KNOCKOUT a luta feminina pela escolha
Lhoys Lenny
KNOCKOUT a luta feminina pela escolha
Lhoys Lenny 2019
KNOCKOUT a luta feminina pela escolha
Lenny, Lhoys KNOCKOUT: a luta feminina pela escolha / Lhoys Lenny - São Paulo (SP), 2019. 103 f.: il. Orientador: Anderson Luís da Silva Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Design - Linha de formação específica em Design Gráfico) - Centro Universitário Senac, São Paulo, 2019. 1. Aborto 2. Livro 3. Publicação independente. I. Silva, Anderson Luís da. II. Título.
Lhoys Lenny 2019
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Centro Universitário Senac - Santo Amaro, como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Design – Linha de formação específica em Design Gráfico.
A banca examinadora, em sessão pública realizada em / / , considerou o(a) candidato(a): Orientador: Anderson Luís da Silva Convidada: Ana Lúcia Reboledo Sanches Convidada: Denize Roma de Barros Galvão
para minhas ancestrais, grata e honrada pela chance de vir em terra lutar.
agradeço a minha mãe, Maria, mulher força, meu portal para este mundo, portal para mim mesma. e ao meu pai Antenor, homem sentimento, pelas palavras, mas principalmente pelos silê ncios. agradeço à Larissa, minha irmã de luta que coincidiu ser irmã de sangue. agradeço aos amigos que fiz nesses 4 anos pelo aprendizado. agradeço ao meu orientador Anderson, pela condução desse trabalho, e aos demais professores que contribuíram para minha formação.
eu olho nos olhos não me escondo bato de frente percorro estradas como quem já aprendeu a cruzar o fogo sou bicho feroz atrás do que acredito sou filha de oyá ryane leão
RESUMO O aborto induzido evidencia-se desde tempos imemoriais na vida de mulheres, por variados motivos, fazendo uso de técnicas e ferramentas disponíveis em suas diversificadas épocas e culturas. Sua criminalização apenas propicia a prática de forma clandestina, resultando em graves consequências à saúde da mulher. O design se posta deste o início do século XX como um eficiente instrumento de construção simbólica e de valores sociais. O design social, sobretudo, atua na construção de uma comunicação eficiente fazendo uso de estratégias semânticas, perceptivas e cognitivas, contribuindo de forma efetiva à constituição de uma cultura do design. Deste modo, o presente trabalho tem como objetivo contribuir para o debate sobre a descriminalização do aborto no Brasil, fazendo parte de um processo disruptivo em relação ao entendimento e apropriação social do aborto, legitimando e atribuindo à mulher o juízo sobre tal questão. Palavras-chave: Aborto; Design social; Design editorial; Independente
SUMÁRIO Introdução Objetivos Justificativa Procedimentos metodológicos
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I. AB.ORTUS Etimologia da palavra “aborto” e seu conceito Breve história do aborto Legislação brasileira
26 26 30
II. CONTEXTOS SIMBÓLICOS O mito e a não maternidade Contextos simbólicos religiosos
32 36
III. ESTADO LAICO
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IV. QUANDO COMEÇA A VIDA?
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V. A MULHER COMO PROTAGONISTA DO ABORTO Direito ao próprio corpo Direitos reprodutivos Direito de autodeterminação Direito à liberdade
49 50 51 52
VI. COMPLICAÇÕES DO ABORTO CLANDESTINO Saúde pública Mortalidade materna
55 56
VII. A IMPORTÂNCIA DO ENFOQUE EXISTENCIAL Experiência de sofrimento, solidão e culpa
58 61
VIII. O DESIGN E A SOCIEDADE
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Resultados de pesquisa Requisitos para o projeto Estudos de concepção Desenvolvimento do projeto com memorial descritivo Documentação do produto Considerações finais Referências bibliográficas Lista de imagens
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INTRODUÇÃO
Ao analisar a história do aborto, Galeotti (2003, p. 23) diz tratar-se de um fato em constante evolução, ou seja, não só é impossível definir o seu início, como também não se pode escrever a palavra fim nesta questão que envolve a vida e a morte. De modo convergente, a Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) de 2010, utilizando-se da técnica de urna para garantir o anonimato das mulheres entrevistadas e diminuir o índice de respostas falsas, mostra que o aborto é uma prática comum na vida reprodutiva de brasileiras: estimativas apontaram que, aos 40 anos, aproximadamente uma em cada cinco mulheres nas áreas urbanas do país já fez pelo menos um aborto. A abundância de estudos sobre o aborto mostra que sua criminalização resulta na sua prática clandestina, pois, como aponta Barroco (2009), mesmo dentro de um determinado grupo ou camada social com valores e normas já estabelecidos, existe um espaço para uma certa mobilidade, para ações diferentes daquelas impostas por uma moral dominante. Para além da discussão moral, pesquisas feitas no Brasil vem evidenciando como as desigualdades afetam as mulheres que decidem pelo aborto clandestino de formas diferentes. De acordo com Menezes e Aquino (2009, p. 195) “as mortes por aborto atingem preferencialmente mulheres jovens, de estratos sociais desfavorecidos, residentes em áreas periféricas das cidades”. A descriminalização do aborto é, portanto, uma opção pela vida de mulheres menos favorecidas socialmente. Há quem defenda que a vida é gerada a partir da fecundação e o aborto seria, portanto, uma forma de assassinato. Do outro lado, o direito da mulher às decisões relativas ao seu corpo é colocado como prioridade, levando em conta, por exemplo, evidências de que até a décima segunda semana de gestação o embrião ainda não possui sistema nervoso. Diante do exposto, podemos concluir que a discussão sobre o aborto envolve ainda questões complexas como o papel atribuído à mulher pela sociedade, o modo de se conceber o feto e a gestação, bem como interesses políticos (GALEOTTI, 2003). Ignorar tais adjacentes torna ineficaz pensar sobre como atenuar essa conjuntura, que se observa principalmente em países nos quais as leis 18
sobre aborto são muito restritivas e onde ele é considerado ilegal, fazendo com que diversas mulheres, diante de uma gravidez não planejada e indesejada, recorram a meios clandestinos para abortarem, colocando em risco a própria vida (DOMINGOS; MERIGHI, 2010). Este trabalho de conclusão de curso tem como proposta discutir e refletir sobre a possibilidade do design gráfico, como ferramenta de comunicação e mediação, contribuir para um ambiente social mais favorável à descriminalização do aborto no Brasil. Com o intuito de descobrir de que forma o design gráfico pode colaborar nessa discussão, a presente pesquisa busca entender o contexto sociocultural que constrói uma conjuntura na qual grande parte da população é favorável à criminalização, discernindo quais são as influências sociais, religiosas, míticas e políticas que contribuem para esse cenário. Dentro disso, faz-se necessário transitar na temática do feminismo, percorrendo pelo direito de autonomia e escolha das mulheres sobre o próprio corpo, analisando brevemente a história do movimento e sua luta pela descriminalização do aborto. Segundo Pimentel e Vilela, Para as mulheres feministas, o direito ao aborto, a escolha de ter ou não ter filhos e o livre exercício da sexualidade eram, e ainda são, requisitos básicos e necessários de justiça social e para a consolidação das democracias. (PIMENTEL; VILELA, 2012, p. 20) Gruszynski (2000, s/p), diz que “a articulação de uma mensagem visual tem como ponto de partida um problema, um contexto, objetivos e critérios que visam a sua solução”. Este trabalho objetiva, portanto, investigar e refletir sobre a utilização do design gráfico para construir mensagens que contribuam favoravelmente para discussão sobre a descriminalização do aborto no Brasil, de forma a favorecer uma sociedade onde as mulheres tenham autonomia sobre seus corpos.
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OBJETIVOS Geral
Criar uma peça gráfica que atue como agente de interferência comunicativa sobre a temática do ‘aborto’ enquanto prerrogativa feminina.
Específicos
• Pesquisar sobre a história do aborto; • Identificar as influências simbólicas nas constituições culturais em relação ao aborto; • A mulher na sociedade brasileira contemporânea; • Construir uma peça editorial que contribua à ampliação dos debates sobre o tema e que atribua o corpo feminino e o que nele está em geração à mulher.
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JUSTIFICATIVA
Para Woolger, que atua com base na concepção junguiana, existe um tipo de complexo de personalidade feminina, que se pode reconhecer em qualquer mulher – real ou fictícia –, ao qual ele conceitua como Tudo o que pensamos com criatividade e inspiração, tudo o que acalentamos, que amamentamos, que gostamos, toda a paixão, desejo e sexualidade, tudo o que nos impele à união, à coesão social, à comunhão e à proximidade humana, todas as alianças e fusões, e também todos os impulsos de absorver, destruir, reproduzir e duplicar, pertencem ao arquétipo do feminino. (WOOLGER, 1994, p. 15-16) Esta Deusa arquetípica se mostra de muitas maneiras, dependendo dos costumes culturais e religiosos, níveis de consciência, e de conhecimento que se alteram dentro das sociedades e ao longo dos séculos. Conforme a evolução, o que se deu foi o adormecer dessa força, causando uma dessacralização e, consequentemente, desvalorização do ser feminino. Para Rosaldo e Lamphere Em todos os lugares, vemos a mulher ser excluída de certas atividades econômicas e políticas decisivas; seus papéis como esposas e mães são associados a poderes e prerrogativas inferiores aos homens. Pode-se dizer, então, que em todas as sociedades contemporâneas, de alguma forma, há o domínio masculino, e embora em graus de expressão a subordinação feminina varie muito, a desigualdade dos sexos (...) é fato universal na vida social (ROSALDO; LAMPHERE, 1979, p. 19) Ou seja, em nossa sociedade atual pode-se notar uma assimetria instaurada entre os sexos masculino e feminino, e que se reflete na ideia de maternidade. O papel reservado à mulher é predominantemente o de esposa, dona de casa, cuidadora e mãe. Assim, foi sendo construído um olhar sobre a mulher que a associa esses papéis à sua identidade: (...) por tradição histórica, a mulher teve a sua vida atrelada à família, o que lhe dava a obrigação de submeter-se ao domínio do homem, seja seu pai ou esposo. Sua identidade foi 21
sendo construída em torno do casamento, da maternidade, da vida privada-doméstica e da natureza à qual foi ligada. (NADER, 1997, p. 59) Essa desigualdade entre os sexos é descrita por Galeotti (2003), ao estipular o momento histórico em que, tanto a gestação, quanto o parto, o aborto e a maternidade, deixam de ser questões estritamente femininas, e se tornam discussões públicas e consequentemente, tratadas em ambientes constituídos majoritariamente por homens: A situação muda radicalmente com a Revolução Francesa (...). Na origem dessa nova orientação estão os conhecimentos científicos desenvolvidos no século XVII, que haviam tornado possível a visualização concreta do feto, agora plenamente entendido na sua individualidade. Tal implica uma nova definição de gravidez, configurada nos termos ainda atuais da relação entre duas entidades distintas: a gestante e o nascituro (...). Se a gravidez se configura como relação, a eventualidade de um aborto vê o conflito entre duas exigências antiéticas: vale mais a vida da mãe ou a do feto? São os Estados nacionais saídos da Revolução Francesa que dão a primeira resposta clara: tutela-se o nascituro enquanto entidade politicamente relevante. A taxa de natalidade torna-se importante para a força do Estado que necessita de cidadãos-soldados e cidadãos-trabalhadores. (GALEOTTI, 2003, p. 22-23) Com o passar do tempo e as mudanças ocorridas no mundo, essas funções destinadas à mulher começaram a ser questionadas, sofrendo algumas alterações. Nesse sentido, foram se desenhando novos espaços ocupados por mulheres na sociedade, fazendo com que muitas refletissem sobre seu papel e buscassem ser vistas como um ser subjetivo, que possui as próprias necessidades e desejos. Com o capitalismo trazendo as primeiras fábricas (séculos XVIII-XIX) e exigindo mais força de trabalho, as mulheres passaram a ser a mão de obra de baixo custo necessária para a produção se tornar mais lucrativa em menos tempo. Elas passaram, então, a viver uma jornada dupla, já que os papéis de esposa e mãe não foram anulados. Iniciando uma onda feminista, Simone de Beauvoir publicou o seu O Segundo Sexo em 1949, obra na qual questiona o papel e o posicionamento 22
da mulher na sociedade ocidental. A obra propiciou grandes debates sobre a condição feminina apontando, pela primeira vez, que não se nasce mulher, torna-se uma (BEAUVOIR, 1949). Beauvoir argumenta contra o “instinto materno” levantando questões sobre o desenvolvimento desse conceito a fim de legitimar o lugar subalterno da mulher no cenário social, sendo a maternidade o único papel destinado a ela. A onda que Beauvoir iniciou nos anos 50 intensificou as lutas feministas e pautas como os direitos reprodutivos foram demarcadas como parte dos direitos humanos das mulheres. O aborto é um direito que se inclui dentro da concepção de direitos reprodutivos, tendo como argumento que estes: Dizem respeito à saúde sexual e reprodutiva; à sobrevivência e à vida; à liberdade e segurança; à não discriminação e respeito às escolhas; à informação e educação para possibilitar decisões; à autodeterminação e livre escolha da maternidade e paternidade; à proteção social à maternidade, paternidade e família (VENTURA, 2009, p.19) Dentre conquistas como a criação de políticas públicas de saúde específicas para a mulher, ainda há muitas mudanças a se fazer, como por exemplo, na assistência a prevenção da gravidez indesejada, ao facilitar o acesso ao planejamento familiar, a abordagem dos direitos reprodutivos, atuando efetivamente na prevenção e não na punição da prática do aborto. Historicamente, percebemos que o legado opressivo muito perdura e que as mudanças ocorrem lentamente. Segundo Neves (2011, p. 45), é possível atingir uma melhoria social utilizando o design como ferramenta de questionamento e mobilização social, e dessa forma, olhando para a problemática de como o sistema patriarcal, organizando um sistema de dominação e exploração que oprime as mulheres para assegurar a produção e reprodução da vida (SAFFIOTI, 2004), subverteu a Deusa arquetípica - essência feminina - negando as mulheres o direito à autonomia sobre seus próprios corpos e atribuindo-lhes apenas o caminho da maternidade, esse projeto se prontifica a trazer um novo olhar sobre o aborto, buscando suas relações com o universo simbólico e factível e com a essência que permeia tudo o que é vivo, mas que inegavelmente quem protagoniza é a mulher.
