais e entre outros momentos repressivos de descaso com a comunidade LGBT+. A realidade vivenciada pela comunidade hoje em dia é composta por uma série de violências reflexos desse passado (manifestadas de forma oculta ou extremamente declaradas que vão da porta do banheiro cujas inscrições trazem mensagens de ódio aos comentários e olhares dirigidos nas ruas, isto quando não ocorrem ataques que as estatísticas estão cansadas de mostrar) não tão distante que continua sendo perpetuado através das mesmas ferramentas sociais, nos munirmos de informação é fundamental para que possamos nos articular enquanto grupo/apoiadores. Se diante da especulação do tema a ser proposto nesta monografia já entendia a necessidade de pautar a discussão sobre a responsabilidade social diante das ideias preconceituosas que impactaram a minha vivência e a de inúmeras pessoas que fazem parte da mesma comunidade (LGBT+), hoje sigo mais informado e ainda mais consciente de que venho desempenhando o meu papel enquanto cidadão transformador ao fomentar a discussão destes assuntos.
163 O projeto lambe da esquina é um reflexo das minhas inquietudes de se posicionar frente às histórias diárias de violência psicológica e física e o encaro hoje como uma ação de grande experiência e conhecimento pois me fez trilhar um caminho de aprendizado sobre a tragetória de acontecimentos nacionais em relação aos corpos LGBT+ que eu não havia acessado mais profundamente até então, e em um mundo onde as histórias de outros paises nos acessam de forma muito mais eficaz, entender os processos internos e conhecer mais de onde se veio é algo extremamente valioso. Este trabalho teve o objetivo não apenas de teorizar a história mas também de trazer a importância das manifestações sociais combativas diante do tema e incentivá-la como uma postura que devem se estabelecer (quando possível) pois foram através delas que se concretizaram alguns avanços sociais. Precisamos portanto, de muito mais mobilizações e vozes ouvidas que continuem ecoando, afinal, enquanto ainda houver resistência acerca das nossas lutas, corpos e vontades, a intolerância precisará ser pautada.
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FIGURA 01 - Disponível em: https://bit.ly/2KBcISj………......20 FIGURA 02 - Disponível em: https://bit.ly/2HP9eK1…………....23 FIGURA 03 - Disponível em: https://bit.ly/2HOesKj…...……25 FIGURA 04 - Disponível em: https://bit.ly/2Tzfpbz……………32 FIGURA 05 - Disponível em: https://bit.ly/2rv88wr...…………...37 FIGURA 06 - Disponível em: https://bit.ly/2IcilZE……...........43 FIGURA 07 - Disponível em: https://bit.ly/2jBkiAc……………...50 FIGURA 08 - Disponível em: https://bit.ly/2zpQ4Z9.…...........77 FIGURA 09 - Disponível em: https://bit.ly/2DS7YHN.…..........77 FIGURA 10 - Disponível em: https://bit.ly/2R1rDbg.…..........77 FIGURA 01 - Disponível em: https://bit.ly/2IZfGC9……….......81 FIGURA 12 - Disponível em: https://bit.ly/2aZAi8M.…..........83 FIGURA 13 - Disponível em: https://bit.ly/2KKgjN4…………89 FIGURA 14 - Disponível em: https://bit.ly/2wXI7eS….....…….98 FIGURA 15 - Disponível em: https://bit.ly/2zmolJ1…….......….99 FIGURA 16 - Disponível em: https://bit.ly/2ICGUPN………......101 FIGURA 17 - Disponível em: https://bit.ly/2kg8B2i…………….103 FIGURA 18 - Disponível em: https://bit.ly/2LknrB0…...……….108 FIGURA 19 - Disponível em: https://bit.ly/2LknrB0…...……….109 FIGURA 20 - Disponível em: https://bit.ly/2IJEkDG…………110
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