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PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS O primeiro procedimento metodológico utilizado na presente pesquisa foi a revisão bibliográfica. Foram usados livros, dissertações, teses, artigos acadêmicos e periódicos publicados, preferencialmente, nos últimos anos. Nas buscas foram usadas palavras chaves como: aborto, aborto no Brasil, descriminalização do aborto, mito, maternidade, identidade feminina e design social. A pesquisa foi direcionada a encontrar uma possível relação entre o aborto e o design, e como este último pode contribuir para atribuição do juízo sobre tal questão à mulher. Essa bibliografia é multidisciplinar, pois o aborto é uma questão que envolve diversas áreas do conhecimento, como direito, biologia, filosofia, sociologia e a religião. No campo do design, foram priorizados autores que falam sobre o domínio do design social, buscando compreender quais as conexões entre o design e o meio no qual ele está inserido. Por ser uma temática que vai muito além de um processo fisiológico, e envolve inúmeras questões existenciais, faz-se necessário o contato com essas mulheres, e o entendimento de suas questões particulares e coletivas. Diante disso, também foi feita uma investigação com enfoque em pesquisas de campo com mulheres que já praticaram o aborto. Essa pesquisa se deu por dois meios: através do recorte de pesquisas e dados já coletados, e da leitura e análise de relatos feitos on-line em sites que comercializam métodos abortivos. Após a pesquisa e recorte e com as diretrizes traçadas para o projeto, derivadas das entrevistas, foi realizado um estudo de publicações independentes e zines, buscando entender suas características e limitações. Para a criação do projeto visual, foram usados como inspiração os designers Peter Bankov, David Carson, Wolfgang Weingart e April Greiman, além de Josef Müller-Brockmann e Piet Zwart no estudo da desconstrução do grid.
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. I. AB ORTUS
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Etimologia da palavra “aborto” e seu conceito Etimologicamente, “aborto” deriva dos termos em latim: ab, que significa afastamento ou separação e ortus, que é nascimento, ou seja, a palavra aborto quer dizer afastar o nascimento. Existem algumas divergências entre médicos e juristas sobre o uso desse termo, alguns defendem que a nomenclatura correta para a prática seria “abortamento”, e o nascituro expelido seria chamado de aborto. De acordo com o Código Penal, aborto é considerado todo procedimento que interrompa a gravidez que, por sua vez, vai desde a concepção até o parto (rompimento da membrana amniótica – membrana que se desenvolve na oitava ou nona semana da fecundação para cobrir o embrião). Juridicamente, o aborto consiste na relação entre a interrupção da gravidez e a morte do feto, em qualquer fase de desenvolvimento em que este esteja.
Breve história do aborto Schor e Alvarenga (1994, p.19-20), em seu estudo sobre a evolução histórica do aborto, afirmam que a primeira menção a prática que temos conhecimento é encontrada em texto médico do imperador chinês Shen Nung datado entre 2737 e 2696 a.C., que contém a receita de um abortífero oral à base de mercúrio. Galeotti (2003, p. 25) aponta que desde a Grécia Antiga, e entre os romanos, até meados do século XVIII, o que estava em geração dentro do corpo feminino era considerado apenas um apêndice deste. Isso acontecia devido a muitos fatores, talvez o principal fosse a falta de ferramentas obstétricas que pudessem constatar a gravidez de fato, sendo o único modo de saber se uma mulher estava grávida se a mesma decidisse tornar pública a informação. Ainda em 1745, o teólogo e jurista Francesco Cangiamila afirmava que “o fruto enquanto ainda está na árvore é porção da mesma”, reafirmando que a falta de uma estrutura completa que garanta a autonomia do nascituro, faz dele parte da mãe. 26
A passagem ao feto público (termo de Barbara Duden emprestado por Galeotti) se dá por dois fatores determinantes: as descobertas científicas e avanços tecnológicos trazidos pelo Século das Luzes, bem como a afirmação dos Estados nacionais, consequência da Revolução Francesa. Na primeira metade do século XVI, Andrea Vesálio já demonstrava a utilidade do desenho como instrumento de investigação da anatomia. O seu De Humani Corporis Fabrica de 1542 rompeu com a representação medieval do corpo humano e, alinhado a seus estudos práticos advindos da observação de cadáveres, trouxe um entendimento mais factível da anatomia humana. Em paralelo, o microscópio ótico inventando por Zacharias Janssen na Holanda em 1590 e aperfeiçoado por Galileu em 1610 trouxe novidades no campo biológico. Durante muito tempo, defendeu-se que a formação de um novo ser se dava através da progressão contínua desde a fecundação, mas diante das novas ferramentas, no século XVII começou a se formar a ideia de que todas as partes do ser humano já estão presentes no embrião desde a fecundação, ou seja, afirmando que durante o período de gestação ocorre apenas o desdobramento do que já existe em estruturas pré-formadas. Os dois séculos seguintes são marcados pela intensificação dos estudos práticos dos obstetras, pela invenção do estetoscópio em 1815 pelo médico René-Théophile Laënnec, e a dos raios X no final do século XIX por Wilhelm Konrad von Röntgen, fatores que tornaram o corpo humano transparente. A passagem da gravidez de um fato interno para algo visto objetivamente, altera o seu sentido, os sujeitos nela envolvidos e consequentemente, altera o modo como se dá a decisão de abortar. A gravidez deixa de ser uma ocorrência fisiológica na mulher e torna-se uma relação entre duas partes, a gestante e o nascituro, mediada por fatores externos a ambos. Paralelamente, a Europa passava por uma série de mudanças demográficas, devido as guerras, pestes e descobertas geográficas. A Alemanha perdera de 20% a 40% de sua população na Guerra dos Cem Anos, algo semelhante, mas em menor escala, aconteceu à Itália também por conta das guerras, a imigração da Espanha para as Américas e a diminuição demográfica que se verificou na França antes e durante a Revolução Francesa (GALEOTTI, 2003, p. 91) trouxeram à luz um novo molde na organização militar, baseando-se cada vez mais na força e, portanto, na quantidade. Por este motivo, começou-se uma estrutural campanha em favor ao aumento do número de cidadãos, agora mais do que nunca vistos como contribuintes, trabalhadores e soldados. 27
O filósofo Denis Diderot afirma que “um Estado é tanto mais poderoso quanto mais for povoado” e com este pensamento determinante, o aborto transforma-se em uma prática enfraquecedora da nação, um crime contra o Estado, e agravam-se as penalidades sobre aqueles que subverterem tal diretriz. Nesse cenário, um dos lados – o do nascituro – passa a protagonizar o aborto, exercendo maior influência sobre a reflexão acerca do aborto. Com o crescimento do Fascismo e do Nazismo na primeira metade do século XX, o aborto foi ainda mais criminalizado e as penas para quem cometia tal prática foram acentuadas: na década de 40, afirmava-se que o “coitus interruptus defraudava a natureza, exaltando o egoísmo sexual, e o Estado, na medida em que subtrai milhares de cidadãos à nação” (GALEOTTI, 2003, p. 110). Em contrapartida, a legislação nazista admitia o aborto, mas não para assegurar direitos às mulheres, e sim para impedir que mulheres de raças consideradas inferiores tivessem mais filhos, ou seja, o aborto era usado como meio de aperfeiçoamento da raça e era incentivado em territórios ocupados. Essa corrente ideológica só vem a ser quebrada com a bomba nuclear, que muda completamente o modo de se fazer guerra: a partir dela, o êxito não está mais relacionado a quantidade de soldados que um exército possui, já que a nova tecnologia, que culmina nos maiores genocídios da história humana e nas explosões atômicas de Hiroshima e Nagasaki e com a virtual possibilidade de explosão de todo planeta (LOPES, 1999, p. 5), substitui o homem pela máquina. Um dos fatores relevantes para o início de uma lenta mudança na forma como a relação gestante-nascituro é vista, foi a onda iniciada por Simone de Beauvoir no final da década de 40. Ao afirmar que não se nasce mulher, Beauvoir estabelece que antes de haver uma mulher ou um homem, somos um ser sem definição, e é durante a existência e à medida em que tomamos contato com a experiência que adquirimos a nossa essência, ou seja, dentro essa delimitação existencialista, não poderia existir um “instinto materno” inato na mulher, nem uma propensão ao arquétipo feminino preservado desde tempos remotos, ou a qualquer arquétipo existente. O Segundo Sexo trouxe um novo movimento para as mulheres, desconstruindo a imagem da mulher meiga, delicada e submissa e originando novas configurações para o ser mulher. A partir disso, mulheres passaram a buscar novos sentidos para suas vidas fora do lar e iniciou-se um processo na busca de um lugar no mercado profissional e como cidadãs. 28
Junto ao fortalecimento do Feminismo, o conceito de Estado laico também contribuiu para algumas conquistas. O início das discussões sobre laicidade se atribui ao Estado francês, que em 1880 institucionaliza esse princípio. Produto da separação entre Estado e Igreja, onde esta é excluída do poder político, administrativo e do ensino, o estado laico francês se deu através de uma construção histórica de mais de um século, entre diversas discussões, por um longo processo de empancipação, afastamento de dogmas, do clero e do poder da Igreja Católica, ganhando volume sob a Reforma Protestante, a filosofia de Rousseau e o Iluminismo (DOMINGOS, 2009). Na Itália, referendos sobre o divórcio (1974) e sobre o aborto (1981) reconheciam o direito das mulheres à autodeterminação, inclusive quanto ao próprio corpo. Na Inglaterra, foi aprovado o Abortion Act em 1967, um projeto de lei que legalizou o aborto durante as primeiras 28 semanas. Em 1971, 343 mulheres francesas escreveram um manifesto público em que admitiam ter praticado o aborto, o que foi determinante para que, quatro anos depois, a Lei Veil legalizasse a interrupção da gravidez. Na Alemanha Ocidental, houve um processo semelhante de manifestação pública das mulheres, o que culminou na legalização do aborto nos três primeiros meses de gestação em 1974. Nos Estados Unidos, houve grandes intervenções que geraram resultados favoráveis a interrupção da gravidez nos estados do Colorado, Califórnia e em Nova Iorque. Houve, ainda, muitas tentativas com êxito em impedir o avanço da legalização do aborto: na Bélgica, em 1990, o rei se recusou a aprovar a lei que liberava o aborto, e semelhantes situações ocorreram na Polônia e na Irlanda, além dos países nos quais esse processo de descriminalização nem se iniciou. Rohden (2003, p. 36) analisa, no contexto brasileiro, uma mesma tendência a privilegiar a vida do feto mediante a repressão mais intensa do aborto, apontando para questões em torno da raça, a pesquisadora afirma existir um “discurso e uma prática que envolviam a definição da mulher como presa ao único destino ‘natural’ da maternidade”. Traçando uma história do aborto, podemos ver que ele foi encarado, ora como uma questão masculina, ora como assunto feminino, mas observam Faúndes e Barcelatto (2004), apesar de intensos movimentos reacionários, prevaleceu nos sistemas legais, bem como na esfera da intervenção judicial, a tendência de descriminalização do aborto ou, pelo menos, de ampliação dos casos de autorização para a sua prática. 29
Por trás dos grupos que lutam pela legalização do aborto e dos que defendem sua criminalização, estão diferentes interesses e protagonistas de uma mesma prática – a qual não houve um país até hoje que conseguiu coibi-la.
Legislação brasileira No Brasil, o aborto foi regulamentado pela primeira vez pelo Código Criminal do Império, em 16 de dezembro de 1830, e enquadrado nos crimes contra a segurança da pessoa e da vida, artigos 199 e 200. Como destaca Bitencourt (2012, p. 389-390), o aborto autoinduzido não era criminalizado nesse primeiro cenário. Já o Código Penal da República, datado de 1890, ampliou a criminalização do aborto prevendo também a punição para a mulher que praticasse o autoaborto, entretanto, atenuou a pena nos casos de estupro e também excluiu a punição para o aborto praticado nos casos em que a vida da gestante corre perigo. O Código Penal atual, vigente desde 1940, tem basicamente a mesma estrutura, e trata do aborto nos artigos 124 a 128, definindo o procedimento como a interrupção do processo de gravidez, com a morte do feto. No art. 124, pune o aborto autoinduzido, no art. 125, o aborto sofrido e o aborto consentido no art. 126. Já o art. 128 estabelece os casos nos quais é permitido: em casos onde o aborto é imprescindível para salvar a vida da mulher, de estupro – ainda sim só deve ser feito com autorização da gestante ou de seu representante legal, e ainda, se o feto for anencéfalo.
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II. CONTEXTOS SIMBÓLICOS 31
O mito e a não maternidade “Os mitos me dizem onde estou” afirma Campbell (1995, p. 29) em seu O Poder do Mito, livro no qual defende a narrativa mitológica enquanto narrativa da vida humana e matéria-prima para o sentido de estar vivo: Eles ensinam que você pode se voltar para dentro, e você começa a captar a mensagem dos símbolos. Leia mitos de outros povos, não os da sua própria religião, porque você tenderá a interpretar sua própria religião em termos de fatos – mas lendo os mitos alheios você começa a captar a mensagem. O mito o ajuda a colocar sua mente em contato com essa experiência de estar vivo. Ele lhe diz o que a experiência é. (CAMPBELL, 1995, p. 17) De fato, o mito, antes entendido como um produto da mente subdesenvolvida de nossos ancestrais, hoje é estudado como processo de reconhecimento da atuação do homem na sociedade. A mitologia passou a ser considerada como uma maneira do homem se relacionar com o inconsciente individual e coletivo, uma vez que a psicologia analítica junguiana afirma que nosso inconsciente está dividido em camadas, e quanto mais nos aprofundamos nestas camadas, mais percebemos imagens que estão ligadas a conceitos universais, impessoais e coletivos, ou seja, independentes de regiões e culturas. Ao analisar a mitologia, Campbell converge com Jung ao entendê-la como uma espécie de sonho arquetípico que lida com problemas humanos universais e atemporais. Todos temos que compreender e lidar com a morte, todos temos que aprender a lidar com a passagem da infância para a vida adulta, e depois vamos do envelhecimento à morte. Nesse ínterim, lidamos com a decepção, com a felicidade, o fracasso e o sucesso, mas principalmente, precisamos dar significado àquilo que vivenciamos, às nossas experiências, “tocar o eterno, compreender o misterioso, descobrir o que somos” (CAMPBELL, 1995, p. 16). As narrativas mitológicas não apresentam apenas jornadas arquetípicas, mas também representações, com variações de detalhes, características 32
da psique humana. Para Jung O homem desenvolveu vagarosa e laboriosamente a sua consciência, num processo que levou um tempo infindável, até alcançar o estado civilizado (arbitrariamente datado de quando se inventou a escrita, mais ou menos no ano 4000 a.C). E esta evolução está longe da conclusão, pois grandes áreas da mente humana ainda estão mergulhadas em trevas. O que chamamos psique não pode, de modo algum, ser identificado com a nossa consciência e o seu conteúdo. (JUNG, 1964, p. 23) Um dos arquétipos mais antigos dos quais se tem notícia, é o arquétipo da Deusa Mãe, pois o primeiro elemento cultuado pelo homem foi a terra, e em Hesíodo, por exemplo, lemos que Gaia tirou do seu corpo a terra e o mar e que do seu ser misterioso nunca se interrompia a criação, ou seja, a terra, foi gerada por ela mesma. Jung afirma ainda que se observarmos historicamente, os cultos cretenses, por exemplo, ainda que se saiba muito pouco, centravam-se no feminino, representado por esta figura da Grande Mãe, que é simbolizada por deusas como Hera, Perséfone e Britomártis, todas eram consideradas como algo além: mãe dos deuses, mãe dos homens e de tudo o que existe. Podemos encontrar muitos mitos e imagens da Deusa arcaica e seus significados que sobrevivem imersos no inconsciente coletivo. Historicamente, a primeira imagem da Deusa é encontrada no período anterior à agricultura, onde o seu maior culto era a relação do homem com a natureza, por que ela personificava a vida e a morte, era a Grande Mãe boa e má ao mesmo tempo. Se a vida era entendida como um “ab uterum”, um emergir do ventre da terra, a morte representava uma volta ao mesmo, “ad uterum”, para que um novo nascimento pudesse acontecer, como afirma Campbell A vida consiste em comer outras criaturas. Você não pensa muito a respeito quando faz uma boa refeição, mas o que está fazendo é comer algo que há pouco estava vivo. E quando você olha para a bela natureza e vê os passarinhos saltitando daqui para ali... eles estão comendo coisas. Você vê as vacas pastando, elas estão comendo coisas. [...] A vida vive de matar e comer a si mesma, rejeitando a morte e renascendo, como a lua. (CAMPBELL, 1995, p. 56) 33
Da mesma forma que isso acontecia a todos os seres vivos, também era comum ao homem. Os ciclos de morte e renascimento, criação e destruição, que aconteciam na natureza, eram vistos como igualmente válidos para a trajetória do homem no mundo. Para a humanidade do início dos tempos, não havia separação entre o mundo humano e o mundo natural e todos compartilhavam o mesmo destino como filhos da terra. Para as sociedades da época, os mistérios da origem humana se encontravam na natureza e no corpo feminino, porque este sempre possuiu misteriosa harmonia com o universo, que vem se mostrar em mitos, muitos séculos depois. Na mitologia grega, Koré é filha da deusa Deméter, deusa da agricultura. Quando Koré é raptada por Hades, ela entra no submundo e se transforma em Perséfone. Sua mãe, desolada, começa a deixar de produzir e torna a terra mais infértil. Zeus, preocupado com a humanidade que passava fome, pede a Hades que libere Perséfone ao menos por 6 meses por ano. E este período é quando acontece a primavera e o verão, a felicidade de Deméter ao ter a filha próxima, faz com que a terra se torne fértil e haja fartura. Já os 6 meses em que Perséfone retorna ao submundo, são outono e inverno: época de pouca fartura, escassez. Esse mito está intimamente associado ao ciclo das colheitas e podemos como o ser humano via transparecer no corpo feminino todas as qualidades transcendentais da Grande Mãe Terra. Os mistérios que se ocultavam na natureza e no corpo da fêmea, levavam a cultuar o poder feminino. Maternais, bondosas, sinistras, eróticas ou espirituais, imagens míticas da Deusa simbolizam o sagrado feminino em seu papel de gerar, proteger e devorar, funções representativas dos fenômenos da natureza, e estão associadas à psique feminina em diferentes fases de sua vida, da puberdade até a velhice, como afirma Bolen quando diz que Como psiquiatra, tenho ouvido centenas de histórias pessoais, e compreendo que há dimensões míticas em cada uma delas [...]. Esses poderosos padrões internos – ou arquétipos – são responsáveis pelas principais diferenças entre as mulheres. Por exemplo, algumas precisam da monogamia, do casamento, ou dos filhos para se sentirem realizadas. Elas se afligem e se encolerizam quando não conseguem seus objetivos. Para elas os papéis tradicionais são significativos. Tais mulheres diferem notadamente de outro tipo, aquele 34
que dá mais valor à sua independência, enquanto enfoca alcançar objetivos que são importantes para ela; ou diferem ainda de outro tipo, aquele que procura intensidade emocional e novas experiências e, consequentemente, passa de um relacionamento para outro, ou de uma conquista para outra. Ainda outro tipo de mulher procura a solidão, e descobre que a sua espiritualidade significa o máximo para ela. (BOLEN, 1990, p. 20-21) Bolen (1990) dividiu essas deusas arquetípicas em três categorias: deusas virgens, deusas vulneráveis e as deusas alquímicas ou transformativas. Segundo a psiquiatra e analista da corrente junguiana, as deusas virgens Ártemis, Atenas e Héstia – respectivamente correspondentes a Diana, Minerva e Vesta – representam a qualidade de autossuficiência das mulheres, essas três deusas não eram suscetíveis de se enamorarem, não eram atormentadas e não sofriam, elas são arquétipos femininos que procuram ativamente seus próprios objetivos. Já o segundo grupo – Hera, Deméter e Perséfone –, das deusas vulneráveis, representam os papéis tradicionais da esposa, mãe e filha, são deusas orientadas para o relacionamento e expressam as necessidades que as mulheres tem de adoção e vínculo. Afrodite – adotada pelos romanos como Vênus – está no grupo das deusas alquímicas. Ela era a mais irresistível das deusas, viveu relacionamentos de sua própria escolha e nunca foi enganada. Assim, manteve sua autonomia como deusa virgem, mas nos relacionamentos era uma deusa vulnerável. Sua consciência era receptiva e adaptável, permitindo essa alternância. Estas deusas viviam em sociedades patriarcais. Os deuses governavam a terra, o céu, o oceano, o inferno, portanto, cada uma se ajustava a essas realidades do seu modo, algumas se uniam aos deuses, outras se separavam deles, desse modo, as deusas representam modelos que refletem a vida numa cultura de poder masculino, assim como a estrutura em que vivemos hoje, e sob a perspectiva psicossocial, podemos ver que a identidade materna consiste tão-somente em um dos aspectos da identidade feminina. Bolen (1990) elucida que as mulheres tem dois campos de influências: arquétipos externos - culturais - e externos - divinos: Todas as deusas são padrões potenciais na psique das mulheres. Contudo, em cada mulher particular alguns desses padrões são ativados, energizados ou desenvolvidos, e outros 35
não. (...) Nas sociedades patriarcais os papéis aceitáveis são os da jovem (Perséfone), da esposa (Hera) e da mãe (Deméter). Afrodite é considerada “a prostituta” ou “a sedutora”, (...) Uma Hera positiva ou raivosa torna-se mulher “briguenta”. E algumas culturas, passadas e presentes, negam fortemente a expressão de independência, inteligência ou sexualidade nas mulheres - tanto que quaisquer sinais de Ártemis, Atenas e Afrodite devem ser abrandados. (BOLEN, 1990, p. 54) Diante do cenário da psique feminina, onde atuam diversificados perfis, e no qual “a mãe”, que é apenas um desses perfis, foi o único permitido a desempenhar-se, nota-se um aparente descontentamento coletivo por parte das mulheres, que Betty Friedan (1963), através do seu A Mística Feminina, evidencia que se origina em um problema de identidade, cuja essência era um impedimento do crescimento. Ela sustentou que esse problema é favorecido pela cultura, que não permite que as mulheres se satisfaçam e persigam seu potencial como ser humano (BOLEN, 1990).
Contextos simbólicos religiosos Dentre as reflexões que envolvem o aborto, a principal marca nos discursos é a condenação moral advinda da cultura na qual estão inseridos, que é fortemente influenciada por uma ou por mais religiões. Uma grande parte da população, refere-se a um código moral elaborado a partir de princípios vindos do discurso católico oficial. Neste contexto, o aborto é um ato pecaminoso. A interrupção voluntária da gravidez é condenada pelo argumento do respeito absoluto à vida, por esta ser um dom divino, como afirma Paulo VI (1973), citando Pio XII: “Cada ser humano, também a criança no ventre materno, recebe o direito de vida imediatamente de Deus, não dos pais, nem de qualquer sociedade ou autoridade humana”. Atentar contra a vida é atentar contra o próprio Deus. Do direito à vida, derivam todos os outros direitos e, portanto, o mandamento divino “não matarás” refere-se ao respeito absoluto que se deve ter pela vida de todos os seres humanos. Uma vez que, segundo a própria Igreja, quando há a fecundação, já se trata de um ser humano completo, o aborto se torna inaceitável e completamente condenável. 36
Existe, ainda, uma polêmica dentro da doutrina católica com relação ao uso de métodos contraceptivos. Isto porque, durante muito tempo, a Igreja detinha um poder muito grande e controlava as famílias, logo, a posição da instituição era importante nas decisões dos casais quanto aos métodos que utilizariam. Dentro do código moral católico, o ato sexual está intimamente ligado à reprodução, porque vê nela a sua finalidade, e deste modo, a contracepção também diverge das leis divinas, fazendo do sexo apenas uma prática luxuriosa. No protestantismo, há uma gama maior de posicionamentos em relação ao aborto, encarando a questão de forma mais heterogênea, mostrando enfoques mais flexíveis. Por também ter a Bíblia como guia para sua doutrina, a maioria das igrejas defendem o direito à vida do e humanidade do feto. Para as estas igrejas, o aborto coloca fim a muitas famílias, e é um assunto muito contestado, apesar de não haver na Bíblia nenhuma passagem proibindo diretamente a prática. O protestantismo entende que a relação sexual não está diretamente ligada à reprodução e que, juntamente com a união, é parte inerente do casamento, por isso, não condena o uso de métodos contraceptivos, como o catolicismo. A maior diferença entre a posição da Igreja Católica e das doutrinas protestantes, está no respeito à vida da mãe, e na consideração a outros envolvidos na prática do aborto, por exemplo, o médico. Se for necessária uma escolha entre o feto e a vida da mãe, esta poderá julgar o que deve ser feito juntamente com o médico solicitado por ela mesma para o procedimento. Foram os países protestantes os primeiros neste século a adotar legislações mais liberais em relação ao aborto (PRADO, 1984). Na doutrina espírita kardecista, particularmente dentro dos princípios reencarnacionistas e evolucionistas, o aborto também é visto de forma condenável. De acordo com estes princípios, cada reencarnação é uma oportunidade de evoluir espiritualmente e, consequentemente, a mulher que comete o aborto interrompe a reencarnação de um espírito, a vida de uma pessoa que estaria envolvida no seu processo de evolução espiritual. Para Chico Xavier (1972), a ferramenta mais adequada para evitar o aborto, é o planejamento familiar de acordo com as possibilidades econômicas do casal, ainda que este planejamento deva ser sempre ponderado em uma tabela de valores em que a espiritualidade se sobreponha ao conforto, para que não sejam trocados filhos por eletrodomésticos. Caso haja o aborto, a doutrina kardecista prevê a Lei do Karma, ou lei de causa e efeito, para 37
os praticantes. No Livro dos Espíritos, questões 358 e 359, Allan Kardec (2012) fala sobre o aborto, admitindo sua prática apenas no caso de risco de vida para a gestante. O Candomblé afirma que o principal objetivo da religião é a proteção da vida humana, pois existe a crença na continuidade da vida por meio de seus descendentes. Afirma sobre o aborto o seguinte: Diante de uma questão difícil como o aborto o sacerdote do candomblé deve recorrer ao início de tudo, antes mesmo do nascimento com vida e antes do natimorto. Para isso devemos responder em que momento surge à vida. Podemos afirmar que neste ponto o candomblé guarda semelhança com as religiões cristãs. Para o Candomblé a vida começa no momento da concepção, logo, assumimos a teoria da concepção como fato gerador da vida humana, e a partir daqui os elementos da natureza (Orixás) atua em favor do novo Ori. (D’OSOGIYAN, 2010, s/p) É possível perceber que o Candomblé defende que a vida é o bem mais precioso e o aborto implica em uma falta de continuidade da mesma. A Umbanda também se manifesta contra o aborto. Para esta doutrina, a vida já existe vida no momento da concepção e o embrião já está animado por um espírito que anseia por uma evolução, como é observado na Carta Magna de Umbanda, feita pelo Congresso Nacional de Umbanda em 2014. Ainda nesta carta, é importante destacar o seguinte posicionamento: A Umbanda é contra a prática do aborto. Há falta sempre que transgredimos a Lei de Deus. Um pai e uma mãe, ou quem quer que seja que provoque o aborto, em qualquer período da gestação, cometerá transgressão, porque isso impede o espírito de passar pelas provas a que serviria de instrumento o corpo que se estava formando. Caso ocorra ou tenha ocorrido o aborto por decisão de qualquer natureza, a Umbanda jamais condenará os envolvidos, ocupando-se, antes, em acolhê-los e prestar-lhes conforto espiritual. (CNU¹, 2014, p. 6) Para a religião judaica existem algumas divergências sobre o aborto. Embora o Talmude se refira ao embrião durante os primeiros quarenta dias de gestação como mayá beamá, que quer dizer “simplesmente água”, ou seja, um fluido sem forma, ele também diz que o embrião receba uma alma
no momento da concepção, e por este motivo, não deve ser considerado uma extensão do corpo da mãe. O fator determinante para a tomada dessa decisão é a saúde e o bem-estar da mãe, sendo assim, o judaísmo admitiria a prática do aborto em casos especiais, como na hipótese de o feto ser portador de deficiências genéticas graves. Por fim, é relevante apontar que “os três principais ramos do judaísmo moderno (ortodoxo, conservador e reformado) defendem que a discussão do aborto pertence apenas e exclusivamente às mulheres e famílias afetadas” (LIBÓRIO, 2016, s/p).
¹Congresso Nacional de Umbanda.
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III. ESTADO LAICO
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Durante um longo período da história, os poderes político e religioso estiveram vinculados. Na Idade Média, essa situação esteve mais acentuada, visto que a Igreja constituía um poderoso eixo político, exercendo forte liderança junto ao rei. Para Engels e Kautsky: Na Idade Média, a concepção de mundo era essencialmente teológica. A unidade interna européia, de fato inexistente, foi estabelecida pelo cristianismo diante do inimigo exterior comum representado pelo sarraceno². Essa unidade do mundo europeu ocidental, formada por um amálgama de povos em desenvolvimento, foi coordenada pelo catolicismo. A coordenação teológica não era apenas ideal; consistia, efetivamente, não só no Papa, seu centro monárquico, mas sobretudo na Igreja, organizada feudal e hierarquicamente, proprietária de aproximadamente um terço das terras, em todos os países detinha poderosa força no quadro feudal. Com suas propriedades fundiárias feudais, a igreja se constituía no verdadeiro vínculo entre os vários países; sua organização feudal conferia consagração religiosa à ordem secular. Além disso, sendo o clero a única classe culta, era natural que o dogma da Igreja fosse a medida e a base de todo o pensamento. Jurisprudência, ciência da natureza e filosofia, tudo se resumia em saber se o conteúdo estava ou não de acordo com as doutrinas da Igreja. (ENGELS; KAUTSKY, 1995, p. 23-25) Essa doutrina até então incontestável - sob pena de julgamento nos tribunais da Inquisição - começa a ser questionada por outros grupos sociais com interesses diferentes àqueles existentes na estrutura econômica e feudal: Entretanto, no seio da feudalidade desenvolvia-se o poder da burguesia. Uma classe nova se contrapunha aos grandes proprietários de terras. Enquanto o modo de produção feudal se baseava, essencialmente, no autoconsumo de produtos elaborados no interior de uma esfera restrita — em parte pelo produtor, em parte pelo arrecadador de tributos —, os burgueses eram sobretudo e com exclusividade produtores de mercadorias e comerciantes. A concepção católica do mundo, característica do feudalismo, já não podia satisfazer ²Nos limites da vida: aborto, clonagem humana e eutanásia sob a perspectiva dos direitos humanos.
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a esta nova classe e às respectivas condições de produção e troca. Não obstante, esta permaneceu ainda por muito tempo enredada no laço da onipotente teologia. (ENGELS; KAUTSKY, 1995, p. 23-25) Como Engels e Kautsky afirmam, as mudanças no sistema econômico exigiram mudanças na forma de organização estatal, que já não se baseasse na fundamentação teológica. A partir daí, as trocas comerciais burguesas passaram a embasar as relações sociais, ou seja, o que importava era a circulação de produtos. Diante desse novo cenário, as individualidades passam a importar menos dentro das relações comerciais, nessa sociedade capitalista, é importante que haja igualdade formal entre os negociantes, de modo que se faz necessário uma regulamentação jurídica de igualdade universal. Nesse sentido, servem de marco fundamental para este novo período a Revolução Inglesa (1640 e 1688) e a Revolução Francesa (1789): A bandeira religiosa tremulou pela última vez na Inglaterra no séc. XVII, e menos de cinqüenta anos mais tarde aparecia na França, sem disfarces, a nova concepção de mundo, fadada a se tornar clássica para a burguesia, a concepção jurídica de mundo. Tratava-se da secularização da visão teológica. O dogma e o direito divino eram substituídos pelo direito humano, e a Igreja, pelo Estado. As relações econômicas e sociais, anteriormente representadas como criações do dogma e da Igreja, porque esta as sancionava, agora se representam fundadas no direito e criadas pelo Estado. (ENGELS; KAUTSKY, 1995, p. 23-25) Ocorre, então, a separação entre leis da Igreja e leis do Estado, sendo este último impedido de fundamentar suas decisões sob o viés de alguma religião específica. Essa separação de poderes possibilitou a proteção à liberdade religiosa, permitindo que todas as pessoas manisfestassem sua fé sem serem perseguidas por outros cidadãos ou pelo Estado. Esse modelo é chamado de Estado laico e se encontra na base do regime democrático. A Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, produto da Revolução Francesa, estabeleceu que o Estado deveria ter uma Constituição escrita que definisse a separação dos poderes públicos em três partes e uma carta de direitos na qual todos são iguais perante a lei. Essa igualdade é 42
fundamentada na razão de que os indivíduos são diferentes, tanto no âmbito social quanto religioso. Essa equiparação legal foi primordial para garantir, dentre outros direitos, a liberdade religiosa. Ao se desprender das leis religiosas, o Estado não deve se tornar amoral, ou ausente de valores, mas sim fundamentar-se em uma “razão pública”, sendo esta formada pelos valores sociais convergentes entre os diversos grupos em toda a sua pluralidade de entendimentos sobre a vida e demais aspectos (DINIZ; VÉLEZ, 2005). Por determinação da Magna Carta, artigo 19, inciso I, o Brasil é um estado laico. Não obstante a laicidade que constitui garantia primordial do direito ao livre exercício da religião, no Brasil há representantes da moral religiosa cristã exercendo grande influência política no Estado, e embora os representantes estatais não devam fundamentar suas decisões sob moral religiosa, pode-se encontrar diversas resoluções em que o fundamento da decisão do magistrado continha referências explícitas a doutrinas religiosas. Apesar da separação entre Estado e Igreja, na prática, esse afastamento não se nota tão eficaz na constituição da legislação restritiva do aborto, não se pode garantir que houve total isenção em relação a valores religiosos. Maria Berenice (2006) levanta algumas hipóteses sobre a permissão para o aborto em casos de gravidez por estupro ou risco de vida da mãe: A previsão de forma específica decorre do fato de a interrupção da gravidez depender de outra pessoa. Uma das hipóteses é a do estado de necessidade de participação de outra pessoa. Outra hipótese é a de que tais previsões parecem defender a honra da mulher, quando na verdade a conotação é da idéia de família, de não permitir a introdução de um filho bastardo no lar. A lei presume que o filho da mulher seja de seu marido, seja legítimo. Se uma mulher, estuprada, tivesse um filho fora do casamento, ele não seria reconhecido. Há sempre a conotação da preservação da família. Em nenhum momento pensaram no sentimento da mulher. Essa é a realidade. Não havia o sentimento voltado e atento à questão da dignidade da mulher. Era uma questão de moral familiar. (DIAS, 2006, p. 107-108) A formação destas leis tem como embasamento a manutenção de um determinado tipo de família correspondente a uma moral específica, pas43
sível de interpretação religiosa, o que viola o direito à autodeterminação, o direito à reprodução, o direito à disposição do próprio corpo e, em última palavra, o direito à felicidade. Embora paradoxal, visto o longo processo de separação entre poderes estatais e religiosos, pode-se notar uma interferência religiosa na formulação das leis proibitivas do aborto na Europa (muitas já revistas) e, posteriormente, no Brasil. No caso do Brasil, estes valores morais específicos ainda sustentam a composição das leis restritivas do aborto, não se verificando argumentos laicos para sustentá-las. Tal polêmica se mantém constante no judiciário, enquanto os representantes políticos criam propostas sobre a criminalização e legalização do aborto. Dentro desse cenário, a legalização do aborto constitui uma etapa intermediária para o pleno exercício de direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. É fundamental que o Estado atue nesse processo, reconhecendo os direitos humanos em sua totalidade e garantindo sua efetivação por meio de políticas públicas, assegurando o fortalecimento da democracia a partir da valorização da cidadania.
IV. QUANDO COMEÇA A VIDA? 44
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“A personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida, mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro”. É o que dispõe o artigo 2º do Código Civil Brasileiro disposto no site do Planalto (2012). Tal regimento nos leva a questionamentos que vão além da esfera jurídica, adentrando também os campos da ciência, da fé e da filosofia. Nossa lei protege os direitos do nascituro, mas qual é a definição de nascituro? A partir de que momento há a concepção? Quando se inicia a vida? O que é a vida? Ninguém nunca foi capaz de explicar o que é a vida. Por milhares de anos, essa questão foi motivo de inquietação apenas para alguns filósofos. Em geral, nos contentamos com essa indefinição e pronto. Porém, diante das descobertas e avanços na área da biotecnologia nos últimos anos, a resposta para essa pergunta se tornou cada vez mais necessária. A resposta sobre onde se dá a origem do indivíduo será decisiva para determinar se o aborto é crime ou não, visto que as discussões sobre o procedimento revelam que a maior divergência provém ao tentar estabelecer qual o marco inicial da vida humana. Goldim (2007) destaca os critérios utilizados para delimitar esse marco, dentre eles: a concepção propriamente dita (0 minutos), a fixação do embrião à parede do útero materno (6-7 dias), o surgimento das células cardíacas e nervosas diferenciadas (14 dias), a formação da estrutura cerebral completa (12 semanas), e a viabilidade pulmonar para a vida extrauterina (24-28 semanas). No sistema jurídico brasileiro, não há consonância no que diz respeito ao marco inicial da vida, característica que providencia a personalidade civil ao ser. Nos debates sobre o assunto, as teorias que mais se destacam são: natalista, concepcionista e da personalidade condicional. A primeira defende que a personalidade tem início a partir do nascimento com vida, a segunda entende que a personalidade jurídica se inicia com a concepção, e portanto, o nascituro possui plenos direitos civis mesmo que muitos deles só possam ser exercidos depois do nascimento. Para a terceira teoria, a personalidade inicia com o nascimento com vida, mas o nascituro titulariza direitos submetidos à condição suspensiva ou direitos eventuais. Reconhecer o início da vida, tem como principal finalidade garantir o direito à própria vida, uma vez que ela é tida como um bem, sempre digna de ser vivida, e portanto, deve ser protegida, não podendo ser interrompida nem mesmo por vontade da própria pessoa (SANDI; BRAZ, 2010). Com 46
esse argumento, determinadas forças se contrapõem fortemente ao aborto, ignorando os motivos que levam a mulher a solicitar tal procedimento. Porém, os que defendem a legalização do aborto induzido diferem o embrião (até a 12ª semana de gestação) e a noção de pessoa humana. A pessoa humana é concebida a partir da formação do sistema nervoso central e do cérebro (ALMEIDA, 2012). Este último argumento, utiliza-se da premissa de que a paralisação cerebral atesta o fim da vida, caso contrário, a doação de órgão de pessoa em estado de morte cerebral não deveria ser possível. Se a morte ocorre quando cessa a atividade elétrica no cérebro, a vida começa quando o feto apresenta atividade cerebral igual à de uma pessoa, logo, o embrião humano é uma coisa. Essa posição cresceu, ainda, por conta das novas técnicas de reprodução artificial, como o embrião in vitro que pode ser transferido, congelado, estocado e utilizado para pesquisas. Esse posicionamento é defendido pelo filósofo Peter Singer, que para legitimar sua defesa, usa os parâmetros de início e fim da vida humana. Singer (2002) defende que se a vida humana termina com a desaparição definitiva das funções cerebrais, ela deve iniciar com a aparição das primeiras funções cognitivas ligadas à organogênese cerebral, ou seja, já que a medicina reconhece que a perda funcional do cérebro é base suficiente para definir que não há mais uma pessoa viva no corpo, por que não utilizar o mesmo critério na outra extremidade da existência?
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Direito ao próprio corpo
V. A MULHER COMO PROTAGONISTA DO ABORTO 48
Os direitos das mulheres nem sempre foram considerados igualitariamente aos direitos dos homens, de acordo com Fonseca (1999), até 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU chamava-se Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e somente em 1993 tornou-se mais claro que os direitos humanos incluíam os direitos das mulheres. Entretanto, pode-se observar que por muito tempo esteve vedada à mulher a participação nas discussões de políticas públicas, a pauta que constitui os direitos humanos seria diferente se as mulheres tivessem participado desse processo. Isso porque, além das violações que são comuns a todos os gêneros - torturas, perseguições e restrições a direitos -, as mulheres também vivenciam formas particulares de violência, devido a fatores biológicos e sociais (BINION, 2007). São muitas vezes privadas da autonomia sobre seu próprio corpo e sexualidade, são vítimas de diversas formas de violência física e psicológica, nos ambientes privados e públicos. Em muitas sociedades, as mulheres ainda não possuem nenhum direito de escolha sobre seus corpos, em especial naquelas de tradição católica e muçulmana. A interdição do direito das mulheres à autonomia sobre o próprio corpo reflete uma estrutura patriarcal, apropriada pelo capitalismo, sobre a qual as relações se constroem. A sexualidade e reprodução da mulher são pontos-chave para a dominação e exploração da mesma. Patriarcado, racismo e capitalismo formam um só sistema que estrutura as relações da mesma maneira, por isso, as condições em que as mulheres podem fazer escolhas são dadas por essas três dimensões (SAFFIOTI, 2004). O aborto é parte desse debate. Para Pimentel e Vilela (2012), na visão de mulheres feministas, a justiça social e a consolidação da democracia só é possível onde mulheres tenham direito ao aborto, à escolha de ter ou não ter filhos e ao livre exercício da sexualidade. Ou seja, para que uma sociedade seja justa, é preciso que as mulheres possuam direitos sobre seus próprios corpos, tomando decisões de acordo com suas próprias convicções e vontades, amparadas pelo Estado laico e pelos direitos básicos garantidos no art. 5º da Constituição, sem interferências de agentes externos. 49
O direito ao próprio corpo, no Brasil, também passa pela questão da desigualdade social. Segundo Menezes e Aquino (2009), numericamente, as mulheres que mais recorrem ao aborto são jovens não-unidas e com pouca escolaridade, entretanto, apesar de a gravidez ocorrer com mais raridade entre jovens de estratos sociais mais favorecidos, elas terminavam em aborto com mais frequência. Mulheres mais vulneráveis socialmente possuem menos acesso a recursos que lhes permitam prevenir uma gravidez indesejada, além de não terem direito ao aborto seguro. A defesa do direito ao aborto passou a ser percebido também como um posicionamento solidário com as inúmeras mulheres que abortam na clandestinidade, em situação de ameaça à sua integridade física, psíquica e mesmo à sua vida. (PIMENTEL; VILELA, 2012, p. 20) Defender a legalização do aborto é, portanto, um posicionamento a favor do direito das mulheres a seus próprios corpos e a autonomia para escolherem o que é melhor para si, além de ser um posicionamento a favor da justiça social.
Direitos reprodutivos De acordo com Piovesan et al. (1998), os direitos reprodutivos das mulheres têm fundamento no direito de decidir sobre sua vida reprodutiva de forma livre e informada. Por estarem vinculados à liberdade e ao desenvolvimento da personalidade, os direitos sexuais e reprodutivos são concebidos como direitos fundamentais, esses direitos incluem o direito à livre orientação sexual, à informação sobre a sexualidade e o direito à educação sexual. Menezes e Aquino (2009) relatam, entretanto, uma realidade na qual esses direitos não são postos em prática. Segundo os autores, investigações nacionais evidenciam que, em maternidades públicas, embora a maioria das mulheres conheça os contraceptivos, principalmente a pílula e o preservativo, o conhecimento delas sobre concepção e contracepção é frágil e inconsistente, fato que explicaria, em parte, o uso pouco efetivo de contraceptivos. Entretanto, outros estudos colocam em discussão os problemas como poucos métodos de contracepção disponíveis, descontinuidade de suprimento e insuficiência de locais organizados para atendimento das de50
mandas. Para uma parcela das mulheres que utilizam serviços públicos de saúde, essas questões se colocam como uma barreira, independentemente do nível de informação que elas possuem. (MENEZES; AQUINO, 2009) A garantia desses direitos é, entretanto, fundamental para a diminuição do número de abortos. Pimentel e Vilela ressaltam que A educação na área da sexualidade e da reprodução é comprovadamente a única política pública que apresenta resultados satisfatórios na redução da incidência do aborto, conclui-se que qualquer legislação que vise a diminuir a realização de abortamentos, deve ser preventiva e não punitiva. (PIMENTEL; VILELA, 2012, p. 20) Garantir o acesso das mulheres à informação e a métodos que lhes permitam prevenir uma gravidez indesejada e planejar sua família de acordo com seus desejos e possibilidades é a melhor forma de alcançar a diminuição de abortos realizados.
Direito de autodeterminação O direito de autodeterminação é previsto no inciso II do art. 5º da Constituição: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, disposto no site do Planalto. De acordo com Maluf O direito de autodeterminação sexual do indivíduo relaciona-se com a sua especificidade física e moral, sua individualidade, aliado ao direito à diferença, tendo em vista pluralidades próprias estabelecidas desde as intrínsecas características biológicas até estabelecimento de estilos de vida ou padrões de comportamento não predominantes. (MALUF, 2010, p. 76) Ainda de acordo com a autora, os valores e emanações mais íntimas dos seres humanos, suas crenças e valores, sua maneira particular de existir e se demonstrar na sociedade em que vive são traduzidas pelos direitos de personalidade, que é vivida e ampliada na família (MALUF, 2010). O direito de autodeterminação da mulher deveria lhe garantir, portanto, a liberdade para escolher o que é melhor para o seu corpo, levando em conta suas idiossincrasias. 51
De acordo com Piovesan (2010), o conceito de direitos sexuais pode apontar para o campo da liberdade e autodeterminação individual, no qual a sexualidade e reprodução humana são exercidas livremente, sem discriminação, coerção ou violência e o poder de decisão no controle da fecundidade é fundamental. Dessa forma, homens e mulheres tem o direito de decidir com liberdade e responsabilidade acerca da reprodução de filhos. Todavia, uma liberdade efetiva desses direitos deve apontar também para a demanda de políticas públicas que assegurem o direito à informação e a um padrão de saúde reprodutiva e sexual elevado, garantindo a segurança e satisfação da vida sexual e a liberdade de reprodução ou não reprodução (PIOVISAN, 2010). O direito de autodeterminação requer, portanto, não somente a liberdade da mulher de escolher quando e com que frequência deseja gerar filhos, mas também à garantia de informações e de ferramentas que lhe permitam fazer uma escolha consciente.
Direito à liberdade A liberdade da mulher requer a garantia de seu direito de escolha, para que ela possa tomar a melhor decisão para si mesma. “Falar de direitos humanos é tratar da própria emancipação humana, da liberdade, do fim da opressão e, por consequência, da efetivação do direito à vida digna” (ALECRIM; SILVA; ARAÚJO, 2014, p. 159). De acordo com Alecrim et al. (2014), não se pode falar em liberdade se não existe liberdade de escolha e autonomia, que é uma liberdade moral que deve ser concedia a todos. Os autores ressaltam que a falta de recursos ou de conhecimentos pode tornar um determinado grupo social vulnerável, impedindo os membros deste grupo de ter escolhas, fazendo com que a liberdade não seja desenvolvida de forma ampla. Com o intuito de proteger a liberdade das mulheres, inicia-se o movimento feminista, buscando garantir a autonomia das decisões de acordo com a vontade das mulheres e não por coações ou controle social (ALECRIM et al., 2014, p. 159). O movimento feminista busca alcançar liberdade para que todas as mulheres tenham o direito sobre seus corpos garantidos. Podendo tomar, somente por si mesmas, as decisões relativas à sua sexualidade e concepção: 52
(...) a liberdade pretendida pelas feministas no campo reprodutivo se encaixa no sentido dado por Chauí (1985), para quem liberdade é, em primeiro lugar, a participação na construção das condições nas quais as pessoas vão fazer suas escolhas e não como sendo a possibilidade de escolher frente ao que os outros oferecem. Neste sentido, para existir a liberdade é necessária a construção de condições objetivas e subjetivas. (ÁVILA, 2002, p. 177) Nesse cenário o estado deve agir como garantidor das liberdades individuais das mulheres: “O Estado pode agir de modo a permitir que os direitos sexuais e reprodutivos sejam efetivados, livres de qualquer coação e com possibilidade de desenvolver-se na sua amplitude” (ALECRIM; SILVA; ARAÚJO, 2014, p. 168). Fornecer informações e condições materiais para que as mulheres possam tomar decisões baseadas apenas em seu desejo pode ser a melhor forma garantir a liberdade de escolha individual, considerando que a gravidez promove grandes alterações na vida da mulher e que estas mudanças ocorrem no plano físico, biológico e psicológico, a opção por ter ou não um filho e suas consequências deve recair sobre as mulheres. Somente com a garantia de liberdades individuais será possível desenvolver uma sociedade justa e igualitária. Eis que o desenvolvimento está, intrinsecamente, ligado às liberdades, pois não há como se efetivar o desenvolvimento humano se não houver possibilidades para isso, de forma que o desenvolvimento de um ser se condiciona a liberdade que este tenha. (ALECRIM et al., 2014, p. 169)
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Saúde pública
VI. COMPLICAÇÕES DO ABORTO CLANDESTINO 54
De acordo o Ministério da Saúde (2011), o aborto no Brasil acontece em cerca de 10% das gestações, provocado das mais diferentes maneiras. Feita de modo clandestino e inseguro e, consequentemente, acarretando em diversos problemas pós-aborto para as mulheres, a interrupção da gravidez sobrecarrega o sistema de saúde, implica em custos, além de trazer inúmeras repercussões familiares e estigmatizar a mulher (SEDGH, 2007). Ainda na mesma norma técnica, constata-se que no país, são feitas cerca de 240 mil internações por ano no SUS, para tratar de mulheres com complicações decorrentes de abortamento, o que gera gastos anuais, em média, de 45 milhões de reais. Em muitos países, o aborto é tratado como questão de saúde pública. A Organização das Nações Unidas, por meio da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (CEDAW), recomenda aos Estados que: À luz das observações anteriores, o Comitê sobre a Eliminação de Discriminação contra a Mulher recomenda que: (...) m) Os Estados-partes assegurem que sejam tomadas medidas para impedir a coação no tocante à fertilidade e à reprodução, e para que as mulheres não se vejam obrigadas a buscar procedimentos médicos arriscados, como abortos ilegais, por falta de serviços aprimorados em matéria de controle da natalidade; (CEDAW, 1979, s/p) Hemorragias, infecções, perfuração do útero e esterilidade são os sintomas mais recorrentes em mulheres que realizaram o aborto. Geralmente, reclamam de queixas físicas, demandando muitas vezes uma curetagem, que segundo o Ministério da Saúde (2011), é o terceiro procedimento obstétrico mais realizado nas unidades de internação da rede pública. Os problemas decorrentes das complicações pós-aborto desdobram-se em vários referentes, seja a saúde da mulher, seja a possibilidade de atendimento pelos serviços de saúde, ou ainda, à sobrecarga hospitalar e ao custo das internações. Sob o ponto de vista da saúde pública, a quantidade de mortes de 55
mulheres em plena idade reprodutiva é insustentável, e a descriminalização do aborto seria uma medida de alto impacto para a reversão dos indicadores de mortalidade feminina (TEMPORÃO, 2012). Convém considerar as primeiras análises produzidas no Uruguai após a legalização da prática, que ocorreu em 2012. Nos primeiros seis meses após a aprovação, não se registrou no país nenhum caso de morte de mulheres por aborto, embora tenham sido registrados 2.550 casos de abortamento (El Desconcierto, 2013, s/p), e se a quantidade de abortos feitos nesse período surpreende, vale lembrar que se esses abortos tivessem ocorrido no Brasil, parte das mulheres teria sofrido sequelas graves, ou morrido. Reforça-se, portanto, que a discussão envolvendo o aborto não se restringe apenas ao plano moral, mas também é uma questão de saúde pública. Em todo o mundo, a criminalização do aborto contribui para sua prática ilegal, na ausência de condições técnicas e de higiene adequada, podendo causar infertilidade, morte da gestante e outras consequências físicas e psicológicas. Consentir um cenário permissivo para o aborto clandestino, quer dizer negar o acesso das mulheres a serviços de saúde apropriado e colaborar para um alto índice de mortalidade materna.
Mortalidade materna A Morte Materna é definida, segundo a Classificação Internacional de Doenças – CID, na sua 10ª Revisão, como a morte que ocorre durante a gestação, num período de até 42 dias após seu final, independentemente do seu local ou duração, devido a qualquer causa relacionada ou agravada pela gravidez ou, ainda, por medidas tomadas em relação a ela, excluindo os fatores acidentais ou incidentais (AGI³, 1994). As causas de morte materna são múltiplas. Dentre elas, as que mais se destacam são as complicações que ocorrem no começo da gestação, procedimentos realizados de forma incorreta durante o parto, e a interrupção voluntária da gravidez, ou seja, o aborto provocado. Nos países desenvolvidos, que em sua maioria o aborto é legalizado e existe um sistema de saúde de qualidade, a mortalidade por aborto induzido é mais baixa, variando de 0,2 a 1,2 mortes para cada 100.000 abortos. Todavia, em países subdesenvolvidos, onde o aborto geralmente é ilegal ou sua prática é bastante
restrita, a média de mortes dentro da mesma quantidade de abortos é de 330 (SOUZA; ALMEIDA; SOARES, 2008). O Brasil, adotou em 2000 a Declaração do Milênio, juntos a outras 190 nações integrantes da ONU, na qual se comprometeu a cumprir metas que incluem o meio-ambiente, desenvolvimento sustentável e social, além do respeito aos direitos das mulheres. Entre essas metas, está o objetivo nº 5: “melhorar a saúde materna”, mas atingir essa meta não tem se mostrado uma tarefa fácil. “A única pesquisa de abrangência nacional, realizada nas capitais brasileiras e no Distrito Federal em 2002, evidenciou que 11,4% dos óbitos maternos foram devidos a complicações de abortos” (MENEZES; AQUINO, 2009). Ainda segundo o autor, a prevenção da gravidez não desejada, do aborto e suas consequências está diretamente ligada ao acesso à informação e orientação humana e solidária, objeto de mais difícil acesso a mulheres de baixa renda, fazendo com que a morte por aborto atinja principalmente mulheres residentes em áreas periféricas das cidades. Essa configuração se acentua ainda mais quando são colocados em evidência fatores étnicos: a população de mulheres negras está submetida a um risco de mortalidade em conseqüência de abortamento inseguro três vezes maior que as mulheres brancas, podendo-se associar esta desigualdade a condições socioeconômicas desfavoráveis, além disso, as mulheres negras relatam menos a presença dos companheiros do que as mulheres brancas (SOUZA et al., 2008). Outro aspecto para ser observado é a investigação entre óbitos maternos de jovens grávidas por suicídio. Nas entrevistas com as famílias, evidencia-se no centro da conjuntura que levou ao suicídio, a descoberta da gravidez e a tentativa de aborto (MENEZES; AQUINO, 2001).
3Alan Guttmacher Institute.
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VII. A IMPORTÂNCIA DO ENFOQUE EXISTENCIAL 58
Além dos âmbitos social, biológico e jurídico, a prática do aborto deve ser investigada do ponto de vista psicológico. Após a realização do aborto, as reações negativas perduram. Muitas mulheres relataram remorso/consciência pesada, arrependimento e sensação de perda: “... A gente fica com uma culpa demais... Eu acho que eu vou carregar a minha culpa para o resto da minha vida...” [...] “Eu acho que fica marcas, que foi uma coisa que a gente fez e que... vai ficar ali para sempre uma culpa...” [...] “Com certeza traz alguma consequência para as mulheres. Fica guardado na mente... Não, de jeito nenhum!... Passar por isso mais uma vez, não!... Eu não vou esquecer nunca, nunca, nunca.” (PEDROSA; GARCIA, 2000, p. 50-58) Além desses sentimentos, que tem gênese primária na culpa, há ainda a preocupação com o próprio corpo, já que este quase sempre é determinante dentro do autoconceito do ser humano. As mulheres sofrem pela possibilidade de que algo aconteça a seus corpos, por exemplo, no processo de curetagem: “... mas eu tive medo... medo de acontecer algumas coisa... com a gente mesmo... mas acho que eu vou ficar nesse mesmo arranjar pra perder, né... a gente só sofre...” [...] “Fiquei com medo de acontecer alguma coisa, porque está mexendo no seu útero, né, uma coisa mais séria... sei lá, de acontecer alguma coisa e eu não poder ter mais filhos...” (BOEMER; MARIUTTI, 2003, p. 67) E também há o medo sobre o modo como serão tratadas, caso procurem ajuda profissional: “Quando eu vim procurar o hospital, eu só pensei... Ficava com medo de dizer que tinha tomado Cytotec, porque, às vezes, eles (os profissionais) ficam com raiva quando a gente diz que provocou o aborto... A pessoa nota que eles acham ruim e, às vezes, chegam a maltratar.” (PEDROSA; GARCIA, 2000, p. 50-58) Boemer e Mariutti (2003) salientam, ainda, em sua pesquisa, o que parece ser uma mudança de comportamento na maior parte das mulheres que realizaram o aborto. Um sentimento de mudança parece apodera-se dessas mulheres, a fim de que a sua próxima gravidez seja planejada: muitas passam a pesquisar os métodos contraceptivos existentes. 59
“Hoje, eu quero dar um futuro melhor pros meus filhos... porque criança não tem culpa do que os pais fazem... hoje eu quero mais ser dedicada, meus estudo...” [...] “... mas agora eu quero arrumar minha vida, trabalhar... e eu quero mais ver meu filho bem... e só.” (BOEMER; MARIUTTI, 2003, p. 68) Nota-se também que uma parcela das mulheres gostaria de prosseguir com a gestação, mas sofre com o medo de não estar preparada psicologicamente ou pensar não ter condições financeiras para sustentar a criança. Nesse sentido, vale ressaltar o caso do Uruguai, que legalizou o aborto em 2012, apresentou dados surpreendentes e significativos, coletados entre dezembro de 2013 e novembro de 2014, pelo Ministério da Saúde. Após o requerimento do aborto legal, a desistência aumentou em 30% (SILVA, 2016). A desistência aumentou justamente porque faz parte do procedimento legal o acompanhamento psicológico, que é essencial quando se trata de aborto. É imprescindível, em um processo de reflexão sobre o aborto, olhar para este tópico, pois mulheres que necessitam de tratamento médico por aborto esperam apoio, privacidade e respeito durante seu atendimento, mas isso não é colocado em prática, principalmente em países onde o aborto não é legalizado. Muitas mulheres vivenciam desrespeito e abusos nos serviços de saúde, o que caracteriza a violência institucional, definição estabelecida pelo Ministério da Saúde (2001) como sendo “aquela exercida nos/pelos próprios serviços públicos, por ação ou omissão”. Esse fenômeno causa ainda mais sofrimento para a mulher, e influencia negativamente na qualidade do cuidado prestado, além de atuar como impedimento para a reutilização do serviço de saúde. No contexto do aborto, são comuns os relatos de julgamento moral, adiamento da curetagem e baixo controle da dor no cotidiano da assistência. Uma investigação com 2.365 mulheres de áreas urbanas e rurais de todo o Brasil, realizado em 2010, mostrou que 53% daquelas que provocaram o aborto informaram ter sofrido algum tipo de violência durante a internação hospitalar. Entre essas mulheres, 17% disseram ter sido ameaçadas pela equipe de saúde com possibilidade de denúncia à polícia (FPA⁴, 2010). Ainda em 2010, outra pesquisa com 2.804 mulheres avaliou a qualidade do tratamento a pacientes que haviam abortado em hospitais públicos de Salvador, Recife e São Luís, e constatou que os cuidados oferecidos não es-
tavam de acordo com as normas da legislação brasileira, além do controle da dor ter sido frequentemente inadequado (AQUINO et al., 2012). Esse comportamento por parte das instituições de saúde públicas converte um espaço que deveria ser acolhedor em um espaço de ameaça para as mulheres. Ainda que, em muitos casos, não haja a denúncia, apenas a ameaça já abala uma confiança depositada no sistema de saúde pelas mulheres que o procuram, e vai contra o Código de Ética Médica (2009), que estabelece, no capítulo referente ao sigilo profissional, que é vedado ao médico “revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente”, nenhuma dessas exceções se aplicaria ao caso do aborto autoinduzido. O sigilo é um dos mais importantes suportes da relação médico-paciente, fazendo com que este último não tema esconder detalhes significativos para resolver seu problema de saúde. A recusa para ofertar analgésicos, as ameaças, a negligência nos processos de curetagem, uso de linguagem grosseira, repreensão e gritos, entre outras violências relatadas nas pesquisas supracitadas, são desrespeito aos direitos humanos básicos das mulheres. Faz-se necessária a sensibilização de profissionais de saúde para a violência de gênero e a melhor estruturação dos serviços de saúde, etapas significativas na assistência às complicações do aborto provocado.
Experiência de sofrimento, solidão e culpa É fato que o aborto é uma prática que envolve muitas esferas: jurídica, social, biológica, cultural. Porém, é necessário que sejam levadas em consideração as características e consequências psicológicas para as mulheres que realizam o abortamento. É imprescindível compreender o significado do aborto sob a perspectiva das mulheres que o vivenciam. Dentro de sua pesquisa com 12 mulheres que praticaram o aborto, Boemer e Mariutti (2003) perceberam forte sentimento de sofrimento e solidão vindos da experiência de interromper a gravidez: “...é ruim viu... é triste... nossa passei uma barra sozinha em casa... com dor... quando eu vi aquele sangue eu chorei, chorei bastante... uma dor que é incompatível... nunca senti uma
⁴Fundação Perseu Abramo.
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dor dessa tão forte e nessas horas foi que eu queria um apoio, alguém do meu lado.” (BOEMER; MARIUTTI, 2003, p. 63) Ainda no aspecto da dor, foi possível notar dois tipos de dor: física e existencial, como evidencia a fala abaixo: “Tive muita dor por dentro e por fora. Em tudo, no coração, dentro... chorei muito.” (BOEMER; MARIUTTI, 2003, p. 63) Além das manifestações verbais, foram notadas também outras formas de expressão não verbais que revelaram grande sofrimento, como o choro e os momentos de silêncio entre as falas. Também foi perceptível o alívio dessas mulheres ao verbalizarem a sua dor, o medo do julgamento e a necessidade de se defender ou se justificar. Muitas delas denunciaram a natureza frágil dos relacionamentos que mantém com seus parceiros, o sofrimento com a ausência, incompreensão e descaso: “... a gente desarmada, não dá pra gente insistir com a camisinha. Parece que se fizer jogo duro, ele vai embora e me deixa na mão...” [...] “... porque a mulher sofre e o homem não vê, não percebe o quanto que a mulher está sofrendo...” (BOEMER; MARIUTTI, 2003, p. 63) A análise dos depoimentos permitiu observar que o aborto gera sentimentos dolorosos para a mulher, e que essa prática parece, à primeira vista, uma decisão individual, mas envolve muitas circunstâncias ligadas a qualidade dos relacionamentos, dos projetos de vida dessas mulheres, e das pressões familiares e sociais vividas por elas. É preciso alcançar essa mulher em outra dimensão, além do cuidado físico, olhando para a sua existência enquanto uma pessoa inserida num grande contexto. É preciso um aparato médico (psicológico) que as ajude na expressão desses sentimentos. Pelo fato da enfermagem estar em maior contato com essa mulher, deve estar atenta a essas expressões, respeitando o tempo e espaço que a mulher pode conceder, e isso também diz respeito à uma questão de gênero, pois a enfermagem vem sendo praticada predominantemente por mulheres, o que pode facilitar essa aproximação e esse compartilhamento (BOEMER; MARIUTTI, 2003, p. 64). A solidão e a falta de apoio são fases que também fazem parte do abortamento. Esse sentimento de solidão foi identificado nos discur62
sos da pesquisa feita por Pedrosa e Garcia (2000), independente da causa do aborto: “... eu me sinto só. A partir do momento em que você passa para isso, você sabe que está só...” [...] “Eu estava ali sozinha... Estava num barco furado!” (PEDROSA; GARCIA, 2000, p. 50-58) O papel masculino em uma situação como esta foi deixado de lado nesse estudo em específico, mas é preciso que os homens entendam os seus direitos e os direitos individuais da mulher, que entendam os direitos e deveres enquanto coadjuvantes na prática do aborto, para a tomada de decisão do casal. O julgamento que há por parte de grupos mostra como a nossa sociedade ainda enxerga a maternidade como destino da mulher (PEDROSA; GARCIA, 2000). O direito sexual da mulher não tem finalidade na maternidade, isso não é lógico, pois a decisão sobre ter filhos ou não e sobre quando isso deve acontecer, é da mulher. É preciso que isso seja assimilado pelos profissionais da área da saúde para que não imputem ao tratamento, nenhuma convicção de cunho pessoal. Além dos sentimentos já citados, há ainda o sentimento de culpa, estreitamente vinculado ao modo como se constrói o significado de ser mulher: “O que todo mundo fala é que é uma coisa muito errada. É tanto, que é tudo às escondidas... Durante o aborto, eu só pensava que estava fazendo uma coisa muito errada... muito e muito mesmo... É errado... É uma vida que estava aqui!...” (PEDROSA; GARCIA, 2000, p. 50-58) O depoimento acima, como muitos outros na pesquisa de Pedrosa e Garcia (2000), mostra a natureza compartilhada do significado que as mulheres atribuem a essa conduta. Decidir pela interrupção da gravidez significou para estas mulheres a escolha por uma conduta moralmente incorreta, indo contra ao que haviam aprendido desde muito jovens: “Quando eu estava fazendo o aborto, eu pensei só que estava fazendo uma coisa errada, porque não é certo a gente tirar a vida de uma criança... Isso eu já sei desde pequenininha. Meus pais sempre me falaram que, se eu fizesse isso, esquecesse que eles existiam... Que eu era uma criminosa.” (PEDROSA; GARCIA, 2000, p. 50-58). 63
VIII. O DESIGN E A SOCIEDADE 64
Em inglês, a palavra design funciona como substantivo e também como verbo. Como substantivo significa, entre outras coisas, “propósito”, “intenção”, “forma” e na situação de verbo, significa “tramar algo”, “projetar”, “configurar” (FLUSSER, 2007). Design é um conceito complexo, e significa, ao mesmo tempo, o resultado do processo. Consiste em articular os signos visuais a fim de promover uma mensagem, fazendo uso de uma série de ferramentas e procedimentos. De acordo com Ono Considerando-se que o design envolve planejamento, seleção de modos de pensamentos e valores, entende-se que o designer é corresponsável pelas relações que se estabelecem entre os artefatos e as pessoas, bem como pelas suas implicações na sociedade. (ONO, 2006, p. 1) Logo, podemos traçar uma ligação estreita entre o design e a sociedade no qual ele está inserido. Ono (2006) observa acima, que o design pode ser uma ferramenta emancipatória, desde que se envolva no desenvolvimento de produtos que promovam o aperfeiçoamento e a auto expressão dos indivíduos e das sociedades, atentando-se ao contexto em questão (CARTER; DAY; MEGGS, 1993, p. 86), o que significa que o design também tem uma relação estreita com a cultura. Como afirma Bonfim A cultura de uma sociedade é formada pela produção de seus bens e valores, que através das coordenadas cronológicas e cosmológicas caracterizam as identidades das pessoas. A atividade artística, por excelência uma das manifestações culturais mais expressivas de uma sociedade, oferece exemplos dos diferentes modos de percepção e apropriação da realidade (BONFIM, 1999, p. 151) Assim como a cultura, o design está intimamente ligado às características como as sociedades se portam, mas com um diferencial: o designer como agente manipulador. Diante disso, o design não é um processo de progressão expansiva natural que vem ocorrendo espontaneamente desde o início dos tempos (SANTOS, 2006), mas sim uma mensagem determinada pelo designer, com seus recursos e inserido dentro de sua própria cultura, que imputa nela uma intenção. Essa intenção do design(er) tem competência para se tornar um grande facilitador nos processos de conscientização coletiva, transformando e libertando.
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RESULTADOS DA PESQUISA O aborto é, na maneira que se configura hoje no Brasil, um problema social. É absolutamente inviável manter sua criminalização, dentro de todas restrições que a nossa lei impõe. Mulheres que realizam o procedimento são julgadas pela sociedade, maltratadas por profissionais da saúde e tratadas como criminosas pela Constituição. Diante dessa afirmação, e como se constatou na pesquisa sobre o que é design, por ser um problema social, o aborto pode ser alvo de uma reflexão gerada pelo designer. Apesar disso, confirmou-se também a carência de publicações que relacionem, de alguma forma, os dois temas, a maioria dos artigos e livros pesquisados sobre o aborto estão inseridos dentro das áreas nas quais ele já gera discussões há anos: biologia, direito, religião. Percebeu-se também a importância do design enquanto instrumento articulador de mensagens inserido, cada dia mais, em nosso dia a dia: em tudo o que olhamos, comemos, usamos, está o design. Ademais, todo o contexto em que essas relações se inserem, seja qual for a região e cultura, é mitológico. Isso quer dizer que suas origens são desconhecidas e elas se repetem em qualquer época e em qualquer lugar do mundo – mesmo onde não é possível explicar sua transmissão direta. São, parafraseando Jung, tão instintivas quando o voo das aves, sua dança no ar. Bill Moyers, em sua introdução para O Poder do Mito (1995) conta uma das histórias favoritas de Joseph Campbell: No Japão, durante um congresso internacional sobre religião, Campbell entreouviu outro delegado norte-americano, um filósofo social de Nova Iorque, dizendo a um monge xintoísta: “Assistimos já a um bom número de suas cerimônias e vimos alguns dos seus santuários. Mas não chego a perceber a sua ideologia. Não chego a perceber a sua teologia”. O japonês fez uma pausa, mergulhando em profundo pensamento, e então balançou lentamente a cabeça. “Penso que não temos ideologia”, disse. “Não temos teologia. Nós dançamos.” (CAMPBELL, 1995, p. 13) 66
E assim, o projeto ganhou mais motivação e força para responder de forma afirmativa à sua pergunta inicial: Seria possível por meio do design gráfico criar um ambiente comunicacional e simbólico mais favorável a um processo sociocultural de descriminalização do aborto na sociedade brasileira contemporânea?
REQUISITOS PARA O PROJETO
Por ser uma publicação editorial, foi necessária para o projeto uma ampla pesquisa sobre publicações independentes e zines, para que assim fosse criada uma base de inspiração. Também foi feita uma pesquisa relacionada a metodologia do design gráfico através dos livros A História do Design Gráfico de Philip B. Meggs e A Linha do Tempo do Design Gráfico de Chico Homem de Melo. Também foi realizada uma ampla pesquisa com o intuito de encontrar ferramentas e linguagens visuais adequadas ao objetivo do projeto. Ademais, foi feito um briefing com base nas pesquisas supracitadas, a fim de traçar diretrizes que nortearam as escolhas visuais e técnicas durante o projeto, e também um recorte do conteúdo a ser publicado. Dentro desse processo, se fez imprescindível a criação de uma identidade visual para o livro, pois sendo a primeira comunicação com o público, deverá traduzir as sensações pretendidas pelo projeto, complementando o conteúdo verbal.
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ESTUDOS DE CONCEPÇÃO Grid e diagramação
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Painel semântico usado como referência para a diagramação do projeto gráfico. Designers como Bankov e Carson trabalham no limiar da legibilidade, fazendo com que a informação nem sempre seja o objetivo principal de seus projetos e sim as sensações obtidas pelo conjunto visual, Já Brockmann e Zwart exploram o grid em suas proporções, mas só até o ponto em que isso não interfira na mensagem principal. Nesse projeto, o objetivo foi buscar um equilíbrio entre as possibilidades do grid para a construção de uma estruturação dinâmica dos elementos e, ao mesmo tempo, manter determinados padrões na disposição do conteúdo propriamente dito. Para isso, foi utilizado um grid modular de 6 colunas, objetivando o maior número possível de alternativas na disposição dos elementos e relação entre eles, mas também mantendo a simetria, por ser um grid com número par de colunas e módulos.
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Conceito visual
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Painel semântico com referências visuais para o projeto. Foi utilizado como principal referência o movimento de subcultura punk, combinado a uma visão social feminista, Riot Grrrl que se iniciou na década de 1990. Uma ação que tinha o objetivo de incentivar mulheres a se expressar e produzir da mesma maneira que homens faziam há anos, fazendo com que o movimento se expandisse para além do cenário musical, gerando publicações independentes criadas de mulheres para mulheres (zines), valorizando artistas visuais, produtoras e promovendo encontros de ativismo político. Grupos ligados a essa ação frequentemente lidam com temas como estupro, abuso doméstico, sexualidade, racismo, patriarcado e empoderamento feminino. Diante dessa inspiração, foi feita uma pesquisa sobre designers que utilizam as técnicas de publicações independentes do Riot Grrrl: páginas carregadas de informações, colagem, sobreposição de elementos, ruídos, linhas expressivas e rabiscadas, poluição visual, características pretendidas pelo livro a ser criado.
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Padrão cromático Por se tratarem de publicações independentes, os zines não possuem uma variada paleta de cores em sua composição. Muitas vezes, é utilizada apenas a cor preta sobre um substrato branco ou colorido. Baseando-se nisso e procurando aproximar a identidade visual do livro com a de uma publicação independente, foram usados o branco e o preto, além do rosa escuro como cor principal, e uma paleta de tons próximos a ele como apoio, para elementos secundários e edições das colagens. Em todas as pesquisas feitas, pode-se constatar sentimentos em comum nas mulheres que já abortaram: dores físicas e emocionais, solidão e, principalmente, medo. Porém, o projeto volta-se para o oposto dessas sensações que seriam traduzidas em cores frias, procurando suscitar sentimento de valorização da mulher (num processo que é biologicamente feminino), a coragem encontrada nos depoimentos, tanto para a tomada de decisão quanto para o enfrentamento da situação — nada agradável — sozinha, além da prontidão e empatia que, combinadas, geraram uma grande rede subversiva de apoio às mulheres que se encontram nessa situação, enquanto esse suporte não parte do Estado.
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Padrão tipográfico Nas escolhas tipográficas, percebe-se a preferência por tipografias que imitam a máquina de escrever e que possuem ruídos, que vem de encontro tanto com a subcultura punk, quanto com a subversão pretendida pelo feminismo, característica presente nesse trabalho, remetendo a sensações como angústia, raiva, sufoco e dor. Além disso, os ruídos também são causados pelo próprio processo de reprodução das publicações, uma vez que este é feito de forma autônoma, e muitas vezes com recursos limitados, pelos criadores de conteúdo. Imagem 25
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Naming “Knockout” é um termo em inglês utilizado, no esporte, para caracterizar um golpe decisivo dentro de uma luta. Luta. Essa palavra permeou todo o projeto, desde a escolha do tema até o produto final, cujo objetivo principal é contribuir num longo processo de emancipação feminina, que se iniciou há algum tempo e, apesar de estar se intensificando, ainda frustra. A decisão de escolher entre ter um filho ou não — ligada a diversos direitos já citados nesse trabalho — é parte intrínseca desse processo. Para chegar a esse nome, foram necessários alguns processos para entender e definir características e diretrizes fundamentais do projeto. Foi feito um brainstorming com as palavras-chave relacionadas ao livro, definindo o que ele é e o que ele não é, e também delimitadas relações entre o projeto e o leitor, a partir de um diagrama de personalidade. Também foram consideradas algumas características para o nome, como fonética, memorabilidade e grafia.
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O que o projeto é: próxima despretensiosa viva orgânico ritmo
imersão dentro forte íntima
O que o projeto não é: indiferente submissa frágil insegura
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solidão tecnológica distante
gestual cores vivas ritmo formas orgânicas íntima fluida feminina informal
amigável forte imersão livre
empática sintonia beleza agitada
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DESENVOLVIMENTO DO PROJETO Cores
Tipografia
ASPLHALTIC C 40 M0 Y0 K 100
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Frank Ruhl Libre
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Memorial descritivo Tipo de impresso Livro Tema do projeto Aborto Título do impresso KNOCKOUT: a luta feminina pela escolha Conceito editorial do impresso Publicação independente artesanal Tiragem (estimada) 200 Público-Alvo O público alvo desse livro não se distigue por gênero ou idade, são pessoas que se interessam por causas sociais, e estão dentro de todas as classes, pois conforme constatado pelas pesquisas com mulheres que já abortaram, é uma prática realizada independente do poder aquisitivo. Padronização gráfica Grid: Grid modular com 6 colunas
Fontes utilizadas: Asphaltic Scratch (títulos), Selectric (subtítulos), Frank Ruhl Libre - tamanho 11pt, entrelinha 13,2pt (texto). Padrão cromático:
Elementos de apoio: colagens, rabiscos
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Impressão Capa Formato Aberto: 360 x 215 mm; fechado: 180 x 215 mm Suportes utilizados Papel offset 120g 4x4 / Escala Europa CMYK Processo(s) de impressão indicado(s) Offset Acabamento(s) gráfico(s) utilizado(s) Encadernação manual japonesa e camada externa de acetato para conservação Impressão Miolo Formato Aberto: 360 x 215 mm; fechado: 180 x 215 mm Suporte(s) utilizado(s): Papel offset 90g 68 lâminas/ páginas 4x4 / Escala Europa CMYK Processo(s) de impressão indicado(s) Offset Impressão Luva Formato Fechado: 185 x 220 mm Suporte(s) utilizado(s): Papel cartão duplex 4x0 / Escala Europa CMYK Processo(s) de impressão indicado(s) Offset Acabamento(s) gráfico(s) utilizado(s) Pintura feita à mão Pré-Impressão Software(s) / plataforma utilizada para editoração InDesign Software(s) / plataforma utilizados para manipulação de imagens e criação de ilustrações Photoshop e Illustrator Resolução impressa a ser utilizada 300dpi
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DOCUMENTAÇÃO DO PRODUTO Imagem 44
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde o começo, quis falar sobre aborto, mas durante todo o percurso, me perguntei o que o design tem a ver com isso. Com esse projeto, pude entender um pouco mais a fundo as questões que envolvem o aborto, muito além do “contra” e “a favor” que já repeti, sem pensar no que estava assentindo. Fui além do que imaginava para olhar essa questão de perto e do início, visitei os mitos que antecedem a complexidade global na qual nos inserimos hoje e me surpreendi com o quão próximos estamos deles. Trabalhar com temas relativos à mulher é um prazer, mesmo em se tratando de uma adversidade a ser enfrentada, principalmente porque, como mulher, a empatia pelas pessoas que passaram por essa situação é natural. Em muitos momentos, o projeto saiu do computador e invadiu meu dia a dia, seja na revolta e na dor que senti lendo/escrevendo, seja nas brigas que travei, comigo mesma e com os outros, cada vez que adentrava os cenários que eu nem imaginava que existiam. De modo geral, me envolver com vivências das quais não faço parte no cotidiano foi muito enriquecedor, a reflexão sobre a emancipação feminina me encanta e acompanha, e espero conseguir cativar esse pensamento em outras pessoas. Termino esse processo relativamente satisfeita com os resultados alcançados, porém muito consciente de suas lacunas e imprecisões. Agora, no final do processo, entendi não só o que o design tem a ver com o aborto, entendi o que ele tem a ver comigo também. A profissão do designer é carregada de sentidos além do estético, através dela e de suas ferramentas, é possível observar-se, e só quando nos observamos e observamos o mundo ao nosso redor, percebemos o que somos, descobrimos o que não somos, imaginamos onde podemos ir...
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IMAGEM 34 - Diagrama de personalidade de Joan Costa (2009). Fonte: acervo pessoal. IMAGEM 35 - Disposição de elementos Fonte: acervo pessoal. 101